Bem ao Lado escrita por Alessa Petroski


Capítulo 21
Capítulo 21




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Ela estava deitada em sua cama com os olhos fixos no teto. Quando me viu seus olhos arregalaram de uma forma absurda e aquela fúria de algumas horas atrás se reacendeu. Ela se endireitou rápido e gritou.

– Veio tirar satisfações aqui também? – ela falava tão alto que era provável que o porteiro ouvisse seus gritos.

Sentei-me em uma cadeira rosa escandalosa que estava em frente a uma mesa com um computador em cima. O quarto de Giane era rico na cor rosa. Dava até dor na cabeça. Os lençóis da cama eram rosa claro; os travesseiros, rosa escuro. O guarda roupa na parede a minha esquerda era branco e rosa. As quatro paredes eram pintadas em quatro tons diferentes de rosa. Era como se eu estivesse no quarto da Barbie.

– Vim conversar apenas – falei.

O silêncio era ótimo para acalmar brigas, mas não servia para o que vim fazer ali: uma reconciliação. E isso pareceu desconcerta-la ao ponto em que a fúria enfraqueceu e suas mãos pararam de tremer. Até meu coração se tranquilizou voltando a um batimento normal.

– Dá para parar de gritar? - Lucius indagou abrindo a porta - A Matilda está dormindo.

– Quem é a Matilda? – a pergunta saiu de meus lábios antes que eu pudesse me segurar.

– Minha gata – ele piscou e saiu do quarto.

Olhei para Giane arregalando os olhos.

– É gata miau mesmo, relaxa – ela me tranquilizou.

Eu ri. E ri mais um pouco. Na verdade, eu não conseguia parar de rir. Giane começou a ria sem saber o motivo. Creio que passamos cinco minutos sem parar de rir. Aquilo foi bom.

– O que foi? – ela riu de novo.

– Sei lá, Giane, eu só não esperava que ele tivesse uma gata mesmo – expliquei meio ingênua.

– Minha jovem, eu prefiro a Matilda a outras gatas de duas pernas que ele tem em cada buraco da cidade – Giane disse.

Tentei não me importar com aquela afirmação. Eu estava ali para lidar com a Giane e não para me importar com a vida amorosa do Lucius, que eu não duvidava ser bem agitada.

– Eu quero propor que sejamos sinceras uma com a outra – ela concordou com a cabeça – A minha primeira pergunta é: Você é ruiva mesmo?

Ela riu de novo.

– Meu pai é ruivo natural e eu herdei isso dele. A propósito, sei o que vem a seguir e já vou logo explicando. Eu fui criada pelo meu pai porque ele e minha mãe já eram separados e ele tinha mais condições de cuidar de mim. Minha mãe ainda nem havia terminado o ensino médio – ela deu de ombros.

– E o que a fez voltar a morar com ela?

– É uma longa história – ela alongou bem a última palavra – Meu pai conheceu a atual esposa dele, a Patrícia, e ela sempre agiu como se fosse minha mãe mesmo e eu até gostava dela, mas depois do casamento deles ela se tornou uma megera. Fez de tudo para me mandar para longe e quase fui presa. Então eu corri para minha mãe e ela me aceitou – ela deu de ombros como se não se importasse, mas era visível sem seus olhos que aquilo a havia machucado.

E muito. Aquilo que lhe aconteceu havia sido um golpe certeiro na relação que ela tinha com o pai. Levantei-me e sentei ao lado dela na cama. Tirei meu All Star azul turquesa para não sujar sua cama, não que eu estivesse preocupada com aquele pano rosa e abracei seu ombro e isso pareceu servir de válvula para as lágrimas. Ela sacudia tanto que temi que ela se partisse com tanta dor.

– Ele preferiu a Patrícia a mim – ela soluçava – Sempre é assim, Ruby, com o idiota do Vini foi da mesma forma. Ele me deixou e ainda teve a audácia de me chamar de vadia.

– Mas você não é isso, Giane, ele é quem não presta – afirmei convicta.

Giane tinha uma fama de ficar com todos, mas desde que eu a conhecera não a vi com garoto algum. Ela usava roupas curtas, saltos altos e as unhas sempre estavam pintadas de rosa ou vermelho, mas isto não queria dizer que ela era uma vadia. Mas era isso que pensavam. As pessoas tinham o hábito terrível de julgar os outros pela sua aparência física como se existissem marcadores nas roupas que se usa ou na cor do seu esmalte para determinar o caráter de alguém.

Vini pagava de bom moço, mas me traiu. Marcia era recatada na frente dos outros e na forma de se vestir, era quase conservadora demais, pois evitava roupas muito curtas ou apertadas. Mas ela fez o que fez. E isto não estava impresso na aparência de nenhum deles.

A hipocrisia humana e os pré-julgamentos me tiravam do sério.

– Ele disse que alguém como ele não poderia ficar com alguém como eu. E depois ele começou a namorar você – ela olhou para mim – Eu juro, Ruby, que nem naquela época eu não iria ficar com alguém com namorada. Eu juro.

– Acredito em você. Eu acredito. E estou ao seu lado. – prometi pela primeira vez sem sentir o peso da promessa.

Claro que naquilo que disse havia o peso da responsabilidade, mas foi a primeira vez que fui realmente sincera. Eu havia dito por que precisava e principalmente porque Giane precisava. Não adiantava brigar pelo Vini nem por ninguém porque éramos amigas. Ela havia ficado ao meu lado quando eu não tinha ninguém. E agora eu estava ao lado dela enquanto ela se consumia em lágrimas.

Era mais do que justo porque era amizade, de fato.

Giane se recompôs rapidamente e enfiou os braços embaixo da cama e puxou de lá uma garrafa de plástico escura que não revelava o que tinha dentro. Mas logo ficou claro que a garrafa estava cheia de uma bebida contendo álcool.

– Minha vez – ela sorveu o conteúdo da garrafa como se sua vida dependesse disso – Qual o seu problema com a bebida?

– Meu pai bebia muito e era isto que provocava boa parte das brigas entre ele e minha mãe. A outra parte era provocada pelo trabalho da minha mãe tomar muito o tempo dela. Tudo resultou na separação deles há três anos.

Ela meneou a cabeça.

– Então sua mãe percebeu que trabalhar tanto não era bom e resolveu recomeçar passando mais tempo com você? – ela perguntou como uma criança esperançosa.

– Isso aqui é a vida real. Às vezes, as pessoas precisam errar repetidas vezes para aprender a concertar o seu verdadeiro erro.

– Acredita mesmo nisso?

– Eu tento – retruquei.


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