Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 4
Capítulo 4




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Terça. Quarta. Quinta.

Sexta. Até agora a professora não apareceu na faculdade. Nenhuma notícia. Aparentemente, ela falou com o diretor do curso e meu grupo acabou ficando por supervisão dele nesse meio tempo. Dani me perguntou sobre a segunda quando fui embora com a professora, mas disse que só passamos na casa dela e que depois me deixara em casa.

Acabou o intervalo e me reuni com Dani e Bruno pra acertar a programação do evento com o grupo das inscrições. Geral tava comemorando que a senhora Garra estava faltando... acho que era a única que não estava me detendo a isso. Me pus a trabalhar, minha nota estava em jogo também, então coloquei a galera pra pegar pesado. Tudo teria que estar nos seus conformes.

A Dani estava doidinha já com o diretor. Me juntei com o Bruno pra curtir essa cena, discretamente, claro. O diretor quis encaixar um palestrante de última hora na programação e pra isso, teria que reduzir uns minutos de alguns docentes, como o do professor Carvalho. Ele não gostou nadinha disso. A Dani, coitada, ficou no meio dos dois.

Tava com pena dela e já ia me meter, pra pelo menos tirar a Dani dessa confusão, mas o Bruno me impediu, ele queria ver até onde o barraco ia. Depois dizem que mulher que adora uma confusão! De qualquer jeito, levantei, disse ao Bruno que ia resgatar nossa companheira. Cheguei no meio do pátio, onde rolava toda a discussão já nas alturas, interrompi os dois briguentos não sei com que cara e disse que pra tudo tinha um jeito.

- Vamos sentar e verificar esses horários.

Ficou um esperando pelo outro, então eu e Dani tivemos que empurrá-los pra sentar e resolver isso. De longe, chamei o Bruno pra nos ajudar, mas quem disse que ele foi? Fingiu que nem era com ele. Tudo bem, ele que não venha... depois que não reclame. Mil anos depois, já estávamos chegando a um acordo quando, do nada, o Bruno aparece na nossa mesa.

- Milena, seu celular já tocou três vezes.

Quando você acha que ele toma coragem pra nos ajudar com aqueles dois marmanjos, ele vem na cara mais lavada me dizer isso. Não deixei barato, peguei meu celular e o deixei no meu lugar, senão a Dani o matava depois, e a mim também se a deixasse sozinha. Nem fui tão má, porque o pior da confusão ele não pegou.

O número registrado da ligação era desconhecido pelo próprio celular. Se ele não sabia, imagina eu. Quem será que tanto me ligou? Só foi eu pensar isso que ele começou a tocar de novo em minhas mãos, sinalizando o mesmo número no visor.

- Alô?

- Milena?

- Professora Garra?

- Milena, faz tempo que te ligo. Por que não me atendeu?

- Ah, professora, teve uma confusão com o diretor Fabiano e... deixa pra lá. A senhora precisa de algo?

- Na verdade, sim. Mas que história é essa do Fabiano? O que foi?

- É uma longa história, professora. Coisas da programação, já estamos fechando.

- Hum. Eu liguei porque... bom, você pode sair agora?

- Acho que sim, daqui estou vendo o professor Carvalho sair...

- O que tem ele?

- Era ele que estava brigando com o diretor Fabiano. Mas o que a senhora estava falando mesmo?

- Ah, estou passando na porta da faculdade agora. Me encontre e conversamos.

- Tudo bem, vou só pegar meu material.

Organizei minhas coisas e deixei tudo ordenado com a galera que ia ficar até um pouco mais tarde. Como a professora de sexta não veio, facilitou bastante os trabalhos com a monitoria e poderia sair cedo. A Dani aproveitou pra explorar o Bruno. Me despedi deles e fui pra portaria. Não sabia o que agora me esperava.

Sento na mureta da entrada esperando pela professora. Ela disse que estava passando pela porta faz uns 15 minutos e nada ainda. Eita que professor sempre enrola. Um farol me atinge os olhos e um carro para ante a calçada. Ultimamente tenho medo de pensar as coisas, porque é só pensar pra acontecerem.

Abro a porta, sento e cumprimento a professora com um “boa noite”. Ela só segue com o carro. Tem coisas que demoram a mudar.

- Então, como foi com o professor Carvalho?

- A Dani conseguiu dar um jeito nos horários, de forma que não atrapalhasse nenhum palestrante. Quem ficou por lá agora está ajeitando esses horários na programação. Amanhã de manhã acho que vão falar com as gráficas pra preparar todo o material.

- Hum.

Silêncio constrangedor. Sem ter o que falar, fico olhando pra frente, nunca viro pra ela. Finjo mexer na bolsa e... para onde estamos indo mesmo? Ela não mencionou nada ainda e parece que não vai falar tão cedo. Paramos atrás de uma fila de carros... acho que houve alguma batida mais lá na frente. Agora que lascou, mais silêncio ainda. Nem pra ter um rádio... chequei o carro e som estava desligado. Eu que não ia mexer... Muito legal.

- Milena... Eu preciso que você me acompanhe ao hospital.

Com o carro parado, praticamente, foi a primeira vez que a olhei desde que entrei no carro. Estava diferente. Segurava o volante de forma que brincava com os dedos, concentrando-se neles meio sem jeito. Parecia estar engolindo aquela arrogância de outrora... senti uma pontada mais contente na sua voz quando ela disse “hospital”.

- Ao hospital? Aconteceu alguma coisa?

- O meu filho... Ele... Ele tem pedido pra te chamar.

- HUM?

- Também estranhei, até pensei que fosse alguma das enfermeiras, mas ele disse que queria ver a “enfermeira Milena”.

A mulher fez o efeito das aspas e tudo. Tô bege. O que colocaram na minha comida hoje? Como eu cheguei nesse mundo paralelo mesmo? Porque ter Djane Garra me falando essas coisas... Como assim ele tem pedido? Se “tem pedido” é porque foi mais de uma vez, não? Agora a desnorteada sou eu. Era pra rir? Bem que a fila de carros poderia começar a andar.

- Olha, Milena, sobre aquele dia... eu quero te pedir desculpas. Eu exagerei e... e eu não devia ter te tratado ou gritado daquele jeito com você.

A professora Djane Garra PEDINDO DESCULPAS? PRA MIM? Até olhei pro céu pra verificar se não tinha um piano prestes a cair na minha cabeça. A mulher pede desculpas e sou quem fica sem jeito.

- Tudo bem, eu entendo.

- Não, quer dizer, de verdade, eu peço desculpas.

Pus minha mão sobre a dela que estava segurando o câmbio do carro e me fiz convincente. Olhei diretamente pra ela em sinceridade. Eu desculpava, de verdade.

- Tudo bem, professora. Águas passadas.

- Ah, sem formalidades, estamos fora da faculdade, me chame por você ou Djane.

E tudo que muda rápido, tende a assustar as pessoas. Não por ela ter dito isso, mas por ter sido amável e ainda ter feito carinho de volta. Duas desconcertadas paradas esperando a fila de carros andar. Parecia que o mundo estava combinando para nos dar um tempo a sós.

- Com o tempo, talvez. Mas se me permite perguntar, o que aconteceu na segunda-feira quando o diretor do hospital lhe ligou e tivemos que desviar o caminho? Não precisa responder, se não quiser.

- Tudo bem. Naquela hora que o diretor me ligou, ele disse que tinha novidades. Mas que o quadro do meu filho, apesar de algumas alterações, continuava o mesmo. Estávamos esperando ele acordar... e ele finalmente acordou.

Ai que ela vai começar a chorar... Eu não agüento ver ninguém chorando que começo a chorar também. Segura as emoções, mulher, segura! Nessas horas nem pra achar um papel...

- Eu não sei o que você fez, mas agradeço que tenha feito. Você trouxe meu filho de volta.

Agora pronto, já tô chorando. Fungo um pouquinho pra disfarçar, passo a mão no rosto e “The Lazy Song começa a tocar pra dar aqueeeela quebra de clima. Não pude deixar de rir com essa.

- Licença, professora... quer dizer, Djane. A-alô?

- A pessoa pode trazer um coquetel de remédios pra mim e de quebra, uma enfermeira?

Por que de repente todo mundo me confunde com enfermeira, hein? Eu faço é Administração, o que tem TUDO a ver, pra não dizer o contrário. Esse foi meu irmão que pegou uma gripe esses dias, andou meio febril e não quer ir ao hospital. Mal tem voz até pra me ligar. O tamanho marmanjo tem medo de agulhas... Tá, não vou falar mal dele porque eu também tenho horror a agulhas. Acho que herdamos isso de alguém.

- A febre voltou?

- Se eu disser que sim, você vai querer me levar pra um hospital?

- Provavelmente.

- Então... não. Mas traz remédio pra baixar febre, um descongestionante, um xarope sabor menta, balinha pra garganta e... acho que tô esquecendo algo.

Podia visualizá-lo contando nos dedos o pedido, acho que ele pensava que tinha cara de atendente de farmácia. Num tem jeito pra ele, não. E eu que tenho que cuidar dele.

- Esqueceu o café com biscoitos? O chazinho antes de dormir?

- Não, não sou criança. Anotou tudo? Se tiver algum brinde, traz também.

- Uma graça você doente. Me liga daqui uns minutos. Tchau.

Por um momento tinha esquecido onde estava e com quem estava, por isso desliguei rápido. A professora aparentava estar mais calma enquanto o tráfego melhorava. Tinha que ir pra casa cuidar do Murilo e dispensar seu pedido, isso de uma forma que não pegasse mal.

- Problemas?

- Mais ou menos... Meu irmão tá doente e a febre voltou. Ele parece criança quando não quer ir pro hospital, então tenho que ir pra casa cuidar desse pestinha. A senhora pode me deixar em uma farmácia?

- Nós pudemos ir até sua casa e buscar seu irmão. Enquanto ele é atendido, você poderia me acompanhar... Mas só se você quiser.

- Er...

Desses últimos dias, minha intuição me dizia pra fazer uma coisa e eu insistia em fazer outra. Dessa vez parece certo acompanhá-la... então acho que vou com ela. Só tenho que empurrar meu irmão birrento pra Emergência. Quem sabe se ele vir um olhar sinistro da professora ele toma jeito?

- Tudo bem. Eu vou ligar pra ele.

Teclo no celular o número do meu irmão e espero pela birra do mesmo. Tenho que ser firme, não dar brechas pra ele fugir... é tão sua cara fugir de hospital quando se trata dele.

- Ei, Murilo, estou indo pra casa. Se veste que estou passando pra te pegar aí.

- Como assim “se veste que você tá vindo me pegar”? Eu não vou pro hospital, de jeito nenhum.

- Murilo, você tem 10 minutos pra aparecer na porta de casa com os seus documentos ou vai ser minha professora que vai te arrancar de casa, porque é ela que se ofereceu pra te levar lá e ela vai. Tchau... Desculpa, professora. Ou eu o ameaçava ou nada, não se preocupe que a senhora não precisa fazer isso, era só força de expressão.

- Sem problemas. Pra onde eu viro agora, mesmo?

~:~

- Achei que você estivesse brincando, Milena. Boa noite, senhora.

Murilo entra no carro todo sem jeito quando vê que a professora realmente estava ali. Contei a ela no caminho da criança que é meu irmão quando fica doente. Isso amenizou e muito o clima que tinha ficado no carro.

- Pra qual estamos indo?

- Pro Santa Rosa.

- Mas Milena, o hospital Norma Prado fica mais perto.

- Er... Murilo, é que...

- Não se preocupe, sua irmã tem uma pendência lá no Santa Rosa, coisa de Administração Hospitalar. Faz parte de uma pesquisa nossa.

- Ah, era com ela que você tinha ficado na segunda? Você chegou tão tarde, maninha.

- Pensei que você estivesse dormindo, Murilo.

- Estava, só que tinha bebido muita água antes de dormir, então acordei com aquela vontade louca de fazer xixi... quando deitei de novo, ouvi você chegar e a porta bater. Você não é muito silenciosa, sabia?

Impossível não rir com Murilo, nem Djane se aguentou. Isso trouxe um clima tão bom ao carro que por um momento não estranhei estar nessa situação. Só por um momento mesmo.

~;~

Deixei Murilo na Emergência. Tinha umas oito pessoas na frente dele pra serem atendidas. Ele ainda quis fugir e me acompanhar na “pesquisa”, aí a professora interviu dizendo que só poderiam pessoas autorizadas...

O enfermeiro bonito apareceu por lá e foi me cumprimentar.

Murilo? Não gostou nada, ficou todo ciumento, perguntando quem era, se ele fazia parte da equipe de pesquisa, “afinal do que se trata essa pesquisa” e o enfermeiro... bom, ele estranhou e disse que não participava de nenhum projeto desses. Me saí com a desculpa de que Murilo estava com febre e isso já era o bastante para não o levar a sério... Eu não sabia se ria ou se morria de vergonha enquanto subia no elevador com a professora.

- Seu irmão é uma boa pessoa.

- É, mas me faz passar por cada uma, que se a senhora soubesse...

- Ah, ele só é protetor.

- Até demais.

Dou um frisada no “demais” por ter vivido em pele tudo o que ele já me aprontou por ser assim. Ele não entende o quanto isso chega a sufocar. Queria poder arrumar um jeito de melhorar esse lado dele, há anos eu tento, tenho esperança.

- Eu o entendo.

Ela disse de uma forma tão dolorida que... voltei da minha divagação sobre meu irmão e me calei sem ter o que lhe dizer. Ainda bem que estávamos sozinhas dentro do elevador, menos testemunhas para ver ou sentir o clima que ficou.


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