Abri meus olhos e ele estava lá. Com seus olhos negros me observando. Só a luz do luar que entrava pela minha janela iluminava seu interior. Pude ver que ele estava apenas usando uma calça de moletom. Notei todo seu corpo. Fiquei paralisada na minha cama, como se tivesse sido hipnotizada por aqueles olhos. Ele não disse nada. Apenas se aproximou. Numa atitude impensada, estendi minha mão para ele. Quando nos tocamos, tive consciência de como ele me afetava. Era totalmente fora do comum essa atração que eu sentia por ele. Era muito forte.

Senti suas mãos deslizando por meus ombros e gelei.  Lentamente vi seus lábios se aproximando dos meus e não fiz nada para impedir. Ao contrário! Eu queria muito aquilo. Foi um beijo que desarmou todas as minhas defesas. Me agarrei a ele como se precisasse daquilo para sobreviver. Num segundo e estávamos entrelaçados na minha cama de solteiro. Sentindo toda a intensidade de nossos sentimentos. Tínhamos urgência um do outro. Minutos depois e nossas roupas estavam todas no chão. Ouvi batidas na porta. Me assustei e...

...Tudo virou fumaça. Eu estava sozinha novamente. Eu tinha acordado!

-Camilla, acorda! Seu celular já despertou umas cinco vezes. – Era minha irmã me chamando.

Eu tinha escola.

Olhei o teto do quarto. Estava suando. Passei as mãos pela minha testa para secar aquele suor. Como ele ousava invadir meus sonhos?

-Já vou! Já acordei! –Que droga! Porque sempre acordávamos no melhor do sonho?

E eu nem sabia mais como agir ou como tinha ficado esta história de “anjo-pela-metade”. Gabriel e Miguel tinham evaporado. Deveriam estar no paraíso.  Miguel deveria estar na escola hoje. E eu tinha que dar conta dele e da Kelly. Afinal ele deveria ter que manter as aparências porque, infelizmente, Daniel estaria lá também.

Pensar nele me deu muita raiva, por lembrar da minha avó. Tudo estava estranho ainda. Meu pai ainda estava muito desolado.

Mas eu tinha que ser forte. Eu ia resolver isso. Minha avó não tinha me protegido em vão. Seja qual for o papel que eu tenha que desempenhar entre céu e terra, eu iria resolver. Por ela...

Kelly tinha ido me buscar em casa. Nós fomos caminhando para a escola. Ela ainda estava muito triste por causa do Miguel. Eu só queria ver como ela ia se portar quando estivesse junto com ele, porque eles sempre foram muito ligados. Muito amigos acima de tudo. Acho que por isso ela estava tão magoada com ele. Por ter escondido uma coisa tão importante.

Quando passamos pelo portão principal, alguns colegas vieram me abraçar e consolar pela morte da minha avó. Na minha escola tinha um círculo de cimento onde, em seu interior, foi feito um pequeno jardim. Em volta havia bancos de madeira. Kelly e eu nos sentamos ali e começamos a ouvir as novidades das férias de cada uma das meninas.

Miguel chegou de repente e Kelly logo fechou a cara.

-Kelly, posso falar com você? – o rosto dele estava aflito. Eu fiquei com dó. Ele também estava sofrendo.

-Camilla, você pode dizer para o Sr. Anjo Mentiroso aí que eu não quero falar nunca mais com ele? –ela nem olhou pra ele.

-Kelly... – ele começou de novo.

-E fala pra ele me deletar da vida angelical dele! –ela estava irredutível

Eu me levantei e fui falar com ele.

-Dá um tempinho pra ela. Ela ficou magoada porque você escondeu dela.

-Eu sei Camilla. Mas eu estava numa missão. Eu não podia contar e nem me desviar. Mas eu me apaixonei por ela.

-Eu sei Miguel. Eu acompanhei tudo. Esqueceu?

-Eu estou perdido sem ela. Rafael quer que eu volte para o paraíso, porque ele já percebeu como eu estou.

-Não, isso não! –isso ia ser terrível. Ela ia sofrer ainda mais. –Ele não faria isso.

-Eu posso não estar devidamente atento a você. E no momento você é mais importante.

-Não, não! Eu não estou acima do amor de vocês. E nem quero estar. Eu sei como funciona o amor pra vocês. Mas depois conversamos sobre isso. Só dá um tempinho para ela respirar. Eu vou te ajudar com isso.

-Obrigada, mas eu não vou conseguir esperar muito tempo.

-Eu sei. Eu sei.

Ele olhou pra ela uma última vez e saiu como um cão sem dono. Eu achava que ela estava exagerando também. Mas tomara que ela não demorasse muito a cair em si.

Quando voltei para o lado das meninas, elas estavam bombardeando Kelly de perguntas sobre o fim do namoro dela. Vi que ela estava aflita.

-Meninas, vocês acham que o término de um namoro é fácil? Por favor, parem de encher a Kelly. Ela está triste, suas amigas da onça. –essas meninas eram sem noção. Ainda estavam com a gente a Melissa, a Ana, a Laís e a Julia.

Elas ficaram sem graça e pararam de fazer perguntas para Kelly e ela respirou aliviada. E trocaram logo de assunto.

-Vocês já viram o menino novo? –perguntou a Ana. Ela tinha os cabelos curtos e loiros

-Que menino novo? –a Kelly quis saber.

-Não acredito que vocês ainda não viram o gato dos gatos que entrou na escola! Tomara que vá para nossa sala. –Julia juntou as mãos como se fosse rezar.

Olhei para Kelly e sorri. Com certeza esse gato dos gatos nem chegava aos pés do Gabriel.

-Mas esse menino é tão maravilhoso assim? –fingi interesse.

-Você está fazendo essa cara porque não viu a pessoa! Ele parece um deus. Ele é muito perfeito!-Melissa tinha ficado empolgada. Eu nunca a tinha visto deste jeito. Ela nunca se envolvia com ninguém.

-E ele tem um corpo e uma boca... –Laís deu sua opinião por último.

-Nossa, que espetáculo de homem é esse? –Kelly debochou.

-Ainda não sabemos, mas se ele for solteiro... Já estamos até disputando pra ver quem leva. –Melissa falou novamente.

Eu ri delas. Não podiam ver um menino novo, aquelas assanhadas. Eu não queria nem ver. Tinha arcanjos e anjos demais na minha vida para me preocupar com humanos.

-Ai, meu Deus, é ele. Está vindo bem atrás de vocês. Não olhem agora. –Ana surtou.

-Ele está vindo na nossa direção. –Melissa disse num sussurro.

Eu nem quis saber, virei para olhar o que de tão fabuloso aquele menino tinha.

E quando meus olhos bateram nele, minha respiração sumiu. Era o meu Arcanjo. O meu Gabriel. Meu coração acelerou e ele sorriu pra mim. O tempo todo aquelas meninas falando dele. Eu tinha que ter desconfiado. Ninguém mais ia ser tão perfeito. Elas estavam cobiçando o homem alheio, ou melhor, anjo alheio. E desde quando ele tinha virado MEU? Acho que desde quando eu percebi que elas tinham falado dele o tempo todo. Um sentimento de posse me dominou.

Ele era meu, meu e meu. Eu não ia deixar aquelas meninas sequer encostarem um dedinho nele.

Ele veio na minha direção e me deu um beijo. Ouvi alguns sons atrás de mim, mas não consegui identificar. Elas deveriam estar de boca aberta. Se meus lábios não estivem nos dele, eu também estaria.

--Hum hum, aqui não é lugar para isso. –Kelly pigarreou.

-Ele me soltou e passou os braços ao meu redor.

-Como você está meu amor? –ele perguntou com um semblante totalmente despreocupado.

Eu não soube o que responder. Dei uma olhadinha para as meninas e elas estavam pasmas. E com razão. Eu ainda não tinha contado que tinha terminado com o Daniel. Antes das férias, nós estávamos bem para todos os efeitos. Que confusão. Gabriel tinha perdido o juízo e estava fazendo com que eu perdesse o meu.

-Acho que você não deveria ter feito isso!-eu disse me distanciando.

-Por quê?

-Em que momento começamos um relacionamento que você esqueceu de me avisar?

-Eu achei que já estivéssemos conversado. –ele ficou sério.

-Eu posso ter sido alguém especial para você, e você está se tornando pra mim também. Mas com certeza sou um alguém diferente de cem anos atrás. Você não me é indiferente, mas eu não tenho certeza de nada. Eu ainda estou muito confusa.

-Eu entendo. -ele abaixou a cabeça.

Tudo o que eu tinha dito era verdade. Olhei para Kelly e ela fez um movimento positivo pra mim. As meninas já tinham se afastado.

-Eu posso te levar para casa então? –ele perguntou.

-Melhor não. Quando Rafael chega? –eu queria que ele viesse logo.

-Eu não sei. Rafael é muito temperamental. Pode vir hoje, como pode vir no ano que vem.

-Ano que vem? –eu dei um grito. –Ele não pode fazer isso comigo. Se ele não vier dentro de três dias, eu dou um jeito de ir até o Paraíso.

Gabriel riu. De mim.

-Cem anos atrás, você se parecia mais com sua mãe Ângela. Era suave, calma e tinha muita paciência. Nesta vida, vejo que o gênio temperamental do Rafael predominou.

-Está reclamando? –aquilo me irritou.

-De maneira nenhuma. Este seu jeito está mais sexy do que nunca. Decidida! –ele tocou meu rosto e me deu mais um beijo. Só que este foi rápido.

-Preciso ir porque ainda não sei onde vou estudar. –ele me soltou.

-Estudar? Espera aí! Como você conseguiu se matricular no segundo semestre? E porque você veio estudar aqui? Sabemos que você não precisa.

-Estou aqui pelo mesmo motivo do Miguel. Agora com os Anjos caídos te rondando, tenho que estar alerta vinte e quatro horas por dia. E qual a melhor maneira de fazer isso do que aqui na sua escola?

Respirei fundo. Já não era fácil longe dele, pior perto dele. E mil vezes pior com as garotas derramando litros de baba por ele. Nunca tinha sentido ciúmes do Daniel, mas só o fato do Gabriel estar recebendo tanta atenção das meninas, me deixou totalmente fora mim. A ponto de ter o sentimento de posse.

-E sempre dou meu jeitinho para conseguir o que quero. –ele acenou para Kelly e para mim e se foi.

Ainda percebi as outras meninas se derretendo para ele e fiquei com uma raiva mortal.

-Amiga, seu marido está fazendo o maior sucesso! –Kelly riu de mim.

-Pode parar! Não tem marido nenhum. –resmunguei.

-Acho melhor você colocar uma coleira no seu anjo antes que alguma diabinha resolva tirá-lo de você!

-Não achei graça nenhuma. –mas isso seria possível?

O sinal que dava início ao segundo semestre soou e nos dirigimos para nossa sala de costume. Iam ser meses bem difíceis.