Nas Asas Da Escuridão escrita por Nyx


Capítulo 2
Surpresas




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Subi num ônibus para Montes as seis da tarde. Deveria chegar à casa da vovó dentro de cinquenta minutos. Eu teria que descer na estrada, pois para chegar ao sítio eram mais quinze minutos a pé. Mas vovó sempre vinha me buscar de carro.

Quando cheguei ao meu destino vi que ela já estava lá. Peguei minhas duas mochilas e coloquei no capô do carro.

-Vovó? –Porque ela não tinha saído do carro para me receber?

-Não vai sair pra me dar um abraço? –peguei na maçaneta da porta do motorista e a abri.

E tive a maior surpresa de toda minha vida. Não era minha avó que estava atrás do volante. Era um cara que me olhava fixamente. Não consegui emitir nenhum som. Fiquei paralisada olhando pra ele e ele me olhando. Ele era moreno. Tinha os cabelos pretos e os olhos também pretos. Ele tinha o rosto de um modelo internacional. Que boca era aquela? Ficamos nos olhando por um momento que pareceu ser a eternidade.

-Você é a Camilla? –ele quebrou o silêncio.

Só consegui balançar a cabeça num movimento que parecia ser afirmativo.

-Sua avó me mandou buscar você.

-Onde ela está?

-Em casa, fazendo seu jantar.

Observei novamente ao redor. Ninguém. E se ele, apesar de lindo, fosse um bandido pervertido? Ele poderia ter roubado o carro da minha avó, não poderia? E se ele tivesse feito algum mal a ela? Esse pensamento me colocou na defensiva. Quando vi estava do outro lado do carro. Ele se levantou e colocou os dois braços em cima do carro e me observou com olhar divertido do outro lado.

-E você? Quem é? –perguntei totalmente desconfiada.

Ele deu o sorriso mais lindo que eu já tinha visto. Arrasador. Suei frio.

-O que está passando pela sua cabeça?

Verifiquei se meu celular estava ao alcance das mãos.

-Não sei. Diga-me você. –eu tinha que estar pronta para correr se fosse preciso. Esse mundo estava muito virado, e eu tinha que desconfiar de um desconhecido. E já era noite.

Ele pegou minhas malas do capô do carro e jogou no banco de trás.

-Meu nome é Gabriel e estou passando uns tempos na casa da sua avó.

O quê? Passando uns tempos? Na casa da vovó? Ele? Meu Deus! Era uma provação? Só podia ser. Porque minha avó não tinha me avisado? Como eu ia ficar lá com ele? Não que a ideia não me agradasse, afinal ele era um colírio. Mas eu ia ficar sem chão. Sem privacidade. Eu não sabia de onde ele tinha saído. Eu ia ter que ligar pra ela.

-Desculpe, só para conferir. –Peguei o celular e disquei pra casa da minha avó. Ele deu de ombros e entrou no carro.

-Alô? Vovó?

-Oi querida. Já está chegando?

-Vovó! Quem é esta pessoa que veio me buscar?

-Gabriel? Ele é um amigo meu que veio passar uns tempos aqui.

-Um amigo bem novinho, né?! –especulei.

-Na verdade é neto de uma grande amiga minha. Não sei quantos anos ele tem, mas deve bater com a sua. Eles estão passando por problemas familiares e resolvi oferecer ajuda dando abrigo ao Gabriel.

-Mas justo agora? –resmunguei.

-Mas venha embora logo. O jantar está quase pronto.

E ela desligou. Abri a porta do carro e sentei ao lado dele.

-Conferiu a história? –perguntou ligando o carro.

-Tudo certo. Desculpe-me, mas eu tinha que me certificar.

-Tudo bem. Você está certa. Não tem mesmo que sair por aí com estranhos.

Estendi minha mão para ele.

-Camilla.

Ele pegou minha mão e deu um beijo nela.

-É um prazer conhece-la.

Quase derreti no banco. Alguém ainda beijava a mão de uma garota? As mãos dele eram muito quentes. Imaginei como seriam os beijos dele. Tirei minha mão rapidamente antes que o pensamento voasse alto demais. Olhei para o lado da janela.

Ele deu partida no carro e fizemos o trajeto até a casa da vovó em silêncio.

De onde será que ele havia saído? Qual o motivo da vovó ter que abriga-lo? Bem, cara de marginal ele não tinha. Mas as aparências enganam às vezes. Como é que eu ia dividir minha “paz” com ele? Porque mesmo ele sendo maravilhoso, eu ainda precisava de um tempo só pra mim. Minha avó sempre respeitou meu espaço. E se ele fosse do tipo intrometido? Tomara que ele seja como estava sendo agora: calado!

         Vovó me recebeu muito bem, como sempre. Tinha até minha sobremesa preferida: mousse de maracujá. Era tão bom estar lá. Bem, até o momento, nosso gatíssimo hóspede não tinha aberto a boca mais. Isso era excelente. Se fosse continuar assim, eu poderia pensar em tudo que estava de errado na minha vida. Não que eu fosse a pessoa mais vivida deste mundo, mais eu estava cansada de ser só eu. Eu queria fazer coisas importantes. Eu ainda não sabia o quê, mais eu ia descobrir.

         Talvez eu devesse me inscrever em algum serviço voluntário. Eu acho que ia me fazer bem ajudar outras pessoas.

         Pensei por um instante ligar pra Kelly. Para contar do Gabriel. Acho que não. Eu ia falar o quê? Que ele era o garoto mais lindo que eu já tinha visto e que meu sangue ferveu? Que ele era envolvente e galanteador sem dizer uma palavra? Que quando ele me olhou meu coração parou?

         Como eu podia sentir tudo isso de alguém que eu nem tinha trocado meia dúzia de palavras?

Balancei minha cabeça. Eram muitas perguntas sobre alguém estranho. Eu já tinha questionamentos demais sobre o Daniel. Eu não queria mais. Eu só tinha ficado impressionada com ele. Só isso.

Eu estava no meu quarto. Um quarto simples, mas aconchegante. Apenas uma cama, um guarda roupas pequeno e uma cômoda. Suficiente para mim. Minhas mochilas ainda estavam na cama. Assim que chegamos, o estranho e eu, Vovó já nos esperava com o jantar. Tudo uma delícia. Ela me perguntou de todos. As novidades, essas coisas. Gabriel não emitia nenhum som. Apenas comia o jantar dele. O mais estranho era que vovó agia como se ele não estivesse ali. Eles também não trocaram nenhuma palavra. Mas como o hóspede era dela, resolvi não perguntar. Por mais que minha curiosidade estivesse me matando.

         Amanhã seria outro dia. Eu poderia perguntar tudo o que eu quisesse. E eu ia mesmo. Ia querer a ficha completa dele. Não que isso fosse importante, mas eu gostaria de saber com quem ia dividir meu espaço por quase duas semanas.

Um raio de sol tocou meu rosto naquela manhã. Eu não queria levantar. Espreguicei-me toda. Olhei para meu relógio pendurado na cabeceira da cama. Nove e meia. Passei as mãos por meus cabelos bagunçados. Estava na hora de levantar. Aparentemente o dia estava lindo. Eu ia tomar café da manhã e podia ir andar a cavalo.

Fui para a cozinha. Vovó sempre estava lá. Mas parece que eu tinha me enganado. Vovó não estava.

         - Vovó? – chamei.

         - Ela saiu.

         Quase derrubei a cadeira onde eu estava apoiada. Era ele! Eu tinha me esquecido dele.

         - Quer me matar do coração? – falei num tom bem grosso por causa do susto.

         - Desculpe, eu não queria assustá-la. – ele deu um sorriso.

         Como uma pessoa podia ser tão encantadora a esta hora da manhã? De moletom, chinelos e camiseta?

         - Não faça isso! Odeio tomar susto. – eu disse e me sentei na cadeira.

         - Vou me lembrar disso. – ele puxou a outra cadeira e se sentou.

         -Onde vovó foi?

         - Ela foi ao centro da cidade comprar algumas coisas e ia visitar uma amiga que estava doente. Provavelmente só vai voltar à tarde.

         Como? De tarde? Eu ia ficar o dia todo sozinha com ele?

Parece que ele percebeu isso no meu rosto, pois sorriu de novo e disse:

         -Pode ficar tranquila, pois sou um rapaz do bem.

         O encarei. Era o que ele dizia. Até agora eu só sabia o nome dele. Nada mais. Vovó devia estar maluca. Como ela pôde fazer isso comigo?

         -Ela disse para fazermos algo divertido até ela chegar. O que me sugere?

         -Não sei. Aliás, não sei nada de você. Por favor, entenda a minha defensiva.

         -Claro. Te entendo. Mas você pode perguntar o que quiser. Por que não damos uma volta, você me mostra tudo e aí faz as perguntas.

         Esse convite era tentador. E eu ia aceita-lo. Ia ficar dentro do meu quarto trancada até vovó chegar? Claro que não! E se ele me matasse e jogasse o meu corpo no mato a culpa ia ser dela por ter me deixado sozinha com ele.

         -Você tem alguma outra sugestão? – Ele perguntou novamente, diante do meu silêncio.

         -Não. Podemos passear por aí. Como você quiser. – eu respondi tentando parecer indiferente. Como se fosse possível.

         -Não como eu quero que seja. Como o certo a ser feito. – ele respondeu me olhando bem nos olhos.

         -Não entendi. – e não tinha entendido mesmo.

         Ele se levantou e foi em direção à sala, mas antes me disse:

         -Com você vestida desse jeito eu tenho outras sugestões.

         Dizendo isso, ele saiu rapidamente.

         Fiquei estática com o que tinha acabado de ouvir. Só então me dei conta que ainda estava de camisola. Uma camisola bem pequenininha. Meu rosto parecia estar pegando fogo. Droga! Eu tinha esquecido que ele estava ali. E ele era bem direto! Daniel nunca tinha me dito nada parecido. E também, se tivesse dito, teria levado um bofetão. Porque com Gabriel era tão diferente? Por que apesar de tudo, eu tinha gostado de ouvir? Eu não devia ser eu mesma. Será que tinham trocado meu cérebro enquanto eu dormia. Isso não ia dar certo. Isso não ia dar certo. E agora?

         Bem, eu ia tomar meu café (se eu conseguisse), trocar de roupas e ia passear com ele. Eu ia fingir que não tinha ouvido nada. Era melhor.


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Notas finais do capítulo

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