Capítulo XII

A Herdeira

Eu me encontrava nas ruínas de um castelo,mas não um castelo qualquer.

Era o Castelo De Gelo.

Evitei uma exclamação tampando minha boca com as mãos. Em todos os anos de reinado em Nárnia eu havia evitado aquele lugar,nunca havia entrado ali antes,pelo menos, não sozinha.

Apesar do lugar mostrar claramente sinais de abandono,como degraus, que outrora foram da gigantesca escada que levava ao trono, mas que agora estavam quebrados,pedaços de gelo que antes pertenciam ao teto abobado jaziam quebrados no chão e por todo o lugar se espalhava um silêncio doloroso. Aquilo me dava arrepios.

Avancei alguns passos com o intuito de vasculhar o lugar à procura da misteriosa garota,mas depois de pular por cima de uma coluna de gelo quebrada no chão,ouvi passos vindo de algum lugar à minha direita,mais que depressa me joguei no chão me escondendo atrás da coluna no chão,que poderia ter bem 1 metro –ou mais- de espessura.Meu coração martelava forte em meus ouvidos,cada respiração minha lançava uma pequena névoa a minha frente.Trinquei meus dentes a fim de fazer parar o tremor de frio e de medo que tomava minha conta.Alguns segundos depois ela apareceu,caminhando com os mesmos passos suaves de antes,a mesma sensação que meu sangue estava sendo tranformado em gelo se apoderou de mim e aumentava cada vez mais a cada passo que ela se aproximava.

Era incrível como eu parecia estar totalmente consciente do perigo que aquela situação me proporcionava e mesmo assim não conseguia sentir medo.A garota passou bem na minha frente seu vestido apenas a alguns centímetros de distância do meu toque,bastava apenas eu estender minha mão,mas ela não me viu,apenas seguiu reto indo para a direção à minha esquerda.Levantei minha cabeça alguns centímetros para tentar ver o que a garota faria a seguir.

Não sei se aquilo tinha aparecido do nada ou só se eu não havia visto antes.Um grande arco,preenchido com uma superfície lisa de gelo agora ocupava grande parte do centro do salão.A garota estava com a mão fechada em punho em torno de algo abaixo de sua clavícula – um colar.Seus olhos estavam fechados com força e seu braço esquerdo estava estendido,as pontas dos dedos brancos tocando a superfície de gelo com delicadeza.

–Estou aqui.-Ela disse num tom baixo,porém enregelante de voz.Só pude associar o som de sua voz com todas as outras coisas que pareciam a compor.Sua voz era fria,cortante e afiada,tal qual o gelo.

Me concentrei em manter a respiração baixa e os batimentos cardíacos controlados,apesar do nervosismo que eu sentia.Agora no “espelho” uma imagem se formava – a imagem de uma mulher.Depois de alguns segundos de penoso e pesado silêncio,a imagem no espelho havia se formado por completo.Mesmo de longe eu podia reconhecer o que,ou melhor,quem era ,por causa das ilustrações dos livros puídos sobre a história de Nárnia.Era a Feiticeira Branca.

–Aimee.-Ela disse, o som de sua voz parecia vir de um lugar abafado.-Você demorou dessa vez.

A garota,que supûs se chamar Aimee,estremeceu antes de responder com uma voz solene:

–Tive que ficar mais tempo que o normal,as coisas mudaram.

–O que você quer dizer com “as coisas mudaram”?-a Feiticeira disse rispidamente,mas dessa vez,Aimee não esboçou nenhuma reação.

–A Rainha voltou.Falo de Heloíse,a Filha de Eva.-Ela fez uma pequena pausa antes de continuar com sua voz susurrada.-E os dois Antigos Reis,os mais novos, retornaram.

A Feiticeira soltou uma gargalhada aguda e arrepiante de deleite,nesse momento me encolhi um pouco e deixei que meu corpo escorregasse um pouco mais para o chão,mal podendo acreditar que aquela criatura contnuava de algum modo...viva.

–Ora,Edmundo e Lúcia estão aqui!Mas que agradável...notícia.-Concluiu ela depois de tomar fôlego.-O chamariz deu certo!Eu lhe disse,querida!Não disse?-ela perguntou,porém Aimee não respondeu,o que permitiu a Feiticeira de continuar seu discurso.-É claro que o nobre Aslam não deixaria que seus queridos narnianos continuassem a morrer,eu tinha certeza que ele traria os Filhos de Adão e as Filhas de Eva outra vez.

Aimee abaixou os olhos alguns centímetros e algo na expressão da Feiticeira mudou;

–Olhe para mim quando falo com você!-Cuspiu ela.Aimee rapidamente ergueu os olhos e assumiu sua expressão sem vida outra vez.-Você me deve respeito!Me deve gratidão!Eu poderia muito bem ter te abandonado por aí e deixado que morrese na floresta,mas eu a aceitei,e a criei.Lhe ensinei tudo o que você sabe.

Aimee parecia um pouco abalada,mas por fim falou algo:

–Desculpe,mãe.

Senti toda a cor que restava em meu rosto sumir.Mãe?Como assim,”mãe”?A Feiticeira havia deixado uma Herdeira,mas como isso poderia ser possível?

–Você sabe o que tem que fazer agora,não é,querida?-Aimee assentiu.-Não se fazem mais necessárias as mortes de narnianos,você tem um alvo maior a atingir.

–Sim.-Concordou a garota com os olhos fixos na imagem da Feiticeira.

–Se lembra do que eu te disse sobre o garoto,o Edmundo?Se lembra da profecia?-Insistiu Jades.

Meu corpo inteiro se enrijeceu ao ouvir o nome de Edmundo,ao pensar que ele poderia correr perigo, e eu sabia que cada palavra que eu ouviria dali para a frente seria de extrema impotância.

–Sim,mãe.

–Você precisa trazê-lo até mim,para que eu o mate.Entende isso,não é,querida?-Mesmo sendo um mero reflexo,a Feiticeira parecia emanar poder,um poder que parecia deixar a garota,sua filha,vulnerável.

–Entendo.-Aimee respondeu mecanicamente,quase omo se estivesse completamente entediada.

–Então vá,não temos tempo a perder.Sei que você sabe exatamente o que fazer.Dessa vez,quero que volte apenas quando tiver o garoto nas mãos.

–Trarei-o em breve.

–Espero que sim.Ultimamente,Aimee,você tem sido uma decepção.-A Feiticeira disse como se estivesse saboreando cada sílaba,e depois as lançando contra a menina,mas Aimee não esboçou nenhuma reação aparente.

–Estou indo.-A garota disse soltando cada um dos dedos da superfície de vidro.

–Traga Edmundo.-Disse a Feiticeira,a voz parecia mais distante agora que apenas o indicador de Aimee tocava o gelo.

Então Aimee tirou completamente a mão dali,abriu a mão que envolvia o colar,e caminhou,seus passos duros e rápidos ecoando por todo o castelo, até o lugar por onde havia entrado e depois de alguns segundos,o som de seus passos cessou.

Peguei meu arco do chão e levantei-me vagarosamente,com medo de que ela ainda estivesse por ali.Dei alguns passos e ouvi todos os meus ossos estralarem.Minhas pernas estavam enrigessidas por conta de todo o tempo que passei encolhida no chão escutando aconversa.Depois de me certificar que eu estava em bom estado,olhei para trás,o estranho espelho agora havia desaparecido,e então voltei minha atenção para o lugar por onde eu havia entrado.Caminhei decidida até lá e atravessei a passagem,quando abri os olhos,estava na floresta outra vez.

Dessa vez não olhei para trás nenhuma vez.Apenas corri.Corri com todas as minhas forças como se tudo em que eu acreditava dependesse davelocidade que eu conseguisse correr.

Se o plano de Aimee era matar Edmundo,eu precisava chegar logo em Cair Paravel.Não deixaria acontecer de novo.Não ficaria apenas observando enquanto via uma pessoa querida morrer.Dessa vez,eu estava preparada,sabia dos planos e faria de tudo para que eles não se concluíssem.Se fosse necessário,sacrificaria até mesmo meu bem mais precioso.

Minha própria vida.