Melhor continuar andando, penso, antes que eu caia em um entorpecimento total. Mas não consigo desviar os olhos. Minha família, minha casa, meu lar. Tudo em ruínas. Lembro-me do que meu pai diria:

 – Madge concentre-se ou nunca fará nada direito.

 É injusto que eles estejam mortos. Mas a vida nunca é justa, não nos dias atuais. Essa é minha conclusão. Minhas dores sentimentais, no momento, doem muito mais do que as reais. Preciso lutar, preciso ficar forte. Pelos meus pais. E por minha tia, que eu nunca conheci, mas sempre admirei. Maysilee Donner. Ela foi forte. Eu também vou ser.

 Enxugo as lágrimas e me encaminho a um lugar onde sei que vou encontrar remédios. A botica. Porém, de longe percebo que só há destroços. Estou começando a perder a esperança quando me lembro de um lugar que pode ter o que eu preciso.

 Junto todas as minhas forças e rumo a vila dos vitoriosos. A mãe de katniss tem uma pequena botica em casa. Aparentemente a vila dos vitoriosos não foi queimada, por que?

 Chego à entrada da casa, a porta está escancarada. Dentro na casa, está tudo limpo. Na verdade, nem parece que fica no mesmo distrito que a pouco eu vi em ruínas.

 – Melhor começar a procurar. –Digo em voz alta, mesmo não tendo ninguém para me escutar. Reviro as gavetas da sala, depois na cozinha. Cômodo por cômodo. Abro um armário e lá estão os medicamentos. Pego um grande pote que sei que é para queimaduras e observo minhas pernas, preciso lavá-las primeiro.

 Reparo nos morfináceos que eu trouxe quando Gale foi chicoteado, eu assisti, parada e escondida, sem poder fazer nada. Katniss fez algo, agora eu sei porque ele gosta tanto dela. Ela reage, ela consegue lutar. Por si mesma e pelos outros. Não que eu tenha ciúmes, ela é minha melhor amiga, mas às vezes só queria ser igual a ela, se eu fosse talvez Gale me notasse. Talvez qualquer um me notasse.

 Levo as pílulas para dor e o pote comigo. Melhor tomar um banho. Vou até o quarto de Katniss, no caminho encontro uma sala com algumas roupas sobre uma poltrona, decido pegá-las. Uma calça jeans escura e justa, uma regata azul-claro e roupas de baixo. Tomo meu banho, quando a água passa as queimaduras ardem. Penso no que vou fazer daqui em diante. Viver aqui sozinha não é opção, talvez eu consiga chegar até outro distrito.

 Passo uma camada generosa do creme para queimaduras. Tenho de cuidar do meu braço esquerdo, mas não tenho coragem de olhar. É totalmente novo pra mim, não sei como descrever, me parece que bolhas se formaram, mas, em algum momento elas se romperam o que deixou minha carne à mostra. Tenho que voltar e pegar algo para prevenir uma infecção, penso.

 Quando coloco a roupa, descubro que ela se molda ao corpo - uma inovadora tecnologia da capital, com certeza - a calça me dá total liberdade de movimento, mas arranha as queimaduras. Pego uma jaqueta que esta em um armário junto com várias outras, ciente de que não posso usá-la antes de tratar meu antebraço.

 Volto para a cozinha e me sento, pois, esse pequeno esforço já me deixou cansada. Percebo que estou morrendo de fome. Vasculho a cozinha com meu braço direito, já que o esquerdo não está colaborando como deveria. Encontro biscoitos, os devoro rapidamente até que não sobre nem migalhas. Frutas e metade das coisas do armário, finalmente dão conta de saciar minha fome.

 Procuro, na pequena botica, um medicamento para a tal infecção. 

 De repente ouço um som, no distrito que foi silenciado pelas chamas. Aguço meus ouvidos e corro para a janela, primeiro um, depois outro. Os tordos estão voltando e cantando. Despreocupada, volto para o que eu estava fazendo.

Mais rápido do que iniciou a canção, eles a silenciaram. Ando com cautela até a janela de onde avistei os tordos.

 Eu vejo a ultima coisa que me agradaria.

 Um aerodeslisador.