Never Again escrita por Maga Clari
— Pessoal, o que está havendo? — Wendy descera da janela em direção a Miguel e Tina, apertando a testa — Ei, Miguel, eu estou aqui!
— Quem disse que eu sumi? — Pan chegara ao quarto de Wendy, alheio à situação.
Ambos se entreolharam, confusos. Nada que fizessem atraía a atenção dos demais. Era estranho... Tina e Miguel pareciam nem notá-los, ou pior, nem enxergá-los.
— Pan... — Wendy falou, calmamente — O que está acontecendo?
— Não faço ideia — respondeu. Sua memória lhe enganava mais uma vez. Tudo que surgia em sua cabeça eram criaturas que desapareciam quando as pessoas desacreditavam nelas — Wendy! Será que..? Espera!
— No que você está pensando? — Wendy se aproximou, lentamente, tentando conter as lágrimas de medo que manchavam o seu rosto.
— Lembra-se das conversas que tivemos ontem à noite?
Wendy assentiu, encorajando-o a continuar.
— Seu irmão e sua amiga fizeram chacota das suas histórias... Vocês falaram um nome... Serra do...
— Terra do Nunca! – Wendy sussurrou, como se tivesse medo de pronunciar tais palavras.
Na mesma hora, lembrara-se da tal conversa. Falavam sobre livros. Num certo momento, Wendy comentara que se pudesse escolher um lugar para morar, escolheria a Terra do Nunca. Afinal, lá poderia estar perto de todo aquele mundo que ela lia, mas não vivia.
E de repente, a compreensão tomou conta dos nossos dois amigos sonhadores. Algo dizia-lhes que aquele fora o ponto. E de fato fora: Tina e Miguel riram e falaram de modo convicto que não existia essa coisa de “Terra do Nunca”.
Os garotos não sabiam o porquê, mas sentiam que continuariam assim enquanto Tina e Miguel não acreditassem neles. Porque parte do coração dos meninos perdidos ficaria lá para sempre. E não demoraria muito para que Pan e Wendy tomassem consciência disso.
Assim o resto do dia se sucedeu. O senhor e a senhora Darling telefonaram para John e ele não fazia ideia de onde estava Wendy.
Procuraram no flat, na pracinha e até mesmo na faculdade. Optaram, enfim, por acionar a polícia local.
E se aquele garoto a tivesse raptado?
— Não vai atender o telefone? — Wendy perguntou durante uma caminhada no centro da cidade.
— Não — Pan respondeu, arregalando os olhos — E se for minha mãe? Não quero voltar pra casa...
— Atende logo, Pan. E se for alguma ajuda?
O menino-perdido tirou o telefone móvel de dentro da capa de viagem e apertou o botão "atender". Para sua surpresa, não era mãe alguma.
— LINDY?! — ele gritou, de repente — Sinto muito! Eu havia me esquecido!
— Quem é? — Wendy sussurrou.
— Uma colega de...
"Ah, quer dizer que tem companhia?", Lindy disse rispidamente ao telefone. "Está todo mundo preocupado esperando você para ensaiar..."
— Escuta, Lindy, estou com alguns problemas e... Eu sei, eu sei que devia estar aí...
— Pode ir... — Wendy disse, hesitante, ignorando o sinal de "não" que Pan lhe oferecera.
Pan desligou o telefone. Ele explicou à amiga toda a situação do dia anterior e enfim decidiram ir lá apenas para justificar seu comportamento nas últimas quarenta e oito horas.
A Academia de Teatro ficava numa das transversais de Westminster, numa rua estreita; qualquer um que caminhasse por lá, não daria nada por aquela casa aparentemente pequenina.
Ao adentrarem a casa, subiram os degraus que os orientavam para o hall de entrada. Wendy ficara maravilhada com a diversidade de cores e formas que havia ali. Retratos, pinturas, tintas, maquiagem, roupas, cenários, discos, rádios, panos, estantes e... livros!
Wendy correra até eles e apanahra um exemplar. Já havia começado a ler o prefácio quando...
— O que pensa que está fazendo?
A voz viera de uma jovem da mesma idade que Wendy Darling. Ela tinha as mãos na cintura, como se estivesse defendendo o próprio território. Wendy gaguejara um pouco antes de dizer:
— Eu... hum... eu só...
— Deixe-a ler, Lindy! Qual o problema com isso? — Pan tomara a frente, com enorme irritação — Wendy, pode pegar.
Lindy o encarou ressentida.
— Pan, onde você estava, afinal?
— Eu não lhe devo satisfações. Ocorreu alguns problemas. Estou aqui agora.
— Você sabe que se continuar assim podemos dispensá-lo, não sabe? Pensamos nesta possibilidade antes de você atender o telefone.
— Você não pode!
— Posso sim! Estou no comando, esqueceu?
Lindy respirou fundo antes de olhar para Wendy e então para Pan de novo.
— É preciso comprometimento. Isso aqui não é um hobbie. É trabalho, Pan. Trabalho! Somos todos adultos, Pan!
Aquilo foi o suficiente para que o estômago do menino-perdido se revirasse. Estava num emprego tão opressor quanto um homem de escritório.
Não aguentava mais isso.
— Talvez, então, este não seja o meu lugar!
Pela primeira vez em anos, Pan se exaltou. Depois de uma longa discussão, o menino pegou tudo o que lhe restava, puxou Wendy e bateu a porta. Sentaram na soleira da entrada e ficaram assim por alguns minutos.
Continuava muito frio, por isso, Wendy se oferecera para comprar chocolates numa cafeteria de esquina que havia por perto. Quase na mesma hora, ouviu-se a porta abrir.
— O que houve com você, Pan? — Lindy sentou-se ao seu lado, respirando fundo — Você não era assim.
— Eu sempre fui assim. Eu só... estou começando a me lembrar...
— Não, você não era. Isso foi depois daquela garota do teatro. Por que não esquece tudo isso e voltamos ao normal, hein?
Lindy sorriu e inclinou-se para beijá-lo. Quando Pan finalmente percebeu o que estava prestes a acontecer, afastou-se.
— Está maluca? O que está fazendo?
— Não vai ser uma briguinha dessas que vai estragar nosso namoro, não é, Pan?
Entretanto, tudo o que Pan conseguira fazer foi levantar a cabeça e encontrar os olhos de Wendy, metros de distância. Os mesmos olhos que desapareciam aos poucos pelas ruas londrinas.
Wendy deixara cair os chocolates quentes a poucos metros deles; como se os seus próprios sonhos e esperanças houvessem ido junto.
Aquele não era o Pan das suas histórias. O "seu Pan", Peter Pan, não tinha sentimentos. Muito pelo contrário, ele os temia. Wendy sentia-se tola por realmente achar que o havia encontrado depois de tanto tempo.
Quanto a Pan, ele havia se perdido em seus costumeiros devaneios, esquecendo-se do mundo em volta dele, apenas pensando, e pensando um pouquinho mais.
Talvez suas memórias estivessem aparecendo rápido demais. Talvez fossem resquícios de outra vida. Ou talvez não. Talvez Pan precisasse afastar-se de Lindy para que se lembrasse do que o unia a Wendy Darling.
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