Oi, meu nome é Alice. Não a Alice de Lewis Carrol, mas, sim, é uma homenagem a ela. Nunca estive no País das Maravilhas, mas já cresci rápido demais, ou me senti tão diminuída que quase desapareci; já me afoguei em lagrimas e me esqueci de quem eu era, também vivo sempre atrasada. Meus pais gostam de nomes literários o que de certa forma minha mãe, Clarice, herdou do meu avô. Minha irmã mais velha se chama Pollyanna, apesar de preferir "só Anna"; e meu irmão se chama Peter, e não temos certeza se é o da Terra do Nunca ou Nárnia.

A livraria do meu avô é o meu lugar preferido no mundo e eu amo ler. Mais que isso, eu amo livros. Amo o cheiro de papel e tinta, amo o jeito que as lombadas vão ficando gastas, amo o som das páginas virando, amo a sensação de abrir um livro e o mundo todo a minha volta desaparecer. Eu quero poder dar um pouco desse meu amor ás pessoas; quero ser escritora. No entanto, não tenho ideia de sobre o que escrever, então vou tentar contar um pouco da minha história e de como a literatura sempre esteve presente.

Alice parou, frustrada. Não conseguia fazer isso. Como era possível que amasse tanto algo e simplesmente não pudesse fazer? Amava letras, palavras, frases, livros, historias, poesia. Porque não conseguia escrever? Começava a pensar que a ideia de escrever sobre si mesma tinha sido uma péssima ideia. Que editora iria querer comprar qualquer coisa sobre a sua vida chata e sem graça? Não tinha magia, dragões, cavaleiros, princesas, fadas ou anjos. Não continha nenhuma realidade pós apocalíptica ou um casal romântico realmente cativante. Nada que fosse emocionar as pessoas nem fazê-las rir. Não era só porque tinha um nome literário que seria capaz de se transformar em uma boa personagem.

Suspirou. Fora uma péssima ideia. Nunca iria dar certo. Pegou a caneta e voltou a escrever.

***

Acordou às 4:57 da manhã seguinte, com o rosto colado no teclado do seu laptop, e a sua gata aninhada ao seu lado. Estava com uma dor de cabeça terrível, um gosto estranho na boca, e lhe parecia que não conseguiria dormir de novo. Ao levantar-se para tomar um banho, uma pena caiu do seu colo. Passou pela sua mente o quão estranho aquilo era, já que não tinha travesseiro de penas, mas ainda estava confusa com o sono, então deixou passar.

Depois de uma ducha fria, sentia sua mente menos anuviada, e foi preparar uma xícara de café e botar comida para a Cosette e a Luna, sua gata e cadelinha, respectivamente. Escolheu um livro aleatório da sua estante e se encolheu na sua cama. Abriu As Crônicas de Nárnia e se deixou imergir na história. Estava no seu conto favorito, quando a Lucy chega em Nárnia pela primeira vez, no meio do inverno, começou a sentir muito frio. Ao se esticar para puxar o cobertor viu flocos de neve caindo sobre sua cabeça.

***

Acordou com o telefone tocando e saiu correndo para atender, tropeçando na sua gata, que não ficou muito satisfeita.

– Alô?

– Cadê você?

– Oi, Jo. Como vai você?

– Lice! Você tava dormindo? Não acredito!

Alice esfregou o rosto. Esquecera completamente a promessa de ajudar sua melhor amiga com a mudança.

– Claro que não! Que horas são?

– 10 e meia. Tínhamos combinado às 10. 

Ela xingou baixinho.

– Pode me encontrar no Plume et Encre em cinco minutos? Ainda não tomei café.

– Se você conseguir chegar na hora... - Joana resmungou.

– Vou estar lá, prometo. Tenho que te contar o sonho super esquisito que eu tive. Beijo

Prendeu o cabelo castanho em uma trança e calçou um par de botas. No entanto, quando foi guardar a xícara de café que tomara mais cedo, notou um floco de neve brilhando sobre o cobertor.