Seasons escrita por Evye


Capítulo 15
Meu Último Verão




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" -Hei, Máscara, qual o seu problema? Por que está tão distraído?

–Distraído? Surtou? Eu não estou distraído!

–Ah tá! Qual é, faz meia hora que você olha feito um cachorro pro templo de Peixes!"

Abriu os olhos vagarosamente, os sons ao redor de atrito entre metais misturava-se as lembranças que vinham em forma de sonho em um momento tão critico, sua cabeça latejava e a visão turva de um homem trajado entre vestes douradas com a mão estendida lhe causava confusão, afinal, quem diabos era aquela pessoa que não conseguia identificar?! Esticou a mão esquerda sendo levantado bruscamente pelo cavaleiro de Aquário (apesar de estar com a cabeça rodando e mal reconhecer a cor do cabelo do homem que o puxara). Sentiu uma dor latente no braço direito e um incomodo como uma descarga elétrica subir-lhe pelo corpo ao tentar mexer o braço.

–Mas que porra...?

Voltou a face lentamente para o local que queimava de dor, mesmo com o corpo ferido pela batalha contra o deus da Morte, aquele local em especifico parecia rasgar-lhe por dentro e por fora.

Os olhos azuis índigos arregalaram assustadoramente ao constatar o que jamais imaginaria, entendia agora por que doía tanto, entendia por que sentia dormência, entendia por quefaltavaalgo...

–Onde está a outra metade do meu braço?

Camus mordeu o lábio apontando com a cabeça para o lado oposto ao que estavam, Angelo conseguiu arregalar ainda mais os olhos espantado com cena, há cinco metros de distância de seu corpo, sendo pisoteado por cavaleiros e espectros que continuavam na árdua batalha, encontrava-se o resto de seu membro direito, enegrecido e sujo, a armadura danificada banhada em sangue. Piscou várias vezes tentando assimilar o que vira, não tinha mais como reconstituir a parte do corpo que faltava... Um amargor tomou conta de sua boca e uma reviravolta em seu estômago foi inevitável. Riu.

Cazzo....Io sono inutile adesso, no?

–Não, você não é um inútil... Você derrotou Thanatos, Máscara da Morte, você derrotou um deus.

Ouvir as palavrassaíremda boca do "cubo de gelo" ambulante causou-lhe um certo orgulho, então, havia derrotado Thanatos?! Sorriu... Era forte, provou seu valor, certo?! Então por que sentia-se tão mal? Quer dizer, admitia, não é fácil perder um membro, quebrar algumas costelas e ter mais furos no corpo do que queijo suiço, mas estava vivo, deveria estar feliz... Certo?

Engoliu em seco tentando afastar os pensamentos confusos para longe, estavam em meio de uma guerra,seu braçoencharcavaas ataduras que Aquário tivera o trabalho de colocar enquanto estava adormecido, a dor era terrível, de fato... Mas não se comparava ao que via ao redor.

Havia tantos corpos quanto pudesse contar ao redor, nunca vira tantos amontoados quanto naquele lugar... Observou as faces sofridas e cansadas, alguns derramavam lágrimas enquanto lutavam, outros jaziam no chão sem esperança... Mordeu o lábio procurando por rostos conhecidos, obviamente queria encontrarumespecífico... Mas não o achava em lugar algum...

Viu Aioria puxar Kanon pelo braço o livrando de um ataque mortal, Dohko esmurrar-se com Aaicos enquanto Shion batalhava com Pandora, tentando livrar o caminho para Atena e Pégasus chegarem até Hades, viu Milo correndo em direção ao colega ao seu lado gritando algo que simplesmente não queria entender, seus olhos em desespero procurando por um amontoado de fios dourados moldando uma face perfeita...

–Ele está bem... Derrotou Minos.

–O que?

–Afrodite. Ele derrotou Minos, está consideravelmente bem.

Abriu a boca em um discreto "o", um tanto impressionado com a astúcia de Peixes quando lhe convinha, sorriu. Queria ver o pisciano e parabenizá-lo, mas ainda nutria uma certa raiva pelo que lhe foi escondido, mordeu o lábio até sentir o gosto de ferrugem na boca... Não percebeu quando o guardião do décimo primeiro templo e o de Escorpião deixaram sua companhia reunindo-se aos colegas de batalha, não percebeu quando Aioria, há apenas alguns metros de si, tomou um golpe no estomago que o fez voar até uma das pilastras à sua esquerda ficando temporariamente desacordado. Não tinha olhos para nada ao redor, apenas buscava, incansavelmente, as orbes azuis céu, o brilho de felicidade que continham quando o visitava... Apenas buscava a sua felicidade.

"-Shura....

–O que foi?

–O que você acha daquele garoto novo, de Peixes?

–Sei lá, é uma bela de uma carinha bonita né?!

–Será que ele é legal?

–Foi por isso que ficou encarando o templo de Peixes hoje, é?! Hahaha! Está apaixonadinho é,Câncer?!

–Tsc, cale a boca..."

~

Afrodite caminhava um tanto sem rumo, tropeçava em um corpo ou outro, os olhos fixo no cavaleiro de Virgem que batalhava arduamente com o deus do Sono, era uma batalha dura, o loiro, sempre tão centrado e forte, sangrava e tinha ferimentos sérios, enquanto o deus tinha um corte ou outro pelo corpo exalando toda sua pseudo superioridade. Riu internamente da tolice do imortal, sabia que Shaka poderia derrotá-lo a qualquer momento, esperando apenas o momento certo para que abrisse seus olhos e acabasse com o que estivesse ao redor...

"Ele vai ficar bem... Eu sei..."

Mancou três passos para frente aproximando-se alguns centímetros do virginiano, tropeçou em uma perna sem dono caindo de joelhos próximo a um elmo de dourado reluzente, tocou o objeto sentindo um aperto no coração, reconhecia aquele elmo... Aioria nunca deixaria uma parte tão importante de sua armadura largada ao chão. O sorriso tremeu em seus lábios e a velha sensação de choro apoderou-se de si, seus lábios tremiam e um choro mudo iniciou-se, soluçou uma ou duas vezes tentandocontrolar-se.

"Deuses... Por favor... Acabem com isso de uma vez!"

Ergueu os olhos marejados para o céu, estava cansado, cansado demais, rogava para que sua deusa protetora tivesse piedade de si e de todos os mortais que ali batalhavam uma causa perdida, afinal, de que adianta levantar-se tantas e tantas vezes quando irão te derrubar novamente?! Afrodite estava definitivamente casado...

Tombou o corpo no chão, caindo sentado ao lado do capacete dourado que brilhava com os raios de sol, acariciou o metal procurando seu dono, infelizmente não o via...

"Onde está...?"

Ouviu um somestridentena direção oposta da que olhava, pulou de susto, seu coração em disparada, os olhos azuis buscando desesperadamente o local de onde viera o barulho... Hypnos havia perdido. Perdido para um mortal,bem... Não um mortal qualquer, falasse de Shaka de Virgem, o homem mais próximos dos deuses, praticamenteinalcançável, banhado em pureza e perfeições... Tão diferente de si...

Sentiu-se observado pelo olhar azul piscina do louro que balbuciava algumas palavras baixas, não entendia, afinal, estava com alguns tímpanos estourados... Levantou-se caminhando o mais rápido que seu corpo debilitado permitia, as pessoas ao redor o observavam com curiosidade distraindo-se de suas lutas e sofrendo as consequência por isso, mas não se importava, que o olhassem, que o julgassem...

"Não me importo mais... Eu Não ligo para os outros... Eu quero minha felicidade..."

A mãos estendida do louro era convidativa demais para ser ignorada, um meio sorriso discreto o chamando para estar ao seu lado... Obviamente não rejeitaria um pedido tão gentil, muito pelo contrário...

Correu como pode até estar próximo do guardião da quarta casa, agarrou a mão pálida e fria puxando o corpo do mais jovem para perto do seu, em um abraço acalentador e cheio de significados. Shaka passou as mãos pela cintura do pisciano sentindo seu pescoço ser envolvido com força e o belo rosto afundar-se em seus cabelos soltos, jogados sobre a armadura.

–Você está bem, Afrodite?

–Ótimo!

A resposta saiu com um sorriso nos lábios, sentia-se realmente bem, estava ao lado de Virgem e ambos vivos... Era o suficiente para estar feliz, pediu aos deuses novamente para que terminassem com a guerra e se apiedassem de sua pobre alma e permitissem que ao menos uma vez na vida, ao menos uma única vez, lhe dessem a oportunidade de ser feliz...

~

–Afrodite, minha filha...

–Sim?

–O que irá fazer em relação a isso?

A deusa da Beleza sorriu um tanto triste, observando seu pai com os belos olhos esmeraldas, apoiou a face esculpida nas mãos enquanto observava a guerra que sua irmã travava com seu tio.

–Sabe, papai, nunca entendi qual o problema de Atena com Hades...

–Muitas pessoas tem problemas com Hades, Afrodite.

–Oh sim... Nunca tive problema algum com ele...

–Isso, minha filha, é porque você é bela...

–Não justifica, pai. -Levantou-se batendo as mãos na túnica como se assim limpasse partículas inexistentes de poeira. -Até porque, a beleza nunca foi uma benção... Mas, uma maldição.

~

Afastaram-se momentaneamente para um dos locais onde os feridos reuniam-se, Shaka sentou-se no chão sendo observado por preocupados olhos azuis, a mão de Afrodite entrelaçada a sua, apertando com força como se assim pudesse garantir que este não sairia de seu lado. Vagueou os longos dedos pela pele pálida do sueco em uma caricia acalentadora e calmamente, sabia o quanto o coração de Peixes estava conturbado, nos últimos meses tivera a oportunidade de aproximar-se dos sentimentos do amigo de modo que jamais imaginaria... Sendo sincero?! Jamais imaginaria um dia estar sorrindo para o dono dos olhos azuis céu, jamais imaginaria que partilhariam um templo por tanto tempo, que seus toques fariam tão bem um para o outro...

"Sempre fomos tão diferentes... Tão opostos..."

Conhecia o passado de Peixes, soubera de seus erros e falhas, de sua infância e seus pecados, mas não o julgava; de fato tivera uma vida oposta a sua, regrada e cheia de privações, enquanto dedicava seu corpo para elevação perfeita do cosmo, Afrodite banhava-se -mesmo a contragosto- nos prazeres mundanos da carne, dedicando-se e cedendo cada parte de si a seus própriosprincípios. Tinha de admitir, era um homem de opinião forte, sabia que no santuário ninguém teria a coragem de seguir os caminhos que o pisciano seguiu...

–Afrodite...

–Hm? O que houve? Está doendo algu-...

–Shh... Me deixe falar, sim?

–D-desculpe... -Sorriu coçando a bochecha esquerda, definitivamente, deveria aproveitar as poucas palavras de Virgem, afinal, sua conversa sempre era feita entre olhares...

Shaka ergueu a mão à sua frente que descansava sobre o lado esquerdo da face do sueco, entrelaçou os dedos pálidos baixando os membros até a altura de seus corpos, perdeu alguns minutos apenas analisando a mão pálida entre a sua, era cheia de cicatrizes que traziam seriedade e tristeza ao rosto perfeito que lhe encarava a espera de suas palavras.

–Você nunca me disse o que são essas cicatrizes...

Afrodite sorriu fracamente, estavam em guerra, não achava que era hora de falarem sobre o passado e infância, mas achava que o cavaleiro merecia uma explicação, suspirou pesadamente aproveitando-se da situação que se encontravam (ambos recuperando-se de seus ferimentos para então voltar as batalhas), para ajeitar definitivamente o que o impedia de aceitar completamente o virginiano em sua vida.

–Você se lembra sobre o que te contei do meu passado?

–Sim.

–Bem... Essas são as cicatrizes de uma pessoa que se vendeu... -Mordeu o lábio, não gostava de falar daquilo, ainda mais para uma pessoa que nunca iria entender os sentimentos de alguém tão sujo e impuro. "Me perdoe Shaka, por tentar corrompê-lo..."–Essas são marcas de cordas, chicotes, facas, metais, unhas... Era uma sobre a outra, dia após dia... Apenas acumulando feridas que meu corpo se recusava em fechar... Sabe... Quando finalmente minhas mãos pararam de sangrar, eu tinha quatorze anos e tinha acabado de passar pelo teste, vamos assim dizer, "público", para adquirir minha armadura...

–Público?

–Por favor, Shaka, não me faça explicar... Naquela noite, eu observei a armadura de Peixes e me senti mal, sujo... Não havia honra em minhas ações e parecia estardenigrindo a imagem de meus antecessores que sempre foram considerados tão poderosos e honrados... Naquela noite, eu me deitei disposto a chorar... Mas as lágrimas nunca saírame após anos e anos, nunca mais pude derramar uma gota sequer... Até hoje... Eu não sei como aliviar sentimentos, Shaka... Eu nunca parei de me vender, quando parei de ceder meu corpo, cedi meusprincípios, meus valores, minha honra, meu respeito a deusa que servimos... Passei toda minha vida me doando em uma busca desesperada para que me aceitassem...

A voz vacilava e a dor no peito não podia ser ignorada, seu coração doía como nenhum outro, desabafava tudo aquilo que sentira a vida toda como um tsunami sobre o silencioso cavaleiro de Virgem. Shaka, por sua vez, permanecia em silêncio ouvindo atentamente cada frase dita, carregada de sentimentos e culpa.

–E-eu sei que você não entende isso, mas... Eu... Passei toda minha vida, Shaka, atrás de algo que nunca tive... Eu busquei por anos e mais anos, atenção, carinho, amor... As pessoas viam em mim a frieza que o tempo construiu, que a desesperança moldou... Quando Saga, pela primeira vez, disse que queria estar comigo, revivi dentro de mim o sentimento de esperança e graça a minha estupidez cedi tudo por ele, trai Atena, seguiprincípiosque julgava serem próximos aos meus, envolvi pessoas que não mereciam o sofrimento... Para, no fim, ser usado, como sempre faziam...

Suspirou, cuspia as palavras sem sequer dar a chance ao colega de questioná-lo. Sim, eram estas as marcas em sua mão, marcas de uma vida de sofrimentos, marcas de uma pessoa que se escondera o tempo todos atrás da carapuça de frio e cruel, marcas de um adulto que mantinha uma criança dentro de si, assustada e temerosa.

As mãos trêmulas agarravam-se as do virginiano com uma força descomunal, como se ao soltá-lo ele simplesmente desapareceria de seualcance e ficasse sozinho novamente.

–Eu cansei desses jogos, Shaka... -Sorriu, os olhos brilhando em algo misterioso e diferente. -Mas, o coração de um pisciano é tolo...

Virgem perdeu alguns minutos tentando assimilar a frase que fora dita, pensou um pouco tentando interpretar as palavras simples que saiam dos lábios rosados de Peixes a respeito das características de seu signo. Sorriu. Ele estava certo... Piscianos podiam ser tolos, mas sempre haveria um virginiano para colocar ao menos um pouco de juízo em suas mentes sempre tão distantes...

~

–Milo?

–O-o que?

O grego arfava enquanto derrubava o trigésimo espectro seguido, o francês ao seu lado o observava atentamente esperando que finalizasse com o último que se atrevia a aproximar-se de ambos.

–Cara... Eles não acabam nunca!

–Sim, são muito.

–Então, pinguim, o que você queria falar?

–Sei que não é uma boa hora, mas... Você me pareceu distante nos últimos dias.

–Do que está falando, idiota?

–Pelos deuses Milo, controle seu vocabulário...

–Desembucha logo, pinguim, o que você está querendo dizer?

–Tem a ver com Peixes, não?

–Ahn?

–Seu olhar, para ele... Está diferente, ainda carregado de desprezo, mas, o que está me escondendo?

O grego baixou os olhos escondendo-se atrás da franja, um riso desgostoso cantado pelos lábios do moreno, as mãos na cintura cogitando se deveria responder o amigo ou dar-lhe um soco.

–Eu sei o que você está fazendo Camus... Quer a resposta da sua pergunta, não?!

–Sim.

–Agora?

–Não sei se quero morrer sem saber o que realmente te incomodava... Não sei se gosto da ideia de não conhecê-lo tão bem quanto achei.

Os olhos verdes arregalaram-se com um leve rubor pintado na face, riu altamente apoiando-se nos ombros do cavaleiro de Aquário.

–Assim eu me encanto...

–Tsc, não seja estúpido!

–Okay, foi mal! -Riu afastando-se, o sorriso morria aos poucos e o longo e cansado suspiro foi o marco das palavras sérias e expressões fechadas. -Minha mãe.

–O que?

–Eu odeio Afrodite por causa da minha mãe.

–Não estou entendendo.

–Tsc! Me deixe falar cubo de gelo burro! -Coçou a cabeça dando um leve soco no braço do francês. -Há sete anos atrás eu descobri por que fui deixado no orfanato... Minha mãe era uma prostituta. Ela poderia ter me criado, porém não seria "lucrativo" ter um filho e, he, ela deveria aproveitar que os seios estavam tão fartos para cobrar mais, um bebê só iria atrapalhar... Nunca te contei isso, não achava necessário para nossa amizade... Na verdade, nunca me incomodei com essa história também... Quer dizer, ela era uma mulher estúpida, apenas isso... Três anos depois, voltando de um missão, ouvi o Saga, quando era Grande Mestre, discutir com si mesmo alguma coisa sobre o Afrodite, por respeito preferi o silêncio para então anunciar minha chegada... Bem, foi quando ouvi ele dizer algo a respeito de prostituto e missões especificas para o cavaleiro de Peixes, associei tudo mais rápido do que imaginei que poderia... Entende, até aquele momento nunca havia me importado com nada disso, mas a ideia de ter alguémdaquela laiasimplesmente me davanáuseas Ele é repugnante, o tipo de pessoa que mais desprezo! Que simplesmente cede o próprio corpo e sentimentos...

–Milo...

–Eu sei... Eu sei que não havia alternativas para ele... Que talvez minha própria mãe não tivesse escolha, afinal, é a sobrevivência, não?! Mas... -Encolheu-se olhando na direção oposta a do cavaleiro de aquário, evitando os perigosos olhos azuis que lhe perfuravam a alma e o deixava nu, com todos receios e temores expostos ao mundo. -Mas, não consigo perdoá-los... Eles me enojam.

Camus não disse nada, apenas apoiou uma das mãos no ombro no amigo como se o sutil gesto pudesse poupá-lo do sofrimento, tentava compreender os sentimentos de escorpião, sabia que o amigo era consideravelmente sensível a rancores do passado e que o fato de ter sido deixado pela mãe quando criança seria uma ferida eternamente aberta.

Ergueu os olhos em direção ao céu dando um longo suspiro cansado, alisou os cabelos do grego acalmando o inquieto coração do outro; não o cobraria mais, se este queria odiar Afrodite ou qualquer outra coisa, deixaria, afinal...

"Não está em meu poder julgá-los... Que os deuses se apiedem de nós."

~

" -Afrodite?

–O que foi Marrie?

–Você irá crescer e tornar-se um bom menino, certo?

–Vou sim!

–Você sairá desse mundo mal que vivemos, né?

–A-acho que sim...

–Me prometa, querido, por favor..."

A lembrança da garota que sempre lhe sorria com doçura foi inevitável, a imagem da jovem ruiva de olhos castanhos, o rosto pintado em sardas e um corpo saliente em curvas, afagando-lhe os cabelos, com lágrimas nos olhos e o sorriso mais melancólico que já vira em toda sua vida, o toque suave e gentil... O toque que procurara a vida toda...

Ergueu os olhos encarando as astutas orbes azuis que concentravam-se na carícia gentil e delicada que lhe era oferecida na palma da mão. Sorriu, seu coração batia lentamente acompanhando os movimentos e respiração do louro a sua frente, um sorriso tolo e cheio de segredos desenhado nos lábios róseos.

"Marrie... Eu sei que você provavelmente não vive mais, mas, mesmo em pensamentos, gostaria que tomasse essa prece para si... Eu me tornei um homem sim, mas não digo que sou bom e nem que pude deixar a vida que levamos, continuo doando meu corpo e alma... Como todo bom e tolo pisciano... Comonós. Mas veja, te perdi com o tempo, os ventos e as engrenagens do destino nos levaram a opostos e, cheguei a pensar que jamais encontraria toques tão gentis e amáveis quanto os seus... Bem, me alegro em dizer que me enganei... Vê, Marrie? Ele é como você... Cuida de mim sem interesses..."

Ergueu os dedos enroscando-se na longa cabeleira dourada do jovem a sua frente que parou os movimentos em sua mãos encarando os olhos azuis céus. Estampou um meio sorriso nos lábios agradecendo silenciosamente por toda dedicação e carinho que Virgem havia lhe oferecido... Era mais do que poderia pedir, mais do que suportaria... Estava infinitamente grato ao amigo.

–Obrigado, Shaka.

–Afrodite...

Escorregou os dedos segurando a face pálida do guardião do sexto templo entre as mãos.

–Obrigado pela chance que me deu de provar que não sou tão fútil e idiota.

Shaka não pode deixar de surpreender-se e arregalar os olhos com as palavras do outro, mas sua maior surpresa não fora a doce frase cantada pelo protetor de Peixes, porém seus atos audaciosos.

Afrodite aproximara-se o suficiente para sentir a respiração de Virgem contra sua pele, Shaka não esboçava nenhuma reação de negação, tomou isso como uma permissão paraagradece-lo da única forma que sabia.

"Eu sei que você jamais entenderá a linguagem do corpo, tal como eu nunca entenderei a linguagemtranscendental... Mas, espero, de verdade, que compreenda todos meus sentimentos e minha gratidão..."

A união dos lábios fora simples e gentil, era um gesto carinhoso e solidário, sem malicia e segunda intenções. Um toque delicado e amoroso, como de irmãos que passaram anos afastados, amantes após uma refeição juntos, pais despedindo-se dos filhos que seguem sua vida... Um beijo com ares de despedida, saudade, carinho, dedicação,agradecimento...

Afrodite, gostaria de permanecer ali para sempre, absorvendo toda a candência do virginiano, tocando-o com o amor de uma mãe com seurecém-nascido, o carinho de um irmão preocupado, o amor escondido do melhor amigo... Era um gesto banhado em gratidão e sentimentos leves...

Sentiu seus olhosvacilareme sua garganta fechar-se na velha sensação de choro, separou as bocas agarrando-se a nuca de Shaka em um forte e apertado abraço, escondendo a face vermelha e quente na curva do pescoço do jovem que, por sua vez, envolvia sua cintura devolvendo o gesto na mesma intensidade.

"Eu que agradeço, Afrodite..."

~

Observar a cena entre os dois cavaleiros de casas opostas lhe causou uma profunda dor no peito, olhou na direção oposta de ambos, tentando controlar os batimentos em fúria de seu coração; sentia-se injustiçado, sempre dedicara tanto de seu tempo ao guardião de Virgem para um dia ser trocado por um par de olhos azuis e um corpo lascivo, era injusto, não?! Afinal, Peixes não tinha nada a ver com ele... Por que eram tão unidos?

–Eu também não entendo.

–Máscara?

O moreno suspirou, olhando de soslaio para o ariano que o observava com os olhos brilhando pelas lágrimas discretas que se formavam, semcaírem. Voltou o olhar para as nuvens analisando os movimentos vagos e imprecisos das mesmas, engoliu em seco tentando aquietar seu coração sempre tão latente.

–Dediquei minha vida a ele, mas nunca foi o suficiente... Aldebaran estava certo o tempo todo. -Sorriu tristemente, olhando sorrateiramente na direção de Mu. -Nós estivemos no nível deles... E não, não estou falando de força ou técnica, estou falando de dimensões... Eles, Afrodite e Shaka, nunca estiveram no plano terrestre...He, dá para acreditar?! Ambos sempre dividiram o espaço entre os deuses, enviados a terra apenas para cumprir uma missão e então retornar aos braços de suas divindades protetoras, nós, Mu, somos mortais demais.. No final, jamais otocaríamos afinal, há um abismo entre os humanos e os protegidos dos deuses...

As palavras do canceriano lhe eram dirigidas carregadas de amargor e tristeza, via nos olhos azuisíndigostodo o pesar de soltá-las, sabia da veneração que o italiano nutria pelo belo cavaleiro das rosas, mas também sabia do quanto sentia-se inferior perante tamanha beleza. Máscara não via apenas a parte externa de Afrodite, como a maioria das pessoas, mas conhecia o pequeno coração de Peixes de um modo que jamais conhecera a si mesmo... Seu ar tinha um nome, sua alegria tinha uma forma, sua esperança cheirava a rosas... E tudo isso lhe era perdido, escorria por seus dedos como a areia do deserto nas mãos do andarilho...

–Eles nunca nospertenceramMu... No fim, sempre foram um do outro... E isso está escrito no destino, nas estrelas, nos fatos e no cientifico, até porque todos sabemos que os opostos se atraem e não há nada mais oposto do que Peixes e Virgem, emoção e razão...

Ambos olharam-se rindo sutilmente, pois que assim fosse... Olharam uma última vez aos dois que continuavam estranhamente conectados como se estivessem em um outro universo, distantes e absortos de tudo que ocorria ao redor, sorriram amargamente -talvez- conformados com sua situação em relação aos que queriam ter ao lado e caminharam, de volta a batalha, a uma guerra perdida...

"Como tudo que perdi, posso colocar seu nome na lista certo, Afrodite?"

~

O caos continuava o mesmo quandosaíram(senãopior que anteriormente), os loiros caminharam em direção ao que lhes aguardavam, as mãosdesentrelaçando-se em um mude "até logo".

As levas de espectros e cavaleiros uns contra o outros continuava a mesma, Saga apareceu há alguns metros distante de ambos, lutando, sua personalidade maligna controlada, não pode de sentir-se mal ao avistar os jovens separarem-se com tanta dificuldade, uma pontada de inveja e ciúme apossando-se de si de maneira egoísta; mas não havia o que ser feito...

"Ele nunca foi meu... E mesmo quando o tinha em mãos me esvaia em sombras..."

Jamais admitiria que perdera Afrodite para o outro,preferiailudir-se com a ideia de que deixara o companheiro livre para fazer suas escolhas a dizer que este nunca lhe pertencera, engoliu em seco descontando sua fúria e raiva nos inimigos que atreviam-se a se aproximar, sendo todos estrategicamente torturados lentamente até a morte.

Do outro lado do pátio Afrodite corria contra o tempo para tentar aproximar-se dos deuses na tentativa de auxiliar o Grande Mestre e o cavaleiro de Libra, ambos em uma batalha sofrega tentando manter afastados os subordinados de Hades que desesperavam-se ao ver seu mestre ser derrotado aos poucos pelo representante de Pégasus e a deusa. Há alguns passos à sua esquerda, Virgem continha uma multidão de espectros que avançavam sem conter-se, alguns feridos, moribundos, fracos, não conseguindo nem ao menos tocar Virgem.

O que aconteceu a seguir fora tão rápido que nem ao menos puderam perceber como chegaram àquilo, Shaka continuava absorto em sua técnica de limpar o caminho até a deusa enquanto Afrodite esforçava-se também, ficando o mais próximo possível do loiro, simultaneamente no altar Hades tentava atacar diretamente Atena de todo jeito lançando golpes a esquerda e a direita, na esperança de abrir umabrechaentre cavaleiro e deusa. Um golpe, especificamente forte e único chocou-se com um ataqueestratégicode Seya causando um enormealvoroçoao redor, porém, ao chocarem o impacto foi suficiente para trincar a armadura de Pégasus e lançar a afiada e perigosa espada de Hades para longe.

Gostaria de poder dizer que a espada ficara fora doalcancedo deus e um golpe final de Atena finalizou uma guerra sem precedentes ou motivos; que todos reuniram os feridos, se curaram, enterraram os mortos e seguiram suas vidas até o dia que a morte lhes buscassem naturalmente. Porém, a vida não é assim e todos sabemos que utopia apenas nos cria esperanças tolas... A espada de Hades realmente fora parar longe do alcance de suas mãos e um golpe de Atena finalizou a guerra mandando o corpo do imperador do submundo de volta à sua urna, mas antes que isso acontecesse houve um pouco mais de sofrimento que se esperava...

A espada voou longe indo exatamente na direção do cavaleiro de Virgem, seguindo certeira para acertá-lo. Afrodite avistou o objeto que pegaria o virginianodistraídopor estar travando uma luta com um dos poucos espectros que conseguiam manter-se em pé. A lâmina o acertaria pelas costas dando poucas chances para otiberiano defender-se do ataque "acidental"; não pensou duas vezes, correu... Correu em direção do que lhe esperava, selando seu destino.

~

Os olhos azuis arregalaram-se ao sentir o gosto de ferrugem adentrarem seus lábios que estavam levemente abertos em choque pelo que acontecera, os fios dourados a sua frente, dois braços ao redor de seu corpo o protegendo de algo e sangue, sangue por todo seu corpo...

Baixou o olhar cautelosamente observando o outro sob si, o sorriso nos tão conhecidos lábios rosados, o olhar semi cerrado e aos poucos, os membros que circundavam seu corpo com tanta firmeza perdendo as forças, o corpo pálido escorregando sobre o seu, o baque do encontro dos joelhos ao chão...

Shaka demorou no minimo um minuto para assimilar o que acontecera, não havia visto quando nem como tudo tinha acontecido, em um momento acertava um espectroridículoque tentavasubjuga-lo e em outro, Afrodite encontrava-se em seus braços, ensanguentado e com um sorriso desenhado na face escultural."Sorrindo... Deuses, ele estava sorrindo!"

–Afrodite!

O grito do italiano foi o estopim para que acordasse de seu choque, seu pensamento e coração juntos turbilhavam seu sangue em uma enchente de sentimentos, as mãos trêmulas agarraram o corpo do sueco que continuava abaixado, deitando-o em seus braços, notou a lâmina de Hades que transpassava o corpo do pisciano, cravada bem no meio do belo corpo esguio. Um mal estar tomou conta de si e não pode deixar de olhar na direção oposta, sua garganta apertada, o coração comprimido contra o corpo pulsando embebedado emadrenalinae dor. Não queria aceitar o que vias, não podia... Afrodite, deitado em seus braços, com um sorriso trêmulo, o observando com um sorriso puro e cansado no lábios, um filete de sangue escorrendo por sua boca, pingando na reluzente armadura de ouro.

–Shaka...

–C-calma, vai ficar tudo bem Afrodite, nós vamos te levar daqui!

A risada baixa e contida vinha carregada com dor, Peixes não se importava com as palavras de Virgem, sabia o que aconteceria, não teria um amanhã para si... Mas, a ideia de que no outro dia, Shaka iria abrir os olhos e viver lhe alegrava, estava acostumado com perdas e despedidas, porém perdê-lo e continuar vivendo?! Oh não... Seria cruel demais.

Levantou o braço lentamente, tocando a face branca ecândidado loiro que o segurava com os olhos em um brilho desconhecido, seria medo? Desespero? Sorriu. Não queria que o virginiano se preocupasse tanto consigo... Afinal, estava bem agora, estava em paz, satisfeito...

–Shaka...

–Afrodite, por favor... -Tocou a mão que descansava sobre sua face, os olhos marejados, jamais imaginou que um dia poderia derramar uma lágrima, mas a ideia de perder o pisciano para a morte lhe doía mais do que poderia entender. -Por favor, não se esforce... Você tem que ficar quieto, quanto mais se mexer mais pode-...

–Shh... -Pousou alguns dos dedos nos -agora- conhecidos lábios do jovem, que por sua vez voltou-se a eles os beijando respeitosamente. -Não Shaka, ambos sabemos disso... Não haverá um amanhã para mim... Os céus se abrem e admito que tudo já está mais escuro do que deveria... Sabe, apesar de sempre ter me dado bem com a morte, sempre me senti assustado quando via meus olhos escurecerem aos poucos, mas hoje... Eu não estou com medo.

O sorriso perfeito desenhado nos lábios, o toque simples e gentil no outro, acariciando a pele lisa enquanto brincava com algumas mechas douradas que caiam sobre si, estava tão grato e feliz, como nunca estivera em toda sua vida...

–Eu tenho tanto a agradecer Shaka... Tanto! V-você me salvou... Me salvou de mim mesmo! De uma vida de dor e sofrimentos, e... E mesmo que o destino tenha sido cruel o suficiente para nos manter afastados um do outro por todo esse tempo ele foi piedoso em nos unir ao menos no final, vê... Os otimistas estavam certos, sempre há um lado bom em tudo...

–Afrodite...

–Eu queria poder ficar ao seu lado por mais tempo, mas... Senãofosse assim... Não aguentaria vê-lo morto, Shaka, jamais aceitaria isso...

Afrodite!

O guardião do templo de Peixes virou o rosto lentamente na direção que ouvira a voz lhe chamar, Máscara corria em sua direção, derrapou para perto do corpo que era apoiado pelos braços do virginiano.

–Afrodite, você está bem?

Riu alegremente do desespero presente na voz do amigo que o olhava com pânico. Ergueu a mão livre buscando a única restante do representante deCâncer entrelaçou os dedos aos do moreno o observando com ternura e carinho. Sabia dos sentimentos de Angelo por si e agradecia cada pedacinho que lhe fora doado, jamais se perdoaria por não ter correspondido a devoção que lhe fora dedicada, mas agradecia ao amigo por tudo. Estivera junto a si o tempo todo, antes de Gêmeos, de Touro e de Virgem... Sempre esteve consigo, nos dias ruins e nos dias bons e sabia que estaria eternamente, tinha pleno conhecimento de que viveria para sempre no coração e sentimentos do carrancudo italiano...

Cazzo! Afrodite! Fale alguma coisa, não morra, merda!

–Mas que boca suja Máscara... -Riu sutilmente percebendo o meio sorriso que Shaka esboçava. Teria de se conformar em não ver mais os olhos de ambos, as expressões, teria de se conformar em abster-se do amor que lhe foi dado. - Obrigado.

Máscara da Morte arregalou os olhos, batendo um recorde de surpresas em um único dia, e agindo pelo mais puro e simples impulso atacou os lábios do pisciano que não deixou de sentir-se alegre ao tocar uma última vez o companheiro de anos. O beijo fora tão simples quanto o que dera em Shaka, era sem maldade e malicia, apenas algo para que se recordassem de si...

Suspirou longamente vendo as nuvens fecharem-se um tempo nebuloso, ouvindo ao longe a voz (sempre tão calma) de Shaka chamar-lhe incontáveis vezes, enquanto ao seu lado direito, Máscara da Morte o chamava com mais vigor e um certo nível de desespero... Mas, estavam tão distantes e não tinha forças para alcançá-los, queria poder abrir os lábios e dizer que ainda estava ali, que ficariam bem e que apenas dormiria um pouco, estava muito cansado... Porém, não teve animo para abrir a boca; sua mão esquerda deslizou pela face do virginiano tombando sobre seu colo enquanto a direita perdera a força nos dedos que antes seguravam com firmeza a morena e rústica.

–E-eu tenho tanto a lhes dizer... Tanto a agradecer...

A voz saia em um sussurro baixo e arfante, banhando em suspiros e palavras melosas, como uma criança sonolenta que não quer perder a diversão e insiste em manter-se acordada. De fato, não queria perdê-los, era seu mundo em um misto de olhos azuis que o encaravam gritando por si, Máscara da Morte fora seu melhor amigo por anos e Shaka, bem... Este fora sua metade que ficara perdida pelo mundo por muito tempo e que finalmente unira-se a si, eram tão diferentes e opostos, era inevitável que se unissem...

"Acho que o amo... Acho queosamo..."

Sentiu um liquido gelado e salgado escorrer por sua face, molhando a boca ensanguentada. Sorriu fracamente, estava chorando? Ah sim... Finalmente... Era o sinal de sua liberdade... Estava livre.

O último suspiro foi calmo e longo, o coração não batia, o pulso silenciava-se aos poucos, a pele rosada perdia seu brilho e os olhos azuis, sempre tão vivos e brilhantes, acalmavam-se no silêncio eterno, fechados delicadamente. Mas ainda sorria, um sorriso alegre e satisfeito, banhado na felicidade e gratidão. No final, pudera dizer que fora feliz, em seus últimos momentos, em seus últimos dias e segundos.

Não se pode dizer que era inesperado, sempre soube o que aconteceria e preparava-se para isso desde oinicio A morte deitava-se ao seu lado o levando para longe, ela lhe sorria com um gentil e agradável"Bem vindo de volta, querido..." ,o carregando em seus braços para o descanso da morte, não tinha mais medo, estava pronto desde muito tempo e apesar de achar que temia o adeus, descobriu que apenas queria adiá-lo.

Despedir-se de quem se ama é algo doloroso e triste, as palavras faltam, os gestos banhados em tristeza e depressões... Mas a vida assim quis e acontece a todos mortais, deve-se preparar para os adeus, afinal a vida é uma estação e o mesmo ponto de encontro é o ponto das despedidas...

~

O sol do verão brilhava com força, a guerra havia acabado há três semanas e o silêncio no santuário fazia-se presente com mais força do que o normal. Templos vazios carregados de lembranças e memórias de seus antigos donos que já não estavam ali. Retratos, fotografia, objetos pessoais... Todos intocados, como se seus guardiões apenas se ausentassem com um tempo, mas que a qualquer momento ressurgiriam pela porta, rindo e trazendo consigo mais bugigangas e histórias.

No décimo segundo templo um canceriano observava as frias paredes de mármores, o cheiro de rosas já não era tão forte e para senti-lo deveria esforçar o olfato ao máximo, o quarto do pisciano encontrava-se envolta a penumbra, tudo conforme deixado pelo seu habitante, as malas em um cantinho, esquecidas, astúnicascobrindo os incontáveis espelhos do local, a cama desarrumada, um vasinho com uma pequena tulipa no parapeito da janela do banheiro...

Sentiu um nó na garganta e lágrimas sutis esilenciosasescorrerem pela face cansada e queimada pelo sol, tomou uma fotografia jogada em um dos cantos do armário agarrando-se a ela com fervor, não conseguia expressar a dor de arrumar as coisas do amigo... Não queria aceitar o adeus que fora obrigado a dizer... Ainda recordava-se da partida de Afrodite, fora uma dor incessante, Virgem o abraçava com tanta força... Sequer tivera coragem de tocá-lo uma última vez, deixando que o corpo inerte fosse monopolizado pelo louro do sexto templo. Como doía...

–Máscara?

Pulou ao ouvir a voz melodiosa e branda atrás de si, Shaka encontrava-se escorado em uma das pilastra do local, passou as mãos pelos olhos tentando secar as lágrimas que insistiam em cair.

–O que quer?

–Vim me despedir.

–O-o que?

–Dele, vim me despedir dele... -Olhou ao redor, os olhos azuis aberto, atentos a todos os detalhes, sabia que não tinha necessidade de manter-se assim, mas precisava gravar tudo de fora de Afrodite com seu corpo e sua alma, precisava tatuá-lo em seu coração para que jamais se esquecessem de quem foram e do quanto necessitou da presença de Peixes. -Virá um novo cavaleiro de Peixes em breve... Mas, ele não será usuário da técnica das rosas...

–Não?

–Não... -Sorriu passando a mão delicadamente por uma das sedas vermelhas que encontravam-se jogadas sob o espelho. -O legado das Rosas terminou. Afrodite fora o último cavaleiro de Peixes usuário dessa técnica. Este... -Suspirou, fechando os olhos e voltando-se para a saída do templo. -É um adeus definitivo...

Alguns degraus acima um pequena Lótus fechava-se enquanto suas companheiras murchavam silenciosamente em um choro mudo, acima de si um pequeno sabiá piava alegremente anunciando o fim de uma guerra. As Rosas, a Lótus e o Sabiá, despedindo-se das estações, voltando para os deuses pelos quais foram presenteados para determinados cavaleiros, todos caminhando para os braços daqueles que amavam. O pio sumindo aos poucos em uma triste canção de despedida.

Era o fim.

Aqueles que se foram não mais voltariam.

–Eu que lhe agradeço, Afrodite...

Shaka sorriu, saindo do jardim a passos lentos, dando seu último adeus carregando no coração a lembrança de poder tê-lo conhecido de verdade, enquanto o sol do Verão trazia consigo o ar da renovação, apagando o sangue e as lágrimas derramadas, a dor e a perda. Trazendo uma nova chance, uma nova era...

–Obrigado pela oportunidade de estar ao seu lado, por mostrar-me que somos todos humanos, pelos sentimentos... Obrigado por me ensinar a amá-lo...

Ergueu os olhos para o céu, sorrindo.

–Obrigado por tudo.


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