CELESTIAL escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 7
Capítulo 7 - Metamorfose




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A dor parecia não ter explicação. Não era a dor nas costas, tampouco uma dor física. Doía na mente, doía no espiríto. A raiva existia, mas ela não era nada em comparação aos outros sentimentos que fervilhavam em turbilhões na mente do jovem menino. Quando reaparecera naquele cenário, ele contemplou diversos anjos, indo e vindo, arrumando as coisas. Reconheceu-os pelas asas, já que todos andavam com elas expostas. Viu Angélica naquele mar de cabeças e ela veio ao seu encontro. Dessa vez, como mulher, a mulher anjo deu um abraço no menino, apertando-o num abraço quente e macio, que ele apreciou. O abraço demorou, e Nick realmente estava precisando de um abraço daqueles, que aconchega e que deixa com um gosto de quero mais. Ela examinou as mãos dele e viu que os nós dos dedos sangravam, pelos socos desferidos no chão. Ela lamentou no ombro do jovem.

Gabriel estava conversando com três pessoas, pouco longe dali. Nick fitou os três e os reconheceu. Andou rapidamente até a família e não os abraçou, apenas fitou-os.

─ Como escaparam do demônio? ─ questionou o menino, rouco.

Quem respondeu foi Gabriel:

─ Graças a você, eles confundiram o olfato de Mandul, o Ilusionista. Como ele não encontrou nenhum dos três, ele tentou ir atrás de Nazgul, porém o gás da cozinha produziu algum efeito contra ele e ele ficou aprisionado no andar de cima. E essa foi a deixa para eu resgatar os três aqui. ─ Gabriel acariciou a cabeça do menino Ryan, bagunçando-lhe os cabelos.

─ Nick, cadê a mamãe? ─ perguntou o sobrinho.

─ Ela morreu. ─ respondeu Nick frio e displicente, olhando para os pais.

O menino parecia uma estátua, em aspecto e mobilidade: não se movia e tampouco tinha cor no rosto. A primeira lágrima escorreu pelo olho direito e o choro veio em seguida, potente e triste. Nick olhou-o.

─ O que houve com ela, Nick? ─ perguntou o pai, perplexo.

─ Nazgul a enforcou na minha frente. Eu não pude fazer nada... ─ respondeu novamente, sem expressão e com o olhar vago.

Nick estranhou a mãe. Ela quem costumava falar tanto, agora estava calada, os olhos vermelhos, a respiração pesada, porém em silêncio. Ele a olhou por um instante e seus olhos encontraram os dela. Ambos tinham olhos iguais, expressivos, profundos e amarronzados. Nick desviou o olhar, pois desde um tempo atrás, não suportava olhá-la.

─ Pois é. ─ começou o menino. ─ Viu só o que eu me tornei... Um anjo. De asa e tudo. E olha que vocês apostavam tudo, dizendo que eu não me tornaria nada. ─ ele sorriu com escárnio. ─ É duro dizer isso, mas... Miguel. ─ chamou ele.

Miguel andou até eles, Angélica veio no encalço. Talvez ela fosse o braço direito do anjo.

─ Retire a memória deles. ─ pediu Nick, olhando para o Arcanjo. ─ Menos de Ryan. Quero que ele saiba quem é seu tio. ─ setenciou.

─ Nick... ─ começou Vernon, assustado. ─ Você... Não pode... fazer isso com a gente.

O menino deu as costas.

─ Posso sim. Vocês oferecem perigo para mim. Se vocês contam ou são capturados por algum demônio, darão informações minhas para eles. Eu não posso correr o risco. E Ryan irá para um internato na Inglaterra, longe dessa balbúrdia. E enfim, vocês serão felizes, sem que eu possa interromper essa felicidade. Que ela possa ser eterna. ─ completou o Anjo da Luz.

Miguel concordou com a decisão de Nick, já que a justificativa era plausível. Ele hesitou para erguer a mão e iniciar a extração da memória da família.

─ Esperem. ─ pediu a mãe, apressada e falando rápido como sempre. ─ Esperem... Antes, ele precisa saber de uma coisa.

─ O que? ─ disse o menino, virando-se, a expressão implacavelmente dura.

─ Há dezoito anos atrás, nós achamos um criança nos bosques de Milwaukee. Ela estava magra, suja, porém, tinha olhos que nem os meus. E já naquela tempo, essa criança mostrava-se ser capaz de cativar. Quando o encontramos, Nick, você parecia ter vindo dos céus. Trouxe alegria para nossa casa, mostrou-se ser um cavalheiro, um bom menino. Cresceu bem e fez nascer em nós, sentimentos bons. O que eu quero dizer é que você muda as pessoas, você as faz melhores. ─ disse a mãe, os olhos marejados e a voz embargada.

─ Eu agradeço, serei eternamente grato, aos dois. Porém, já não importa mais. Eu mal comecei a minha função e já falhei. Duvido se serei mais do que um moleque com asas. Já não importa mais...

O menino saiu andando lentamente, não querendo presenciar nada. Para sua surpresa, seu sobrinho correu na sua direção, o rosto todo molhado pelas lágrimas incontidas e deu um beijo na mão do celestial. Ele o fitou de baixo, limpando o rosto.

Tio... ─ o menino nunca havia o chamado por este nome. ─ Obrigado.

Nick conseguiu sorrir brevemente e deu as costas para a família. Andou, passando por vários anjos, que o olhavam e cochichavam ao seu respeito. Não se importou.

Naquela tarde, Nick ficou o tempo todo sentado no canto daquele depósito enorme. Era uma construção do século XIX, porém estava bem conservada. Tinha três andares e várias escadarias de ferro, que facilitavam a locomoção. As janelas ficavam no alto e a luz do sol incidia em retângulos pelo chão. Havia em média cem anjos naquele local e havia um arsenal de armas no segundo andar, que Nick já havia visitado um pouco antes. Fitava os anjos andando e vez ou outra alguns saldavam-no com continência ou então uma reverência. Ele não se expressava em nenhum momento, apenas gesticulava de forma suave.

A culpa açoitava seus pensamentos como nunca. Procurou o lóbulo da orelha, para cutucar seu alargador, mas não o achou. Cutucou a outra orelha e ela também estava sem alargador. Nem havia o buraco que a joias causavam. Ele não se importou. Cruzou os dedos no colo e respirou fundo. Precisava ser forte, precisava ser superior. Ele tinha uma missão, tinha uma finalidade para existir e nada o iria impedir. Mas culpava-se por estar pensando e sofrendo em silêncio.

─ Nick.

Ele olhou para o lado. Angélica estava apoiada na parede, talvez por horas, olhando-o, estudando-o.

─ Não precisa falar comigo. É que... Bem, fizemos como pediu. Sua mãe e seu pai...

─ Não são meus pais... ─ corrigiu o menino, áspero.

─ O sr. Vernon e sra. Mary foram enviados para a França, devidamente com a memória modificada. Retrocedemos até antes do nascimento de Diane, sua... Diane. Ryan foi mandado para o internato Saint Claire-Duchannes na Inglaterra, ele está ciente da existência de tudo, porém aplicamos um... dispositivo no menino. Toda vez que ele tentar falar a respeito disso, haverá um freio. ─ explicou a mulher anjo, olhando para Nick, que fitava o chão. ─ Descanse um pouco, fará bem para você...

─ O que eu absorvi disso tudo foi: sou uma entidade poderosa, que mal pode salvar alguns humanos. Interessante... ─ disse Nick, ainda fitando o mesmo ponto no chão.

─ Nick, fazem algumas semanas que você recebeu a Graça. Não se martirize. Os demônios que enviaram lá eram poderosos demais. Eram os irmãos Azgul e Mandul, Os Ilusionistas Negros. Eram uma dupla poderosa. Porém, se foram.

─ Assim como Diane. ─ desdenhou ele. ─ Olha, me desculpa, Angel, mas seria melhor se eu ficasse sozinho... Aonde posso dormir?

Ela chamou-o com um aceno de cabeça e ambos subiram dois lances de escada, até estarem no primeiro andar. Nick notou que o chão era formado por grades, que permitiam ver atrás delas. Ela abriu uma porta de metal e ambos entraram no quarto. Não era grande, porém era o melhor que tinha. Nick jogou-se na cama, olhou Angélica por um instante e sorriu levemente. Notou uma leve diferença entre a cama de agora e a que tinha na casa, antes do incêndio.

─ Eu te conheço há algumas semanas, porém, você é meu porto seguro, Angélica. Você é excepcional e te amar se torna uma tarefa fácil. Existe em mim uma necessidade de te ver. Obrigado por existir.

─ Nick... eu... ─ a mulher não tinha palavras. ─ Nada expressa esse momento.

Ela caminhou até a cama, ergueu o corpo do jovem e o abraçou demoradamente. E ali, nos ombros da mulher anjo, ele chorou pela primeira vez.

Nick sonhou tudo o que vivera desde o encontro entre ele, Belzebu, Angélica e Gabriel, até o incêndio em sua casa. As cenas passavam em flashes torturantes. Depois viu-se em um campo verdejante, onde o vento soprava do sul. O mato cobria-lhe até a cintura e lá no longe avistava-se uma enorme macieira, imponente e majestosa. Ela brilhava com um que a mais. Sentiu vontade de comer um fruto, porém, pouco a pouco cada centímetro daquele cenário apodreceu e ele viu-se caindo numa floresta escura, formanda em sua maioria de árvores, que cresciam muito próximas de si, impedindo que a luz penetrasse entre elas. O frio era cortante. Piscou e viu-se no meio de uma clareira. Os tons cinzas assustavam. Sucedeu-se várias cenas, que ele não conseguia acompanhar. A cena mudou mais uma vez, agora estava num deserto, o sol queimando o alto de sua cabeça. O corpo pesava. Trajava uma armadura dourada, que o deixava bem maior do que o comum. Viu Angélica na sua frente, junto de Miguel e Gabriel. Atrás vinham vários anjos. E todos começaram a queimar, as penas soltavam fagulhas e eles apenas sorriam para ele.

─ Você não nos salvou, tolinho... ─ disse Angélica, estendendo o braço cheio de queimaduras e feridas. ─ O Apocalipse acometeu toda a criação e fomos extintos, homens e anjos. E Lúcifer reina poderoso e déspota. Fraco!

─ Se não fosse sua inutilidade, santo tolo, Diane estaria viva, gozando dos prazeres ao lado de Ryan, a criança órfã. ─ completou Gabriel cuspindo as palavras e jogando as coisas na cara de Nick.

─ O pior erro de todos foi o de Deus. Ele e sua crença nos humanos. Tolice. ─ berrou Miguel.

Ryan, que estivera atrás do trio o tempo todo, afastou Gabriel para o lado e passou através dele. Ele chegou próximo de Nick e repetiu o beijo, que dera no tio horas antes. Porém, invés de um beijo, mordeu-lhe fortemente, arrancando-lhe a carne do braço. A ferida sangrou. E houve outras mordidas. O anjo sentiu a dor.

Todos os anjos balançaram as asas ao mesmo tempo e a rajada de vento fez com que o fogo avançasse no jovem Nick, que de sobressalto acordou.

Transpirava e ofegava como nunca. Passou a mão na testa e sentiu o suor quente. E não sentiu o cabelo. O cabelo, que outrora estava grande, agora apresentava-se curto. Ele ignorou. Talvez fosse outro sonho. Ergueu-se e calçou os tênis. Abriu a porta vagarosamente e olhou pela janela. Estava de manhã já. Desceu rapidamente pelas escadas, foi de encontro da porta e saiu do depósito, seguindo o sentido dos carros pela rua. Não demorou muito para que se achasse em Milwaukee. O depósito ficava próximo do centro da cidade, na parte menos povoada dali. Caminhou sorrateiro, não querendo chamar atenção dos poucos que já haviam se levantado para começar o dia. Sentia-se mais aliviado, porém não era suficiente. Lembrou-se do sonho e queria ter com quem conversar a respeito. E não tinha, ainda. Sentiu o cheiro de café da manhã e o estômago roncou. Talvez não tivesse feito uma refeição decente há dias e olha que um bom café da manhã faria ele mais feliz.

Virou-se num beco, de ímpeto, como se uma força magnética o puxasse para lá e olhou para frente. Postada há mais de vinte metros dali estava uma mulher esguia, de cabelos negros e lisos, trajando um vestido vermelho de couro, que lhe agarrava o corpo. Aparentemente humana. Mas Nick sabia muito bem quem era. Olhou para trás. Ninguém. E a mulher sorriu, fitando-o dos pés a cabeça. Sorria com cobiça. Ela passou os dedos pelos lábios de forma suave, transpirando sensualidade.

─ Lilith, não? ─ perguntou ele.

─ Sim, querido, acertou. Bem observado. Quando me veem pela primeira vez, dificilmente me esquecem. ─ exibiu-se a demônio, sorrindo. ─ Vejo que andou... Malhando.

Nick não ousou desviar o olhar. A mulher andou lentamente na direção do jovem anjo, os passos ecoando pelo beco, por causa dos saltos alto. Ela sorria, enquanto as mãos vinham na frente da barriga, com os dedos cruzados.

─ Eu vim atrás de uma trégua. ─ comentou a mulher, conforme se aproximava. ─ Um pedido de paz.

─ E por qual motivo você quer isso? Você se acha digna de tal? ─ questionou Nick.

─ Lúcifer está cego! Ele está sendo movido pelo ciúme e pela inveja. E nenhuma dessas razões são boas o suficiente para garantir vitória. Elas simplesmente não atraem boas coisas.

─ Você simplesmente poderia desistir de tudo... ─ estipulou o jovem.

─ E ser caçada pelos dois lados da guerra? Ah, não, muito obrigada. ─ respondeu ela. ─ Vamos, Nickizinho, seja um bom menino e me conceda a anistia. ─ pediu a demônio, rodeando o jovem.

Lilith passou a mão suave pelo pescoço do anjo, acariciando-o de leve. Sorriu. Massageou de leve os ombros do anjo e depois se postou na frente dele, olhando-o nos olhos.

─ Conceda-me a anistia e prometa-me que não me atacarão no campo de batalha.

─ Negado... ─ concluiu o anjo.

Lilith ergueu a mão e desferiu um tapa contra o rosto do anjo. Nick tentou desferir um soco contra Lilith, porém, facilmente ela dera dois mortais para trás. Sorriu. O Arcanjo correu na direção da Rainha Succubus a fim de acertá-la. Outro golpe em vão. O que tinha de ardilosa, Lilith tinha de ágil. Saía dos ataques com facilidade e brecha, o que deixou-a ilesa do embate, se é que poderia chamar de embate. A mulher demônio soltou um muxoxo e sorriu abertamente.

─ Interessante. Prevejo que se os outros Arcanjos forem que nem você, um qualquer, a luta está ganha... Para o nosso lado. Chega de lorota, anjo...

Lilith jogou o corpo para trás, para acumular energia. Ela ficou assim alguns instantes e quando jogou o corpo para frente, liberou um grito agudo e contínuo que quebrou as vidraças do beco. A chuva de cacos e estilhaços atingiu Nick, causando um corte em seu braço direito. Lilith ergueu os braços e os vidros pareceram seguir um imã, pois era puxados por uma força invisível. Acumularam-se acima da cabeça da imperatriz infernal, que com um grito, projetou todos os estilhaços contra o Arcanjo. Eles ganharam velocidade e força, cobrindo um espaço amplo em pouco tempo.

De sobressalto, Nick ergueu a mão na sua fronte; os estilhaços chocaram-se contra um muro invisível. Nick ousou sorrir. Decidiu abrir as asas, que dessa vez, abriram-se como os braços para um abraço. Ele deu um salto e começou um rasante contra Lilith. O soco acertou-a no ombro, fazendo a Rainha Succubus chocar-se contra a parede lateral do beco. Nick, sem jeito ganhou mais altura e desceu num chute poderoso, que a rainha conseguira desviar.

─ Para que fugir, Lilith? ─ zombou Nick.

Arfando, Lilith tirou os cabelos do rosto e olhou para Nick.

─ Não adianta prosseguir nesse embate. Não sou tola, tenho ciência de que perderia para você. ─ admitiu. ─ Porém... Minhas irmãs e eu daremos contas nesse seu ninho da rato, que você chama de... casa. Passei aqui mesmo, não por redenção. Apenas para medir seus poderes e ver em que estágio você estava... E pelo que vejo, já é um Arcanjo quase completo. Em poderes e aparência.

Nick não entendeu muito as palavras da Imperatriz e ignorou-as. Andou na direção dela, armando um novo bote, porém Lilith era sagaz e estudava muito bem os movimentos do anjo. Com velocidade, Lilith lançou-se para o lado, desviando de Nick, deu um mortal para trás e ganhou distância novamente. A demônio juntou as mãos como se fosse rezar e abriu um sorriso.

─ Prepare-se, Arcanjo. O Inferno começará aqui, nessa cidadezinha imunda.

Lilith fora tomada por uma fumaça densa, enegreda e de aspecto funesto. E seu corpo foi se dissipando, conforme a fumaça espiralava no lugar da onde surgira. E Nick estava mais uma vez só. O jovem anjo engoliu em seco. Olhou em todas as direções, procurando por Lilith. Ele realmente se fora. Olhou pela entrada do beco, na qual havia tomado e rapidamente se dirigiu a ela. As asas foram se acoplando novamente às costas e Nick respirou profusamente, antes de ir para a ruas movimentadas. Desviou das poucas pessoas, que corriam da garoa insistente e passou a caminhar pela avenida principal. A chuva começou a piorar, agora em gotas maiores. E ele não se importava. Era só água.

As pessoas iam e vinham, na melhor corrida que dispunham para fugir da chuva. Algumas estavam completamente encharcadas. Até que passou por Nick uma mulher de mais ou menos vinte e cinco anos, bonita, formosa, bem arrumada. Nick a reconheceu como uma de suas vizinhas. Sorriu para ela.

─ Meu Deus, vem me secar, gato. ─ disse ela, passando e olhando para trás.

Nick não entendeu. Correu para a vitrine mais próxima.

─ O que é isso?

Colou os dedos molhados no vidro e mexeu o braço. Realmente o reflexo no vidro era dele. Ele viu um cara de quase um metro e oitenta e pouco de altura, musculoso, cabelos bem cortados e um rosto perfeito de curvas impecáveis. Tinha barba até, um sorriso irreconhecível. Os alargadores não estavam mais na orelha, tampouco estavam por perto e ele havia notado isso antes. Os músculos estavam muito maiores, e passavam imponência e força. Seu corpo parecia ter sido refeito por um artista humanista, que caprichou nas curvas e formas. Ele levou os dedos da mão na pele do rosto macia e ela era firme. Passou a mão pelos cabelos e sentiu-os levemente. Olhou para os próprios olhos: ainda castanhos. Afastou-se da vitrine, e atravessou a rua sem ouvir as buzinas e reclamações dos motoristas. Andou pela outra calçada, prevenindo as vitrines e assim, saiu num amplo espaço, que dava para o parque regional da cidade e entrou no lugar. Já estava todo molhado, o que não o impediu de sentar no banco encharcado e ficar se olhando numa poça próxima.

─ Eu acho que ficou muito melhor. ─ disse uma voz a direita de Nick.

O Arcanjo da Luz ergueu o olhar.

─ Miguel... Você não me contou a respeito disso. Não disse nada de mudança. ─ rebateu o Nick, desapontado.

─ E de que adiantaria falar antes, se ia acontecer hora ou outra? O importante é que aconteceu e aconteceu por um motivo, irmão.

Nick não conseguia se desapontar de verdade com Miguel, por mais que tentasse. Miguel era um anjo compreensivo, falava devagar e corretamente todas as palavras e possuía uma postura invejável. Vestia-se como um humano e possuía um gosto refinado. Além disso, era inteligente, fluente em diversos idiomas e uma de suas virtudes era a paciência. E Nick sabia que as pessoas ao seu redor precisavam de muita paciência para aturá-lo. Por isso, olhou atentamente para Miguel, deixando-o falar.

─ Seu corpo humano não aguentaria muito a carga de seus poderes. Por isso essa pequena modificação. E é mais agradável para você ser assim, por causa da força física e do visual. ─ Miguel riu suavemente, logo voltou ao semblante sério. ─ É preciso compreensão, Nick.

A chuva caia menos intensa.

─ Eu compreendo, irmão. Se faz parte do plano, não vejo problemas. ─ concluiu Nick.

─ É bom assistir seu crescimento, pequeno Nick. Mudanças drásticas, poucos dias e você encarando essas coisas bem... Admiro seu pulso firme. ─ comentou Miguel, olhando para o céu e permitindo que a chuva caísse em seu rosto. ─ Isso me remete aos tempos antigos, perante a nossa criação. Era tudo tão... novo. Essa chuva me lembra da primeira chuva que tomei.

Nick sorriu como nunca.

─ Obrigado,... irmão. ─ e parecia que Nick não sabia mais falar.

Miguel virou-se para o irmão e andou até ele. Bagunçou-lhe o cabelo e sorriu.

─ Estamos no esconderijo. Te vejo depois, Nick.

─ Miguel! Espera.

─ Sim... ─ respondeu ele.

─ Você sabia que Lilith estava aqui há poucos instantes?

─ Sim, eu sabia. ─ comentou ele, com o tom de voz de como se fosse uma criança contente.

─ E deixou mesmo assim, que ela ficasse numa boa? ─ questionou o jovem anjo Nick, curioso.

─ Mas é claro. Deixem que eles saibam o quão poderoso você é. Deixem que temam! ─ Miguel piscou para Nick.

O vento assoviou fortemente e rodopiou na direção de Miguel. Com um estalo firme, ele desaparecera do lugar, deixando para trás um cheiro intrigante de madeira molhada.


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