Xis escrita por aka Rla


Capítulo 18
XVIII - Desaparecidos




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Acordei cheirando a bebida (apesar de não ter bebido, muita gente derrubou coisas em mim na festa), suor (eu dancei muito e passei por muito estresse) e cachorro molhado (esse porque eu dormi com meu vestido molhado). Antes mesmo de levantar, peguei meu celular dentro da minha bolsa que estava jogada no chão perto da cama e procurei por algum sinal de vida de Jean.

Nada. Nem uma mensagem não lida, nem uma ligação perdida, nada.

Tentei ligar pra ele mais uma vez, mas agora nem chamou, já caiu na caixa postal direto. Mandei uma última mensagem dizendo que eu estava bem, obrigada por perguntar, e que era pra ele me ligar assim que possível.

Finalmente, me levantei e fui até o banheiro, tirando o vestido e a lingerie, tirando os grampos do cabelo, evitando o espelho. Quando entrei embaixo da água quente, comecei a chorar de novo.

Fiquei ali, nua, sentada no chão do banheiro, com a cabeça apoiada nos joelhos, observando as lágrimas se misturar com a água do chão, por uma boa hora, antes de realmente tomar banho.

Saí do banheiro e vestí uma calça folgadinha, uma regata e um moletom do Jean que estava ali. Sentei na minha cama (depois de trocar o lençol molhado e virar o colchão pra baixo) e liguei meu notebook a procura de notícias de Jean. Mas nada no perfil dele havia mudado. Nem no meu. Quando ia desligar, vi uma atualização de Cyndi e, só então, pensei nela.

Onde será que aquela maluca estava que não aqui no nosso quarto? Ela tinha dormido aqui? Mandei uma mensagem pra ela que respondeu na hora que tinha saído bem cedo da festa com Matheus. Ela não me deu mais detalhes e eu também não queria saber. Pelo menos ela me respondeu.

Desliguei o notebook e deitei ali na cama, abraçada a uma almofada que eu roubara do quarto de Jean, enrolada num moletom dele.

Por que ele não me respondia? Será que ele estava bem?

Minha cabeça doía. Meu olhos agora estavam ardendo de tanto chorar.

Não só por Jean, mas por toda aquela situação na festa e tal. Porque se tinha um motivo de tudo aquilo era a minha presença lá. Os tiros tinham um alvo. Que era eu. Eu todo mundo estava em pânico por minha culpa. E Jaque foi a única corajosa o suficiente pra jogar aquilo (e a mão dela) na minha cara.

Passei o domingo todo deitada ali, chorando, encarando o celular pra ver se ele tocava, se Jean me dava algum – qualquer um – sinal de vida. Eu precisava muito dele agora com tudo isso acontecendo. E ele tinha sumido do mapa.

*

-Lissa?! Lissa, acorda. - ouvi Cyndi chamar.

-Ahn? - foi a palavra inteligente que saiu da minha boca quando eu acordei.

-Eu fiquei com pena de te acordar, mas você não tomou café nem almoçou, aí eu fiquei preocupada.

-Que horas são? - perguntei, mas nem esperei ela responder, já peguei meu celular pra ver a hora e... nada de Jean.

-Olha, já passa das quatro. Você devia ir procurar alguma coisa pra comer.

Eu não queria comer. Sei que parece ridículo e clichê, mas eu realmente não estava com fome. Cyndi sentou na ponta da minha cama e me perguntou de Jean.

-Não sei. - respondi, colocando a almofada dele no colo, como quem não quer nada.

-Não faz ideia? - ela perguntou, com uma cara estranha.

-Nenhuma. - respondi e suspirei.

Eu sei que eu precisava escovar os dentes e comer alguma coisa e soltar aquela almofada. Mas, por alguma razão, eu não conseguia. Não era como se a gente tivesse terminado. Se fosse o caso, eu teria saído do quarto, lindona, querendo mostrar tudo o que ele perdeu (sério, eu faria. De boa). Mas ele simplesmente não me respondia.

-Lissa... ele não dormiu na EX – disse minha amiga. Eu não sei exatamente no que eu pensei. Mas meu estômago apertou. - Ninguém ouviu falar dele desde a festa.

Minha cabeça começou a girar. E se Jean tivesse sido acertado por algum dos tiros? E se ele tivesse morrido por minha culpa?

Eu não ia conseguir viver com isso. Nunca.

-Cadê a Jaque? - perguntei, de repente, me levantando, procurando meu chinelo e indo até o banheiro, pra arrumar o cabelo e escovar os dentes.

-Ela está no hospital.

Saí do banheiro e encarei Cyndi. Minhas pernas tremiam.

-Por quê? - perguntei, tentando me manter em pé.

-O Pedro levou um tiro no ombro pra proteger ela. Foi só de raspão e ele tá bem agora...

-Mas a Jaque não... - sussurrei, completando por ela – Mais alguém se machucou? - perguntei, sentando na cama, só então me dando conta do quão egoísta eu estava sendo até então.

-Fisicamente? Não. Quer dizer, não sei. Jean sumiu, né? - Cyndi disse, sentada na cama dela. Suspirei, tentando controlar as lágrimas.

Tudo aquilo era tão maior do que eu pensava...

Eu tinha uma amiga morrendo de raiva de mim, um baleado e um desaparecido (se é que eu podia chamar Jean de mero amigo).

Cyndi estava ali na minha frente, mas não tinha cara de Cyndi. Era como se ela estivesse com medo ou vergonha de mim. Não sei. Não parecia minha melhor amiga de desde sempre.

O mundo estava caindo sobre minha cabeça.

Comecei a chorar de verdade então. Cyndi sentou do meu lado e colocou minha cabeça em seu ombro. Sem falar nada, sem perguntar nada. Ela só me abraçou e esperou até eu parar de chorar pra gente descer pra jantar.

*

Na segunda-feira, tomamos café com clima de enterro. Jean ainda não estava ali. Jaquelinne tinha bolsas enormes sob seus olhos. Cyndi ainda estava me olhando com medo. Alice e Júlia estavam na biblioteca. Matheus era o único tentando - sem sucesso - manter uma conversa.

E eu?

Eu estava com o cabelo preso sem vontade, com os olhos inchados de choro, e as mãos trêmulas. Eu tinha três quartos de um pão na minha tigela que eu não queria comer.

As aulas passavam sem que eu percebesse. Eu parecia estar fazendo tudo no piloto automático, sem perceber onde meus pensamentos estavam indo.

Quando eu fui me deitar pra dormir, sem me lembrar de ter entrado no quarto, foi o momento, no meio disso tudo, que eu considerei estar enlouquecendo de verdade.

Terça-feira foi pior ainda porque eu estava consciente. Demais.

Isso quer dizer que qualquer coisa estava me irritando.

Eu estava na aula de inglês (que, antes de toda essa confusão acontecer, era minha favorita) e a professora estava dando aula normalmente, como se ela ou qualquer outro do xis daquela escola não soubesse o desastre que foi a festa daquele fim de semana.

PELO AMOR DE DEUS, ELA ESTAVA FAZENDO PIADAS!!

E Jaquelinne me olhava com uma cara muito, muito estranha.

Quando a professora perguntou se Cyndi tinha se divertido na festa, eu simplesmente peguei minhas coisas e corri para meu quarto, sem pedir permissão pra sair da sala.

Peguei uma mochila velha e joguei uma troca de roupa, minha carteira e uma garrafa de água dentro. Pensei em pegar meu notebook, mas seria um peso a mais e eu poderia ser roubada.

Ao invés disso, fiz uma coisa que há muito tempo eu prometera a mim mesma não fazer.

Abri a conhecida página do tio Google e digitei, em caixa alta, “XIS”. As 5 primeiras páginas pareciam mencionar alguma coisa sobre um tal cantor chamado Xis. Girei os olhos e pulei para a 19. Em geral, eu nunca gostei do número 19 (Jonas me contou que eu e Julia nascemos em um 19 de janeiro – amei Cláudia por fazer questão de comemorar meu aniversário no dia certo - chuvoso pra caramba, ele tinha exatos 19 cruzeiros reais no bolso e o termômetro do hospital marcava 19ºC), mas foi exatamente nessa página que eu encontrei um blog Ips falando sobre como reconhecer um xis (“eles andam de preto, em grupos pequenos e gostam de coçar o braço direito”? Hein?), por que eles (nós?) eram tão ruins para a sociedade (porque “acabam com o direito de igualdade à todos perante à lei”. Velho...) e os nossos pontos fracos (do tipo lealdade. Hum. Tá. Nem vou comentar). Mas nada naquele blog me ajudou efetivamente.

Desliguei o notebook e corri para o quarto de Jean, com um objeto em mente. A porta estava destrancada (ele só a trancava nas vezes eu que eu estava ali, segundo ele) e eu entrei com facilidade. Peguei a arma dele (escondida dentro de uma almofada que ficava atrás da cabeceira da cama, ele me contou) e saí do quarto.

No caminho da saída da EX, dois inspetores tentaram me parar, mas, sério, se qualquer pessoa encostasse em mim naquela hora, eu desistiria de tudo. Então eu corri como nunca tinha corrido antes. Nunca. Mesmo.

*

O primeiro obstáculo apareceu bem rápido.

Eu estava em Castrea. O que significa, que eu precisava de um navio / barco / veleiro / jangada / jet-ski / bóia pra chegar até o continente, onde haveriam ips.

Na minha carteira, eu não tinha dinheiro pra alugar um jet com o tio de Jean (o pai dele estava “de folga”, pra cuidar da mãe dele, porque ela estava desesperada por causa do sumiço do filho, e no continente tinha alguns funcionários deles).

E se eu fosse pedir para os meus pais, eles não me deixariam ir com qualquer desculpa, e se eu falasse a verdade, eles me convenceriam a ficar.

Na verdade, se eu parasse ali por muito tempo, era certeza que eu desistiria.

Então, sem pensar muito, simplesmente me joguei no mar, pegando o primeiro jet da fila, sem pagar ou pedir permissão e acelerei. Acelerei MUITO!

Eu podia ouvir o tio de Jean gritar. Mas eu não achava que ele deixaria o negócio sozinho lá pra me pegar. E eu pagaria quando voltasse.

Continuei seguindo. Mas, sinceramente, eu não sei onde eu devia ir. Tipo... caramba, eu não sabia mesmo (!) aonde ir.

Só segui em frente.

Completamente desesperada.

Como é que Jean fazia aquilo, hein?

(Ah, é. Esse é o poder dele. Girei os olhos involuntariamente.)

Eu só enxergava mar. Pra qualquer lado, só tinha mar.

Uns 15 minutos depois, eu agradeci pela minha mochila ser impermeável. Eu estava molhada até os ossos, se eu molhasse a troca de roupa...

Eu quase chorei de alívio quando eu vi terra ao longe. E quando eu reconheci a barraca do pai de Jean, eu quase soltei o guidom do jet pra agradecer aos céus. Mas quando eu pisei em terra firme... foi como se eu soubesse a resposta para o sentido da vida.

E esse foi o começo do dia mais intenso de toda a minha vida.


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