Os dias posteriores foram os que mais me empenhei em minha campanha. Ouvi aqueles que me procuraram. Respondi perguntas indiscretas. Repassei inúmeros botons azuis para inúmeros alunos com meu nome impresso nele em letras neon e andei para cima e para baixo na escola. Perdi quase todas as aulas em três dias e todas as noites eu passava no hospital para ver Giane. Mas só quando eu sabia que Lucius não estava lá, mesmo ele passando grande parte de seu tempo com ela, mesmo tendo Flora prostrada 24 horas naquele lugar. Eu esperava que nesses dias, ele fosse se agarrar com mais forças à sua campanha. Mas ele havia faltado e deixado seus amigos mais próximos no comando.

Só Deus sabia o quanto eu queria desistir de tudo como ele estava fazendo. Mas não dava. Eu não podia agir como se todas as minhas vontades tivessem dependido dele.

– E aí?

Ele se aproximou e sentou ao meu lado na cantina.

– Oi, Sebastian - falei cansada demais para me surpreender por ele estar falando comigo sem tensão alguma.

– Você está bem?

– Maravilhosamente bem - revirei os olhos.

– Percebo.

– Então...

– Onde você estava? - perguntou Elli assim que Katrina entrou na cantina quase vazia naquele início de manhã.

A escola permitia que os alunos ficassem na cantina, a única área com assentos para aqueles que precisassem se unir em grupos para trabalhos escolares. Mas como não confiavam tanto em nós - com motivo - deixavam uma inspetora zanzando para cá a cada dez minutos. Mas Cora, a inspetora mais amada pelos alunos, era tão preguiçosa que havia colocado uma cadeira nas portas duplas e só enfiava a cabeça pela porta uma vez ou outra.

– Por aí - ela foi esquiva.

– Estamos esperando você desde as sete - a outra insistiu.

Olhei para o grande relógio redondo por reflexo, eu sabia que passava e muito da hora marcada.

– Deveriam ter começado sem mim - Katrina deu de ombros.

Sua roupa parecia amarrotada e isso foi surpreendente. Ela sempre vestia roupas sempre bem alinhadas e sempre respondia com calma. Mas parecia que algo nela se agitava e esse algo poderia escapar em uma forte explosão a menor pressão.

– Calma, pessoal. Elli não precisa se zangar. Não há muito que se fazer agora - falei.

– Vocês estão cada vez mais irresponsáveis! - ela berrou.

– Menos histeria. Isso não vai te levar a lugar algum.

– Onde você estava, Katrina?

– PORRA, ELLI. DEIXA-ME EM PAZ! PARA DE SER CHATA! NÃO É PORQUE GIANE NÃO ESTÁ AQUI QUE PRECISA DESCONTAR EM MIM ESSE SEU GÊNIO HORRÍVEL QUE PROCURA BRIGA!

Não consegui acreditar que Katrina dissera aquilo. E eu não parecia ser a única. Sebastian estava com a boca aberta e os olhos de Joseph ameaçavam saltar das órbitas. Elli se encolhia mais do que achei possível para alguém já tão pequeno. Veias azuladas saltavam do pescoço de Katrina e ela parecia à beira de lágrimas.

– Cuida da Elli - falei e peguei Katrina pelo braço - Vamos.

– Desculpa, Elli - falou ela com o rosto sendo pontilhado por pequeninas lágrimas.

Elli continuou de cabeça baixa. Foi melhor assim. Abracei os ombros de Katrina e a levei para o banheiro. Quando passamos por Cora ela estava com a cabeça apoiada no tampo da mesa e roncava ruidosamente. Levei minha amiga para onde havia começado a conhecer Giane. O banheiro. Katrina sentou na pia larga, entre duas torneiras curvas, os joelhos dela nem assim se tornavam visíveis de tão comprida que era a sua saia. Seu pai era pastor de uma igreja antiga, daquelas que pregam que mulheres devem usar saias e não podem se comportar de determinada forma. Ela querer ser atriz era algo que deveria ser um segredo. O pai nunca aceitaria, ela revelara.

– Tenho que te contar algo - falou ela balançando os pés.

– Enxuga o rosto antes - falei puxando papel do porta-papéis perto da porta.

– Obrigada - falou - Eu nunca tinha xingado daquele jeito. Nunca havia falado palavrão.

Contorci o rosto em uma careta para evitar rir.

– Estranho, não é? Mas é que... Fica cada dia mais difícil esconder. Guardar para mim algumas coisas. E todo mundo parece estar cada vez mais interessado aonde vou e a onde deixei de ir.

– Incomum. Sou uma especialista em palavrões. E eu entendo perfeitamente. E como entendo.

Ela sorriu minimamente.

– Sei que é. Você é bem diferente do que eu pensava antes de te conhecer.

– E isso é mau?

– Na verdade, não. Eu pensei que era alguém superficial e que falasse mal dos outros e que sempre estivesse julgando. Mas descobri que é totalmente o oposto.

– Talvez não me conheça de verdade - brinquei.

– Conheço alguém que te conhece bem - ela olhou para cima - E é isso que te quero dizer há tempos. Eu... E-e-e-u - ela gaguejou - Me apaixonei. E isso vai acabar comigo. Sei que vai.

Ela disse em uma única lufada de ar como se só assim tivesse coragem para falar, como se só assim fosse conseguir falar sem gaguejar.

– Ele é um idiota? Não está forçando nada, certo? - perguntei preocupada.

Ela falou algo tão baixo que mesmo estando perto não consegui entender.

– Meu pai vai me matar se descobrir isso. E me sinto culpada por isso todos os dias, mas com ele é tão fácil esquecer tudo. Nunca senti isso antes. - seus olhos brilharam - Parece bobo e coisa de menininha sonhadora. Mas é isso que sinto. Ele é tudo o que eu nem sabia que queria.

– Kat...

– Vocês se parecem bastante e admiro muito isso. Essa capacidade que vocês têm de serem sinceros e verdadeiros. Eu gostaria de ter essa coragem – ela parou – O que foi?

– Não precisa ter medo de me contar. Sei guardar segredo e não vou te julgar por isso.

Ela parecia um anjo. Uma criaturinha alta e delgada com um rosto gentil. Seus lábios eram pequenos e rosados.

– É o Joshua

Não sabia que Joshua estava apaixonado por ela. Mas parecia tão certo que estivesse que parecia óbvio que aconteceria.

– Está com raiva?

Parei por um momento. Sim, eu estava. Eu estava sentindo muita raiva do meu tio por ter escondido isso de mim sendo que eu contava tudo para ele. Eu estava ficando apavorada pela situação dos dois e isso me fazia compreender facilmente o motivo de terem escondido isso. A diferença de idade; o pai dela que não aceitaria alguém que não fosse da igreja deles; o cargo dele; a escola; pessoas que repudiariam aquela relação. Joshua estava arriscando a vida dele em nossa cidade.

– Um pouco.

– Eu que pedi para ele não contar. Queria fazer isso eu mesma.

– Tenho coisas para te contar também...

A porta do banheiro se abriu com violência e uma garota baixinha passou por ela a passos decididos. Cheguei a pensar que Elli iria bater nela, mas não...

– Perdão? - perguntou chorando.

Katrina a abraçou desajeitadamente e as duas choraram juntas.

– Ok. Ok. Vou ali - falei baixinho.

Eu queria tanto ter Giane ao meu lado. Aquela ruivinha em pouco tempo havia se infiltrado em minha vida de um modo que sua ausência se tornava mais e mais dolorosa

...

– Você é um estúpido, Joshua - falei subindo no palco.

– Por que, especificamente? - ele fechou o notebook prateado que estava em cima da mesa.

Falei em seu ouvido.

– Katrina?

Ele abaixou a cabeça.

– Gosto dela de verdade.

– Eu sei. Relaxa - sentei-me ao lado do notebook.

– Ah é. Você sabe de tudo. Ôh, sábia. Dê-me um jorro de uma sabedoria.

Baguncei o cabelo dele.

– Você se deu bem, sequinho. E a melhor parte é que gosto dela.

– E desde quando preciso de sua aprovação?

– Desde que viu meu lindo rosto na maternidade e percebeu que não havia sentido em sua vida até o meu nascimento. Você me ama.

Ele riu.

– Ah, sim. Com certeza. Ouvi anjos cantando quando te vi pela primeira vez.

– É. Eu lembro - falei.

Olhei para ele como fazia quando pequena e queria algo, com os olhos bem abertos e os lábios formando um biquinho triste.

– Você não está nada bem. Vem aqui - ele se levantou e abriu os braços.

Apertei os lábios e abracei Joshua. Comecei a chorar e temia que no momento em que ele me soltasse, eu fosse me partir em mil pedaços. E Lucius não iria juntar.