Logo ao acordar ele já sabia que aquele seria mais um dia igual aos outros, um dia frio, escuro, triste e sem novidades. Sabia ele que nada de bom aconteceria, que estava fadado a viver em um mundo solitário de amargura e sofrimento.
Não era bonito, muito menos gentil, seus vários invernos vividos o fizeram endurecer, tanto sentimentalmente quanto mentalmente. Era acostumado já com o preconceito batendo à sua porta, preconceito este gerado através de seu rosto gordo e feio, com uma carranca assustadora, um andar desconcertado, pernas curtas e cheias de bolotas onde não se distinguia o que era joelho ou seus tornozelos, tinha também olhos profundos e escuros, com orelhas enormes e deformadas, sim ele era assim um monstro, porém nem sempre foi assim.
Nem sempre ele foi esse monstro, essa coisa medonha que assustava crianças apenas ao sorrir, ou atingia os olhos de adultos do qual iria perguntar alguma informação. Aquilo era cruel, era devastador, ele não pedira aquilo pra sua vida, muito menos gostava do que sofria, não era justo, porquê com ele?
Perguntas sem respostas que talvez jamais iriam ser respondidas, ou até mesmo entendidas, mas mesmo assim eram perguntas das quais ele precisava saber como entender ou como saber o que diziam na verdade, dentro de si, dentro do mundo, dentro dos cosmos.

O vento batia forte lá fora, o sol despontava ao longe no horizonte, as folhas que dançavam ao chão deslizando e montando uma coreografia sutil e bela, tão bela quanto uma peça de ballet de príncipes e princesas. O cheiro doce de grama molhada que ele sentia ao respirar profundamente, um exalar de sentidos dos quais ele sempre amou, não era nada muito luxuoso aquilo, eram apenas ar, verde e luz, porém era tudo que segundo ele pensava bastava para preencher o dia de qualquer ser que pudesse existir no planeta.
Continuou a observar o lado de fora daquilo que ele havia chamado de prisão a muito tempo, antes sua casa, agora o mundo fechado do qual ele apenas se escondia dos outros e de si mesmo. Olhou os pássaros virem dizer bom dia ao peitoril da janela, com cantos suaves que só andorinhas e sabiás poderiam produzir, viu também o enxame de abelhas produzindo sua colméia bem no topo de um galho de Ipê roxo que se postava grande e imponente no jardim de seu vizinho, produzindo um zumbido que ele imaginava ser a canção do trabalho duro e gratificante de cada abelhinha operária dali.
Ficou maquinando em sua mente cada coisa que ali via, imaginado que em toda a existência o ser vivo seja ele qual for tem praticamente o mesmo destino, nasce, aprende a andar ou voar ou apenas parar em pé, depois cresce mais e começa a ser ensinado sobre as coisas das quais irá utilizar para o resto de sua vida, como deverá agir e tudo o que lhe pode ser ensinado sobre sua espécie e sua sobrevivência, logo depois cresce mais e se torna adulto podendo assim se aventurar e colocar em prática tudo o que lhe foi passado nos anos,dias ou meses anteriores, depois ou vive até a morte por velhice, ou morre por morte matada ou pior nem morre, sofre um acidente ou algo assim e fica definhando até que a dona de capuz venha deslizando bela suntuosa para dentro de seu recinto pegar-lhe pela mão ou pata e levar seu espírito ao glorioso mundo do além.
Tantas coisas passando em sua mente e uma pergunta insistia em se fazer presente, se tudo isso é sempre a mesma coisa, se tudo acontece sempre do mesmo jeito e se a maioria em sua essência sabe o que vai acontecer, qual o motivo para querer viver? Porquê ser feliz e procurar montar uma vida de sofrimento e suor para no fim ficar entregue a vermes e bactérias? Qual o real motivo da vida?
E por essa pergunta passou a prestar mais atenção no que acontecia do outro lado da grade que o separava do mundo interior em que jazia para o mundo exterior que observava, tentando assim procurar uma resposta para aquela pergunta em especial ou esperando que alguém ou respondesse á ela ou mostrasse o caminho ao qual seguir para descobrir isso.