Ainda chovia, as ruas estvam desertas. Talvez fosse este o melhor momento. Talvez não.

Merry optou por esperar mais um pouco. Ficou calada, ouvindo qualquer ruído.
Silêncio.

A qualquer um que estivesse por lá, diria sem dúvidas que o local estava deserto. Porém não para ela, ela estava com medo o suficiente para ouvir até pequenos sussurros mentais. A chuva aumentava a cada segundo, levando ao escorrer pelo corpo da garota alguns rastros quase inotáveis de sangue.

Não podia lembrar ao certo como se metera em tamanha encrenca, Mamãe sempre dizia para "não se meter em encrenca" mas mamãe estava longe agora.

Aos 15 anos havia fugido de casa. Pelas ruas de Seatle conseguira um emprego, um emprego hostil, vulgar, assim como todas as pessoas daquelas ruas pareciam ser para Merry. Mas era o único jeito, e ganharia talvez até 10 reais se tivesse sorte. A não ser que um doido bêbado aparecesse com uma faca pronto para estragar seu dia - ou noite, no caso - e te fizesse correr feito louca até um beco frio, molhado e pior: sangrando. Era o que havia acontecido. Ele queria mais, ela não deu, ele sacou uma faca, ela o enfrentou e pronto. Mamãe fazia falta agora.

Atreveu-se a dar alguns passos, olhou para todos os lados em busca de qualquer coisa, qualquer barulho, qualquer movimento suspeito... nada. Seu abdômen começava a doer agudamente, precisava sair logo dali antes que aquilo a complicasse. Então, silenciosamente, andou dois ou três passos, não se importando muito com a chuva, nem com o frio - ao menos, suas roupas curtas e decotadas passavam essa impressão - já se via com coragem o suficiente para andar mais. Quando, sem deixar rastro nenhum, o homem apareceu atrás de Merry.

A garota percebeu um leve ruído se aproximar de suas costas, virando-se lentamente deparou com dois olhos famintos, uma faca, um riso profundo e perturbador. Seu medo se exalava pelo ar e não era preciso muito para sentí-lo.

- O-o que você quer? - atreveu-se a garota tremendo.
- Quero você! - ele disse demonstrando raiva e falta de paciência.
- Não tenho na-nada!
- Você tem o que eu quero. - ele olhava pelo corpo jovem da garota enquando lambia os lábios.

Merry viu o corpo molhado e sujo que fedia a Whiskey se aproximar. O sangue de seu abdômen já estava cessando provocando uma dor terrível que a deixava um pouco curvada. Sentiu-o encostar em seu corpo, a ponta da faca agora começava a queimar sua garganta, enquanto os olhos assustadores a fitavam.

Ela sabia o que ele queria, sabia muito bem, só assim poderia acabar com tudo isso e partir para um hospital. Mas não, ela não chegaria a tal ponto. Já havia feito isso, por dinheiro. Mas por ameaça, por pura violência não. E não seria a primeira vez.

Merry olhou com os olhos enxendo-se de lágrimas, suspirou.
- Não. - tentou não tremer ao dizer isso.
- Como não?
- Não vou fazer nada com você! - olhou com desprezo para o corpo sujo.
Sentiu a faca queimar ainda mais sua garganta, rasgando a pele macia e branca, derramando um fino filete de sangue.

- Lamento. - a boca do homem se aproximou da boca macia de Merry.
Ela também lamentava. Mas não tinha nada a perder - nada que se lembrasse pelo menos.

A chuva já diminuia, mas a rua ainda estava deserta, era compreensível, a madrugada já estava posta a tempos e quase amanhecia.

Merry sentiu a faca atravessar com raiva, lentamente todo seu pescoço, olhou para aqueles olhos aterrorizantes mais uma vez. Não conseguia falar, mas desejou do fundo de seu coração que ele fosse para o inferno.
Sim, ele iria.