The Surviver escrita por NDeggau


Capítulo 3
Capítulo 2 — Fugindo




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Fugindo

CHEGUEI A TUCSON POUCO ANTES DO PÔR-DO-SOL. Lola dormia no banco ao meu lado. Seu corpo subia e descia na medida em que ela respirava lentamente. Seu pelo amarelado manchado de cobre brilhava sob os últimos raios de sol quando estacionei próxima a Tucson. Procuraria um hotel ali perto.

Por garantia, me registrei como Bruma no Mar. O recepcionista, Jacob – que adotou o nome do seu corpo hospedeiro – sorriu gentilmente para mim e para Lola, então imaginei que cães eram permitidos.

Meu quarto era pequeno e simples, nada além do que eu queria. Uma pequena cama de casal com dois criados mudos e um sofá perto da porta do banheiro – pequeno também. Joguei minha mochila no pequeno armário no canto direito do quarto e deitei na cama. Os lençóis geladinhos receberam a minha pele quente do sol.

Lola pulou na cama ao meu lado, tocando a testa peluda no meu braço. Afaguei sua cabeça. Lola era minha mascote desde que eu tinha cinco anos. Era a única coisa que não mudou na minha vida. Ela me encarou com seus grandes olhos de cobre e quando acariciei suas costas, seu longo rabo fino e amarelado rodou como a hélice de um helicóptero. Lola se afastou dos meus carinhos e se esticou na cama, ficando quase do meu tamanho. Era uma labradora grande e forte, treinada com eficiente por mim e meu pai. Ela nunca hesitava em obedecer meus comandos. Era silenciosa e com dentes afiados. E com aparência dócil de um gatinho. Podia me livrar de algumas encrencas.

Afaguei novamente sua cabeça e virei de lado, pegando no sono.

Acordei duas horas depois e arrastei meu corpo cansado para baixo do chuveiro. Deixei a água quente relaxar meus músculos.

Você parece muito bem, disse Bruma.

Tenho motivos para não estar bem, Bruma? Sou uma mulher livre agora.

Você é uma garota, Ashley. E deveria ter motivos para estar abalada.

Está falando do veneno no café?

Estou.

Não sou tão sentimental como você, Bruma.

Sei disso. E me preocupo.

Sei.

Ela desistiu e ficou em silêncio. Terminei meu banho e vesti a mesma muda de roupa, sem me dar ao luxo de sujar roupas a torto e direito. Voltei para a cama e fitei o teto.

Eu não sou uma garota, Bruma.

Ashley, você tem dezesseis anos. Não deveria nem estar dirigindo.

Tecnicamente, sim. E não tenho medo de nada, isso me torna adulta.

Quão adolescente foi isso?

Ora, fique quieta. Preciso dormir.

Sei.

Virei de lado e fechei os olhos, pronta para ignora-la. Mas Bruma ficou em silêncio.

Acordei pela manhã já alerta. Lola estava acordada, arranhando a porta. O rangido fazia meus dentes trincarem. Deve ter sido isso que me despertou.

Levantei e lavei meu rosto, escovei os dentes com uma escovinha de dentes brancas do hotel. Percebi que tinha esquecido a minha, então procurei pelo armário do banheiro até encontrar um estoque de, pelo menos, cinquenta escovinhas embaladas. Elas foram para a mochila. Os sabõezinhos com cheiro de talco também. Nunca se sabe quando se pode precisar deles.

Eu não esperava ficar muito tempo no meio das Almas. Já tinha ouvido boatos de grupos de humanos sobreviventes. Eu estava decidida a encontrar um desses grupos, nem que tivesse que morrer tentando encontra-los.

Que decisão sensata, resmungou Bruma.

Alguma ideia melhor?

Prefiro ficar aqui, ela ignorou meu sarcasmo. É seguro e tranquilo, e todos cuidarão bem de nós.

Não quero que zumbis cuidem de mim.

Não são zumbis. São corpos hospedeiros.

Sei.

 Bruma grunhiu e ficou quieta. Apanhei uma toalha de rosto enrolada do armário, que também ganhou seu lugar na mochila. Eu tinha tomado quase toda a minha água, então desci até o salão de refeições do hotel para conseguir mais. Aproveitei e me fartei de bacon e ovos, sabendo que não conseguiria muito daquilo para comer com torradas de agora em diante. Perguntei se eles não tinham nenhuma comida não perecível e Canção de Inverno, a garçonete, me entregou sorridente uma caixa de barras de granola. Sorri torto para ela e agradeci. A caixa foi parar no bolso principal da minha mochila, com mais cinco garrafinhas de água. Levei alguns pedaços de bacon enrolados em um guardanapo para Lola e levei tudo para o Troller.

Lola ainda lambia a gordura do guardanapo quando acelerei para fora do estacionamento do hotel. O fato de não pagar nada era prático.

Dirigi sem rumo por Tucson. Eu não sabia ao certo o que fazer.

Isso é ridículo. Volte para o hotel ou para sua casa.

Aquela nunca foi minha casa, Bruma. Estou tentando encontra-la.

Um bando de humanos irracionais e inconsequentes como você? A morte me parece muito certa.

 Dei uma freada no Troller e abaixei o quebra-sol. Meus olhos com reflexo me fitaram pelo espelho, atordoados. Involuntariamente, puxei o cabelo para o lado e toquei minha cicatriz. Aquelas características eram úteis entre as Almas...

Mas os humanos a matarão, concluiu Bruma.

Não tinha pensado nisso.

Claro que não.

 Pensei por um instante, folheando ideias na minha cabeça.

Não perca tempo, Ash.

Não me chame de Ash!

Desculpe.

 Brava, pisei com força no acelerador e dei uma guinada do jipe. Lola latiu com o susto. Avancei rapidamente, ultrapassando alguns carros. Parei em um sinal vermelho e senti meu rosto corar de raiva. Bruma sentia algo semelhante à satisfação de me ver assim, mas também estava triste. Eu nunca entenderia uma Alma.

 Voltei a acelerar. Dessa vez, fiz uma curva abrupta e segui em direção à saída de Tucson.

Para onde está indo? Perguntou Bruma, senti certa agonia da parte dela.

Leia meus pensamentos. Você gosta de fazer isso.

 Ela bufou.

Você os esconde de mim, humana.

Dei um desagradável sorriso torto.

Eu sei.

Humana seria quase como um xingamento que Bruma criou para mim. Almas não eram capazes de ter sentimentos negativos. Serem passivos e amáveis fazia parte da espécie deles. O máximo que Bruma conseguia ficar era irritadinha.

Já eu ficava irada por pouquíssimas coisas.

Bruma sempre estava ali para não me permitir perder o controle.

Já fiz isso várias vezes.

Então agora você está escutando, Almazinha?

 Ela bufou.

Tenho que me distrair com alguma coisa, certo?

Certo.

E não me chame de Almazinha. Parece que está me menosprezando.

Ash também não me deixa confortável.

Preste atenção na estrada.

 Obedeci-a e desviei a tempo de um carro.

Acho mais sensato reduzir a velocidade.

Sou eu quem está dirigindo.

 Estacionei no meio fio. O único som era do ar condicionado e do rabo agoniado de Lola batendo no banco. Estiquei a mão para afagar sua cabeça. Seu rabo de baqueta acelerou.

 Fitei o céu cinzento pela janela. Ao meu lado, um deserto marfim começava a aparecer, se estendendo até onde a vista alcançava.

O que você acha de adentrar o deserto, Bruma?

Nada sensato. A gasolina acabará logo. Morreríamos de sede. Teríamos que assar Lola com o calor do Sol e...

Eu estava sendo sarcástica.

Oh, desculpe. Não tinha percebido.

Claro que não.

 Girei a chave na ignição e dei partida no motor.

Para Tucson? Perguntou Bruma.

Precisamos de um bom plano...

Eu tenho um bom plano.

Um plano que não inclua viver no meio das Almas.

Morrer? Bruma gemeu com a ideia.

Dramática. Vamos atrás de humanos.

Para morrer?

Não. Vamos para viver de verdade.


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