Immortals - Eternal escrita por V i n e


Capítulo 2
Capítulo I - Newcomer


Notas iniciais do capítulo

Eu tinha postado o primeiro capítulo antes do prólogo... Tá aí as duas coisas agora.



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Já era quase 13h00 quando meus pais saíram de casa para levar Charlie ao médico, meu irmão estava com tendo um ataque de asma, coisa que não tinha desde os dez anos. Subi para meu quarto, meus passos ecoavam pela casa vazia, entrei no meu quarto e andei até minha cama.

O teto pintado de azul escuro, com várias estrelinhas de plástico coladas (relíquias da minha infância, quando eu e minha mãe colamos as estrelas no teto), o papel de parede desbotado e mal colocado ainda exibia pedaços do antigo papel de parede (de super-heróis, de quando eu tinha sete anos), piso de madeira ainda rangia enquanto andávamos sobre ele, minha cama ficava encostada em um canto do quarto, havia uma estante com meus livros favoritos na parede de frente para minha cama, uma janela enorme que mostrava a rua e o bosque do outro lado, uma escrivaninha com meu computador.

O dia estava horrível, nublado e caia uma chuva fina desde que amanhecera, fui até a janela para fechar as cortinas, antes de conseguir fechar completamente uma pedrinha se chocou contra o vidro, desviei meu olhar para baixo e avistei Christopher parado debaixo de minha janela, todo molhado. Chris é meu melhor amigo desde que tínhamos oito anos e ele me ofereceu seu pedaço de bolo de chocolate, eu e ele somos completamente diferentes. Ele é loiro com os olhos tão negro que chegam a te engolir se olhar diretamente para eles (o que fazia as garotas delirarem), sempre vestido com uma camisa, bermuda jeans e tênis. Já eu tenho os cabelos negros, tão negros quanto os olhos de Chris, olhos azuis e sempre ando com camisetas pretas, calças jeans e moletom. Ele é popular e eu sou popular por associação.

Abri a janela e o vento frio invadiu meu quarto, junto com os respingos de água gelada.

– Desça! – gritou Christopher, acima do ruído ensurdecedor do vento.

Um vendaval como esse raramente era visto em Gravity, Maine. Desci as escadas, saltando de dois em dois degraus, abri a porta da frente e novamente uma rajada de vento penetrou fundo em minha pele, resfriando meus ossos.

– O que está fazendo aí fora? – perguntei, afastando-me da porta, esperando que ele entrasse.

Christopher permaneceu do lado de fora, com as mãos nos bolsos do moletom xadrez, o capuz sobre sua cabeleira loira molhada. Ele estava ensopado até os ossos, mas não parecia se incomodar com o frio.

– Eu saí da minha casa para vir até aqui te convidar para sair com o pessoal – quando ele diz “pessoal” quer dizer com os populares, ou seja, as líderes de torcida e os jogadores de futebol.

– Poderia ter telefonado, é pra isso que existe a tecnologia, cara – murmurei, zombeteiro.

Chris revirou os olhos, sob seus pés uma poça de água se formava no piso amadeirado da varanda.

– Claro, isso teria me poupado de um trabalhão – concordou, e depois acrescentou. – Se você deixasse essa porcaria de celular ligado.

Puxei o celular do bolso, a tela não acendia, de fato eu havia me esquecido de ligar o celular.

– Tenho um telefone fixo – argumentei, transferindo o peso do corpo para a perna destra.

– As linhas estão mudas, por causa do tempo.

Se isso era mesmo verdade meus pais não poderiam dar notícias do hospital.

– Você vem ou não? – perguntou Chris, se encolhendo e começando a tremer. – Estou congelando aqui.

Meia hora depois estávamos, Chris e eu, ensopados até a alma. Ele estava com uma bermuda jeans e moletom, eu vestia calça e o moletom mais grosso que consegui arrumar no meu guarda-roupa. A chuva havia piorado e agora nenhum carro passava na rua, parecíamos dois idiotas andando na chuva, com o vento fustigando o rosto e arrancando o capuz de nossas cabeças.

Ao chegarmos ao Day & Night, o único bar na região do Maine que permitia que crianças desacompanhadas frequentassem o estabelecimento. Não que um bando de adolescentes bêbados fosse problema, claro que não.

Christopher se adiantou, abriu a porta do bar e nós entramos. Um vento quente nos envolveu, contrastando com o frio do outro lado; as vozes inundaram meus ouvidos. Christopher serpenteou pelo labirinto de mesas, indo direto para o reservado no fundo. Valerie estava sentada ao lado de Trevor, Samantha com Mitch, Michelle junto a Devon e Lucy era a única desacompanhada.

– Oi, galera – cumprimentou Chris, ele deslizou pelo banco sentando-se ao lado de Lucy.

– E aí.

Sentei-me na outra ponta, não querendo molhar ninguém, Chris passou o braço pela cintura de Lucy e a puxou para perto dele, deixando uma mancha molhada na camisa dela.

As líderes de torcida e os jogadores do time de futebol, sentados em uma mesa no fundo de um bar famoso em Gravity no último dia de férias. As três vestiam as jaquetas do time de Gravity High School, mini-saia jeans, tão curta que sempre a puxavam para baixo quando o tecido subia demais.

– E então, ficaram sabendo? – perguntou Samantha, ajeitando a saia e afastando a mão boba de Mitch.

– Não, o que foi? – perguntou Christopher, colocando uma batata frita na boca de Lucy.

Não pude deixar de revirar os olhos, aquilo era ridículo.

– Teremos uma novata esse ano – anunciou Valerie.

Michelle e Lucy concordaram como dois robôs.

Uma novata, nada de mais. Todo ano tínhamos novatos, alunos de intercambio que não conseguiram cidade melhor e vieram parar aqui. O nome da cidade, Gravity, é bem irônico, por que é como se essa cidade fosse o centro de um mundo singular, como se atraísse como um imã todos os problemas do mundo, todas as pessoas estranhas e todos os turistas malucos. Cada novato que aparecia nessa cidade tinha sérios problemas de aprendizagem, alguns eram loucos, outros eram delinquentes expulsos de um reformatório (houve boatos de que um deles, Marcus, era acusado pelo assassinato dos vizinhos), gente comum.

– Isso não é novidade, sempre temos – comentei, pegando uma lata de refrigerante posta na minha frente. Peguei a lata e a cheirei, captando o cheiro azedo de álcool. Claro, colocar vodca dentro de uma lata de refrigerante. Tão estupidamente óbvio.

– Segundo a Ratinha ela é britânica – disse Michelle. Ratinha era o apelido carinhoso que os alunos deram a secretária desengonçada e rechonchuda da escola.

Isso significava uma coisa para as líderes de torcida: Problema! Afinal, uma britânica com sua sofisticação é um problema para garotas vulgares.

Levei a lata de refrigerante até os lábios e deixei o álcool descer pela minha garganta, a ardência foi instantânea, junto com a tontura e ânsia de vomito. O barulho inquietante do bar foi se calando aos poucos, a música, os murmurinhos, as vozes, tudo se calou. Um calor estranho irradiou de dentro de mim, espalhando-se por cada terminação nervosa do meu corpo, bebi mais um pouco para que esse calorzinho esquentasse meus ossos congelados. Um gole, depois o outro, e outro, e outro. Até que tudo escureceu.

– Jason! – chamou-me Christopher, fazendo meu mundo entrar em foco. Primeiro ele, depois tudo ao seu redor. Não estávamos mais no Day & Night, agora estávamos em um beco escuro perto do Day & Night. – Acorde! Vamos, cara.

Apoiei-me nos cotovelos, ainda tonto, meus amigos estavam sentados bebericando o resto de uma garrafa de uísque. Sentei-me rápido demais e a vertigem me atingiu em cheio, tudo começou a girar e eu comecei a apagar.

– Calma! – alertou Trevor atrás de mim, colocando o pé em minhas costas para impedir que eu caísse. – Você tem um estômago fraco, garoto.

Levantei-me correndo, andei até o fim do beco e vomitei colocando para fora cada resquício de álcool que restava em meu organismo.

– Eca! – gemeu Sammy, cambaleando para longe de mim.

Sai cambaleando do beco, deixando-os para trás junto com seus protestos. Aos tropeços e solavancos caminhei de volta para casa, enxergando tudo em dobro, sem conseguir caminhar sem cambalear, tropeçar e cair. Christopher me seguiu, andando ao meu lado sem tropeçar nem nada. Aparentemente meu amigo não havia bebido.

– Você está horrível, Jason – murmurou ele, rindo. – Mais do que o normal.

Comecei a rir, como um retardado, apesar de o comentário não ter tanta graça assim. Um casal que passava pela calçada atravessou a rua só para não passar por mim, um bêbado retardado.

Mais rápido do que eu esperava chegamos a minha casa, eu com o braço passado pelos ombros de Christopher, sendo arrastado por ele.

– Comporte-se, cara – resmungou ele, tentando me colocar de pé enquanto batia na porta. – Sua mãe vai te matar.

Minha mãe abriu a porta, distraidamente, sorrindo quando viu Chris e depois quando me viu pendurado nele seu sorriso se esvaiu.

– O que houve? – perguntou, sem demonstrar preocupação, apenas decepção.

– Exagerou na dose, nada de mais.

Minha mãe poderia ter dito mil coisas, mas se contentou em chamar meu irmão.

– Charlie, venha cá me ajudar!

Meu mundo girou novamente e eu apaguei.

Água! Muita água! Eu estava me afogando!

Acordei, arfando, eu estava sentado na banheira, ainda vestido. Charlie tinha deixado a água cair sobre mim, os olhos castanhos avaliando-me de cima a baixo. Meu irmão é uma cabeça mais baixo que eu, é loiro e tem algumas sardinhas no rosto.

– Pensei que não gostasse de beber – comentou Charlie.

Olhei para meu minhas roupas molhadas, ele me ajudou a arrancar a jaqueta e a camiseta. Jogou o sabonete na banheira e se sentou no chão a minha frente. Não dissemos nada, e nem precisávamos, meu irmão e eu tínhamos uma maneira própria de se comunicar. Ele ficou me encarando com aqueles olhos castanhos. Até que eu, ainda um pouco tonto, comecei a rir.

– O que foi? – perguntou ele, sorrido.

– Às vezes parece que você é o irmão mais velho – comentei, brigando com o sabonete que teimava em escapar de mim.

– Se você parar de agir como uma criança... Eu poderia ser o mais novo, como nos velhos tempos.

E o silêncio recaiu sobre nós, ele revirando os olhos enquanto eu tentava agarrar o sabonete.

Quando minha pele já estava avermelhada por causa da água quente e meus dedos pareciam ameixas secas meu irmão voltou a falar.

– Vai me ajudar amanhã, não é? – perguntou, desviando o olhar para baixo.

Demorei um pouco até entender.

– Ah! Seu primeiro dia não é? – indaguei. O dia seguinte seria o primeiro dia do meu irmão no Ensino Médio. – Claro, pode contar com isso.

Seu rosto se iluminou, ele olhou para mim e realmente sorriu.

– Valeu, mas agora. Saia daí, troque de roupa e vá dormir – ditou, como se eu fosse uma criança. Como meu eu ainda estava meio bêbado, acabei gargalhando.

Minha respiração formava uma névoa à minha frente, o ar gelado chicoteando minha pele. Cambaleei, com as folhas secas e a terra úmida sob meus pés. Olhei a minha volta e só vi árvores, muitas árvores mesmo. Eu estava vestido com minha camiseta velha uma bermuda que eu sempre usava pra dormir.

– Olá? – perguntei, começando a achar que tinha mesmo exagerado na bebida.

Um clarão de luz iluminou as árvores à minha frente, segui a origem do clarão, mas as árvores pareciam todas iguais para mim. Até que eu me senti totalmente perdido, o frio açoitando-me. Meus pés descalços estavam sujos de barro, e minhas roupas suadas e rasgadas.

– Tem alguém aí?

O silêncio foi à resposta para minha pergunta.

Escutei um ruído atrás de mim, o clássico som de galho se quebrando. Girei nos calcanhares e oscilei o olhar até os três homens que estavam atrás de mim.

– Olá...

O do meio, loiro e vestido com uma capa negra sorriu, seus dentes brilhando. Os outros dois, um empunhando um punhal e o outro, que segurava um chicote, deram um passo em minha direção. As armas emanavam uma aura acinzentada, desviei o olhar para o sorriso maligno do homem que estava no centro.

– Expugnaturos... – ordenou, e eu não precisei entender para sair correndo dali.

Minhas pernas se moviam muito rápido, mais do que o normal. As árvores começaram a se tornar um borrão, ficando para trás enquanto eu corria. Meus passos mal eram ouvidos quando tocavam o chão, pude ouvi-los atrás de mim, a uma distância considerável. Olhei para trás, e vi que eles não estavam nem correndo, caminhavam atrás de mim. Senti os galhos arranharem minha pele, enquanto eu adentrava cada vez mais na floresta, senti o vento gélido fustigar-me, senti o suor escorrer por meu rosto, mesmo com vento cortante. Um puxão fez com que eu tropeçasse, flexionei os joelhos e lutei para escapar, ouvi o som de tecido se rasgando e, enfim, fui liberado. Rolei pelo chão e me afastei, com a mesma velocidade estranha.

Novamente olhei para trás, a tempo de ver um deles guardar um pedaço de minha camisa rasgada em seu bolso. O de cabelos ruivos esboçou um sorriso nada amigável e o de cabelos escuros ergueu o punhal, flexionou o cotovelo para trás e arremessou-o em minha direção. Abaixei-me, desviando do projétil que passou zunindo por minha orelha esquerda.

– Não vai conseguir fugir – afirmou o outro.

Senti algo acertar meus joelhos, cai no chão, com minhas pernas amarradas pelo chicote. Fui agarrado pela gola da camisa, assustado tentei gritar, mas minha voz havia desaparecido.

– Você é o grande Electus? – perguntou ele. O punhal havia voltado para sua mão, e ele espetou-o em meu pescoço. – Não passa de uma criança.

Ele me levantou, agarrou-me pelo pescoço e girou nos calcanhares, arremessando-me como uma boneca de trapos pelos ares.

Cada centímetro cúbico de ar se esvaiu de meus pulmões, uma dor exorbitante explodiu em minhas costelas. O impacto contra a árvore estalou dentro de mim, cai no chão, e tudo ficou escuro.

Acordei arfando. Meu corpo doía como se eu tivesse levado uma surra, minhas roupas estavam sujas de lama, meus braços e pernas cheias de arranhões. Levantei-me, sentindo a superfície áspera e úmida da terra, ao invés da macia do colchão.

Olhei ao meu redor e não pude acreditar no que vi. O sol ainda não havia nascido. Uma névoa cobria o chão, o céu estava clareando e árvores me cercavam. Cambaleei para trás e toda a noite anterior voltou em minha cabeça, relembrei de cada detalhe, mas um em especial me chamou a atenção. Passei a mão por minha camisa e senti o tecido acabar, onde um dos meus perseguidores havia rasgado-a.

Reconheci uma cabana, suspensa pelos galhos de uma árvore próxima. Eu estava próximo à minha casa, na floresta que eu consegui ver do meu quarto. Caminhei pela terra fofa e molhada pela chuva, reconhecendo as árvores, altas e mais velhas do que eu, e a trilha que levava à estrada. Segui pelo declínio, sentido dificuldades em subir novamente. Apesar da pouca luz, consegui segui as toras, fincadas no chão para demarcar o caminho. Escorreguei algumas vezes no chão molhado e barroso, levantei-me e continuei apesar do cansaço.

Uma coisa não saia de minha cabeça, querendo ou não. Você é o grande Electus?Foi o que ele disse. Eu não sabia o que significava, não sabia como havia ido parar no ali, e também não sabia o que aqueles três caras estavam fazendo em Gravity, mas estava óbvio que não eram daqui. Era muitas perguntas, e não ter as respostas para elas estava começando a me deixar irritado.

Cheguei até minha casa, o sol já havia nascido e eu estava suando. A porta da frente estava aberta, entrei e corri para o banheiro. Deixei que a água quente relaxasse meus músculos enrijecidos e doloridos, permiti que minha mente vagasse até a noite anterior. Relembrei dos detalhes, de como eles olharam para mim, aquilo não foi uma tentativa de assalto, sem duvidas, eles queriam me matar. Mas por que hesitaram? Eu desmaiei, poderiam ter me matado sem esforço algum... Mas por que queriam me matar? E por que não o fizeram quando tiveram a chance?

– Jason! – gritou minha mãe, batendo na porta do quarto. – Ande, irão se atrasar!

Desliguei o chuveiro, sai do meu quarto com a toalha envolta da cintura. Peguei uma camisa justa azul, uma calça jeans e meus velhos e surrados All Star pretos. Vesti-me e peguei minha mochila cheia de materiais novos que não iria durar até metade do ano, desci as escadas correndo e passei como um foguete pela cozinha, puxei meu irmão que comia um prato cheio de waffles, mas não antes de ouvir o protesto ameaçador de minha mãe.

– Jason Rivers O’Connor é melhor você comer esse prato de waffles, ou eu mesma irei fazê-lo descer por sua boca – resmungou ela, estendo um prato com uma pilha de waffles. O bom de minha mãe, é que ela não consegue se irritar, ela até tenta, mas suas ameaças são vazias e fica claro quando você a conhece que ela prefere morrer a discutir com alguém.

Sentei-me e meu irmão sorriu para mim, apesar de estarmos um pouco atrasados ele parecia tranquilo. Engolimos nossa pilha de waffles e bebemos um copo de achocolatado.

– Boa sorte! – exclamou mamãe, quando estávamos na varanda. Ela foi até a porta e abraçou meu irmão. – Lembrou de pegar uma caneta extra?

– Lembrei – disse ele, revirando os olhos enquanto se afastava.

– Está com seu horário? – perguntou ela.

– Sim.

– Está levando uma blusa, caso esfrie?

– Sim, mãe.

– Roupa de educação física? – perguntou, enquanto nos afastávamos. Meu irmão virou para trás e eu o esperei.

– Sim, mamãe! Estou prontinho! – ele sorriu para ela, e isso bastou para aclamá-la.

– Eu amo vocês! – gritou para que pudéssemos ouvir à distância. – Jason, cuide do seu irmão!

– Claro, mãe! – gritei, olhando por cima do ombro. Depois, olhei para meu irmão e sorri. – Está levando alguma coisa que ela disse?

Ele olhou para mim, abriu um sorriso e balançou a cabeça negativamente.

– Esqueci tudinho – disse, rindo.

Também ri, e quando nos afastamos o bastante eu comentei.

– Pronto para seu primeiro dia?

– Nem um pouco.

Não mencionei nada sobre minha noite com os Caçadores do Mal. Até por que eu achava que estava ficando maluco, efeito da bebida, obviamente. O dia havia sido bem tranquilo, apesar de tudo. Dois tempos de Inglês Avançado, Biologia e Álgebra. Na hora do almoço, sentei-me junto aos caras do time, Christopher como sempre estava se entupindo de comida.

– Sou do time de basquete, cara. Preciso me alimentar! – era o que ele sempre dizia.

O fato é que eu também fazia parte do time. Sabe o que eu disse sobre eu ser popular por associação? Não é bem verdade... Sou do time de basquete de GHS, ou seja, eu fazia parte da trupe dos burros. Apesar de minhas notas sem boas sendo comparada a enxurrada de notas vermelhas deles. A popularidade, eu admito, é atraente aos olhos ambiciosos dos calouros. Nenhum calouro conseguia entrara para o time, por que eram literalmente esmagados pelos veteranos, sem dó nem piedade. As líderes de torcida sempre ficavam nos cercando, e eu sempre tinha uma garota linda como par para os bailes, isso era comum.

– Teremos treino hoje de tarde, O’Connor – disse Trevor, o capitão do time. – Depois da aula, vê se aparece.

Tentei argumentar, afinal eu não havia trago roupa apropriada, mas Elizabeth Cleawater chegou bufando até nossa mesa.

– Vocês não acreditam! – esbravejou ela, sentando-se em uma cadeira perto de Samantha. – A estrangeira me corrigiu na frente da turma de Inglês! Tinham que ver! Ela praticamente me chamou de burra! A culpa não é minha se eu não li O sol nasce para todos!

Uma chuva de exclamações se seguiu, registrei alguns “Mentira!, Jura?!, Nossa, que metida!”,mas minha atenção estava focada em outra coisa.

Uma garota entrou no refeitório, e ela não era do tipo que as líderes de torcida aprovam. Ela passou direto pelo nível “Perfeita”e criou uma categoria própria. Tinha cabelos castanhos, um pouco à cima da cintura, ondulado. Era um pouco mais baixa do que eu, tinha olhos cinzas, tão cinzas que pareciam tempestuosos. Estava vestida com uma calça jeans justa que marcava suas longas pernas, usava uma camisa de botões branca e um blazer azul escuro por cima. All Star preto surrado e curvas de matar. Sofisticada e ao mesmo tempo relaxada.

Todos que possuíam cromossomo Y viraram a cabeça e acompanharam a garota se sentar. O refeitório se calou, e pudemos ouvir os passo dela. As garotas estavam furiosas, e os caras estavam babando. Incluo-me nessa lista.

Quando as vozes voltaram a ressoar, todos falando dela (elogiando ou criticando), Christopher comentou.

– Que gata! – ele disse alto o bastante para que Lucy ouvisse.

A garota fechou a cara e sibilou, irritada.

– Uma pena que alguém como você não tenha chance com nenhuma garota.

Ele arqueou uma sobrancelha, sem reparar no que tinha feito.

– Oras, eu tenho você, não é?

– Não – e dito isso, a garota se levantou bruscamente. Derrubou cadeira e saiu batendo o pé.

– O que eu disse? – perguntou Chris, confuso.

Todos ignoraram o pequeno espetáculo e voltaram a falar sobre a garota. Os caras, elogiando as pernas, e as garotas, achando-a magra demais. Não faltavam elogios ou defeitos para que os cidadãos de Gravity usarem para se referir à novata. Eles se contentavam em falar, eu decidi agir. Levantei-me e andei com minha bandeja de comida até a mesa onde ela se sentava sozinha, parei na frente dela. Ela levantou o olhar até me encontrar, arqueou uma sobrancelha e sorriu. Fiquei paralisado, sem saber o que falar. Isso nunca acontecia comigo, porque eu sempre sabia o que dizer a uma garota.

– É... Posso me sentar? – perguntei. Ela fez que sim com a cabeça e eu puxei uma cadeira, sentei-me e comecei a comer minha pizza.

Depois de um constrangedor silêncio, comigo sem saber o que dizer, ela o quebrou. Falando sem timidez alguma, como se fossemos amigos há tempos.

– Então, Garoto da Pizza – começou, sem deixar que seu sotaque britânico transparecesse. -, vai ficar calado?

Fixei meu olhar no dela, sendo encarado por aquele verde. Vi que ela desviou o olhar e sorri.

– Como está seu primeiro dia? – perguntei casualmente.

Ela sorriu, espetou um pedaço de bacon com o garfo e o remexeu no prato.

– Bem, até que para uma escola de uma cidade minúscula, longe dos padrões acadêmicos britânicos e cheia de futuros senhores e senhoras que nunca sairão daqui, e viverão apenas para tornar essa cidade o melhor o possível, o que na minha opinião é bem difícil... Até que está indo tudo muito bem.

Não pude conter uma risada, por que era exatamente isso que aconteceria quando nos formássemos. Todos que nascem aqui são educados para fazer o melhor por Gravity, apesar de alguns querem algo mais, farão exatamente o que os pais mandarem, por que é assim que fomos educados. Exceto eu e Chris, que tínhamos planos de viajar até Nova Iorque para estudar na faculdade de lá.

– Conseguiu deduzir isso com apenas cinco horas e trinta minutos nessa escola? – indaguei, o que fez com que ela revirasse os olhos.

– Claro que não! Deduzi isso antes mesmo de entrar.

Novamente o silêncio recaiu sobre nós. Fiquei revirando um pedaço de bacon, como ela havia feito anteriormente.

– E você, Garoto da Pizza, pretende sair daqui? – perguntou ela. Seu tom foi tão sério e realmente interessado na resposta que olhei para ela.

– Sim. Eu e um amigo pretendemos estudar em Nova Iorque – comentei e ela revirou os olhos de novo.

– Não pretende sair do país? – insistiu. – Sabe, norte-americanos não têm muita ambição...

De fato, eu nunca havia pensado em sair dos Estados Unidos. A vida em outro país parecia um tanto exagerada. Eu não queria fugir de minhas raízes, eu queria fugir do meu destino. Fugir da mesmice que rondava Gravity. Apesar de a cidade ter inúmeros segredos, inúmeros problemas e, sem duvida, inúmeros estrangeiros... Todos que vinha pra cá ficavam aqui, sendo o que os pais eram. O pai do meu pai era delegado, e meu pai seguiu os passos do meu avô. Os pais de Chris são médicos (o que explica o horror de Christopher por estudos. Ele odeia ser parecido com os pais, que estudaram muito para chegar aonde chegaram) e querem que ele siga os passos deles. Mas eu não quero ser um delegado, e Christopher não quer ser médico. Por isso iremos tentar uma vida em Nova Iorque.

O sinal tocou e eu não havia dado uma resposta. Ela não esperou que eu respondesse, sorriu e se levantou, jogou o resto de sua comida no lixo e colocou a bandeja junto às outras empilhadas. Antes que ela fosse me virei.

– Qual o seu nome? – perguntei, alto o bastante para ela me ouvir.

Ela se virou, piscou para mim e saiu do refeitório.


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