A música acabou e eu comecei a rir. E tratei de explicar ao Bill o porquê dessa mania que nós temos de cantar qualquer coisa de qualquer jeito em qualquer lugar, já que ele tinha perguntado.

Eu tava de costas pro lado da cabine do Tom e da Paula, quando vi o Bill com o olhar petrificado naquela direção. Perguntei o que ele tinha e ele simplesmente apontou. Virei pra ver o que era e vi, claramente, um pouco mais alto de onde nossa cabine estava, o Tom e a Paula protagonizando uma cena digna de Oscar: os dois se beijavam na cabine.

Eu aplaudi.

- Olha – concluí -, eu juro que achei que ela tava brincando.

- Como assim? – Bill perguntou.

- Aquela encenação toda que ela tava fazendo enquanto cantava. Juro que eu achei que era brincadeira, mas esse beijo prova exatamente o contrário.

- Às vezes a culpa é toda do Tom.

- Não nesse caso. Sem a colaboração da Paula não estariam se beijando até agora.

Ele olhou de novo e deu a nova sentença:

- Tem razão.

Tratamos de esquecer os dois, já estávamos no topo da roda.

- Ah, a roda não vai parar? – reclamei.

- Acho que não. Mas dá pra curtir a vista mesmo assim. – Bill disse isso e me abraçou. Eu, claro, retribuí o abraço – É um paraíso suspenso inclinadamente... – e ficamos olhando lá longe.

Antes de descermos da roda ele ainda avisou:

- A gente vai na rádio amanhã.

Confirmei com a cabeça e voltamos todos pro hotel. Já era tarde, ficamos o dia inteiro na rua.

Eu e a Paula pedimos o jantar no quarto e ficamos vendo TV um pouco. Não demorou muito para que ela se euforizasse e começasse a contar detalhes da ficada:

- Juliaaa!! Eu fiquei com o Tom!!

- Nossa, amém! Tava demorando. Hahaha. Eu tinha achado que vocês tinham ficado no avião, mas abandonei essa hipótese quando você apoiou a sugestão do Bill de ficarmos eu e você no mesmo quarto.

- Ai, djow, aquilo foi tão inesperado! Tipo, eu tava brincando de fazer aquelas encenaçõezinhas cantando, mas aí eu olhei bem fundo nos olhos dele e vi que ele tava querendo levar a sério... Eu pensei, eu levo a sério também. Continuei com a declamação.

- Declaração, você quis dizer.

- Ou isso. Então quando eu terminei de cantar, olhei pelo vidro da cabine, ele veio por trás de mim. Eu me virei e a gente se beijou.

- Nós vimos.

- Nós...?

- Eu e o Bill, dãr. Aliás, ele viu primeiro, e me mostrou, eu vi também.

- Ai, caramba...

- Por que “ai caramba”?

- Olha a cronologia: eu fico com o Tom, o Bill vê, o Tom conta pro Bill, o Bill fica zoando ele, ele me vê e fica me zoando. Entendeu?

- Afe, Paula, era mais fácil o Tom fazer isso comigo se eu tivesse ficado com o Bill. Relaxa.

- Talvez... mas e você e o Bill?

- Quê que tem?

- Não rola nada? – ela perguntou ironicamente.

- Rola. Rola amizade, só isso.

- Ah, mas fala se não dá uma vontadinha de pegar ele de vez em quando?

- Sinceramente? Até que dá, mas eu procuro afastar esse tipo de pensamento da minha cabeça. Você sabe que eu não sou assim. Nem ele. Por isso eu prefiro continuar cultivando uma bela “amizade colorida” enquanto dá tempo do que ficar alimentando algo que não tem a menor chance de acontecer. Eu sou realista demais pra ser vítima de amor platônico.

- Concordo. Mas e se acabar acontecendo?

- Se acontecer de eu ficar com ele... – fiquei pensativa – que aconteça. Se acontecer eu não vou ficar me remoendo de ilusão, nem de remorso, porque eu tenho consciência de que algo além de amizade é impossível acontecer entre nós.

Batidas na porta. Chegou o jantar. Estávamos com fome, então jantamos silenciosamente. Depois ela perguntou se no dia seguinte iríamos pra rádio, eu confirmei animadamente e voltamos a ver TV. Me deu sono, pus o fone do mp4 no ouvido, escutei An Deiner Seite e Heilig e logo dormi.