Shalom - As Memórias de John Sigerson escrita por BadWolf


Capítulo 45
Capítulo 45: Esther Kyznetsov


Notas iniciais do capítulo

Bem, acredito que todo mundo já esteja recuperado do choque do último capítulo, então nada melhor que um próximo, para mostrar o que aconteceu depois de toda essa bagunça que foi a revelação a respeito desse detalhe curioso do passado de Esther.

Há ainda um pequeno e significativo acontecimento...



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Ambos estavam sentados no sofá, em lados opostos, um de frente para o outro. Holmes impediu que Esther falasse qualquer coisa, e pediu que ela fosse sincera, ao menos uma vez em sua vida.

–Sinceridade? Verdade? Você é a última pessoa na Face da Terra a ter de me pedir isso, Sigerson!

Holmes sequer a corrigiu quanto ao seu nome verdadeiro, e acendeu um cigarro enquanto esperava ela começar sua história.

–Não acredite completamente em Dmitri. Ele lhe contou muita mentira, não se deixe contaminar por elas.

–Eu julgarei o que é verdade e o que é mentira aqui, Mrs. Kyznetsov. – disse Holmes, friamente, congelado pela decepção e raiva. Ao ser chamada dessa maneira, Esther estremeceu.

–Por favor, chame-me de qualquer coisa, menos desta forma. O senhor entenderá o porquê quando eu lhe contar toda a verdade.

–Pois então comece. Estou esperando.

Esther começou.

–Eu tinha dez anos quando conheci Dmitri.

Ele mentiu quando disse que me apaixonei por ele. Nunca senti qualquer coisa boa por ele. Ele passou a frequentar a minha casa assim que as relações de Papa com o Conde se aprofundaram. O Conde, como eu disse, era obcecado por mim, e Dmitri também era. Ele tinha medo de que o Conde se casasse comigo, e eu viesse a ter algum herdeiro. O Conde não tinha filhos, embora tenha se casado duas vezes. Temendo que sua fortuna fosse parar nas mãos do Czar, o Conde definiu Dmitri como herdeiro. Pelo fato da mãe de Dmitri ter trabalhado como empregada, havia um boato de que Dmitri era filho do Conde.

Dmitri almejava tudo que seu patrão e suposto pai era ou tinha. Ser herdeiro não era o bastante. Ele queria se provar o tempo todo, queria chamar a atenção e conquistar a simpatia do Conde. Acho que seu sonho é ser reconhecido como filho, embora eu tenha minhas dúvidas quanto a chegada desse dia, mas cada um tem seus sonhos.

Como eu disse, ele temia a chegada de um herdeiro, e então fez o impensável. Passou a investigar meu pai, à medida que as intenções do Conde de se casar comigo aumentavam. Ele forjou ligações de meu pai com a oposição ao Czar, e em seguida meu pai desapareceu. Papa era contra meu casamento, e queria me afastar do Conde. Lembro-me de escutar minha mãe chorar de madrugada em hebraico, algo como uma prece, e pedir ao meu pai que fôssemos embora para casa, mas meu pai insistia que meu “possível” casamento com o Conde estava abrindo muitas portas, portas que ele poderia não chegar a abrir. Agora eu entendo que era a espionagem.

O “sumiço” de meu pai surtiu efeito. O Conde achava-me uma ameaça, e desistiu de se casar comigo, mas queria vingança. Dmitri, então, se ofereceu para o casamento, alegando que transformaria minha vida em um inferno. E foi o que ele fez todos esses anos. Quando eu tinha doze anos, ele apareceu em minha casa com uma procuração assinada por Papa, que autorizava meu casamento com ele, e também havia um Registro de Casamento já feito. Temos padres tão corruptos que um casamento com a ausência da noiva não é algo tão complicado de se fazer. Então, ele...

Esther começou a chorar, e após alguns momentos, recomeçou.

–Ele me levou até sua casa e... Foi horrível.

Holmes parecia horrorizado.

–Mas você só tinha 12 anos...

–Há meninas na Rússia com idades bem menores do que esta e que são submetidas às mesmas obrigações matrimoniais. Eu fiquei trancada naquela casa por uma semana, como um animal que só lhe satisfazia as necessidades. Ele zombava das crenças de meu povo, e me fez praticar coisas horríveis... Coisas que... Eu sequer suporto descrever!

–Santo Deus! – murmurou Holmes, compreendendo o que ela estava falando. Esther continuou.

–Dmitri era cruel e me dizia coisas horríveis e sem sentido. Eu ficava acorrentada o tempo todo, enquanto ele dizia que eu tinha matado a Jesus Cristo, que meu sangue era imundo... Ele era católico fervoroso e um obcecado antissemita. Ele me torturou com chibatadas, dizia que eu deveria sentir a mesma coisa que Jesus. Fiquei uma semana tratada a pão e água.

–Por isso as cicatrizes nas costas. – concluiu Holmes.

–Sim, e eu garanto que é pior do que você pôde ver. Eu fico pensando o que terei de explicar a meu marido quando ele vir isso...

–Eu tenho certeza de que se você contar a verdade ele vai entender. – disse Holmes, tentando acalmá-la, embora em seu interior ele se sentisse confuso por imaginar Watson ocupando essa posição.

–Ele nunca me tratou com ternura, sequer me beijou. Dizia que tinha nojo de mim. Embora Dmitri tenha sido meu marido, o primeiro beijo que dei foi... Com você, e não com Watson, como eu tinha imaginado.

–Beijo este que você deu em Watson na minha sala em Baker Street, eu suponho.

–Como você...? Oh! – surpreendeu-se Esther, ao deduzir que Holmes a viu sendo beijada por Watson naquela noite.

–Sim, eu vi. Era eu o estranho vulto que a senhorita viu. Não foi uma invasão, como você pode imaginar agora. Só voltei para minha casa para pegar uma coisa e... Bem, eu não esperava por visitas.

–Entendo... – foi só o que ela disse. – Bem, eu fiquei nesta situação deprimente por uma semana, e acho que não teria aguentado um mês, quando meu irmão David e mais alguns amigos conseguiram me resgatar. Eu reencontrei minha mãe, e nós dois saímos da Rússia com a roupa do corpo, pois tivemos de vender tudo que tínhamos para conseguirmos míseras três passagens para o Continente. Nós voltamos para a Inglaterra, e menos de um ano depois a minha mãe morreu. O resto você já sabe.

Um silêncio terrível ficou no ar, até que Dmitri soltou um grunhido.

–O que você vai fazer com ele? – perguntou Esther.

–Poderia mata-lo, se quisesse, mas como você bem sabe, ele está envolvido com gente grande. Fui informado pelo meu irmão que problemas com o Conde poderiam trazer uma série de problemas à Diplomacia, especialmente se este nobre cidadão russo for agredido e morto em solo britânico. Eu não posso transformar a morte deste miserável em problemas à Coroa, esse sujeito não merece tal honraria. Terei de libertá-lo.

Esther parecia decepcionada, mas Holmes a tranquilizou.

–Esther, você agora é Miss Evans, e está segura. Ele não pode te levar aqui alegando que você é Esther Kyznetsov, não há provas. Seus documentos como Sophie Evans são legítimos. Para mal ou para bem, você agora é uma cidadã britânica.

Dmitri emitiu outro grunhido. Estava acordando.

–Vou me livrar desse lixo, antes que ele acorde de vez.

Holmes pegou Dmitri, retirou suas amarras, e o levou para dentro de um cabriolé, que Esther tinha pedido para parar.

–Senhor, esse homem é meu amigo e está bêbado. Leve-o para Charing Cross Hospital. – disse Holmes, entregando-lhe a corrida paga. Com o sujeito a bordo, o cabriolé seguiu pelas ruas.

Um pouco antes de entrar, Holmes sentiu levemente uma dor na costela. Esther aproximou-se dele.

–O que foi?

–Não é nada, só... Nada demais. – disse Holmes, esfregando a costela.

–Dmitri deve ter te machucado. Venha cá, eu vou cuidar disso.

Holmes seguiu Esther até a sala. Sentado no sofá, ele a assistia pegar uma caixa de primeiros socorros e depois sentar no mesmo sofá.

–Você não tem nenhum ferimento no rosto, ainda bem. Onde está doendo?

–Só aqui. – disse Holmes, apontando para as costelas.

–Tudo bem. Agora, eu preciso que você tire a camisa.

Holmes empalideceu-se com a possibilidade. Ele jamais tinha agido dessa forma com nenhuma mulher.

–Esther, eu... Não acho apropriado.

–Mas que bobagem, Holmes! Eu só quero ajudar. Eu sei que você não vai procurar um hospital...

–Eu posso procurar Watson! – argumentou.

–Ele está em Cambridge, cuidando de um antigo paciente. Volta daqui a dois dias, e seu ferimento não pode esperar. Então? Prefere Charing Cross Hospital e os dedos de uma enfermeira mau-humorada?

Holmes se arrepiou com a possibilidade, e voluntariamente começou a desabotoar o colete, e depois a camisa.

–Isso está errado... Isso... É muito indecente...

Esther o ignorava, enquanto arrumava o gelo. Havia uma marca roxa na altura das costelas. Ela deu o primeiro aperto na pele, fazendo Holmes soltar um murmúrio leve, quase preso.

–Ao menos você não chora, como fazia meu falecido irmão. Homens... Por que são tão teimosos?

–Teimosos? Vocês, mulheres, é que são! Teimosas, ardilosas, dissimuladas, manipuladoras...

–Ei, não se esqueça de que é uma mulher que está cuidando de você! – ela resmungou, apertando mais o gelo contra a pele.

–Oh, não dá pra esquecer. Você é sempre tão gentil...

Esther deixou escapar um leve sorriso.

–Tudo bem. Friccione você a área. – ela disse, deixando-o com o pano.

–Percebo que você está bem melhor. – disse Holmes.

–Bem, eu acho que isso está acontecendo porque, no fundo, foi bom desabafar com alguém. O único que sabia de toda a verdade era David e... Bem, é horrível quando se está mentindo o tempo todo.

–Eu sei como é. – disse Holmes, confirmando.

–Claro que sabe. Você é o melhor nisso.

–Não tanto quanto você, que conseguiu me enganar.

–Que honra. Sou a segunda mulher que o engana. Será que terei algum caso publicado por Watson?

–Se depender de mim, não. E se me permite dizer, você está em um patamar bem diferente de Adler. Ela me enganou quando eu lhe subestimei, e você me enganou quando eu te estimava.

Esther engoliu a seco, e parecia perturbada.

–Você me estimava?

–Ainda estimo. Mesmo depois de você ter me enganado de ter mentido para mim todo o tempo. Não, não chame isso de admiração... É diferente.

Esther pôs suas duas mãos sobre as duas mãos de Holmes.

–Eu não sou admirável porquê? Porque eu não te derrotei em nenhum caso? Porque eu não sou sua cliente, nem a testemunha chave de um caso importante? Ou porque não sou uma colaboradora, é isso?

Timidamente, Holmes pôs sua mão sobre o rosto delicado de Esther.

–Você é admirável porque eu não precisei de nenhum caso para enxergar o quanto você é excepcional.

Embora Holmes estivesse com uma mão sobre o rosto dela, ele não esperava que ela se aproximasse de seu rosto, e que ambos trocassem um beijo. Um beijo bem diferente do trocado em Montpellier, sem dúvida. Não havia o gosto do vinho em sua boca, lembrando-se do seu estado de embriaguez. Ela estava consciente, certa do que estava fazendo, assim como ele, cada vez mais certo, cada vez mais confuso.

–Isto está errado! Adonai, isso está erradíssimo! Isso não deveria ter acontecido, eu estou com Watson, ainda mais agora que...

–Desculpe-me, Esther. – disse Holmes, se recompondo. – Eu não sei o que houve comigo...

–Foi terrível!

–O quê? O beijo?! – perguntou Holmes, inseguro.

–Não, o que estamos fazendo com Watson... Ele não merece isso.

–De fato, não. – murmurou Holmes, desviando os olhos de Esther. – Mas você parecia me contar alguma coisa sobre Watson...

–Sim, ele... Ele me pediu em casamento.


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Notas finais do capítulo

Oh, pobrezinho do Watson!!! O que eles vão fazer agora? Esther é capaz de terminar com Watson para ficar com Holmes? E Holmes? Estaria disposto a ficar com ela e abdicar de toda sua solteirice e reputação, ou mesmo colocá-la em perigo por causa de sua profissão?

Bem, no próximo cap (um dos últimos): como o nosso querido casal irá reagir a este dilema, e também o passado de Esther, a um passo de ter um desfecho definitivo... Aguardem



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