Bocejei.

         Mais um dia chato na escola. No meio da aula de Geografia, eu pensava no que fazer hoje.

         “Ahhh, eu quero dormir...”, pisquei algumas vezes para tentar me manter acordado. “O que eu deveria colocar no menu de treinamento de hoje? Hm... Acho que aquecimento e talvez depois uma mini partida...”

         O som de risadas despertou-me do transe. Distraidamente, olhei pela janela. Eles estavam lá, rindo e correndo de um lado para o outro no pátio. “Ah, os moleques do primeiro ano estão jogando futebol...”. Mas uma cabeleira loira chamou minha atenção; era meio impossível não reparar nele. “Ah... É a classe do Kise. Ele tem amigos...?”.

         Aquele loiro idiota corria pelo pátio com a bola nos pés e um sorriso nos lábios. Vê-lo se divertindo era gostoso e me deixava relaxado. Toda aquela aura séria que ele vestia nos jogos parecia simplesmente evaporar.

         -Kasamatsu. Kasamatsu – ouvi Moriyama chamando. Virei para ver o que ele queria – Já é intervalo.

         -Ah, claro.

         Continuei olhando pela janela, mantendo os olhos em Kise. Moriyama chegou perto e olhou pela janela na mesma direção que eu. Ouvi-o suspirando.

         -Kasamatsu, você presta uma atenção especial no Kise, né?

         -Uh? – virei para ele de novo, erguendo uma sobrancelha – O que diabos você está falando? Não saquei essa.

         -É, é verdade! Não tente me enganar. Eu sou contra o favoritismo!

         -Eu te disse, você está errado! – suspirei – Pare com essas merdas, Moriyama. – levantei-me da cadeira e me apoiei na parede, fechando os olhos.

         -Não, eu estou certo. – a voz dele era mais baixa – Pra você, o Kise é especial. – abri os olhos, encarando aquele maldito – Quando o Kise está numa crise, você nunca tira os olhos dele. E do mesmo jeito sempre acaba ouvindo e aceitando os caprichos dele. Você o mima muito.

         Encaramo-nos por alguns segundos. Onde Moriyama queria chegar com isso? Porque diabos ele começou a falar de Kise? Isso não levaria a lugar nenhum. Moriyama abriu a boca e recomeçou a falar:

         -Mas que ele é o nosso ás, ele é. Mas é mesmo só por causa disso? – a voz dele era fria.

         -Claro que é – tratei de responder rapidamente, virando o rosto para o outro lado. Do mesmo jeito, pude sentir os olhos dele na minha nuca. Formigava.

         Um silêncio estranho pairou no ar. Eu ainda não entendia o que ele queria com isso. De repente, Moriyama riu. Não foi uma risada muito normal.

         -Ahh, entendi. Vamos deixar isso desse jeito, sim? Mas você sabe, Kasamatsu, você... – o tom dele mudou de novo. Era frio, questionador – Anda muito apegado no Kise.

         Não pude pensar em nada pra dizer. Somente virei e olhei pela janela mais uma vez. Kise ainda estava lá com a bola de futebol. “Apegado, mas que diabos...”. Não pude deixar de ficar meio inquieto.

         Num segundo, Kise virou os olhos para a minha sala e me pegou olhando diretamente para ele. Começou a acenar.

         -Senpai!! – ele gritava sorridente.

         “Aquele idiota...”

         O rosto dele estava vermelho e molhado de suor por causa do esporte, e o sorriso dele era tão largo... Ele parecia realmente feliz, mas porque tanto assim?

         As palavras de Moriyama me voltaram a cabeça. “Pra você, Kise é especial, ele dissera. Especial, hm...”

         -Senpaiiii!

         -Cala a boca, Kise! – gritei de volta e me joguei numa cadeira, afundando o rosto nos braços.

         “Especial... Não saquei essa”

         -Ka-Kasamatsu-kun... – alguém me chamava.

         -Hm? – levantei distraidamente.

         -V-Você tem um momento?

         Era uma garota. Uma ruiva. Pude sentir minhas bochechas queimando, e meu primeiro impulso foi me afastar dela. Droga, eu nunca fui bom com garotas!

         -S-S-Sim! – ela parecia tão embaraçada quando eu – O-O que v-você precisa?

         -Hm... Eu... Eu queria falar com você sobre uma coisa... Você está livre no outro intervalo? – as bochechas dela estavam vermelhas também. Apesar disso, não pude deixar de reparar o quão bonita ela era.

         Minhas mãos estavam tremendo um pouco e o coração batia muito rápido. Merda, odeio ficar nervoso perto de garotas!

         -S-Sim, estou livre.

         -Ahh, que ótimo! – ela sorriu – Você pode me encontrar no pátio?

         -C-Claro, entendi.

         Ela abriu um sorriso enorme. O que diabos ela quer comigo?!

         -Obrigada! Bem... – ela virou-se lentamente – Então mais tarde a gente se vê no pátio! Vou estar te esperando!

         -S-Sim...

         Ela saiu andando e deixou a sala de aula. Apoiei a cabeça nas mãos; ainda estavam suadas. “No pátio...? Eu fiz alguma coisa? Falar sobre o que?”

         -KASAMATSU!! – Moriyama pulou em cima de mim – E não é que você está conquistando as gatinhas?!

         -Ahh?? Que?! Oi!

         -Ah, nossa... – Moriyama abaixou o tom de voz e olhou longe – Essa pode ser uma boa oportunidade, tanto pra você quanto pra ele.

         -Francamente... – afastei-o de perto de mim – Eu realmente não entendo as coisas que você diz, Moriyama.

         -Kasamatsu, você é lento mesmo...

         Chutei-o para longe e voltei a afundar a cabeça nos braços. Logo, o sinal do fim do intervalo tocou. Não consegui prestar atenção na aula de Matemática, muito menos na de História. Eu não conseguia parar de pensar no que eu tinha feito de errado para aquela garota querer falar comigo. Será que eu disse alguma coisa ou...?

         O sinal de intervalo tocou mais uma vez.

         “Ah, o tempo realmente voa... Finalmente já é intervalo”, fechei os olhos e deu uma última respirada funda antes de levantar. Ergui-me da mesa, estalando os dedos. “O que ela quer falar comigo? Eu estou um pouco assustado, mas... Não posso fazer mais nada, tenho que controlar meu nervosimo agora”.

         -Moriyama, eu estou indo – anunciei enquanto passava por ele – Você pode ir na frente e comer se quiser.

         -Entendido, boa sorte, Kasamatsu! – ele parecia mais alegre.

         Bufei antes de finalmente sair da sala. Cada passo que eu dava demorava muito mais do que o normal, eu estava realmente tenso... Nenhuma garota nunca veio falar comigo, isso era muito estranho...

         Quando terminei de descer as escadas, vi que a ruiva estava parada perto do banco de madeira, com as mãos entrelaçadas e olhando de um lado para o outro meio aflita. Fui me aproximando devagar. Ela ouviu o barulho dos meus passos nas pedrinhas e virou na minha direção. Abriu outro sorriso.

         -Ah!

         -D-Desculpe o atraso... – balbuciei nervoso. Comecei a coçar a cabeça num gesto robótico.

         -Não tem problema! Estou feliz que você veio! – ela parecia radiante.

         -Então... E-Essa conversa...

         -Sim, sim... – ela apertou os pulsos contra o peito, seu rosto ficou vermelho de novo – Sabe, eu realmente gosto... Do Kasamatsu-kun.

         -E-Eh?

         Várias gotas de suor começaram a brotar nas minhas costas e mãos e rosto e pescoço. Ok, ok, ela estava se declarando. Uma garota. Se declarando. Para mim.

         -Você quer ficar junto comigo? – os olhos dela brilhavam, e ela estava muito fofa toda tímida...

         “Gosto? Ela disse gosto? De quem? De mim? Ela... Gosta de mim?”

         Pude sentir o calor subindo desde a base das costas até o rosto. Eu sabia que estava que nem um pimentão. Minhas mãos não paravam de suar e tremer. E-Eu tinha que dizer alguma coisa, qualquer coisa...

         -E-Eh... Sabe, isso realmente me deixa feliz, mas... Agora mesmo eu estou muito focado no basquete e... Além do mais, eu já tenho alguém que me deixa atolado. Se eu não ficar de olho nele, ele vai acabar se machucando... E ele chora fácil e é tão cabeça de vento... A verdade é que está escrito no rosto dele que ele está sempre tentando fazer seu melhor... Ele é barulhento e se comporta como um cachorrinho, mas eu quero muito apoiá-lo... Eu acho...

         E, bom, a ficha finalmente caiu.

         “O QUE DIABOS EU ESTOU DIZENDO?!!!!!” bati com força a mão na minha cara. Talvez assim eu acordasse para a realidade.

         -Kasamatsu-kun...

         -DESCULPE, DESCULPE, EU COMECEI A FALAR BESTEIRAS... – ergui minhas mãos, constrangido. Boa, Kasamatsu, vai lá.

         -P-Para o Kasamatsu-kun... – ela ergueu a cabeça e sorriu para mim – Essa pessoa deve ser bem especial!

         Ver o sorriso dela, tão largo e brilhante, me lembrou do sorriso dele. Ele está sempre se esforçando tanto... E aquela vez que ele chorou depois que perdemos contra Touou; ali eu jurei que não iria mais fazê-lo chorar. E vê-lo suado do treino, o jeito como ele treina com tanto afinco, com tanta vontade...

         “Você está certa... Para mim...”

         O sorriso dele depois das vitórias era a coisa mais brilhante que eu já tinha visto.

         “O Kise é...”

         E o jeito que ele joga com tanta garra e determinação... Eu realmente passei a admirá-lo, ou mais que isso.

         “Especial”

         “Entendo... Depois de tanto tempo, antes que eu soubesse... Eu passei a pensar nele como sendo alguém especial...”

         -É, talvez seja isso mesmo – sorri sem-graça.

         A ruiva me olhou, mas os olhos dela não estavam tão brilhantes quanto antes.

         -Ahhh, eu acabei de me confessar e você me fez ouvir sobre a pessoa que você ama...

         -AH! Me desculpe!

         Minhas bochechas ficaram quentes de novo. Kasamatsu, você é realmente burro ou o que...? É a segunda vez no dia, francamente!

         -Eu estava brincando! – ela disse num tom aliviado, sorrindo – Desculpa, isso foi um pouquinho idiota! – ela pegou numa das minhas mãos – Olha, cuide bem dessa pessoa, tá?

         -Eu vou, não se preocupe – respondi, sorrindo também. – Obrigado. Quando você me disse que gostava de mim, eu fiquei muito feliz, mas eu acabei percebendo que eu também tenho alguém especial. Desculpe... – soltei a mão dela e abaixei um pouco a cabeça – Não, na verdade, eu tenho que te agradecer. Você me escutou, e só isso me deixou feliz.

         Ergui a cabeça e encarei o céu. Estava azul, quase sem nuvens. Era um dia quente de verão, a temperatura estava agradável; realmente um belo dia. “Graças ao Moriyama e a essa garota, eu percebi...”

         “Para mim...”

         “Kise é...”

         -SENPAI!!!

         Virei-me, surpreso. Kise estava parado sem fôlego perto de nós, o rosto vermelho e a boca bem aberta pegando ar. Ele tinha um tipo de forte determinação nos olhos, e aquilo me fez sorrir do jeito mais bobo possível.

         “Especial”.