POV: PEETA.

Passei as mãos na calça para que o suor se esvaísse, eu suava muito e não conseguia mais esconder isso. Katniss estava ali, do meu lado, escrevendo os nomes da familias "mais importantes" do distrito 12 que nós conhecíamos e eu estava aqui, babando e suando, como um idiota. O Ethan tem razão, isso não pode ser normal, vai ver eu sou louco... 

Ela olhou pra mim e eu engoli em seco. Seus olhos são as coisas mais lindas do meu mundo. Eles são intensos, profundos. Se olharmos bem, conseguimos ver a tristeza antiga neles, a compaixão, a humildade, a dor, a fome, a humilhação, a vida de uma verdadeira sobrevivente do distrito 12. Se eu pudesse, arrancaria todo e qualquer tipo de dor ou sofrimento de sua memória e vida, mas eu não posso. Ela sorriu de leve.

- O que foi? Porque está me olhando assim? Meu cabelo está bagunçado?- Perguntou passando a mão no cabelo. Puro fingimento! Ela nunca se importou com a vaidade nem nada do tipo. Fez uma careta e revirou os olhos.- Deve estar com sono, admito que eu também estou, mas a gente demorou pra começar isso aqui. Será que você aguenta ficar mais um tempinho aqui, sem desmaiar de sono?- Perguntou com uma sobrancelha erguida e um tom de deboche. Eu bufei, estava acostumado com reações assim vindas de Ethan, mas ela é outra coisa. Claro que eu sei que ela é assim, sempre foi, e eu a amo assim.

- Eu só sei olhar com os olhos, Katniss. E eu não estou com sono, você é quem está aí, quase cambaleante, bêbada... Que horror! Eu não devia receber bêbados em minha casa, e nem ao menos no meu quarto.- Eu disse sorrindo e ela crispou os labios.- E quanto ao atraso: Não sou eu quem tenho uma namorada ciumenta que não me deixa nem fazer um trabalho de escola.- Essa ultima parte me irritou ferozmente, mas eu consegui não demonstrar, as vezes eu sei fazer isso, na maior parte das vezes, sempre fui um bom ator, desde pequeno.

Gale não queria deixar Katniss vir. Ele a seguiu até á minha casa, quando ela chegou aqui na frente, eles discutiram. Queria que tivesse sido uma discussão seria, mas é claro, eu não tenho sorte. Logo ela o desculpou e disse que amanhã conversava com ele. Queria que ela se afastasse dele e a apenas ficasse proxima á mim porque eu quero ela pra mim. Eu necessito de ela pra mim, agora e sempre.

- Idiota! Vamos lá, Mellark, eu não tenho a noite toda. Ao contrário de você, eu não tenho a vida ganha, minha mãe não é dona de uma padaria... E em falar de mães, sua mãe podia começar á ser mais receptiva não acha?- Ela perguntou, fechando o caderno e guardando na mochila. Eu fiz uma careta. Minha mãe quase me bateu quando eu disse sobre a Katniss vir aqui, ela disse que era quase imoral trazer "alguém como katniss Everdeen" á casa de padeiros que tem alimentos. Disseram que nem era ético porque ela se sentiria humilhada diante de tanta fartura. Rá! Cadê a fartura? A verdade é que somos tão miseráveis quanto qualquer um, vivemos de sobras, como muitos. Mas depois o Gabreel lembrou que na casa de Katniss eles cuidavam de doentes e eu poderia pegar uma doença grave e isso seria um enorme prejuízo para ela.

- Acredite: Ela está dando o seu melhor. Não é facil para ela.- Eu disse. Ela balançou a cabeça e pegou sua jaqueta surrada que estava em cima da minha cama.

- Pode avisá-la: A vida não está facil para ninguém... Volto amanhã?- Perguntou, terminando de vestir a jaqueta e colocando a mochila nas costas. Eu me levantei.

- Vou levá-la até em casa, não vou te deixar andando por aí á noite, sozinha. Está tarde, muito tarde.- Eu disse. Eu sei que ela ia achar que eu achava que ela era uma pessoa frágil que não conseguia se virar sozinha, mas eu realmente me preocupo, só falta ela entender. Vou fazer o meu melhor como explicador...

- Ah, não, você não vai! Já tenho o Gale, não preciso de outro guarda-costas! Muito obrigada pela gentileza, mas eu tenho meus proprios pés e meu proprio caminho. A noite é tão perigosa para mim quanto é pra você, e eu garanto: sei me defender melhor que você em seus melhores dias.- Ela disse, abrindo a porta do quarto para sair. Eu bufei. Será que ela achava mesmo que ia ser facil assim? Coitada dela se a resposta for sim. Lá em baixo, meu pai tentava fazer a televisão funcionar e minha mãe fazia umas contas na mesa. Meus irmão estavam deitados no chão, dormindo. Acordaram com os meus passos e os de Katniss.

- Muito obrigado, Katniss, você é uma garota muito gentil, mas que se dane, sim? Não quer alguém como Gale? Ótimo, então não me obrigue á segui-la ás escondidas.- Eu disse, cruzando os braços sobre o peito. Ela se virou para me olhar com furia. Ethan olhava interessado, já Gabreel, balançava a cabeça. Meu pai voltou toda a sua atenção para mim e mamãe... Seus olhos diziam claramente "prepare-se para o castigo". Mas que se dane ela também! A segurança de Katniss pra mim é bem mais importante.

- Idiota! Vamos logo, eu quero chegar o mais rápido possivel e me livrar de você.- Ela disse, bufando e indo para a porta. Nem olhou para trás para a minha familia. Minha mãe olhou-me com desdém e eu ignorei, pegando minha jaqueta que estava em cima do braço do sofá.

- Ótima garota pra você decidir amar não é, Peeta? Mas ela deve ser boa pra você, te põe na linha... Enfim, ela tem genio forte... Vocês se comple...

- Cala a boca, Ethan. Eu vou levá-la em casa antes que ela decida ir sozinha e fazer besteira. Voto logo.- Eu disse, saindo de casa. Ela estava batendo o pé, irritada, na sacada. Eu balancei a cabeça e ri.

- Está rindo do que, seu babaca? Sabe que eu não vou te perdoar por estar me fazer passar por esse constrangimento, não sabe?- Perguntou, andando em direção á sua casa. Eu olhei para ela, confuso.

- Constrangimento? Katniss, estamos sozinhos aqui, está tarde, não tem ninguém na rua, exceto pelas pessoas que estão morrendo de fome e cambaleando. Ninguém vai falar de você. Ou de mim.- Eu disse, dando de ombros. Ela bufou.

- Eu me sinto constrangida por mim mesma, ok? E se você sabe disso, porque fez tanta questão de vir?- Perguntou, parando, de braços cruzados para olhar pra mim.

- Porque eu sou um perfeito cavalheiro. Meu pai conseguiu me ensinar alguma coisa.- Eu disse, dando de ombros. Ela balançou a cabeça e voltou á andar.- Ao menos fui mais digno que o seu namoradinho.

- Eu já te disse que o Gale não-é-meu-namorado. Você é lerdo, surdo, burro ou o que?- Perguntou ela, balançando a cabeça.- Somos só amigos de caça, companheiros, por aí. Mas você não tem nada á ver com isso.

- Tem razão. Eu não tenho.- E isso me dói. Me dói saber que eu não tenho absolutamente nada a ver com nada que envolva Katniss Everdeen porque antes não eramos nada, apenas conhecidos de classe e hoje, não há uma grande evolução, ela apenas está sendo agora minha colega de grupo, e nada mais. Isso machuca.

- Que foi?- Perguntou, quando a olhei eu notei que seus olhos ficaram quentes e acolhedores. Eu devia estar com a maior cara de cachorro abandonado do caminhão de mudança. Eu fiz com que ela sentisse pena, dó.

- Nada. Só frio. Talvez eu não devesse ter vindo, mesmo. Você sabe se cuidar melhor do que realmente parece se cuidar. Eu não devia duvidar disso, desculpa.- Eu disse, abaixando a cabeça.

- Você não duvidou. Preocupação não é duvida. Eu sei  que fiquei irritada no começo, mas agora está tudo bem, até estou agradecida, sabe?- Ela perguntou. Quando eu a olhei vi um sorriso brotar no seus rosto e sorri de volta. Era tão raro vê-la sorrir e era o momento raro mais perfeito do universo.- Boa noite, Peeta.- Ela disse, parando. Já estavamos na porta de sua casa. Ela sorriu para mim.

- Boa, Katniss.- Eu disse, sorrindo de volta. Já estava virando para voltar pra casa quando o inesperado aconteceu, ela se aproximou e beijou minha bochecha. Eu sei, parece idiota mas aquilo foi lindo e me esquentou de imediato. Eu tenho certeza que estava totalmente corado, era uma sorte que estivesse escuro por aqui. Mas ainda vi o brilho dos seus dentes no sorriso. Ela entrou em casa.

Andei feito um idiota bobo pela rua, sorrindo pelo beijo inocente, se ao menos soubesse o efeito que me causa, Katniss... Mas eu fui idiota demais, nem percebi quando Gale me prensou na parede e quase me enforcou com seus braços malhados.

- Se está achando que isso significa alguma coisa, está absolutamente enganado e iludido. Katniss não vai ficar com você, ela está apenas querendo se empenhar no trabalho da escola, e só, não fique pensando coisas, Mellark.

- Me solta!- Eu disse, empurrando-o. Ele me soltou e eu passei a mão no pescoço doído.

- Compreenda que você nunca seria o suficiente para Katniss! Ela precisa de um homem e não de um garoto mimado que não consegue dizer de uma vez por todas o quanto a ama. Cresça e apareça, Mellark!- Ele disse, rindo da minha cara. Eu bufei, irritado e ele riu mais.- Entenda que: Ela é minha. Tenha uma boa noite, Mellark, e esqueça-a.

E simplesmente foi embora! Assim, mesmo! Meu Deus, quanta raiva! Eu esmurrei um muro proximo qualquer, não era uma casa, mas não era nada. Eu bufei e as lágrimas de raiva logo estavam ali. Quando olhei para o muro ele estava levemente rachado. A raiva te dá uma força descomunal! Eu baçancei a cabeça, limpei o rosto e fui para casa.

- E então?- Perguntou meu pai, animado. Mamãe já devia ter ido dormir, senão, ele não perguntaria.

- Levei ela em casa, apenas.- Eu disse, balançando a cabeça.- E agora eu vou dormir. Tenho aula. Uma boa noite para vocês.

- O que foi isso na sua mão?- Perguntou Gabreel.- Vocês brigaram? Se foi, mina forte, hein!

- Super forte. Em todos os sentidos. Vocês não viram? 10 á 0 no Peeta. Osso duro de roer.- Disse Ethan, rindo. "10 á 0 no Peeta." Gale tem razão, eu não sou e nunca serei o suficiente para uma pessoa como Katniss Everdeen. Se em algum momento eu tive alguma esperança de ter Katniss, elas foram embora agora. Eu fingi que ignorei seus comentários e subi para o meu quarto. Entrei nos cobertores e chorei. Eu sei, sou fraco... Desculpa, Katniss.

(...)