A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 37
O exército dos anjos condenados


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "The seven angels" do Avantasia. É uma boa =)



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O grupo caminhava abatido, recém saído de uma derrota onde nem houve luta.

A vingança era como a madeira quente onde antes se instalara uma poderosa chama, apagada pela água.

Seus corações desistentes enchiam-se de medo apenas em pensar no que aconteceria no dia seguinte. E doíam ao imaginar como seria quando contassem a Belthor.

A torre foi aproximando-se e o estômago ia doendo no mesmo ritmo. Sorah parecia nervosa, pois sabia que não havia muitas chances. Ao contrário dos demais que simplesmente temiam e se entristeciam, ela se zangava por não poder vencer.

Subiram os degraus um a um, em silêncio. Era por volta de meio dia. No entanto, o sol se escondia atrás de nuvens, que pareciam querer chorar a tristeza de todos.

Haji apenas os seguia. Era estranho voltar àquela terra. Mas o arrependimento o impedia de felicitar-se.

Abriram a porta. Mas seus olhos desviaram-se do homem que estava ali, deitado na rede. Ele pareceu assustar-se com a invasão, mas logo sorriu ao ver quem era.

- Que bom que voltaram cedo. É muito chato ficar aqui sozinho.

- Belthor… - murmurou Mia com os olhos lacrimejando.

- O que aconteceu? Por que estão com essas caras? – começou a se preocupar Belthor – Onde está Íris? E quem é você? – perguntou ele ao ver o jovem Haji.

- Não se lembra de mim, Belthor? – perguntou jovem sem conseguir mudar a expressão pesarosa.

- Haji? É você? Como… como está vivo? Você viveu à mais de duzentos e cinqüenta anos! E Íris? Onde ela está? Respondam!

- Zigor apareceu. – murmurou Sabrina.

Belthor ficou branco.

- Ele descobriu sobre a alma dentro dela. – continuou Mia.

Os olhos do guerreiro começaram a se encher de lágrimas.

- Ele a levou. E disse que a trocaria pelas partes da Lágrima. Amanhã. Na cratera. – informou Mia começando a chorar, junto a Belthor.

Naquele instante as trevas baixaram sobre eles. As lágrimas derramadas eram como águas descendo os caminhos dos rios. Zigor não trocaria Íris. Tiraria a alma dela, matando-a. E entregaria seu corpo. Em seguida mataria a todos. Não havia acordo. Apenas uma verdade irrefutável.

 

Alguém bateu à porta. A tristeza os fez sentir ódio de quem quer que fosse que interrompia em situação tão delicada. Os únicos que não choravam eram Sorah e Dart, sentados na rede com o mesmo olhar baixo.

Sabrina abriu a porta. Os presentes viraram os olhos na direção do visitante sem ânimo para se mexerem.

- Vejo que cheguei em boa hora. – analisou Benfred olhando a todos.

- Boa hora? – gritou Belthor – Íris foi levada por Zigor! – berrara, sem a menor intenção de se conter. Era um homem maduro chorando uma perda. Ninguém tinha direito de condená-lo.

- Exatamente. Cheguei em ótima hora. Creio que já não tenham mais esperanças, não é? Agora só têm a mim. Posso ensiná-los a derrotar Zigor.

- É impossível derrotar Zigor! – berrou Mia entre soluços

- Não. Basta ser forte o suficiente para mantê-lo parado por algum tempo. E neste aposento noto uma grande energia. – Benfred olhou para todos os rostos procurando o dono da força que sentia, até parar os olhos em Haji. – O rapaz aqui parece ser capaz de tal.

- Farei o possível para me redimir. – aceitou a missão Haji.

 

Estavam prontos para a mais grandiosa batalha desde a que acabou com a explosão de Yume. Um grupo de oito soldados contra um exército inteiro que era Zigor.

 

                                                 ***

 

Mais para o meio da tarde Sorah desceu as escadas da torre sem comentar nada com ninguém. O ar de lágrimas que pairava sobre o quarto já começara a incomodar. Dart, é claro, a seguiu, sem perguntar aonde ia.

Os dois se sentaram quase num abraço. Ela apoiou a cabeça pesarosa no peito de Dart e ficou quieta por quase quinze minutos, vendo a luz do dia ameaçando ir embora, tornando o céu alaranjado.

- A criatura perfeita nascerá da décima quinta geração herdeira dos Impérios e unirá o outro reino para sempre. – murmurou Sorah pensativa sem dar àquilo nenhum significado. – O outro reino…

Dart olhou pra ela assustado e interrogou por que dissera aquilo.

- Não é nada. – respondeu tranqüila. – Esquece isso.

- Acho que vamos ter problemas. – murmurou Dart.

Sorah levantou a cabeça e procurou ao redor até parar os olhos num homem que vinha caminhando lentamente com suas roupas pomposas e seu olhar de superioridade carregado de desdém.

- Está com medo de Kiev?

- Medo? Só por ele ter ameaçado me matar se não sumisse e estou agora abraçado com sua irmã? De onde tirou uma coisa dessas? – brincou Dart.

Kiev foi se aproximando até olhar com um pouco de surpresa para os dois. Virou a cabeça alguns milímetros. Pareceu ameaçar Dart e perguntar por que não tinha ido embora. Em seguida mirou Sorah e lançou um olhar de incredulidade. Como ela, que dizia odiar aquele lifing, estar agora com aquela intimidade com ele?

- Sorah? – balbuciou ele com nojo na voz.

- Kiev… eu precisava mesmo falar com você. – disse ela se levantando.

- Espero que tenha um ótimo motivo pra estar com esse… esse… verme!

Sorah e Kiev andaram para longe dali, onde Dart já não podia ouvir. O rapaz ficara naquele mesmo local esperando que ela voltasse.

- Exijo revisão nas escrituras.

- O quê? – espantou-se Kiev – Ficou louca? Não há meios de termos errado! Os três reinos concordam com a interpretação das escrituras.

  - A criatura perfeita nascerá da décima quinta geração herdeira dos Impérios e unirá o outro reino para sempre. – repetiu Sorah.

- E daí?

- O outro reino… um reino unirá o outro? E quanto ao terceiro? Por outro lado… “herdeira dos Impérios”.

- Está querendo dizer que o herdeiro é provindo da união de dois reinos? Quer dizer… do casamento dos líderes de dois reinos?

- Você é quem está interpretando desse jeito.

- Não é possível! – discordou Kiev – Essa lenda é contada à mais de quinze mil anos. Nenhum dos sábios de nenhum dos reinos discorda de seu significado. Por que haveria de estar errado?

- Porque não está certa. – respondeu Sorah tranqüila. – A intenção dos dois primeiros lifings, ao ver seus seis filhos brigando por território não era uma total desunião. Mas a unificação do império lifing. Um único e poderoso império. O que eles ganhariam fazendo-nos brigar dessa forma?

Kiev suspirou resignado.

- Vou levar sua interpretação a eles. Mas não espere que as lendas sejam corrigidas após quinze mil anos. Espero apenas que não esteja dizendo isso apenas para se casar com aquele Bart!

- O nome dele é Dart… - corrigiu Sorah pela segunda vez. – E não, não é por causa disso! – respondeu ela com o rosto ficando vermelho – Eu… não gosto dele! Nem um pouco.

- Deu pra ver pelo jeito que estava abraçada com ele.

- Não há a menor relação entre uma coisa e outra! – defendeu-se Sorah – Eu jamais gostaria dele! Jamais!

- Mas ele gosta de você, não é?

Sorah calou-se alguns segundos e se lembrou da declaração do rapaz.

- E daí? Até agora não me fez mal algum.

- Sem contar o beijo?

- Ah, pare com isso! Se eu estiver certa com a interpretação… você vai começar a cumprimentá-lo com um abraço e chamá-lo de cunhado!

- Pelo jeito você não ficaria muito triste com isso.

- Quer parar de agir como se tivéssemos quatro anos? Nada de mal vai acontecer comigo simplesmente por andar com Dart. E se por acaso eu estiver certa…

- Se estiver certa você vai fazê-lo mais feliz do que ele jamais poderá fazer com você.

 

Dart sorriu ao ver que Sorah voltava, mas assustou-se quando viu Kiev acompanhando-a.

Ela adiantou-se e se sentou ao lado dele, exatamente como estava antes. Dart passou o braço ao redor de seu pescoço e encarou Kiev. Não sabia qual havia sido o assunto da conversa, mas pelo jeito não seria morto. Já era uma grande coisa.

- Estou de partida para o reino da Noite. – Avisou Kiev – Mas antes de ir quero conversar com o rei do reino Antigo.

Dart tentou mirar os lhos de Kiev, mas ele os desviava.

- Quer dizer… eu?

- Tem outro rei do reino Antigo aqui?

Sorah e Dart se entreolharam. Pelo jeito de Kiev, este poderia simplesmente afastá-lo de Sorah e matá-lo.

A lifing consentiu que o rapaz podia ir. Este se levantou receoso sem tirar os olhos de Kiev. Os dois caminharam juntos até chegarem ao mesmo local onde se desenrolara a conversa entre os dois irmãos.

- Só quero deixá-lo ciente – avisou Kiev, cheio de ira e ameaça na voz – que se por acaso a Sorah se machucar, sofrer ou chorar por mentira, omissão, traição, qualquer ato seu ou de qualquer um que tentar fazê-lo e você não impedir… Vou caçá-lo até os confins da terra e o matarei com minhas próprias mãos da mais dolorosa e desonrosa forma possível.

Dart ainda tentava se lembrar das formas mencionadas por Kiev de sofrimento quando o mesmo terminou as ameaças.

- Ficou claro?

- Com todo respeito, vossa majestade Kiev. O pior dos castigos que eu poderia merecer por fazer Sorah sofrer… é justamente vê-la sofrer.

Kiev o olhou nos olhos procurando qualquer mentira, qualquer forma de indicar um culpado, um criminoso. Mas as palavras de Dart eram verdadeiras.

- Então se lembre do que estou te dizendo antes de fazer uma lágrima rolar dos olhos dela.

- Vejo, senhor Kiev, que não acredita em mim quando digo que amo Sorah. Não importa de forma alguma o que está escrito em minhas costas ou nas dela. O que sinto é muito mais forte que uma lenda estúpida. E eu vou continuar protegendo-a com minha vida, como sempre fiz.

Kiev o encarou alguns instantes e pensou em tudo que Sorah dissera sobre o rapaz. Lembrara-se de tudo que ocorreu, de todo tempo que esteve distante. Todos esses anos quem manteve Sorah segura, quem a consolou fora aquele que estava em sua frente naquele momento.

- Você é um lifing nojento e inútil, um verme do reino Antigo. – xingou Kiev – Mas eu teria orgulho se fosse do meu reino.

Dart não entendeu de início, mas não o parou quando Kiev virou as costas e partiu em direção ao seu reino. Dart seguira na direção oposta, de encontro à Sorah.

- O que ele disse? – perguntou ela curiosa.

- Vai me contar o que ele disse a você? – antecipou Dart sentando-se ao seu lado como antes.

- Não. – respondeu Sorah, achando aquilo óbvio.

- Então também não conto. – afirmou Dart, usando o mesmo tom de voz óbvio de Sorah. – No entanto… - acrescentou – Ele disse que eu era um verme do reino Antigo… mas que teria orgulho se eu fosse do seu reino…

Sorah sorriu, completamente aparte de Zigor ou qualquer outra coisa. Teria ela se lembrado que no dia seguinte enfrentaria a batalha de suas vidas? Provavelmente se esquecera e se dedicara a garantir seu futuro com Dart. Mesmo não tendo certeza alguma de que teria algum futuro.

- Kiev não suporta a idéia de que alguém como você seja de outro reino, senão o nosso. É descente demais para não pertencer ao reino da Noite.

- Isso é um elogio?

Sorah riu e fez que não com a cabeça.

 

Passaram-se cerca de trinta minutos. A torre, quase vazia, impunha-se do chão de terra batida. O lugar parecia completamente desabitado. Um silêncio incomum tomava conta dos arredores.

Da porta da torre saiu Sabrina, descendo receosa pelos degraus de madeira. Sorah e Dart não reagiram.

Ela foi se aproximando a passos normais, sem parecer ter algo importante a falar. Quando chegou mais perto e sentou-se de frente para eles, Sorah notou que seus olhos estavam inchados de choro, porém ela estava calma se comparado a momentos antes.

- O que foi? – perguntou Sorah ao ver que ela não diria nada.

- Eu… não agüento mais ficar lá em cima. – declarou Sabrina. – O Belthor está chorando e a Mia está o está consolando. Mirian está dormindo. Preferi não acordá-la. Ela estava muito mal. E o Haji… bem, o Haji está lá se culpando por tudo.

Sorah irritou-se com a presença da humana, mas admitiu que todos precisavam sair daquela choradeira.

- Sorah… - começou Sabrina, de cabeça baixa e olhos tristes – Sei que isso já não tem a menos importância… mas… você perdoou Belthor?

A lifing ainda pensou um pouco antes de responder. Dart já sabia o que ela diria antes da mesma.

- Não dá pra perdoar o homem que matou meus pais. – respondeu finalmente, muito séria. – E que foi responsável por mais da metade das vezes que sofri em toda minha vida. Os crimes dele não são poucos.

- Mas… se Kiev tentasse matá-lo… a quem você ajudaria?

- O mínimo que eu poderia fazer para me vingar é dizer a Kiev onde Belthor está. Assim como ele contou aos humanos que eu era a herdeira do reino da Noite, para que eles me matassem. Mas eu não quero me rebaixar a esse nível. Eu ficaria alheia aos dois. Assistiria Kiev matá-lo. Mesmo que não estivesse necessariamente torcendo por meu irmão.

- E quanto… a mim? – quis saber a humana.

Sorah ainda teve de refletir um pouco, pois não entendeu bem sobre o que ela estava falando. Mas bastou se perguntar por que odiava a humana para se lembrar perfeitamente. E isso também era culpa de Belthor.

- Imagine o seguinte: Você treina num time de luta. É a melhor lutadora do grupo. No entanto, você é mulher e todo resto do time é homem. Seu treinador então, diz que é um erro da natureza que lute bem sendo mulher. E leva todo o grupo a um torneio, para adquirirem experiência e se fortalecerem. Mas você é deixada pra trás por ser mulher. A esperança dele é que você acabe desistindo de lutar e fique muito fraca. O que você faria?

- Treinaria mais ainda pra enfrentar os lutadores dele e provar que não sou pior por ser mulher.

- Foi exatamente o que eu fiz. Belthor dizia que eu era um erro da natureza por ser eleita guardiã sendo lifing. E levou você e Mirian para sobreviverem, enquanto eu fiquei aqui para morrer. Só conseguia pensar em matar as duas guardiãs e provar que eu era melhor justamente por ser lifing.

- Então…

- Então eu só quis matar vocês até perceber que era Belthor quem eu odiava. Vocês duas eram recém nascidas quando foram levadas. Não tiveram culpa.

Sabrina sentiu-se bem simplesmente por saber que Sorah não a odiava. Já era grande coisa, em se tratado de uma lifing que matou centenas de humanos com as próprias mãos.

- Acha que vamos vencer amanhã?

- Tenho certeza.

 

                                                 ***

 

 Não dormiram à noite. Na verdade, sequer o tentaram. Um misto de adrenalina, medo e ansiedade circulavam por suas veias passando diretamente pelo coração. As mãos tremiam e suavam. Os pés se mexiam em tom nervoso. O frio incomodava mais que nos outros dias. Tentavam se abastecer de ódio, ou qualquer coisa que incendiasse a fornalha de seus corpos e os dessem vontade e coragem para lutar. Mas uma forte dor de cabeça em todos dizia que nada poderia fazê-los ganhar.

Às vezes os olhos libertavam lágrimas nervosas ao tentarem imaginar como seria o dia seguinte. Belthor colocava as mãos no rosto, numa tentativa inconsciente de apagar tudo que estava acontecendo. Sorah permanecia olhando para o teto escuro, com Dart ao seu lado. Ele era um consolo. Sentia-se como se ele pudesse animá-la, ou simplesmente não deixar que se deprimisse ainda mais, melhor que Kiev jamais poderia fazê-lo.

Haji ainda tentava se aproximar de Sabrina. Mas ela não permitia. Afastava-se conforme ele tentava consolá-la. Não importava que os demais o perdoassem. Jamais perdoaria alguém que disse amá-la apenas para conseguir o que queria dela. Imaginava a tragédia que teria sido se por acaso não estivesse apaixonada por Dart na época e não recusasse Lucas. Zigor teria voltado à muito tempo.

E assim passaram a noite. Em grande desespero e desesperança.

 

                                                 ***

 

Quando deu oito da manhã a chuva já caía, dando ao céu o aspecto de noite.

Os presentes suspiravam pesadamente com os olhos inchados das lágrimas derramadas.

Benfred entrou no quarto de repente. Parecia ter sido o único que dormira. De alguma forma ele ainda tinha as esperanças que ele mesmo havia criado.

- Está na hora. – anunciou ele, como se apertasse o gatilho da arma que Zigor havia mirado em suas cabeças.

Sabrina suspirou e foi a primeira a se levantar, seguida por Belthor. Estavam todos em silêncio. Ninguém ameaçava dizer uma única palavra.

Caminhavam em tom apático. Sentiam a energia de Zigor aproximar-se cada vez mais, com a conhecida sensação de estarem sendo esmagada por ela. Caminhar na direção de tamanha força era como andar em direção à própria morte. Todos pareciam saber disso, menos Benfred.

Ele estava lá, exatamente como combinado. Sem truques, sem surpresas. Alguém poderoso como Zigor não precisa de armadilhas para destruir quem deseja.

Íris também estava no local. Caída no chão, provavelmente desmaiada. Mas Belthor não pôde evitar o pensamento de que ele já havia tirado a alma dela.

Aproximaram-se um pouco mais, com grande receio. Ele estava do outro lado da cratera. Os setenta metros de largura dela era a distância mais segura no momento.

- Devolva-nos Íris! – berrou Belthor.

- Dê-me as partes da Lágrima. – exigiu Zigor, tendo sua voz ecoado até eles, sem precisar de esforço algum em gritar.

- De forma alguma! – irritou-se Mia – Não somos idiotas!

- Haji… por que não matou os guerreiros? Eles seriam bem vindos no reino dos mortos. Mas é claro que você também é um traidor. Como todos os humanos. Mas que instinto nobre este não é? Que provoca vingança e já nasce com os humanos. Que raça auto destrutiva… Por isso é e por outras que meu reino está cheio de almas vagando sem esperança. Mais ou menos como vocês.

- Devolva-nos Íris! – repetiu Belthor irritando-se.

- Tudo bem… vou tornar isso mais divertido. Uma vez que não há dificuldade para o rei dos mortos em arrastar humanos e lifings para seu domínio.

Íris começou a levitar, inconsciente. Sua cabeça pendia para trás, como se Zigor a estivesse segurando em seus próprios braços. Ela passou por toda cratera, até cair levemente sobre os braços de Belthor.

Benfred sorriu ao ver Íris novamente a salvo. Aproximou-se dela e passou a mão por seus cabelos, sob o olhar raivoso de Belthor.

- Acorde jovem… - pediu com calma e serenidade em palavras e olhar. – Acorde e venha decidir sua batalha mais importante.

Como se ela tivesse ouvido o que Benfred dissera, Íris foi acordando aos poucos. Um sorriso se formou em seus lábios ao ver Belthor.

- Você está salva agora. Não vou deixar nada acontecer a você.

- Está enganado humano. – disse Zigor, revelando tê-lo ouvido – Depois de matar vocês todos, vou reaver a Lágrima. Em seguida matarei a portadora da alma que falta.

Zigor estendeu uma das mãos. A chuva começou a cair pesadamente, interferindo na visão. Ficaram todos esperando o que ele faria.

Belthor ficou branco de repente. Começara a se contorcer, gemendo e gritando. Todos ao redor desesperavam-se sem saber o que fazer. Seu corpo arqueou pra frente e ele caiu de joelhos.

- Belthor! – chorou Íris – O que está acontecendo?

- O coração humano – começou Zigor em tom de irônica admiração – é algo que me fascina. É incansável… pulsa e dá vida. Basta que ele pare e seu dono morrerá. Mas eu ainda me pergunto… quanto tempo um humano sobrevive sem os batimentos de seu coração?

Um frio percorreu a espinha dos presentes. Ele estava parando o coração de Belthor.

Haji moveu-se instintivamente. Com o poder que fora cedido por Zigor, mirou uma poderosa energia no mayle.

O que parecia impossível aconteceu. Ele fora atingido e Belthor foi se recuperando novamente. Zigor caiu três metros pra trás, com toda sua invulnerabilidade desfeita.

- Podemos destruí-lo! – berrou Mirian.

As três guardiãs, Dart e Mia atacaram com enormes forças, que acertaram o mayle diretamente.

Zigor urrou de raiva. Seus olhos tornaram-se vermelho, como se sangue tivesse sido derramado sobre eles. Protegia o rosto com o braço à frente dele. O resto do corpo era atingido diretamente pelos ataques incessantes. Ele foi sendo arrastado para trás até que ninguém agüentasse mais e cessasse os ataques.

- Criaturas malditas! – berrou Zigor alterando drasticamente sua voz para o rouco de uma fera selvagem.

O mayle ergueu os braços com violência. Desta vez estava realmente furioso.

O chão começou a tremer e a terra da cratera foi rachando. Alguns buracos foram feitos. Houve silêncio por alguns minutos. Um trovão caiu por perto, fazendo grande barulho. Não sabiam o que fazer, não sabiam o que ia acontecer. Olhavam a fenda fina que havia se formado.

- Ali! O que é aquilo? – apontou Mirian para algo que saía da terra.

- Acho que já sei por que ele quis que a luta fosse onde todos os guerreiros morreram. – balbuciou Belthor.

- Parece… - observou Sabrina, forçando a visão para ver o que Mirian apontava – Parece uma mão…

- E tem mais ali! – apontou Dart.

Eram várias. As mãos cavaram a terra até que seus donos saíram lentamente. Eram os cinco guerreiros de Yume falecidos na batalha há mais de duzentos e cinqüenta anos.

Não tinham aparecia de mortos. Assim como Nely e Nacknar, pareciam estar vivos, a não ser pelo ferimento que os matou, necrosado e cheio de vermes. Todos usavam as capas de guerreiros. Pareciam fantasmas negros, todos alinhados, olhando para os jovens no topo da cratera. Eram adolescentes, não passavam de dezessete anos.

- Estão vendo, jovens guerreiros mortos em batalha. Ali estão Mia, Íris e Belthor. – informou Zigor – Os protegidos de Yume. E também encontrarão Sorah Ketsu, filha de Maru e Sofia Ketsu, os responsáveis por suas mortes. Estão todos vivos. E vocês? Morreram por causa deles. Mas eu vos dou vida em troca de vingarem-se.

Íris estava chocada. Belthor baixara a cabeça, entristecido. Mia fechara os punhos, com raiva.

- Está tudo quase como naquele dia em que perdemos. – balbuciou Belthor.

- Temos outra chance para fazer diferente. – imaginou Íris.

- E o faremos. – garantiu Mia.

Os guerreiros se entreolharam sorrindo.

- Nos acompanha Haji?

- Claro.

Com espadas em punho, os quatro desceram a cratera num único coro de vozes cheias de coragem.

- Somos aqueles que um dia foram chamados de anjos. – murmurou um deles, com cabelos castanhos bem cumpridos.

- Somos aqueles que um dia foram chamados de esperança. – continuou um segundo, de cabelos louros e bem ralos.

- Fomos os responsáveis pelos julgamentos de muitas vidas. Castigamos almas criminosas. Destruímos qualquer um que tentasse chegar perto de Yume.

- E ela nos encheu de promessas. Prometeu-nos a vitória.

- E no fim nos traiu. Revelou que estava fraca demais para lutar. Disse que todos nós morreríamos.

- Formamos o exército de anjos condenados do mundo dos mortos! – gritaram em coro ameaçador.

- E vocês, meus ex amigos, serão julgados por nós pessoalmente no submundo.

O som metálico de armas se chocando preencheu o local. Era óbvia a desvantagem dos vivos, uma vez que os mortos se regeneravam.

- Vocês traíram Yume! Suas mortes eram mais que necessárias! Inevitáveis! – berrou Belthor em meio ao calor de batalha.

- Era óbvio que ela perderia, com ou sem nossa ajuda! – admitiu um dos guerreiros mortos tentando acertar um golpe em Mia.

Lá em cima, as Guardiãs e Benfred observavam a luta sem poder fazerem nada. O importante no momento era derrotar os guerreiros.

Sorah olhou para Dart. Sorriram.

- Acompanha-me? – perguntou Sorah em tom cordial.

- Até o inferno.

Sorah passou direto para seu terceiro nível de força, usando a armadura. Dart precisou ir de um em um, ainda sofrendo os efeitos reversos das transformações. Muita dor e sangue correram até que ele adquirisse as quatro asas negras e seu cabelo ficasse cumprido e prateado.

- Belthor! Mia! Íris! Haji! Deixem que dos guerreiros, eu e Dart cuidamos. Se preocupem em descobrir uma forma de derrotar Zigor.

Os olhos de Mia pareceram brilhar, com seu rosto cheio de hematomas e um filete de sangue correndo no canto da boca, ao ver Sorah e Dart, em seus últimos níveis de força, prontos para derrotar os guerreiros exatamente como os grandes Maru e Sofia Ketsu.

Belthor, Haji, Íris e Mia subiram a cratera correndo e passaram a vez aos dois lifings, que desceram lentamente, sendo que Dart voava a alguns metros do chão.

Os guerreiros mortos adquiriram expressão de medo e temor ao verem Sorah. Sabiam que se tratava da filha do casal que os matou. Apesar de estar claro as diferenças de poderes entre as duas gerações, receavam ter o mesmo fim.

Sorah aproveitou cada segundo mirando os olhos aflitos daqueles que, jurou para si, seriam suas vítimas.

O ataque começou. Cinco contra dois e mesmo assim era mais balanceado que os quatro de antes.

Sorah os congelava com grande facilidade. Mas com essa mesma facilidade eles se libertavam do gelo. Dart, voando, os rendia com fortes rajadas de vento. Em seguida arremessava poderosas bolas de energia. Eles viravam migalhas, mas logo se reconstruíam.

- Precisamos queimá-los. – lamentou Sorah. – Gelo ou despedaçá-los não adianta.

Sabrina pareceu ter ouvido isso. Desceu a cratera em grande velocidade. Mirian veio atrás, tentando impedi-la de cometer alguma besteira. Íris tentou segurar as duas, em vão.

- Sorah! Precisa de alguma ajuda?

- Queime-os humana! Queime-os como eu te ensinei!

- Até as cinzas! – gritou Sabrina começando seu ataque de chamas.

No entanto eles eram muitos para uma só pessoa queimá-los. Mirian não podia prendê-los com água, pois apagaria o fogo de Sabrina. Sorah não podia usar o gelo, pois este se derreteria e eles estariam dispersos novamente.

Mas era tarde demais para pensar. Um dos guerreiros deu a volta e acertou um forte chute contra o estômago de Sabrina, fazendo-a voar cinco metros longe.

- Se Nicka estivesse aqui… - murmurou Mirian pesarosa.

Sorah correu até Sabrina.

- Só você pode fazer isso. – afirmou a lifing – Precisa prendê-los e atacá-los sozinha. Com o fogo mais forte que puder.

Sabrina ainda sentia fortes dores no estômago. Mas se levantou e caminhou com dificuldade até certo ponto onde os guerreiros ainda as observavam imóveis.

Ao verem o que ela faria, eles se dispersaram.

Dart levantou vôo novamente e os empurrou para um único canto, numa só rajada de vento gerada pela batida de suas asas.

Rapidamente Sabrina agiu, lançando suas chamas na direção dos guerreiros.

Mas todos eles se uniram e lançaram um único ataque de uma energia brilhante, amarela. Ela atingiu a labareda de Sabrina e foi vencendo-a pouco a pouco. Quando viu que não havia condições de continuar, parou as chamas e esperou pelo golpe direto.

Mas ele nunca veio.

Sorah jogara-se em sua frente e fora acertada em cheio pela grande energia dos cinco guerreiros.

- Sorah! – gritaram Sabrina e Dart juntos.

- Não pode ficar fraca. – murmurou Sorah mal podendo falar. – Acerte-os… mate-os!

Sabrina olhou para os cinco guerreiros, que se preparavam para outro ataque. Sem esperar mais, lançou as chamas e fez uma barreira em volta deles. Temeu que não tivesse forças suficientes para destruí-los, mas não mencionou nada. Simplesmente iniciou outro ataque incessante na direção deles. Os cinco imediatamente gritaram de dor, urraram. Um berro parecido com o de Nacknar, o que trouxe péssimas lembranças a ela. Eram muitos, precisava de muita energia para destruí-los. Teve certeza então de que não a teria.

Mas continuou com as chamas.

Seu corpo foi ficando fraco, como se o fogo fosse seu sangue sendo drenado direto de suas veias. Forçou ainda mais, fazendo a energia sair em maior quantidade de uma vez. Era como alguém que enche uma bexiga, e quando o ar de seus pulmões vai acabando força ainda mais numa tentativa em vão de continuar soprando.

Sua perna não suportava mais o próprio peso. Sabrina foi obrigada a se ajoelhar. Com este ato deu certeza a todos de que sua força acabaria em breve.

Mirian aproximou-se da amiga. Suspirou alto. Sabrina estava tão concentrada e fraca que nem reparou a aproximação. Só reparou quando a amiga pôs a mão em seu ombro.

De repente, as labaredas ficaram mais poderosas. Ela sentiu como se sua força estivesse entrando e não saindo. Entendeu então que Mirian passava energia para ela.

- Também devo ajudar. – sorriu Mirian.

Mas as forças da segunda humana, assim como da primeira, também foram se acabando enquanto os guerreiros ainda gritavam de dor. Suas peles caíam e seus cabelos já não estavam no couro cabeludo.

Mirian também se ajoelhou. Sabrina notou uma grande diminuição na energia. Não podia exigir mais, a força era de sua amiga e não sua. E ela já estava fraca demais.

Sorah ainda estava caída, sendo ajudada por Dart. Os guerreiros morriam aos poucos.

Foi enorme a sorte de todos. Os cinco “anjos” morreram no exato instante em que Mirian desmaiou. Sabrina caiu, sentindo ar faltar de seus pulmões. Arfava alto ao puxar o oxigênio ao máximo possível.

- Seu exército de anjos condenados está acabado! – berrou Belthor – O que pretende fazer agora?

- Eu? – admirou-se Zigor com a pergunta – Eu poderia tê-los matado à muito tempo. Eu é que estou curioso em saber o que farão agora.

Benfred deu um passo a frente.

- Está na hora de matá-lo, finalmente. Haji prenda-o. – mandou o humano, tranqüilo.

O rapaz afirmou com a cabeça e mirou uma bola de energia negra na direção de Zigor. Ele sequer se moveu, achando a atitude idiota. A esfera explodiu antes de tocá-lo e formou uma barreira ao redor dele, como se o mayle estivesse dentro de um meio círculo de vidro. E, apesar de ter esmurrado incessantemente, não conseguiu sair dali.

Benfred virou-se para Belthor.

- Dê-me as partes da Lágrima.

- De forma alguma! Acha que eu sou algum louco? Eu nem sei quem você é!

O que poderia se tornar uma discussão foi interrompido pela voz calma de Zigor.

- Haji, Haji… - lamentou o mayle – Esquece-se de que fui eu quem lhe deu sua energia. Ou melhor, quem “emprestou” sua energia. Está na hora de pegá-la de volta.

A esfera foi desfeita no mesmo instante em que Zigor ergueu uma das mãos. Haji caiu ajoelhado e muito fraco, sentindo fortes dores. O mayle estava livre novamente.

- E agora Benfred? – assustou-se Mia.

- Eu não contava com isso. – admitiu o rapaz.

- Já alonguei suas vidas demais. Está na hora de trazer o mundo dos mortos á terra!


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Notas finais do capítulo

Só mais dois! =)



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