Doce Problema escrita por Camila J Pereira


Capítulo 36
Adeus


Notas iniciais do capítulo

Pois é, pelo título do capítulo vocês já devem imaginar que teremos despedidas.
As emoções estão a flor da pele e nossos personagens podem fazer coisas estúpidas.



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Bella

Eu tinha arrumado a minha mochila com algumas roupas e colocado dentro do guarda-roupa durante a madrugada, então Edward não percebeu nada. Ele foi tomar banho e vestir o uniforme de xerife. Foi assim que o vi pela primeira vez e seria assim que o veria pela última.

Quando ele saiu do banho parecia ainda muito sombrio e agitado. Deixou vários filmes para que eu assistisse, livros e revistas, tudo que me fizesse ficar ocupada e não pensar besteira até que ele voltasse para casa. Mas ele não sabia que já estava tudo planejado e pronto para a ação. Aquilo fazia com que meu coração ficasse apertado, mantê-lo assim na ignorância, mas era melhor para nós dois como estava.

Quando ele me deu mais um beijo e fechou a porta eu subi correndo as escadas e da janela do quarto o vi sair. Fiquei ali até a viatura desaparecer com as mãos espalmadas na janela.

– Volte! Edward, volte! - Pedi em um murmúrio fraco.

O que adiantava? Não faria nenhuma diferença se ele voltasse, eu sabia. Como sabia também que menti vilmente quando, olhando nos olhos dele afirmei que estaria aqui quando ele voltasse do trabalho.

Não tinha como manter a promessa, embora eu desejasse de todo o coração poder cumpri-la. Era uma forma de tortura, sim, uma pessoa ser puxada em duas direções. Precisava ir. Não, não queria perder mais ninguém, não queria ter esperanças para logo depois a vida tirá-la cruelmente de mim. Afastaria-me antes que fosse tarde demais para mim e para ele. Mas eu queria muito ficar.

Fui surpreendida com a decisão de Emmet uma cópia fiel de Eliot um homem honrado e bondoso, mas que só vivia para o trabalho. Emmet decidiu ficar na cidade por mais alguns dias isso foi surpreendente. Esperava que o meu advogado e amigo insistisse para que eu consultasse um médico em Los Angeles, ainda mais depois de passar a noite num hotel modesto como Hope Olimpic. Emmet apreciava luxo e conforto.

Mas não, ele me traiu assim como os meus sentimentos. Todos pareciam determinados a dar uma guinada na minha vida. Até mesmo o previsível Emmet resolveu agir como se estivesse possuído por uma personalidade nova e menos rígida. Eu ainda não conseguia visualizar a espevitada Rosie e o requintado Emmet juntos. O que Hope Falls tinha de especial para mudar tanto as pessoas? Esse nome? Talvez fosse a água...

Essa situação exigia uma mudança de planos. Tinha de pôr em prática o chamado plano B imediatamente.

Ofegando, peguei a mochila escondida no guarda-roupa e abri o zíper de um pequeno compartimento interno, uma espécie de fundo falso. Ali havia muitos dólares que eu guardava para emergências e um minúsculo celular que estava desligado esse tempo todo. Deixaria uma mensagem no celular de Emmet e para Edward... Um bilhete.

Não tinha ideia do que escrever para ele. Meu coração doía demais, impedindo-me de raciocinar. Era quase impossível me mover, mas era preciso. Eu apenas sentia uma necessidade inexorável de ficar sozinha e depressa. Se eu permanecesse por mais tempo nessa casa correndo o risco de apegar-me demais... Ficaria vulnerável outra vez. Vínculos sentimentais de qualquer espécie, me assustavam sobretudo quando existia sempre uma iminência de algo ruim. Não suportava mais me imaginar tendo alguém e não podendo viver com a pessoa, como sempre acontecia. Sei bem quando aqueles a quem amamos podem desaparecer de uma hora para outra e como é profundo e insuportável o sofrimento depois da partida deles. Não posso me arriscar mais e passar por tudo isso de novo. Não sobreviveria.

Edward ficaria bem. Ele tinha a família, o trabalho e é claro, o seu espaço na montanha, onde um dia, ergueria um rancho com vista para Hope Falls. Não era um solitário como eu. Ele era parte de alguma coisa maior, que era mais forte do que ele mesmo. Um membro do outro corpo.

Um dia, eu também conheci essa realidade. Era o bem mais precioso que se podia ter. Sempre haveria rostos queridos e familiares ao redor de Edward. Gente com quem dividir os seus sonhos e esperanças. E eu... Eu sou uma armadilha. Sou solitária desde uma época de que não conseguia mais lembrar. Mesmo estando com Jacob, eu não conseguia dividir meus pensamentos e sentimentos com ele, o motivo da nossa briga. Era solitária e só conseguiria viver assim.

Havia dentro de mim uma espécie de pânico cego e irracional, uma barreira emocional que impedia que Edward se tornasse quase... Necessário. E, no entanto, agora, desconfiava que não poderia reorganizar meus passos sem ele.

Edward causou alguns danos em meu coração em tão pouco tempo, muito mais rápido e profundo que Jacob. O que ele poderia me causar depois de mais um dia ou mais uma semana, um mês? Horrorizava-me só de pensar que podia necessitar dele. Antes de conhecê-lo eu sabia que tinha pouco a perder... E nada a ganhar.

– Não pense nisso, não pense no que esta deixando para trás. - Falei para mim mesma. - Não pense, não pense!

Deixaria para trás a ovelha-lobo e o chapéu que ele me presenteou, mas agarrei a revista que tinha descoberto no dia anterior e coloquei na mochila. Pendurei a mochila no ombro e dei uma última olhada no quarto de palhaços. Aqueles bonecos coloridos tinham se tornado confortadores nos meus primeiros dias aqui. Meus olhos se encheram de lágrimas e por isso os fechei. E a imagem de Edward aflorou em minha mente. Sabia que a partir de agora veria o rosto dele sempre em meus sonhos, para sempre.

Fui até o quarto dele e recordei de todos os momentos vividos ali. A minha liberdade estando com ele, as minhas palavras a minha falta de pudor. Eu o queria logo e muito, acho que sabendo que logo tudo terminaria.

Desci as escadas e da sala chamei um taxi, depois deixei uma mensagem no celular de Emmet. ”Estou bem. Creio que irei embora hoje. Muito tempo no mesmo lugar deixa a velha Bella entediada. Ligarei para você em dois dias. Lamento por ter causado tantos problemas. Mande uma abraço para Rosie, Elizabeth e um beijo especial para os gêmeos.”

Sentiria falta dessas pessoas. Rosie e a sua irreverencia e amizade sincera. Elizabeth e todo o seu carinho. Os gêmeos tão especiais. Alice e seu companheirismo e Jasper que não ficava atrás. Pessoas belas e insuperáveis. Mas eles podiam contar uns com os outros, sempre.

O bilhete de Edward era mais difícil de elaborar. Encontrei um bloco de anotações na cozinha e escrevi algumas linhas. Depois rasguei o papel e joguei no lixo. Outra folha, outras poucas palavras e outra bola de papel no lixo. Repeti o processo mais três vezes até perceber que jamais conseguiria expressar-me com palavras. Enfim, decidi por um simples: “Sinto-muito.”.

Tem que ser assim.

Meu coração apertou quando vi o taxi parar diante da casa. Deveria ser um dos poucos da cidade. Parecia que o ar deixou de entrar pelas minhas narinas e que o sangue parou de correr em minhas veias no momento em que sentei no banco traseiro de velho Ford amarelo-canário.

– Estação rodoviária, por favor. - Pedi em um fio de voz.

– É pra já.

Cerrei as pálpebras tentando ignorar a dor de cabeça que ameaçava voltar. Quando o carro começou a se mover lentamente fiquei olhando nervosa ao redor, procurando a viatura de Edward. Se eu falasse com ele mais uma vez, a minha determinação sofreria um abalo. Nenhum dos dois suportaria.

– Acho que não chegaremos a estação se você não fizer esse carro andar.

– Moça, relaxe. Não vou ultrapassar o limite de velocidade por ninguém. A lei desse lugar leva muito a sério essa coisa de trânsito.

– Ah, claro, sem dúvida... - A minha voz era baixa, cheia de tristeza que eu não queria revelar. - Dou-lhe cinquenta dólares extras para você pisar no acelerador. - Meu lado rebelde e meio fora da lei aflorou.

– Como queira! - E o carro saiu em disparada. Cheguei rapidamente na estação e comprei as passagens para St. Paul, Minnesota, porque era o primeiro ônibus que passaria por ali.

Teria que esperar uma hora. Uma hora andando entre pessoas desconhecidas na estação, que em comparação a outras que já vi era muito pequena. Mesmo assim havia uma banca de revista para tentar me distrair e depois fui até a lanchonete e deixei o tempo passar. Estava rezando para embarcar antes que Edward saísse a minha procura. Se saísse.

Podia ser que ele até sentisse um grande alívio ao saber que eu parti. E não poderia culpá-lo por isso. Quando entrei no ônibus eu estava à beira de um ataque de nervos. Nunca tive tanta dificuldade para deixar um lugar... Ou alguém.

Tive que repetir para mim mesma que me sentiria melhor assim que chegasse a outra cidade, com novas paisagens, novas experiências. Havia outras pessoas no ônibus, todas com expressões cansadas e entediadas. Já sentia falta de Edward. Oh como sentia!

Olhei distraída para fora da janela e então percebi que meus pensamentos o tinham evocado. Avistei Edward entrando no portão de embarque e caminhando em direção ao ônibus com passos firmes. Seus lábios estavam apertados o olhar de pedra. O uniforme bege proclamava-o como um servidor da lei.

Eu comecei a suar, meu coração disparou. Ele estava com o humor do gladiador. Um minuto depois Edward parava diante de mim de punhos cerrados.

– Que bom encontrá-la aqui! - Falou com uma falsa simpatia, algumas cabeças viraram para nós dois.

– Mesmo? - Falei baixo.

– Simpático o bilhete que deixou para mim.

– Acho que... - Gaguejei.

– Quero que você desça agora mesmo deste ônibus. - Falou rude e vi que agora todos nos olhavam.

– Não posso. - Eu parecia um coelho medroso.

– Sim, você pode. E o fará. - A maneira com que ele falava me deixou nervosa e tentei gracejar.

– O que vai fazer, xerife? Jogar-me em seu ombro como um saco de batatas?

– Isabella. - Tremi quando ele falou o meu nome, era a segunda vez apenas que ele o pronunciava. - Este não é lugar para conversarmos. Podemos resolver esse problema, mas você tem que ficar pelo tempo necessário para encontrarmos a solução. Precisa me ajudar. Aí está algo que não posso fazer sozinho. - Ele falava sério, mas ao mesmo tempo estava sendo carinhoso.

– Esta atrasando os passageiros. - Resmunguei olhando para a senhora sentada no banco oposto. Não queria me sentir atraída pelo jeito dele. A senhora não parecia mais entediada, mas muito interessada naquilo tudo. - Edward, não temos nada...

– Não? - Ele fechou os olhos por um momento. Muitas expressões envolveram o seu rosto e eu consegui identificar raiva. Depois ele me encarou e vi quando ele ganhou uma expressão cínica.

Edward

Nada? Não tínhamos nada? Fechei os olhos por um momento tentando identificar as emoções que me assaltavam.

Medo? Raiva? Confusão? As três coisas juntas e potentes. Encarei Bella e vi uma imensa melancolia estampada no semblante dela. Senti uma satisfação perversa. Pelo menos, ela estava sofrendo também. Eu também causei impacto nela. Por um momento pensei em aterrorizá-la como da primeira vez, mas não queria isso de verdade.

– Eu te amo, Bella. - Falei alto demais para todos ouvirem. Não tinha vergonha nem bloqueios como ela. - Eu te amo. O que tenho que fazer para provar?

– Nada. - Ela piscava com força para evitar as lágrimas. - Minha decisão não tem nada a ver com amor.

– Como não? Faz ideia de há quanto tempo eu estava esperando por você? E acha que permitirei que saia da minha vida e desapareça no mundo?

– Não estou desaparecendo, Edward. Estou indo para Duluth.

– St. Paul. - Corrigiu a senhora que estava no banco ao lado.

– Estou indo para St. Paul e vou porque quero ir. Não conheço muito bem o Leste. É hora de conhecê-lo. - Ela tentava falar naturalmente, mas dava para perceber a voz trêmula. Ela não estava segura do que ia fazer e eu queria muito fazê-la ficar.

– É assim tão fácil para você? Depois... De tudo, é fácil para você? - Comecei a imitar os seus trejeitos: - “Eu prometo Edward que estarei aqui quando você voltar”. “Pensando bem, não... acho que vou para St. Paul ou seria Duluth?”.

Bella respirou fundo a minha frente, parecia ter ganhado mais força com a minha provocação. Seu olhar ficou duro.

– Preciso ir e quero ir, é simples. - Disse seca e senti meu rosto ficar rubro.

– Dê-me uma razão, Bella. Uma que seja muito boa, e a deixarei partir. - Exigi.

– O que pretende, Edward? Forçar-me a dizer coisas que só irão magoá-lo? Esta é a sua vida, não a minha. Desde o começo, eu só estava só de passagem.

O motorista gritou algo sobre o cumprimento do horário, mas eu não ouvi direito. Estava perplexo com a mulher a minha frente.

– É muito mais, Bella, e você sabe disso. Não posso abandonar a minha família, se pudesse, juro como o faria. Compraria uma passagem e iria com você. Dê-me um tempo para ajeitar tudo. - Implorei já considerando a ideia de sair da cidade alguns dias mais tarde, mas com ela.

– Não quero que você abandone nada! - Ela parecia realmente assustada.

Bella

Só o fato de Edward ter considerado a possibilidade de deixar tudo, familiares, emprego, cidade, me abalou demais. Jamais lhe pediria isso, nunca esperaria tal coisa. Conhecia muito bem a dor de perder os entes queridos. Não seria a responsável por mais esse drama. Vê-lo triste ao meu lado, pensando em Rosie, Elizabeth e os gêmeos, não estaria certo. Tinha que acabar com isso logo.

– Edward, nós tivemos o que poderíamos ter. Não quero prolongar nada mais, não quero. Gosto de viver do jeito como vivo. Por isso fui embora sem me despedir de James.

– Não acredito.

– Bem, você não tem escolha. Eu estava curiosa a seu respeito, Edward. Satisfiz a minha curiosidade, mas nunca pensei num relacionamento duradouro. Não mesmo. Gosto de você e sou-lhe muito grata, mas não posso fingir algo que não sinto. Aceite isso, por favor.

– Você está mentindo. Pare com isso.

Estava mesmo, mas não posso dizer que sim. Tinha que ir embora e ele tem que aceitar. Mesmo com meu coração sangrando, tenho que ir.

– Sinto muito Edward. De verdade. Mas não pertenço a este lugar e você não faz parte dos meus planos. - Um brilho amargo se apossou dos olhos verdes.

– Sabe o que eu acho? - Ele perguntou com falsa suavidade. - Você é covarde demais para encarar o que vivenciamos, Isabella. Tem medo de arriscar o seu lindo pescocinho. Prefere sair correndo em vez de deixar que alguma coisa tenha importância na sua vida.

– Tem o direito de pensar o que quiser. - Forcei um sorriso, apesar da turbulência interior que estava me engolindo viva. - Sempre sigo o caminho menos complicado. Você já deveria saber que sou assim. Acho que o motorista terá um ataque apoplético se não pegarmos a estrada agora mesmo.

Edward meneou a cabeça e podia ver a dor e a raiva no seu rosto.

– Apenas isso?

O peso que apertava o meu peito era insuportável. Tinha que terminar essa cena antes que eu me desmanchasse em pranto.

– O caminho menos complicado. - Repeti, a voz saindo rouca pela emoção. - Eu sou assim.

Edward olhou ao redor parecendo que se deu conta naquele instante da plateia. De novo balançou a cabeça.

– Adeus. - Despedi-me, querendo dispensá-lo logo. Ele tinha que sair da minha frente antes que eu pulasse em seus braços.

Nossos olhares se encontraram, mas eu logo desviei. A tristeza me oprimia. Queria apenas que tudo terminasse rápido.

– É a sua última palavra, não é? Esperava mais de você. Nem parece aquela mulher que enfrentou Tânia. Pensei que fosse uma batalhadora. Eu me enganei.

– Quem esta enganada é ela. - Alguém comentou no fundo do ônibus.

Ergui o rosto e endireitei os om

bros. Era tudo o que podia fazer. Manter meu orgulho. Sentia-me diante de uma tragédia anunciada.

– Por favor, Edward, vá. - Pedi já perdendo as forças.

Sob a camisa, o tórax de Edward estava retesado. Os músculos do pescoço tensos. Os olhos verdes brilhavam furiosos.

– É melhor ter certeza de que é isso mesmo o que você quer, Bella. - Foi como uma ameaça.

Por um momento parecia que nada mais existia no mundo, exceto o terrível vazio dentro de mim. Havia algo que eu aprendi a fazer a anos: a vida não era como queria que fosse. Com esforço, consegui balbuciar:

– Cuide-se, Edward.

– E uma vez que não me deixa outra escolha... Cuide-se você também, Bella. Pelo visto, prefere ter só lembranças em vez da realidade.

– Pense nisso. - Observou a senhora ao lado. - É melhor você pensar muito bem nisso, querida.

Eu não conseguia. Parecia que o sistema solar inteiro desabou sobre meus olhos. O desespero ainda deu-me forças para dizer:

– O motorista vai chamar a polícia se você não descer do ônibus, Edward. Aí, terá de levar a si mesmo para a prisão. - Mas ele não se mexeu, então fui mais agressiva: - Vá!

De costas, Edward foi se afastando devagar, sempre com o olhar fixo em mim. De repente, virou-se e descer as escadas do veículo.

Ficou parado do lado de fora, as mãos nos bolsos da calça, os cabelos esvoaçando ao vento provocado pela partida do ônibus. E continuou ali. Só depois de perder Edward de vista, dei vasão às lágrimas. Sabia que essa lembrança jamais seria suficiente.


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