A Lágrima Escarlate escrita por SorahKetsu


Capítulo 24
Sentimentos




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A repercussão teria sido maior se por acaso o grupo ou a boca de Mirian fossem também maiores.

Antes da luta do dia seguinte, todos os guerreiros, além de Sorah e Dart, já estavam sabendo da declaração de Hebel.

Cada dia que se passava o interesse de Sabrina pelas opiniões de Sorah crescia. Ela tinha um jeito de pensar, a principio simples, mas como logo descobriria, ia tornando-se mais complexo e interessante do que imaginava. Buscava sempre perguntar-lhe coisas sobre o torneio, a Lágrima, os humanos. E quando Sorah desatava a falar mal dos humanos, soltava palavrões em linguagem lifing. Chegava a ser um tanto engraçado. A parte isso, era interessante os pontos de vista que ela criava a partir do que Sabrina lhe contava sobre seu mundo. Infelizmente, a lifing estava sempre de mal humor. E fazê-la falar era muito difícil. E vinha se tornando cada vez mais, desde o incidente com aquele lifing que ela insistia em descobrir quem é. Seus pensamentos constantemente voavam longe. Saía varia vezes ao dia. Sabrina imaginava ser na esperança de encontrar com o lifing novamente.

Mas aquele era mais um dia desses que elas tinham de acordar cedo, obrigadas pelo barulho de multidões, e por certo frio na barriga, acompanhado de um horrível medo de morrer.

Já estavam tão acostumados que nem era preciso marcar hora ou lugar.

Hebel tinha dormido no quarto de Sabrina e Sorah naquele dia devido à sua declaração. Provavelmente não tinha coragem de ver Nicka de frente, apesar de estar torcendo por sua vitória. O quarto ficara apertado, pois Dart também dormira ali.

 

Sorrindo, Nicka desceu as escadas da torre saltitando, preparando-se fisicamente, pois mentalmente a única coisa que a atormentava era a declaração de Hebel. Estava tão distraída com a luta que era como se outra pessoa fosse lutar e não sua dupla.

E por falar em dupla.

Mirian continuava sonolenta. Também não parecia preocupada, apesar de que só venceu a última luta por causa da chuva, e no presente dia o sol queimava o chão de terra batida sem o menor sinal de nuvens. O sono era grande porque ficaram até tarde esperando que Hebel entrasse no quarto até se convencerem de que ele não entraria.

Já este vinha ao lado de Sabrina, com olhos curiosos, procurando por Nicka. Mas esta parte do grupo ainda descia as escadas da masmorra, enquanto as duas já estavam entrando no estádio.

Os guerreiros não vieram, apesar de terem dito ás duas para tomarem cuidado com esta dupla. Pertenciam ao reino de Sorah.

 

A multidão já fazia grande alvoroço antes dos quatro lutadores aparecerem. Nicka e Mirian chegaram primeiro, ansiosas pelo início da luta. Ficaram surpresas ao ver que os adversários eram também duas garotas.

 

- O que acha dessa luta? – perguntou Dart de braços cruzados à Sorah, sentada ao seu lado.

- Elas vão ter mais trabalho. Não sei se Mirian vai pensar em se transformar em água a tempo. Mas de qualquer jeito, os ataques daquelas duas não são apenas físicos. Dá pra sentir grande energia vinda delas. Mesmo como água elas podem atingir Mirian. Já Nicka terá que abusar da velocidade com o chicote de espinhos. Lutadores de meu reino costumam ser muito rápidos.

- Acha que têm chances?

- Poucas.

 

A primeira garota subiu no tatame confiante. Tinha a pele bem clara, quase transparente, pois veias podiam ser facilmente vistas. Normal para pessoas do território de Sorah. Vestia uma armadura azul e vermelha, consideravelmente simples. Botas até o joelho. O cabelo era lilás claro. Os olhos a mesma coisa.

Nicka decidiu ser a primeira. Subiu com o mesmo olhar da adversária. Era sua segunda luta naquele torneio, e a primeira não trazia boas recordações. Sua obrigação em ganhar era grande. Usar da experiência e de tudo que Sorah havia dito na ocasião anterior. Nem mesmo a lifing sabia, mas as palavras haviam sido absorvidas e fariam uma grande diferença nesta luta. Nicka prometeu isso a si mesmo.

Lembrou-se de Hebel momentos antes da Juíza anunciar o início. O que ele disse, o que ele lhe propôs. Poderia mesmo ser feliz ao lado de alguém como ele? Mas toda essa inconstância era parte de uma brincadeira de um garoto mais pra criança que para adulto.

E por segundos pensou que Hebel poderia dar um ótimo pai.

Quando viu já estava sendo arremessada para fora do tatame. Bateu forte contra o muro de proteção. Houve gritos comemorativos por parte dos lifings. E vaias quando ela se levantou.

- Eu esperava mais. – resmungou a adversária.

 

Usando seu chicote de espinhos, Nicka voltou ao tatame e iniciou seus ataques seguidos, os quais a outra lutadora defendia todos com perfeição e facilidade. A lembrança da luta passada veio e se foi assim que o um soco atingiu sua face fortemente, fazendo-a cair.

- Realmente eu não deveria ter esperado tanto de uma humana. – lamentou-se a outra lutadora. – Você por acaso não sabe ler? Ou tem algum tipo de doença mental? Não viu que não é aconselhável que humanos lutem nesse torneio?

Nicka irritou-se e esqueceu de tudo. Partiu sem estratégia nenhuma, com pura raiva. Todo seu treinamento, todo o tempo que passou se esforçando para ser a melhor, só para uma lifing vir e dizer que foi em vão?

Novamente, só percebeu o que tinha acontecido quando se chocou contra o muro.

Acalmou-se então, vendo que a raiva de nada adiantaria. E assim percebeu que não era a lifing que jogava todo seu treinamento no lixo. Mas ela mesma.

Magia de verdade. Uma lição que Flértis não poderia ensinar, mas que Sorah aprendeu sozinha e lhe passou a informação. Magia e auto conhecimento caminhavam juntos. Saber seu poder e utilizá-lo da melhor forma possível. E o resultado será perfeito.

Não estava na floresta. Não tinha árvores ao seu redor. Mas tinha terra em baixo do tatame. Realmente não importava que as condições não estivessem inteiramente ao seu favor. A vitória é do mesmo tamanho da dificuldade da luta.

Baixou os olhos e concentrou-se. Quão grande é o ponto fraco de ser de elemento terra? Um dos mais poderosos elementos, pelo simples fato de poder controlar a natureza. Mas esse é o limite. Controlar. Jamais criar.

Foi pouco o espaço de tempo entre o inicio da concentração de Nicka e o crescimento de enormes e curvos caules na grama que rodeava o tatame. A adversária permaneceu imóvel, assustada com o fato. Como tanto poder cabia numa humana?

As plantas de repente começaram a crescer a velocidade incrível, curvadas na direção da lutadora. E com os controles de Nicka, sempre movendo os braços na direção que as plantas deveriam ir, os caules prenderam a adversária como dois enormes cipós. Quando eles pararam de crescer, nem toda força da garota lifing seria suficiente para livrá-la do enorme abraço. Parecia uma gigantesca cobra constritora a esmagar sua vítima.

Nicka aproximou-se da garota a passos lentos. Não precisava ser rápida.

- Sabe… essa planta obedece cada ordem minha…

A menina parecia ignorá-la, contorcendo-se para sair dali.

- Posso te esmagar com uma simples ordem. Ou mandar que espinhos te perfurem até você virar uma rede.

- Então me mate agora humana! Está esperando o quê? Não posso voltar pra casa tendo perdido pra uma humana! Mate-me agora! – gritou a lifing cheia de ódio, com o rosto pálido e branco tornando-se vermelho com o ódio e o aperto da planta.

Nicka deu-lhe um soco forte. Virou-se e pediu a juíza que começasse a contagem, alegando que não tinha mais jeito da lifing se livrar da planta.

Após a contagem e a vitória de Nicka, a planta encolheu-se e sumiu no mesmo buraco de onde veio lentamente.

A garota começou a chorar nervosa. Ao aproximar da outra, esta lhe ofereceu uma espada. E como que já esperava por isso, ela aceitou e apontou a arma para a garganta.

Em seguida a fincou até o cabo.

Nicka olhou chocada para o fato. Sua adversária estava morta. Suicidara-se por ter perdido a luta. O orgulho das criaturas do reino da Noite chegava mesmo a esse ponto?

Sorah, de onde estava sorriu. E, de braços cruzados, murmurou, tendo a atenção de Sabrina:

- Nicka deveria tê-la matado. É muito mais honroso morrer na mão de um adversário numa luta até a morte do que receber a piedade de uma humana e ter de se matar depois.

Sabrina assustou-se. Mesmo estando ali a tanto tempo não acostumara-se a pessoas lutando pela vida, e, acima disso, pela honra.

 

Era a vez de Mirian lutar. Subiu no tatame confiante, mas com medo. A outra, com expressão mais fria que a primeira, tinha cabelos vermelhos arrepiados, olhos que lembravam o de Sorah, garras, presas e todo o “kit maldade” como assim nomeou Mirian.

 

Assim que a luta iniciou-se, Mirian foi jogada com tamanha força contra o muro que o local rachou.

Sua visão tornou-se curva e ela ficou meio tonta, tendo dificuldade para se levantar. Sem esperar por isso, a adversária correu até lá e deu-lhe uma seqüência de chutes e socos em seu estômago, fazendo-a sangrar pela boca.

 

Após checar a inconsciência de Mirian, a juíza decretou o fim da luta.

 

- Finalmente Nicka terá um desafio de verdade.

- Não é muito cedo para isso? – Dart estranhara o sorriso de Sorah.

- Se ela não matar a adversária estará tudo bem.

- E se a adversária matar ela?

- Aí não vai estar tudo bem.

 

A juíza mandou que as duas se aproximassem. Nicka não contava com isso. Gastara muita energia na primeira batalha e não tinha como dar o máximo de si nesta. Estava cansada física e espiritualmente. A lutadora, no entanto, não precisara de muito esforço para deixar Mirian inconsciente. E a juíza sequer lhe permitira ver como a amiga estava. E mais isso para lhe perturbar.

 

Só tinha forças para uma única coisa. Mas essa idéia lhe pareceu tão macabra que a apagou da mente naquele instante.

 

O sinal de inicio da luta foi dado. A lutadora partiu pra cima de Nicka com os olhos frios que ainda lembravam os de Sorah. E com suas afiadas garras causou um corte profundo no rosto da humana.

Ela era não só mais rápida, mas também mais forte. Mais experiente também, sem dúvida. Esse era um dos motivos pelos quais era quase impossível um humano vencer um lifing. Enquanto humanos vivem cem anos com sorte, Lifings podem chegar a completar um milênio. Mil anos de treinamento e experiência. Um ser assim não pode ser vencido pela grande maioria das criaturas da terra. E no fim ele perde a batalha para ele mesmo, morrendo no auge de sua velhice e força. Pois mesmo a mais poderosa criatura tem de cumprir seu destino. A única raça que um dia driblou sua sina, foram os mayles, atingindo assim, a força suprema: a imortalidade.

 

Nicka mal teve tempo de pensar e fora atingida em cheio no estômago. A dor não era o principal motivo pelo qual não conseguia se levantar. O cansaço que a abatia pelo uso de muita energia na criação da planta era pior que a dor.

Pensou novamente na única estratégia que poderia usar. Em seguida teve pena da adversária e tentou esquecer esta técnica.

 

Via a lifing correndo de um lado para o outro a uma velocidade inalcançável a um humano. Não havia como vencer daquele jeito.

Seu rosto sangrava sem parar e já se sentia fraca àquela altura. Certamente estava pálida. Assustou-se quando a visão começou a se distorcer. Quando pôs a mãos no olhos, sentiu uma grande dor e em seguida o baque no chão. A dor não passou . Doía mais que o normal. Fora atingida em cheio na altura dos rins. Não tinha como doer mais.

 

Era sua vida ou a da adversária.

E quando percebeu isso, esqueceu de sua piedade e resolveu usar sua técnica.

 

Mirian acordava lentamente. Foi só quando percebeu que tinha perdido. Um gosto amargo veio a boca, misturado ao gosto do sangue. O corpo doía, mas ergueu-se para ver a luta.

Nicka mal podia se levantar. Na verdade, mal podia ver direito. Mas tinha de se concentrar. Assim que a lifing correu em sua direção, preparou-se.

Foi apenas um toque no estômago da adversária, nada de mais. Um único toque que garantiria a vitória da humana. Claro que levou o chute que iria receber, mas ainda estava consciente e só isso era necessário.

Quando a lutadora preparava-se para outro ataque, Nicka a interrompeu.

- Pare. – pediu Nicka com voz de moribundo – Você não precisa morrer desse jeito.

- Agora está delirando. – lamentou, cheia de ironia. – Eu apresso sua morte, não se preocupe.

- Não haverá tempo para me matar, nem se for o mais rápido que pode.

- Então você não sabe o quanto posso ser rápida.

O tempo para Nicka levantar o braço foi mais que suficiente para a adversária chegar a trinta centímetros da humana. Em seguida parar e, com olhos cheios de terror, levar as mãos à barriga.

- Há uma semente em seu estômago. – avisou Nicka ainda sentada, mal podendo falar. – Essa planta é parasita. Cresce ao entrar em contato com o interior de um animal, lifing, ou humano. Mas eu posso acelerar seu crescimento o quanto quiser. Ou mesmo eliminá-la. Posso também fazer crescer até que não caiba mais dentro de você, te explodindo de dentro pra fora. A última opção é a que eu gosto mais.

Aterrorizada, a lifing contorceu-se e caiu no chão, não se agüentando de dor.

- Se eu te deixar viva, vai se matar após sair do tatame não é? Creio que a morte por esta planta seja mais dolorosa. Pessoalmente eu só a usei uma vez contra um coelho. E jurei nunca mais usá-la para matar. No entanto, não vejo outra opção.

Nicka apontou o punho fechado para a garota que ainda se contorcia. Num único movimento, abriu a mão.

 

Mirian não suportou a visão e vomitou.

 

A garota explodira diante dos olhos de todos. Pedaços dela voaram até a arquibancada. Uma imensa mancha vermelha tingiu o tatame. E no local onde ela estava, só sobrara uma planta negra, grande, respingada de sangue. Em contato com o exterior, ela logo murchou e morreu.

A juíza, ainda tonta, e claramente com enjôo, anunciou o fim da luta, sendo abafada pelos uivos incessantes dos lifings eufóricos, finalmente satisfeitos da sede de sangue. Um inclusive segurava parte do corpo da lifing como troféu.

 


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