Fazia frio, muito frio. Afinal, uma cela de isolamento na cadeia as duas da madrugada não poderia estar quente.. Não é? Com um suspiro quase inaudível direcionei meus olhos negros a lua e flutuei até as barras da janela que me trancavam ali. O silêncio sepulcral chegava a me fazer gritar sozinha muitas vezes, só para ter a certeza que não perdi o sentido da audição. Meus olhos antes sensíveis a qualquer claridade já não incomodavam mais.. Queria ter tido a chance de me despedir.. Pelo menos... De me despedir..

Ah, meu nome? Pode me chamar de “Monstro” ou quem sabe até de “Aberração” não é nada tão diferente de Marceline afinal. Porque eu estou aqui? Bem, se estou numa sela, devo ser uma criminosa. Eu diria até melhor, sou uma assassina.. Ou seria uma suicida? Não, não... Tirar a própria vida ainda não é um crime aqui na terra de Ooo, mas tirar a vida de outra pessoa sim. Então.. Se eu mato alguém que quando está ao meu lado faz com que nós nos tornemos um só.. Seria eu uma assassina? Ou seria eu uma suicida? Fica a seu critério... Vou apenas sentar aqui no canto da parede como uma boa menina e pensar no que eu fiz de errado... Porque em todos esses anos eu ainda não entendi... Como amar pode ser um crime assim tão.. Monstruoso..

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— Bonnie! - Gritei irritada quando ela pulou em minhas costas só pra me fazer usar aquela maldita touca rosa. Pelo caus! Vermelho é muito melhor! Agarrei a Princesa pela cintura e a joguei sob minha cama de cobertores vermel.. Não, pera. Eu almocei os cobertores ontem... Enfim! De qualquer forma, eu a joguei na cama. - Chega!!! Você me irritou até o limite! - Gritei deixando que meus caninos afiados se mostrassem fora de minha boca - Chegou seu fim! - Minha voz adotara um grave assustador até mesmo pra mim, sendo assim, sem pensar duas vezes fui na direção dela acertando-a com meu mais mortal... Ataque de cosquinhas!

— P-Para Marcy!! E-Eu vou ficar sem ar! - A garota rosada ria como uma criança feliz enquanto minhas mãos apetavam sua barriga por cima daquela camisa preta que eu havia lhe emprestado. Sempre que foge do castelo pra passar a noite aqui, se esquece de trazer alguma roupa, mas eu não ligo, até porque ela fica muito linda com minhas roupas.. E o melhor de TUDO.. Ela não precisa se comportar como uma princesa. Eu adorava fazer ela rir... Interrompi meu ataque altamente letal apenas para selar meus lábios nos dela mais uma vez naquela manhã.

— Sua bobona.. - Sussurrei brincando com os cabelos de chiclete dela.

— Olha quem fala! Por um segundo pensei mesmo que você tinha ficado brava! - Ela comentou fazendo um biquinho tão fofo que era impossível não querer morder. Foi o que fiz.

— Eu nunca machucaria você Bonnie. Nós vampiros não podemos machucar quem amamos sabia? Se não, arrancam nossas presas e então morremos de fome! - Engoli seco.

— Mesmo? - Os olhinhos da princesa estavam visivelmente surpresos e assustados. Cai na gargalhada abraçando-a.

— Claro que não! Se não meu pai já estaria morto e banguela a mais de mil anos! - Brinquei.. Com um fundo de verdade.

— Idiota! - Levei um tapinha no ombro e logo depois mais um beijinho. Eu e a Bonnie amamos nos beijar. Ontem a noite fui buscá-la na varanda do castelo real, saímos escondidas flutuando para os guardas não nos verem. Era perigoso, admito. Mas eu não conseguia ficar longe dela e pelo visto, era recíproco. Me perdia em pensamentos quando ouvi meu nome.

— Marcy.. -

— Hm? - Fui trazida de volta pela voz doce da minha princesa, a mais bela da terra de Ooo.

— Será que.. Podemos conversar...? - Engoli seco. Eu odeio quando ela diz essa frase.

— Claro - Sentei na cama me posicionando melhor, ficando de frente pra ela. - Diga Bonnie - Sorri.

— Bem.. Eu não queria ter que te contar isso ontem porque.. Eu estava morrendo de saudades e queria muito mesmo aproveitar cada segundo.. - Coramos no mesmo instante ao lembrar da noite maravilhosa que tivemos. Foi a nossa primeira vez... Mas foi tão intenso que parecia que já havíamos feito aquilo centenas de vezes. - Mas a questão é que.. - Seu olhar se tornou triste - Acho que meus pais desconfiam de nós. -

— Q-Que?! - Aquilo foi um choque pra mim. Os pais dela, rei e rainha do Reino Doce, não podem nem se quer sonhar que a sua amada e respeitada filha ande com uma vampira! Principalmente quando EU sou a vampira! - Bonnie, você tem certeza disso? - Perguntei um tanto aflita. Não pode ser.. Não pode..

— Sim.. Minha mãe teve uma conversa sabe..? De mãe pra filha comigo ontem e... Marcy, eu estou assustada. Ela disse que seria muito fácil te banir de cada um dos reinos da terra de Ooo até que te restasse apenas a opção de voltar a viver na Noitosfera e só eu sei o quanto você odeia aquele lugar.. E ainda tem o seu pai... - A princesa continuava falando, mas eu estava completamente sem condições de dizer alguma coisa.. - Marcy, precisamos nos afastar.. - Ela falou por fim segurando minhas mãos.. Uma lágrima solitária me escorreu pela face ao ouvir aquelas ultimas palavras.. Mordi forte o lábio inferior antes de abraçá-la com força.. de um jeito que eu jamais havia abraçado antes.. Eu queria.. Queria trazer ela pra dentro de mim... E assim ela não teria que ir embora...

— Não Bonnie! Nada vai acontecer! Eu.. Eu vou cuidar de você e.. E eu vou.. Eu.. - Minhas lágrimas ardiam os olhos, me fazendo chorar ainda mais. Soluços cortavam as minhas frases e uma dor que nem em mil anos eu senti igual me torturava o peito e cada parte do meu corpo.

— Marcy.. Eu não quero que nada de ruim aconteça a você... - A voz dela era sincera, Bonnie também chorava, mas não como eu.. Parecia que haviam arrancado, um por um, meus momentos de felicidade. Eu não posso deixá-la.. Não agora que tudo estava indo tão bem.. A gente tava dando tão certo... Bonnie, não..

— Nada vai acontecer Bonnie! - Bastou apenas eu repetir essa frase mais uma vez para que ambas escutássemos um forte barulho vindo da sala. Flutuei até lá o mais rápido que pude, seguida pela Bonnie que corria logo atrás de mim. Fiquei mais pálida que o normal ao ver um pequeno exército de guardas banana arrombarem minha porta e jogarem meu sofá pra longe, eram fortes e eram muitos pra eu encarar sozinha.

— Viemos em nome do Rei! Temos ordens explícitas de trazer a princesa de volta! Quanto a Vampira.. Tanto faz se viva ou morta! - Trinquei os dentes em puro ódio. Meus punhos já estavam cerrados quando senti a mão quente sob eles, fazendo um leve carinho mesmo em meio a toda confusão.

— Não! Eu irei por livre e espontânea vontade, não encostem um dedo na Marceline! - A voz doce ecoou por toda minha casa. Lágrimas novamente marejaram-me os olhos..

— Bonnie.. - Balbuciei ao ver a única fonte de alegria eterna que encontrei em meus mil e tantos anos de existência ir embora por “livre e espontânea vontade”.

— Desculpa Marcy.. - E com um ultimo e doloroso olhar ela se despediu de mim.. Mas.. Eu não posso! Não posso deixá-la ir!!

— Bonnie!!! - Gritei em agonia quando seu corpo passou pela “porta” da minha casa. Voei rápido, não podia deixá-la ir. Mas antes que eu pudesse sair duas lanças se cruzaram em minha frente me jogando com tudo no chão.

— Temos ordens de não deixar que você chegue perto da princesa até que a mesma já resida no castelo! - Um guarda enorme me alertou - E não mediremos esforços pra isso! - O olhar dele não era de quem tava pra brincadeira. E por acaso meus olhos vermelhos estavam? Tentei mais uma vez atravessar a porta, mas eles eram três e muito fortes. Não consegui nada além de um soco forte no rosto e um corte um pouco profundo no braço direito, causado pela lança.

— O Rei deu total liberdade para acabar com a Vampira! Matem! Matem esse monstro agora!! - Um dos guardas Banana gritou em um tom ordinário.

Chorei sentada no chão.. Eu não tinha forças... Eu não tinha forças para proteger a Bonnie.. Mas tenho forças para fazer outras coisas! Mesmo com o braço machucado e ensanguentado me joguei contra a parede de madeira com toda força de voo que consegui reunir para arrebentar com a parte mais fraca. E foi por ali que saí voando desesperada. Para minha surpresa não haviam só três guardas, mas sim um exército doce de fronte a minha caverna. Estavam por todos os lugares! Vi ao longe a carruagem de cupcake que levava a Bonnie, não posso desistir aqui! Voei a todo vapor atrás da carruagem desviando de flechas e lanças que alçavam voo graças aos guardas. Algumas flechas até raspavam em minha pele, mas isso não era mais importante do que sair dali viva. Demoraram minutos até que eu chegasse até a estrada, a carruagem já estava atravessando a enorme ponte para entrar no reino doce.

— BONNIE!! - Gritei uma, duas, centenas de vezes enquanto voava para perto. Pude vê-la pela abertura que fica atrás da carruagem. Ao me ver naquele estado ela gritou meu nome tão alto que era capaz de todo maldito Reino Doce ter escutado, mas antes que eu pudesse fazer algo a respeito a ponte foi puxada trancando a entrada.

— Malditos! - Rosnei usando minhas ultimas forças para voar sobre a barreira e já me preparava pra pousar quando vi guardas surgirem de todas as partes.. De novo não... Se eu me ferir mais um pouco posso não conseguir mais voar.. decidi cortar caminho pelos pirulitos até o castelo, por coincidência os pais da Bonnie estavam esperando-a na porta do castelo. Esperei até ela descer da carruagem, pra sem medo, voar até lá o mais rápido possível. Bonnie me viu chegando e voltou correndo em minha direção.

— JUJUBA! VOLTE AQUI AGORA! EU ORDENO! - Seu pai gritou, mas ela não deu ouvidos. Eu.. Eu não consigo mais. Despenquei de lá de cima, usando minhas ultimas forças para amortecer a queda, mas não precisei.. Minha princesa me segurou antes que eu caísse no chão.

— Marcy! Marcy acorda! Por favor.. Não fecha os olhos.. por favor.. - As lágrimas dela molhavam meu rosto que ainda tinha alguns arranhões. Bonnie chorava tão alto.. era de partir aquilo que eu deveria chamar de coração.. Em meio a todo caus.. Eu simplesmente sorri..

— Eu te amo Bonnie.. - Falei baixinho me aconchegando no corpo dela.. Mas meu conforto durou pouco.

— Guardas! Guardas! - O pai da Bonnie gritou e em questão de segundos dois deles me levantaram pelos braços, me segurando. E um terceiro mais forte carregou a Bonnie pra dentro do castelo enquanto ela chorava e gritava por mim.. mas aquela altura eu não podia fazer mais nada..

— Como ousa invadir o Reino Doce dessa forma criatura imunda da Noitosfera?! - O velho Bubblegum me perguntou com desprezo e raiva.

— Mas que ousadia! - A senhora que antes parecia tão gentil.. me olhava como se eu fosse um erro. O pior deles.

— Senhor e Senhora Bubblegum.. - Falei estampando um sorriso enorme no meu rosto ferido e coberto de lágrimas - Eu queria pedir sua permissão para.. Namorar a Princesa Jujub.. - Não consegui terminar a frase após a mãe da Bonnie me dar um estalado tapa no rosto. Um belo tapa.. Um tapa de mãos quentinhas como as da Bonnie..

— Ainda tem a audácia de vir em nosso reino fazer esse tipo de pedido a minha filha, criatura da Noitosfera?! - A mãe histérica gritou comigo.

— Mas eu a amo.. - Falei baixinho..

— Amar? Não existe amor entre duas mulheres! Não esse tipo de amor! Minha filha é uma princesa! A princesa mais cobiçada da terra de Ooo, Finn o Humano daria seu título de herói para tê-la ao seu lado! E você acha mesmo que eu vou entregar minha filha a você?! Uma criatura ?! Além do mais, que eu saiba, vossa pessoa tem mais de mil anos! Não acha que é muito velha para namorar ?! - Que mulher tagarela..

— Senhora Bubblegum.. - Sussurrei.

— Diga, criatura! -

— Sua mãe não lhe ensinou a respeitar os mais velhos..? - Vi aquela mulher rosa ficar tão vermelha de raiva que podia jurar ser um grande morango. Já ia me bater novamente quando o Rei, pai da Bonnie, ordenou aos guardas que me trancafiassem na mais escura cela do reino de Ooo... Passei a noite agonizando lá.. meu corpo inteiro doía.. Mas meu coração estava bem mais dolorido e bem mais machucado que qualquer corte de lança, flecha ou o que diabos fosse..

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Era madrugada... A cela era tão isolada que nem mesmo haviam guardas para tocar conta dela.. Era apenas eu e.. Passos?

— Quem está aí? - Rosnei baixinho pra mim mesma quando vi a porta se abrir minimamente e uma figura encapuzada entrar na minha cela. É o maldito que trás comida. - Não estou com fome, vá embora - Me encolhi no canto mais escuro da parede.

— Não posso ir sem você.. - A voz.. Essa voz..

— Bonnie!!! - Voei em cima dela, agarrando-a com força. - argh! - Soltei um grunido de dor quando ela retribuiu minimamente o abraço, eu realmente estava machucada. - O que faz aqui?! Se seus pais desconfiarem que você fugiu do castelo eles te mat.. - Um beijo me calou a boca seca, que logo foi molhada pela língua quente da Bonnie passeando em meus lábios. agarrei forte sua cintura dando continuidade ao beijo.

— Marcy, vamos fugir.. -

— O que?! - Ela só pode estar brincando..

— Vamos! Eu tenho a chave, posso te tirar daqui.. precisamos ir agora.. E.. - A interrompi.

— Bonnie, não temos para onde ir.. Como você disse, seus pais tinham o poder de me banir de todos os reinos da terra de Ooo... e o fizeram. - Suspirei, abraçando-a. - Não quero que você seja uma fugitiva. Eles vão te procurar até na Noitosfera se possível.. - Estremeci só de pensar em levar a Bonnie naquele lugar.

— Mas Marcy, eu.. -

— Bonnie.. Eu te amo - Falei baixinho selando meus lábios novamente nos dela. - Meu pai vai resolver essa questão.. Vai me tirar daqui. Sei que vai. Então.. Eu vou buscar você. - Afirmei fazendo carinho em seus cabelos de chiclete.

— Marcy.. Não temos certeza se vão mesmo te tirar daqui.. - Os olhos dela se encheram de lágrimas de preocupação, que eu sequei com o polegar.

— Bonnie, eu não agredi ninguém do reino doce.. Eu não matei. A única coisa que eu fiz foi invadí-lo contra as ordens do rei e tentar pedir sua filha em namoro. Isso lá é crime pra me manter aqui? - Ri baixinho, mesmo que a situação fosse das piores - Me espera Bonnie.. Eu não quero dar mais motivos para seus pais acharem que não valho nada só por ser uma vampira. Eu vou provar pra eles que mereço seu amor.. Mas vamos ter que esperar, ta bom? - Perguntei baixinho e ela me abraçou forte.

— Marcy.. Eu prometo! Eu vou te esperar quantos anos forem! Eu prometo! - as lágrimas dela molhavam meus ombros e me queimavam os ferimentos. Mas não me importei. Ela estava ali.. Mas não por muito tempo. - agora vá. Não pode e não deve estar aqui. se te pegarem, estamos perdidas... me espere Bonnie, eu prometo que irei sair daqui e quando sair.. Seremos felizes. Felizes para sempre, que nem nas suas histórias.. - Sorri um tanto triste por saber que não era verdade. Ela nunca seria feliz pra sempre estando comigo...

— Não precisa ser pra sempre.. só precisa ser com você.. - Diante daquelas palavras dois sorrisos apareceram.. Dois olhares se encontraram e um só beijo uniu dois seres em um só.

— Eu te amo Marceline... -

— Eu também te amo, minha eterna Princesa Jiloba.. - Ri baixinho.

— Sua boba! - Bonnie me abraçou forte - É Jujuba! - Ela riu em meio as lágrimas e eu beijei sua testa.

— Agora vá. Não podem te achar aqui. - Comentei levando-a com dificuldade até a porta da cela onde com mais um beijo nos despedimos.

— Tem certeza que não quer vir..? Não quero te deixar nesse lugar horrível Marcy.. -

— Acredite, isso perto do meu quarto na Noitosfera é um luxo! E a comida não é das piores! - Sorri.

— Vá.. - Sussurrei baixinho quando ela fechou a porta. Seus olhos estavam cheios de culpa e dor.. mas não mais do que os meus. A cela já trancada, o monstro do lado de dentro, a princesa do lado de fora.. Era assim que deveria ser.. Até o dia que eu sair daqui.. me espere Bonnie.. Eu vou te proteger.. até o fim.