Era uma igreja abandonada, as paredes estavam mofadas... Porém isso pouco importava para mim nesse momento.

— Anjos ou demônios... Requesto que alguém apareça! — Exclamei de cabeça baixa ajoelhado com a mão direita no peito e a outra nas costas.
Silêncio.

“O que está fazendo Uriel? Seja lá o que for... Acho que eles não querem falar com você”, comentou Arian.

— Torturar vós sabeis, malditos demônios! Entretanto, encarar-me não sois capazes, não é?! Porém vós, anjos... Por que negais respostas a mim? Ao menos a vós peço... Respostas!

O silêncio se pôs novamente e então me enfureci.

— Tens medo anjos?! — Gritei o mais alto que pude e depois respirei um pouco, ainda nervoso. — Por acaso pensam que informar-me o porquê das torturas que sofro pecado é?! Por acaso isso expressaria algum tipo de misericórdia a qual não sou merecedor?! Anjos ou Demônios...! RESPONDAM-ME MALDITOS!

Minha voz ecoou e finalmente uma resposta veio:

“Ora, Uriel... Onde está seu linguajar humano de repente?”, disse uma voz desconhecida. Arian fez nosso corpo tremer totalmente, ele estava assustado.

— Identifica-te, maldito! Diga-me teu nome e tua raça, criatura desditosa! — Exigi.

Ouvimos uma risada.

“Ué... Mas não eram respostas que tu querias? Mudastes de ideia?”, indagou.

— Identifica-te! — Insisti.

“U-uriel...”, clamou Arian.

“Uma pena... Infelizmente, não sou autorizado a fazê-lo. Tu me perdoas por isso, Uriel?”, ironizou.

— És tu... És tu que torturas a mim e a minha casca?

“Não exatamente... São colegas meus. Não muito próximos, eu diria... Jovens orgulhosos demais em minha opinião, na verdade.”.

— Deduzo eu então que pela benevolência inexistente, anjo tu não és. És demônio maldito que anda pela noite em busca de almas fracas para que a elas provoque desgraça...

“Uriel... Se raça determinada por nível de benevolência fosse, não acha que tu nunca havias nem por um segundo de ter sido declarado anjo? Se fosse assim decidido, demônio tu serias!”, afirmou e riu novamente.

O corpo de Arian fervia por tanta raiva a qual eu sentia e tremia pelo medo do dono. Nossa respiração estava forte, tantas emoções num mesmo corpo ao mesmo tempo em que uma criatura sobrenatural fazia contanto com certeza deixava o corpo humano mais fraco.

— Minha memória... Foste tu? Teus amigos? — Comprimi minha mão. — Quem... Ousou?

“Uriel, Uriel... Se pudesse, o dia inteiro ficaria aqui, caçoando de ti. Tenho afazeres...”.

— Diga-me! — Persisti.

“Adeus, Uriel... E humano”.

— Diga-me! — Exclamei longamente.

A minha voz ecoou novamente. Porém, dessa vez não recebi resposta alguma. Foi aí que me enfureci de verdade.

— Aaah! — Exclamei bagunçando os cabelos de Arian. — Criatura maldita! Maldita!

Levantei-me e chutei um dos bancos velhos presentes naquele local.

“Uriel...”, chamou o garotinha.

Suspirei. Esse humano novamente...

“O que foi?”, atendi cansado.

“Fizeram algo... Com as suas memórias?”, perguntou sutilmente.

“Sabe Arian... Isso não é assunto para meros humanos”.

“Seja lá o que fizeram... Deve ter sido terrível. Quer dizer... Ter as suas memórias manipuladas por alguém... Não deve ser legal. Eu... Perdoo-te por ter fugido do hospital”.

“Não precisa ter dó de mim Arian... Muito menos tentar falar do jeito dos anjos. Provavelmente sou merecedor deste inferno”.

“Não, Uriel... Não sou capaz de crer que alguém mereça ter suas memórias manipuladas e sofrer tortura ao mesmo tempo. Isso não é obra do Divino”.

“Nem tudo que acontece neste mundo é obrigatoriamente obra do Divino, Arian... Entenda isso”.

“Nem tudo...? Então... Você está dizendo que nem sempre quando as pessoas morrem...?”, ele hesitou em terminar a frase.

“Não, isso só se aplica a seres sobrenaturais”.

“A-ah...”, suspirou ele. Com certeza estava aliviado.

Estava prestes a cruzar a porta daquele local, até que ouvi uma voz fraca, ofegante e que com certeza não era de Arian:

“Uriel...”, chamou-me.