The Dark Behind The Light escrita por Baikal, lyra


Capítulo 3
Capítulo 2 - Um mundo de entretenimento




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Capítulo 2 – Um mundo de entretenimento

Não estava um clima muito bom dentro do furgão, que circulava por bairros populares enquanto os hunters analisavam os dados novos que obtinham pela comunicação recentemente estabelecida. Deixaram o quanto antes o distrito teoricamente abandonado, mas que abrigava gangues hostis a qualquer intruso. E a morte repentina do reploid ainda não fora compreendida. Uma amostra do DNA era analisada por Lifesaver e outros cientistas dos Maverick Hunters. Por ora, cumpriam a sugestão de Signas: patrulhar áreas comuns da cidade, para conhecerem mais a seu respeito e estarem de prontidão. Em tese, deviam “passar o tempo”, mas o tempo passava devagar para os dois, que estranhavam os ambientes de entretenimento abundantes por todo o lugar. X se ocupava mais com esta surpresa, o outro estava mais distraído devido ao tal holo-vírus e à questão... se os reploids podiam estar sob efeito de um vírus, os humanos com eles, agiam por quê?

Já era tarde e em alguns painéis havia notícias em que constava o “sumiço” dos Maverick Hunters diante do coletivo de repórteres. Um dos depoentes no vídeo era um reploid com feições de gato, o chefe da polícia Edkatt. “Os Maverick Hunters são uma força policial controversa. Foram criados para combater inimigos que em grande parte, saem das próprias fileiras deles. Deste jeito não conseguem proteger nem a si mesmos. Quanto mais à paz da sociedade de reploids e humanos. A nossa polícia não vai tolerar intervenções deles que forcem a ordem de nossa cidade. Aqui o critério é estar dentro da lei. Se estiverem fora, vão se arrepender”.

Muitas pessoas circulavam a pé pelo passo à frente das lojas, estas olhavam para as telas imensas onde viam a entrevista do chefe de polícia, seguida de imagens do veículo dos Hunters em manobras arriscadas para evitar o trânsito pesado. Não poupavam comentários ou mesmo acusações quando viam que logo a seguir estava em sua própria imediação o tal furgão. Zero olhou para X, que estava oprimido por aquela má recepção.

- Não ligue, X, não podíamos esperar por mais. Está na cara que iludem essas pessoas. Como pode haver uma polícia eficiente se há um exército de desabrigados morando em escombros? Vamos nos concentrar em fazer nosso trabalho.

- Hai, Zero. Mas não seria bom circularmos menos? Daqui há pouco irão aparecer mais jornalistas e também precisamos de um lugar que sirva de base.

- Verdade, vamos ver isto agora mesmo.

E consultando a um dos guias já fornecidos pela base, encontraram um hotel, mas alugaram apenas a vaga de estacionamento, permanecendo no furgão. Zero reclinou a sua cadeira, quase deitando, esticando os braços e bocejando.

- Hwaaaah! Eu já estava cansado de tanto dirigir, e de esperar.

- Eu também – disse X, levantando e ligando o monitor em sintonia com os canais de transmissão local, parou próximo a ele, curioso.

- Falando nisto, espero que Alia consiga as informações que precisamos sem que tenhamos de visitar a tal cientista. Eu não quero estar perto de um repórter nos próximos 12 ciclos.

E os amigos riram, pela primeira vez descontraídos desde que chegaram. Na tela, um lugar aberto e imenso aparecia, cercado por arquibancadas e holofotes. No centro, um único homem estava, falando qualquer coisa, só entendida depois que X aumentou o volume. “...e senhoras, hoje, o canal Arena cumpre com o prometido, e mais uma vez, traz o nosso herói, o inigualável defensor furioso, o justiceiro e guardião, Shiiieeeeeeeld Marauder!”; a multidão lançou um grito de empolgação em seguida. Embora o canal transmitisse para cada um, em seus lares, tão bem ou melhor quanto podiam ver ali, sentados na arquibancada, muitos retornavam a este hábito antigo e eram fãs espectadores presenciais, especialmente, quando seu maior ídolo aparecia na cidade. Zero levantou-se um pouco, olhando desconfiado da importância do vídeo para deixar tão intrigado seu parceiro.


# # #


O teletransporte vermelho, com centelhas espalhadas em várias direções atingia o ponto atrás do apresentador. O mesmo apontava para o vulto que aparecia ajoelhado assim que a luz sumia. Todas as luzes tinham a mesma direção. O reploid de armadura púrpura aos poucos se levantava, abrindo os braços, o destro equipado com um escudo circular bem grande. Era bem maior que uma pessoa normal, tinha linhas e detalhes dourados nas suas cores, além de um cristal azul em cruz em seu peito, e outra, em “x”, nas costas. Seu rosto era coberto pela sombra do capacete, que era bem largo, com um vão na frente que lembrava um “M” de Marauder - deste vão é que o reploid lançava o olhar cinzento para a platéia a cercá-lo. Por toda a armadura haviam muitos cravos, que além de uma estética agressiva, tinham um uso especial com Marauder.

Em meio a ovação da torcida, a voz do humano ressoou por todo o estádio e por milhares de auto-falantes, de cada lugar do mundo que assistia a esta transmissão. “Marauder hoje retorna à Eveland, sua terra natal, sua pátria, para defendê-la e elevar sua glória. No desafio de hoje, exclusivamente para vocês e para o canal Arena, Shield Marauder coooooontra Oooover Sigma!”

Aquele povo todo silenciou, enquanto apenas Marauder conservava-se sem mostrar-se alterado pelo anunciado. O piso abaixo dele tremeu e comportas se abriram, das quais subiram paredes largas com lentes vermelhas circulares pontuadas em sua superfície. As colunas erguiam-se formando o que pareciam caixas e paredes, e uma delas ia mais alta, e lá em cima um enorme humanóide tinha uma postura ereta e olhos violetas luzindo era a única mostra de cor, o restante todo era apenas cinza-chumbo. A maioria dos espectadores conhecia aquela etapa do show, mas os que assistiam pela primeira vez, se maravilhavam com a transformação daquele cenário geométrico em um vivo ambiente urbano, a iluminação projetava luz de uma tarde vermelha e a arena se transformava em um pequeno trecho de uma cidade imaginária, em que Over Sigma, um personagem fictício inspirado no vilão máximo, observava de sua torre a chegada do invasor. O enredo era facilmente sugerido pela visão, mas também tinha sido redigido pela edição do programa de lutas: Over Sigma era impossível de ser derrotado. Por isto, tanto temor das pessoas ao verem ele ser colocado em cena. Afinal, as lutas eram reais no Arena. Geralmente mechaniloids controlados a distância, por “players gladiadores”. Em alguns casos, reploids enfrentavam mechaniloids, mas nunca um mechaniloid tão poderoso quanto Over Sigma prometia.

Claro, também havia descrédito, se Shield Marauder fosse derrotado por um mechaniloid haveria grandes problemas para o responsável. E estes resmungavam comentários e críticas. Mas o grande público não se importava se era farsa ou não, motivava-se pela expectativa de uma grande luta, entre dois titãs e por isto, rompia-se o silêncio do breu das arquibancadas com uma alta gritaria de incentivo, Marauder era chamado a lutar por eles, seus fãs. O escudo foi erguido próximo ao rosto, em uma posição defensiva clássica de si e a voz tenebrosa de Over Sigma iniciou o confronto.

- Nenhuma escória pacifista vai atrapalhar meus planos. “Morrrra” Marauder! E torça para isto acontecer antes de chegar à minha frente, pois se for assim, terá um destino ainda “piorrr”.

A fala excessivamente dramática era seguida de uma vaia, ignorada pelo antagonista, mas recebida com um sorriso pelo protagonista. O escudo logo revelou-se útil, pois os canhões das torres defensivas iniciais dispararam rápida e sucessivamente contra o reploid, que primeiro apenas fez defender-se, depois, saltou rápido para uma das torres e a derrubou com um encontrão de seu escudo. Rolou, voltou a ficar de frente para os canhões e a bloquear os disparos. Angulando corretamente, o disparo da segunda torre voltou contra ela própria, causando sua ruína. Restava uma, e contra esta Marauder correu com a guarda abaixada, passando muito rápido pela mesma – uma luz brilhou e quando conseguiram encontrar onde o herói estava, a torre caía partida ao meio. O guerreiro já guardava o cabo de sua espada de energia em sua cintura. Os três bastiões arruinados tinham Shield ao centro, olhando para o portão adiante, guardado por uma dúzia de guerreiros com rifles e sabres de plasma. A bela voz, com entonação ensaiada, saindo perfeita e emocionante, ergueu-se ao passo que o ator fechava os olhos.

- A paz tem pressa. Pela justiça, e pelos oprimidos. Não pense que irá me atrasar ou atrapalhar com seus lacaios, esta guerra acaba hoje!

E agora, fez luz em sua espada, que usava à mão esquerda, ao lado do escudo, preparado para dar combate aos inimigos, que já avançavam em carga – ao fundo, a risada maligna do vilão zombava da afirmativa do herói.


# # #


Animado, X olhava para a tela quase sem distrair-se, apenas com Zero que tentando relaxar, não conseguia, nem prestava atenção no vídeo, nem em seus pensamentos, apenas revirava-se incomodado em seu assento reclinado.

- Zero, porque não assiste ao programa? É aquele herói de que falaram os repórteres, lembra?

- Eu sei, eu sei... Por isto mesmo não tenho interesse. Você acha mesmo que alguém que luta em cenários holográficos e contra mechaniloids para o divertimento dos outros tem chance contra Sigma ou outro Maverick de porte?

- Bom, eu não conheço ele, parece estar lutando para agradar mesmo, mas tem habilidade para conseguir fazer tudo isso. E ... Não é para divertir mesmo que ele está lutando agora? Parece estar fazendo bem para aquelas pessoas da platéia.

- Pode ser. Desculpe ter incomodado X, pode continuar assistindo.

Zero passou a assistir junto com X ao que sucedia na batalha entre S. Marauder e Over Sigma: Marauder havia derrubado todos os inimigos e o portão a golpes de espada. O sombrio mechaniloid líder enviou minas voadoras e explosivas pelo trajeto de escadas acima do gladiador, as quais foram evitadas com maestria. Também caíam e explodiam degraus, tornando a subida em espiral bastante adversa, mas enfim, superada. No terraço, contudo, havia ainda a torre armada de Over, que lançava granadas com abundância, ao passo que um laser cortante era disparado de um cristal ao centro da torre. A área para acrobacias que evitassem os danos era mínima e algumas das explosões atingiam Marauder, o que aumentava a “realidade” da luta, pois o reploid realmente estava ferido e cansado.

- Mwahahahahah, então, Marauder? Como pretende destruir um alvo que nem o deixa se mexer? Em breve não terá mais forças e cairá aos meus pés.

- Nunca vou cair, antes que seja derrotado!

- Prove suas palavras com atos, até agora, não conseguiu nem se aproximar do meu bastião bombardeiro.

E parecia ser realmente uma deficiência da técnica de Marauder, ser um combatente estritamente de corpo a corpo. Apenas parecia, pois Marauder arremessou seu escudo contra o cristal atirador e ali ficou girando, serrando o mineral até que se partisse, retornando pelo fio magnético que o ligava ao braço direito dele. A torre entrou em explosões consecutivas e o vulto encapuzado de seu mestre saltou para o lado oposto do terraço. Jogando sua capa para longe, a face conhecida de Sigma aparecia novamente, mas adornada de uma coroa. O corpo tinha uma armadura prateada, com punhos e pernas dourados. O corpo todo dele fumegava na cor violeta, como se exalasse poder. A visão de Sigma causava alguma paralisia em X, e um sorriso em Zero – era humilhante para o inimigo então extinto que tivesse naquela encenação apenas a atuação de um reploid, que como todos sabiam, ia perder para o herói. X pensava em outra coisa, em um retorno de Sigma, tinha um mal pressentimento ao ver aquela brincadeira com o ex-comandante.

- É chegada a hora da batalha final, você foi longe e como eu prometi, vai sofrer por isto.

- Não se superestime, Sigma, é sempre um erro.

- Não quando se enfrenta lixo como você. Cale-se!

O vilão abria os braços para os lados, em ângulo reto com o corpo, e em cada uma das mãos surgia uma esfera de energia púrpura, ele reunia as duas mãos e esferas a frente do corpo depois e arremessava em direção a Marauder, que esquivava em um salto esforçado, desabando o ponto atingido pela imensa força energética. Uma série de ataques a distância foram feitos, depois esquivados ou bloqueados, e numa brecha entre os ataques, Marauder investiu com a ponta de sua espada, mas o golpe feriu de modo insuficiente, e permitiu que Over Sigma acertasse um gancho energizado no queixo de Marauder, que subiu alto, assim como seu elmo, caindo os dois longe. Com Marauder atordoado. De certa forma, até os experientes hunters eram carregados com alguma tensão, no mínimo, de curiosidade, quanto ao desfecho da luta.

Com o salto de Over Sigma e a captura de Marauder pelo pescoço, seguida do estrangulamento e mais da risada insana, uma nova vai se levantava em reprovação e a queixa dos espectadores era atendida por um feixe de luz, um tiro que atingiu a mão do mechaniloid, e depois simplesmente um clarão multicolorido. Com luz azulada cintilante ao seu redor, surgia sobre os escombros da torre a heroína, Fallen Star! A reploid de belas formas femininas, cabelo dourado-claro e trajes brancos com entalhes azuis e prateados. Em sua fronte havia uma jóia na forma de estrela azul de quatro pontas, logo abaixo, olhos de um azul bem claro misturavam agressividade e sedução. Apontando seu rifle para Over Sigma ela não o poupou até que soltasse Shield e se afastasse. Ao que ele fez isto, alvejado, Fallen foi rápido àquele que era conhecido como seu verdadeiro amor, ajudando-o a levantar.

- Que patético! A ajuda de sua namoradinha não vai impedir sua derrota.

- Você está errado, Over Sigma, a chegada dela significa que eu já venci!

Fallen imediatamente agarrou Marauder e beijou-o, transmitindo-lhe com isto uma aura luminosa, afastando-a devagar, Marauder avançou novamente contra Over Sigma, bloqueando os dois disparos que este conseguiu fazer antes de chegarem em combate de curto alcance. Trocaram golpes de punhos, espada e escudo, até que Marauder passou a dominar o duelo, pois atacava mais rápido e com menos exaustão que Sigma, até que Shield Marauder o atingiu em um ombro com o escudo e decepou o outro braço, perfurando um joelho e concluindo com um empurrão no vilão. Os danos de Over Sigma pareciam ser o suficiente para aproximá-lo da morte, então ele incitava o herói a decadência mais uma vez:

- Vamos lá, falso herói, você mostrou que é uma máquina de guerra pior que eu, me mate. Me mate e tome meu lugar, sempre haverá um Senhor da Guerra. A paz é um desejo tolo, só isto. Ou será que não tem coragem de concluir o que veio fazer aqui?

E Marauder, após inspirar fundo, buscando um movimento sem culpa, pisou sobre Sigma e ergueu a espada para apunhalá-lo, quando foi interrompido por Fallen Star.

- Meu amor, você vai realmente matá-lo? Esse ciclo de ódio vai poder acabar desse jeito?

- Não se preocupe, querida, eu vou exterminar o mal que há nele, mas não vai haver mortes hoje, apenas a vida. Liberte-se, Sigma!

A lâmina da espada brilhou não mais em verde fluorescente, agora tinha uma luz dourada e faiscante, ela foi movida com rapidez para o peito de Over Sigma, causando em seguida uma explosão de energia – ao mesmo tempo, todas as luzes do estádio apagaram. Quando a escuridão formou-se plena, acenderam as lâmpadas, e Sigma estava novamente com as cores verdes que tinha quando foi o comandante dos Hunters. E ali ele dava a mão a Marauder, erguendo-se e seguindo com ele e Fallen até a base da arena. Uma música calma e alegre indicava o final da história, e o narrador começava a falar sobre “novos tempos,...” a conclusão real do espetáculo se dava com tradicionais reverências dos artistas-lutadores, incluindo o mechaniloid cinza que fazia Over Sigma, e os aplausos do público.

- Quem dera fosse tão fácil... - Zero sussurra, um pouco desapontado com o final da cena, embora tenha acompanhado com interesse os passos que a precederam. Levantava-se e ia até o interior do furgão, X o seguiu, também já sem empolgação.

- Sim, não é fácil. E nunca houve poder de libertação do mal, a história é sempre a de mais uma morte. O que vai fazer, Zero?

- Temos duas Hover Bikes aqui, versões “à paisana” das nossas Ride Chasers. Vou circular nos arredores com ela, coberto com isto. - apontou para um sobretudo com capuz castanho escuro. Assim posso pegar informações do meu jeito, e sem câmeras. Eu já volto X, mantenha contato com a base.

- Roger, tenha boa sorte, Zero.

- Obrigado, X.

Pouco tempo depois deixava o estacionamento uma “Hover Bike” preta com detalhes em metal cromado, idêntica às Chasers, mas seus canhões estavam ocultos na forma de lanternas de longo alcance, e as turbinas ocultas por placas pretas. Além do sobretudo, que ocultava a armadura vermelha e a farta cabeleira, Zero apertava o capuz para que não se soltasse quando a velocidade aumentasse. Misturado a uma imensidão de veículos, Zero desapareceu da atenção de terceiros.

No furgão, X tornou a olhar para a transmissão do Canal Arena, em que agora respondia a uma entrevista os dois heróis, que acabavam de convidar X e Zero para uma conversa nos estúdios, para iniciar uma amizade, desfazer boatos e, quem sabe, trocar golpes em uma luta amistosa para o público.

- Difícil, mas se Signas fizer disso uma missão, pode ser que vocês consigam. - “Conversou” com a tela, antes de desligá-la. Apesar de sorrir, X sentia-se novamente com pressentimentos ruins, separarem-se talvez fosse um problema.


# # #


A tarde avançava lentamente, o trânsito seguia um ritmo análogo, a maioria dos condutores e passageiros deixava por conta do controle automático de tráfego o seu deslocamento, enquanto seguiam ocupados em trabalho ou diversão. Alguns vazavam os ares em pequenos jatos para fazer movimentos urgentes e o transporte popular acontecia em trens de superfície e subterrâneos. Uma minoria mantinha um hábito antigo, de dirigir por prazer de acelerar uma máquina feita exclusivamente para ser veloz, sem inteligência artificial ou computadores de bordo. Atravessando as décadas, os veículos destes fãs de automobilismo tinham novas formas: “carros” ou “motos” que muitas das vezes nem tocavam o chão, eram hovercrafts, propelindo ar e impulsionados por turbinas supersônicas. Limitados apenas pelos reflexos dos pilotos, os reploids que aderiram ao gosto puderam aproveitar muito mais desta potência.

Um grupo destes atormentava a cidade, geralmente pelas madrugadas, desafiando policiais, limites e muitas vezes, acidentando-se. Pelos dias, uns tinham vidas normais, outros ficavam ocupados na manutenção de suas máquinas. Mas não era raro ver um ou outro procurando o que fazer, isto geralmente significava encrenca.

Um reploid vermelho, com duas faixas brancas em suas costas, e um número 77 grafado em seu peitoral, também em branco, ultrapassava em zigue-zague as colunas de carros com a sua hover-bike, nas mesmas cores. O visor espelhado de seu capacete refletia a luz do sol e o orgulho do jovem rubro era igualmente brilhante. Ambos eram quebrados em um mesmo instante, quando de um dos carros expuseram uma haste metálica, chocando diretamente com o rosto do reploid motociclista. O som foi alto, mas poucos notaram o sujeito subindo e indo parar no meio da rua, tonto e ferido, com o rosto marcado pelos estilhaços e o impacto. Estava muito nervoso, mas mal conseguia ficar em pé.

- Mas que merda?!

Do carro, saiu um homem, vestido em azul escuro, na verdade, uma farda. Era um membro da força policial. Tinha uma pistola no coldre de sua cintura, não tocou nela, estava “ocupado” limpando as lentes escuras de seus óculos e ajeitando seu “cap”, chapéu policial. A outra porta do carro se abria enquanto o reploid furioso se levantava, já melhor da tontura. Trocava o foco de sua atenção, entre a moto danificada e o seu agressor. Soltou a língua contra este.

- Olha aqui, seu mané! Cê tá ferrado, nenhum meganha pode com um dos Vulture's, e tá vendo isso aqui? - ele apontou para o desenho de um abutre em seu pulso, assim como na lateral de sua moto. - Eu sou um deles. Vou te deixar escolher, ou cê apanha de mim agora, ou se lasca mais tarde, com todos os seus amigos.

O policial ainda analisava o grau de limpeza de seus óculos. Indiferente ao reploid esquentado, só respondeu:

- Fico com a opção número um. Não tenho amigos pra dividir o que ganharia na dois mesmo. (Lady, não estou contando você, é mais que minha amiga) – sussurrou o final, o que provocou o sujeito ainda mais.

- Aaah, cê vai engolir sua língua grande! - Não mais hesitou, correu para cima do humano com um soco preparado. O golpe era óbvio, apesar da velocidade com que o reploid se aproximava, sendo fácil para o homem pular dentro do carro, e sair rolando pelo outro lado, cuja porta já estava aberta. Agora, tinha o carro entre ele e o reploid, uma ótima proteção para ele mirar bem com a pistola.

- Ma'nem! - O reploid virou-se e correu para sua moto, protegendo a cabeça com as mãos, e recebendo por isto um tiro na perna.

- Sempre fazem da pior forma... - dizia desanimado o atirador.

- Não finja que não gosta! - lhe respondia alguma voz, feminina, vinda do carro.

- Ei! Você não me esperou terminar de falar, eu ia louvar o fato de haver tanto idiota por aí!

- Aaaah, calem a boca! - Uma explosão de turbina se ouvia e a hover bike disparava sobre uma das portas do carro, arrancando-a enquanto ia bem para frente, para só lá dar a volta, uma curva brusca em um eixo mínimo.

- Ai! Viu o que ele fez comigo? Levou minha porta!

- Não se preocupe,... o departamento te dá outra, e ele vai pagar!

O policial entrou rapidamente no carro, fechando-se a porta que restava. O que mais chamara a atenção não parecia ser o tiro, nem a porta arrancada, e sim o carro parado, que obrigava uma parte inteira da rua a fazer o mesmo. Neste pouco tempo, um engarrafamento dos grandes já obstruía o trânsito.

Zero não olhava com interesse demasiado para os arredores, apenas acelerava a moto sempre que podia e entregava-se ao seu instinto. Iria com ele até onde estivesse sua caça. Quando em pleno pôr-do-sol vislumbrou um engarrafamento, parou lateralmente sua Chaser – disfarçada – e aguçou sua audição, podendo discernir uma explosão da turbina de outro veículo semelhante ao seu. As sobrancelhas inclinaram-se e o olhar ganhou o traço de uma ave de rapina. Zero girou seu punho e fez a Chaser empinar, zunindo nos ouvidos de alguns curiosos que pararam frente ao piloto encapuzado. Ascendeu e voou sobre o teto dos carros, quando caiu, estava do lado do carro que perdeu a porta e trocava roncos de motores com o motociclista do outro lado da rua.

- Não vá esperar conserto pra sua banheira, meganha, vou partir ela ao meio agora! - Gritou o reploid vermelho, iniciando ao redor de sua hover bike uma aura densa, um tipo de campo de força verde.

- Hmm... Maverick? - Zero, apoiado com o pé direito no chão, perguntou ao homem fardado. Que apertava vários botões para acionar equipamentos em seu carro. O tal apenas respondeu com um “um-hum”.

- Ótimo. Achei a presa. - Equilibrando-se na Chaser, deu ignição a ela novamente, acelerando o máximo que pôde no espaço entre ele e o outro reploid, apenas uma mancha negra se viu de um ponto ao outro, que foi se estreitando até que ao final do percurso, dotou-se de uma luz verde bem próxima ao chão. Quando a hover bike do vulture já estava pronta para o ataque, foi cortada pelo Z-Saber, que atravessou o campo e partiu o veículo ao meio. Para conseguir o feito Zero inclinou muito sua Chaser, e em grande velocidade, o que o deixava com um mínimo de controle logo depois – o que foi contornado quando Zero guardou seu sabre, prendeu firme a Chaser com as pernas e agarrou um bueiro com as mãos, isto permitiu que a “moto” fizesse uma volta no ar e tornasse à direção de origem. Com este looping incrível Zero voltou desacelerando, até chegar perto do reploid derrotado.

- Como é? - O policial ainda não tinha entendido, até receber de sua parceira “Lady” uma sequência de dados descritivos, e ver, com os próprios olhos, que aquele “míssil andróide” havia ido e voltado, deixando quase ileso o piloto criminoso. Saiu, pelo buraco de porta, quase que indignado, erguendo os braços para cima e exclamando.

- Mas que diabos é você? E como conseguiu fazer isto?

- Um caçador de reploids irregulares, e estava fazendo meu serviço, parece ser hora do seu.

- ... Ah é, o meu, prender esse cara, é o que vou fazer. Ei, meu nome é Mathew Drac, e... no carro, está a minha parceira Kind Lady...

Zero examinava os desenhos de abutre, detectando um sinal de grupo. Lembrando-se também que um outro reploid tinha um desenho parecido em seu corpo, e o próprio, tinha forma de abutre. Ele tinha sido da Unidade de Storm Eagle... - Smoke Vulture! Voltava a ajustar-se sobre a Chaser e a acionava. Mathew parecia insatisfeito com essa reação, mas também admirado.

- Esse mesmo, Smoke Vulture, estamos atrás dele, é o líder desses caras, faz muito mais que arruaça, é um terrorista e corruptor de reploids... Você vai atrás dele?

Não obteve resposta, Zero não confiava naquele policial ou em qualquer pessoa daquela cidade, e como já sabia quem era seu alvo, não demorou-se mais, deixou o homem falando sozinho e sumiu com sua Chaser entre os carros que pouco a pouco se moviam. A noite iluminava-se com centenas de luzes artificiais e entre a multidão, Zero era apenas mais um farol.


# # #


- Signas quadrangulou relatos de maior incidência de crimes feitos por reploids, a maioria foi a noite e na área vermelha do mapa que estamos enviando. A área começa a algumas quadras ao lado, e se destaca por uma alta incidência de estabelecimentos de lazer, mas não há ninguém que encontremos e seja responsável por alimentar tantas ações Mavericks.

- Alia, não seria por atuação daquele vírus? Não devíamos procurar pela origem do vírus?

- X, o holo-vírus que encontramos na amostra que enviou pode ter efeitos descontroladores das vítimas, e também causar mal estar, até mesmo matar, mas não justifica crimes organizados nem o modo devagar como se espalha. Não é um vírus que se espalhe sem o uso de discos de dados. E não encontramos nenhum disco senão com migalhas do vírus... É estranho X, tem de haver algo a mais no próprio local.

- Entendido, eu vou investigar.

- ... Devagar, X, não vá se exceder. Zero ainda não deu notícias?

- Não. Eu acho que só vai me passar algo quando encontrar um dos Mavericks. Eu vou sozinho primeiro, vou me manter na área do sinal.

- Então,... apenas tenha cuidado, esta cidade tem muitas peculiaridades e talvez não consiga descobrir todas cedo o suficiente para evitar problemas para você.

- Não se preocupe, eu vou ficar bem, Alia. Já estou indo.

Já era noite quando a base deu uma resposta com dados processados e uma prévia de missões possíveis. X deixava o furgão a pé, ora correndo, ora caminhando, para procurar por algum caso de Maverick. Tão grande era a frequência destes criminosos na área encontrada por Signas, que era quase impossível ficar por perto sem esbarrar em algum ato assim.

Quando X atravessou uma rua e viu um belo parque, pequeno, mas cheio de grama verde, flores e alguns bancos brancos, sentiu-se um pouco mal e confuso. Recebeu ali uma chamada de Alia.

- X, você está acabando de entrar na área, fique atento.

- É, eu calculei a distância, mas é estranho... Esta área é onde as pessoas se divertem e parece um lugar agradável, como isto pode ser usado para criar mais Mavericks?

- Eu... Não sei te responder isto. É o lugar usado pelo inimigo, possível que seja um disfarce. Uma fachada apenas, ou talvez, até uma armadilha.

- Se for uma armadilha, nós vamos desarmá-la. Entrando!

Humanos e reploids ali não tinham feições de combatentes, eram apenas trabalhadores descansando em horário de folga, a maioria procurando um bar onde tivesse música e bebida para passar a noite antes de voltarem às suas casas. Quando viam X, consideravam-no mais como um mechaniloid policial que outro reploid, uns outros, notavam que ele era o Maverick Hunter que foi noticiado. Distraído pelos olhares diferentes que encontrava, X não notou que uma mariposa mecânica passara a voar perto dele, muito pior seria notar depois, quando Zero fez-se ouvir ao seu comunicador.

- X, está no furgão?

- Zero! Não, não estou. Estou investigando uma área suspeita.

- Ah, certo, eu estou fazendo o mesmo, não devo demorar, eu o encontro depois. Não saia da área de alcance do comunicador sem me avisar.

- Roger, Zero-senpai. Vamos lá.

- Heh, certo, vamos!

Fim de conversa, X seguiu pelas calçadas, em que estava sempre cercado por muitos outros, cada um com sua pressa. Podia ver que pelo caminho havia várias mariposas, pois a região arborizada e florida abrigava estes pequenos robôs decorativos. Sorriu para isto, mas logo voltou a uma expressão muito séria, encarando todos os letreiros luminosos e querendo ver algo além daquela aparência agradável.

Passaram apenas alguns policiais pelo caminho a pé, dois reploids de farda acompanhados de um mechaniloid de pernas largas – com “pés de galinha” e sem braços, apenas uma grande cabine com armas embutidas. X tentou se dirigir a eles, mas nem deram atenção. Logo depois o Hunter foi abordado por uma voz feminina:

- Hey, azulzinho, não quer relaxar um pouco? No nosso Inn há companhia agradável e tudo o que um reploid deseja pro fim de dia, vamos lá, não seja tímido.

- Hum?! Eu? Eu estou em trabalho aqui... - Alia interviu, falando com X.

- X, entre, ninguém precisa saber da sua missão, vamos tentar imitar alguma das vítimas destes Mavericks, talvez assim encontremos o agressor.

Balançou a cabeça para responder a Alia, sem nem perceber o gesto, e aceitou o convite da reploid morena, com orelhas e cauda de gata branca, que indicava a porta do tal Inn. Lá dentro a luz era mais fraca, em cor azulada de neon e se via em mesas redondas, pessoas, reploids e humanos, conversando animadamente, rindo e escutando música. Do outro lado, um balcão com outras “reploids-nekos”, que serviam aos clientes humanos com bebidas e petiscos e a todos com um tratamento carismático. X sentou-se no balcão, pediu permissão para ficar ali e foi-lhe concedido, assim como um sorriso que parecia vir “de brinde”. Não perguntou o que um reploid consumia ali, embora tenha ficado curioso...

Ficou por alguns minutos, mas estranhou demais aquele burburinho alto de conversas, ficando inquieto. Aí reparou na mariposa que o acompanhara até ali. Ela estava pousada em uma janela voltada para os fundos. Inquieto, foi até lá e o inseto alçou outro vôo. Indo para um beco onde havia o lixo de prédios reunidos, X já ia voltando ao interior do Inn, quando ouviu um choramingo de criança. Com isto voltou rapidamente a olhar para o beco, notando que havia alguém perto de um dos contâiners derrubados. Em dois tempos: um salto para o beco e outro para frente, X estava ao lado do contâiner, mas a criança já não estava lá – o choro podia ser escutado mais adiante, em outro beco que cruzava com este.

- Não se assuste, eu não vim fazer mal. Eu posso te ajudar?

- Snif!

Uma angústia fora plantada em X com aquele choro infantil, e ele determinou-se a tirar a criança do apuro em que ela estivesse. Correu em direção a ela, podendo a ver ir para a rua, quase ser atropelada, e entrar em uma grande construção, havia um letreiro sobre ela e uma imensa fila, mas X não se ocupou com a leitura e atravessou a fila com pressa, entre pedidos de “Licença” e “Desculpa” que fazia quando dava algum empurrão. Atravessou a “barreira” e quando o fez, estava em uma casa escura onde uma luz pulsava no teto, primeiro em branco, “flashes”, depois distribuía formas e cores diversas sobre as pessoas no imenso saguão. Uma música alta animava a dança daquela gente e ajudava a tornar impossível, praticamente encontrar a criança. X não desistiu, e avançou em busca. Não sabia que estava em “Faerie Ring”, uma boate muito famosa de Eveland, e que ali o sinal dos Hunters não o permitia comunicar-se.

Sentindo-se perdido é que voltou a procurar pela Base, sem sucesso. Decidiu seguir sozinho até achar a pequena, que devia correr perigo entre tantos que se mexiam tão rápida e dispersamente. A música tinha um ritmo forte, com uma letra simples, mixada aos muitos instrumentos eletronicamente tocados. Sem ter como se mover sem machucar ou incomodar as pessoas, X acabou parado, focando-se na meia-altura dos presentes, procurando pela sua “protegida”. Antes que conseguisse, alguém lhe puxou pela mão e deram-lhe um empurrão no quadril, no empurra-empurra parou no centro de um grupo, as luzes encontraram-no e então a música parou.

- Olha, vejam só! É o Rockman X!! O cara veio pra nossa balada! X, pega esse som, manda ver cara!

- ...

Sem resposta, X estava parado, encarando a todos, que o olhavam com expectativa. Ele sorriu sem jeito e tentou acenar, mas a música veio vibrante, e contagiante,... X então teve uma idéia e uma inspiração, viu todas aquelas pessoas felizes e ficando ele mesmo desse jeito, ergueu um dos braços e gritou.
- Yeaaah! - Seu buster carregou-se por um curto tempo nesta hora e aproveitando a luz e a empolgação transmitida aos outros, no próximo piscar das luzes acelerou-se em um dash e escapou da vista de todos. Correndo até parar esbaforido em uma outra porta dos fundos, deparando-se, quando ergueu os olhos, respirando, com a menina que até agora pouco chorava. Ela tinha então um olhar contente, sorrindo para X.
- Você,... Parece melhor. Também se perdeu? - E ela balançou a cabeça em negativo, com isto, tudo o mais parecia balançar também, e a visão de X entorpecia, a menina então deu um pequeno salto e disse, “Te peguei”, X caiu em sono logo depois.


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Notas finais do capítulo


Glossário:

— "Zero-senpai", senpai: algo como "veterano", palavra dada para um colega de equipe e aprendizado que está ali há mais tempo que aquele que fala (chamado de "kouhai", por ser mais novo no meio), ou simplesmente alguém mais velho. Zero é chamado assim porque age como um tutor de X quando este começa a caçar Irregulares também. Até o jogo Rockman X-5 esta relação kouhai-senpai de X e Zero é bem demonstrada.
— Ride Chaser: hovercrafts que lembram motocicletas propelidas a jato, com armas implantadas na frente, presentes em diferentes versões ao longo da série.
— "Hover Bike": nome geral para a versão civil de veículos como as Ride Chasers. Hover, de hovercraft, Bike, de moto, bicicleta...
— "Reploid Neko": Neko, em japonês, significa gato. São reploids com traços felinos, como orelhas de gato, às vezes patas e cauda. No caso desta reploid do balcão, é para parecer mais atraente.



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