Impávida. escrita por Lucas Piascentini


Capítulo 1
Capítulo 1 — Veridícontest.




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Sem calafrios. Sem medo. Sinto-me poderosa”.

Levanto minhas sobrancelhas no intuito de encará-lo nos meus olhos. Tento reconhecê-lo, mas isso é impossível. Não o conheço. Mas sei que o odeio. Que sinto ódio. Que não sinto ao menos compaixão. Fico imóvel. Observo-o.

— Você não respondeu minha pergunta. — Disse ele se aproximando de mim. Meus olhos fugiram do olhar azulado acinzentado de teus olhos. Um azul mórbido.




— Nem pretendo responder. — Respondo rapidamente, levantando meu olhar pro dele.

— Se é assim que você deseja minha, querida.

É quando ele bate duas vezes palmas. A luz da sala onde estamos apaga repentinamente, meu coração dispara. O corpo dele desaparece juntamente a toda a luz do lugar. Os vidros da sala quebram. As paredes de vidro simplesmente espatifam e os cacos voam todos em minha direção, como se eles tivessem em um campo magnético e eu fosse o imã. O sangue começa a escorrer sobre os machucados que os cacos criam. Minha pele arde, ponho as mãos sobre meu rosto a fim de protegê-lo, mas ele já está sangrando. Grito. Caio no chão, de praxe, choro. Dor. Medo. Aflição.


Desperto suada, pele queimando, coração palpitando rapidamente. Esta havia sido a terceira vez que tinha esse sonho nessa semana. Esfrego minhas mãos em meu rosto, com medo de sangrar, não sinto nada, apesar de senti-lo ardendo. Quero gritar. Quero fugir acima de tudo, porém permaneço imóvel. Ponho o dedo anelar em minha boca e arranco rapidamente um pedaço da minha unha, o dedo começa a sangrar e a dor que cria, entendo-a, como prazerosa. Engulo o sangue. Sinto o gosto de ferrugem e automaticamente lembro de imãs e associo com o meu pesadelo. Tento lembrar quem era o cara de quem eu sabia que odiava, sabia que sentia medo, mas o desconhecia. Não me lembro de seu rosto. Frustrada, levanto-me e disparo ao banheiro. Caminho em direção ao espelho olhando os azulejos, reparando que a cada três brancos a uma borboleta cor de violeta. Encaro-me no espelho, vejo uma espinha, pisco meus olhos rapidamente, quando os abro vejo três borboletas atrás de mim. Grito, mesmo que para dentro. Aproximo-me cuidadosamente delas para examiná-las. Todas são pretas, com pintas brancas. Belas, mais obscuras. Não, borboletas não, mariposas. Sei que isso não significa boa coisa. Queria ter a mente que minha avó tinha, queria saber o que tudo significa na força cósmica.

Saio do banheiro, em seguida, apago a luz e percebo que tudo ali, naquele banheiro, está escuro. É como se fosse o meu bicho papão quando eu era pequena aparecendo agora que já estou quase adulta. Caminho calmamente até a minha cama. Deito-me. Cubro-me. Fico então acordada até a hora de levantar.

Parto em direção ao banheiro logo depois que meu despertador desperta, mas já estou despertada, ele emana um som ridículo, como minhas feições. Mas não ligo, ao menos deveria?

Ao chegar ao banheiro, olho me no espelho, a espinha que vi ontem, parece maior, não tento espremê-la, minha mãe diz que depois fica a marca, e não desejo ficar mais feia do que já sou. Não penteio meu cabelo, passo apenas as mãos nos longos fios louros, uma cor tão natural, que me lembra o branco. Minha mente vacila e me lembro que dia é hoje.



Não devo temer o dia de hoje. Digo a mim mesma.

Mas, talvez, você deva estar se perguntando que dia é hoje, simples, hoje é dia 19 de fevereiro, o dia do meu teste.


Devo explicar que, todos os anos, em meados de fevereiro, nós, filhos de elementares, ou até mesmo, filhos de psico elementares devemos fazer um teste conhecido como Veridícontest, isto é, Teste Elementar. Moro no planeta Terra e estamos nos anos de 5152. O planeta Terra nos anos de 3145 foi tomado pelos elementares, seres dos quais tem capacidade de controlar elementos naturais ou psíquicos. Sou da raça Guerdoniana e viemos de um planeta com o nome de Guerdon. Atribuímos a nós, Guerdonianos, o planeta Terra, que antes era dominado pelos humanos, os seres que não eram capazes de cuidar nem de si mesmo, imagine de um planeta tão importante como este. Não mudamos o nome, achamos interessante este nome Terra, impactante, emocionante. Mas a maioria das vezes que nós referimos a ele, nós preferimos dizer Planeta Água, pois é o que mais há aqui, água. Nós, diferentes do que muitos dos terráqueos pensavam sobre extraterrestres, não somos verdes, nem possuímos antenas, nem nada desse tipo, devo dizer, que temos as mesmas feições que os terráqueos, mesmas cores de cabelos e evoluímos praticamente do mesmo ser que deu origem aos humanos, porém, somos muito mais avançados em termos tecnológicos. Assim que chegamos a este planeta, abastecemos as águas doces com nosso poder de criação de água, já que, água doce quase não havia mais, pois os humanos, seres inúteis, destruíram quase todo presente divino que aqui havia. Foi um tanto fácil dominar este mundo, segundo meus livros de História da Invasão do Planeta Água, pois não havia grande quantidade de humanos, por conta da falta d’água. Devo dizer outra coisa, os humanos continuam entre nós. Eles são os chatinhos, nojentos. Geralmente são os garis ou os sem tetos daqui. Há não ser quando o governo sede a eles barracos.

Moro na antiga América do Sul, chamada hoje de Nações Elementares do Sul, aqui é o centro do mundo, onde é decidido tudo. Vivemos em uma sociedade de economia centralizada, ou seja, uma sociedade onde tudo é decidido e planejado antes de ser colocado em prática. Meus pensamentos são dispersos quando alguém bate na porta.

— Tem mais gente para usar o banheiro, Cassie. — Reconheço a voz masculina. Meu irmão, Alaric.

— Cala a boca, Alaric. — Digo estressada.

Olho-me no espelho, e reparo que meus olhos azuis estão mais acinzentados do que o normal, porém não reclamo, nem penso em nada, apenas lavo meu rosto e escovo meus dentes. Saio do banheiro de cabeça erguida. Alaric me dá um soco e só posso revidar. Ele rasteja para dentro do banheiro rapidamente, quando tento dar outro soco em seu braço. Ouço a risada engasgada dele dentro do banheiro.

Somos irmãos gêmeos. Alaric e eu. Apesar de sermos bem diferentes, ele tem olhos escuros, idênticos aos de minha mãe, assim como cabelos escuros, como os dela. Eu tenho os cabelos claros, como os de meu pai, segundo minha mãe. Não conheci meu pai, conheço apenas meu padrasto, seu nome é Luke. Não nos damos bem. Ele é o típico cara insuportável. Ele é um dos motivos pelo qual não desejo escolher o mesmo elemento que minha mãe escolheu.

Devo dizer, que minha mãe e o seu marido são do elemento Água, enquanto eu não faço a mínima ideia do elemento que desejo ficar. Espero hoje, pelo meu Veridícontest descobrir qual é o melhor para mim.

Desço as escadas a caminho da cozinha. Sento-me em uma das cadeiras, sirvo-me de café preto e uma torrada. Mordo-a. Olho para meu irmão, que também está tomando café preto e comendo cereal. Este é o tempo suficiente para meu padrasto aparecer na cozinha e nós mandar ir para dentro do carro. Os carros de hoje são movidos à água, e não, não flutuam, nem fazem coisas magníficas que qualquer ser pensaria que haveria em um futuro. A única coisa que ocorre, é que o combustível deles, hoje, é a água do mar.

Entramos no carro, meu irmão senta no banco da frente junto ao meu padrasto, enquanto eu, sento-me atrás. Passo as mãos nos bancos de couro. Como desejaria ter unhas agora para roer. Estou mais do que ansiosa para o Veridícontest.

Devo dizer que cada continente cuida de um elemento. O continente Nações Elementares do Sul (América do Sul) corresponde ao elemento Água. O continente Nações Elementares do Norte (América do Norte) corresponde a Hipnose Mental, uma das funções que os psico elementares podem escolher. O continente Elo (Europa) corresponde ao Fogo. O continente Baobá (África) corresponde a Terra. O continente Óxi (Ásia) corresponde ao Ar e o continente Psicologinquo (Oceania) corresponde aos psico espectros (controle de forças espirituais). Cada pessoa tem aptidão desde nascença para um dos elementos. E eu? Sinceramente não sei a minha.

O carro para, desço rapidamente, com o objetivo de fazer logo este teste. Na entrada do grande prédio (todo de vidro), vemos a diretora Effie Tris entregando números às pessoas, isto causa uma longa fila na entrada, mas nada muito demorado. Ela está usando uma saia vinho e um blazer da mesma cor, com uma blusa branca por baixo. Sua pele branca ressalta seus lábios, pois Effie está com um batom forte da cor vermelha. Quando me aproximo dela, ela me encara com aqueles olhos de lente cor azul-marinho. Sorrio. Ela me entrega um papel com o número duzentos e quatorze e manda-me entrar.

— Boa sorte. — Deseja ela.

Sorrio, porém não respondo. Tenho medo dela.

Assim que passo por Effie, percebo que meu irmão vem logo atrás de mim. Correndo.

— E então, já sabe qual vai escolher? — Pergunta-me ele.

— Não. — Respondo bruscamente. — Não tenho nem ideia do que o teste irá me mostrar, não tenho ideia de qual eu devo seguir.

Nós não podemos saber como funciona o teste, então, assim que ele for feito, teremos que tomar uma injeção para que possamos esquecer o que foi feito. Isto ocorre, para que no futuro, nós não termos a audácia de passar a algum outro formando de dezessete anos o que ocorreu lá dentro.

Temo essa injeção.

Meu irmão olha para meu cabelo e em seguida sorri.

— Você já pensou em pentear o cabelo?

Encaro-o.

— E você, já pensou em cuidar da sua vida?

É então quando ele sai de perto de mim e parte em direção aos seus amigos. Uma menina ruiva, um menino loiro musculoso e uma outra menina meio gótica.

Avisto Christina, minha única amiga. Caminho em direção a ela. Reparo que sua pele está mais escura que o normal, mas não digo nada. Talvez praia. Talvez.

— Oi. — Digo anunciando minha presença.

Ela me encara, mas não me responde.

— Você está bem?

— Não. — Responde ela. — Estou assustada por causa do Veridícontest. — Ela fica quieta e percebe que não entendi o motivo do seu medo — Imagine você se eu não for selecionada para a Água? O que eu vou fazer? E se eu for selecionada para sei lá, Fogo? Eu odeio Fogo, e nunca nem soube conjurar isso, sabe, eles deveriam fazer um teste testando a nossa forma de manipulação de cada elemento.

— Mas como você sabe que o teste não é assim?

— Eu não sei, por isso mesmo que estou dizendo que estou com medo, porque só se for assim eu vou cair na Água!

— Christina, vai dar tudo certo, não fique aterrorizada.

— Sinceramente, Cassie, não entendo como você consegue ser tão confiante, afinal, pra qual você deseja ir afinal?

Não sei se devo falar para ela que quero ir para qualquer uma menos a da Água.

— Não sei.

— Como não? Fomos treinadas a nossa vida inteira para sabermos qual que nós queremos ir!

— Eu não sei mesmo. — Mordo os lábios.

Ela para de me olhar e segue para frente, estamos indo para o auditório, no décimo andar. Sigo-a até o elevador, que por sinal está lotado. Ela encara aquele monte de pessoa e sussurra:

— Vamos pela escada mesmo.

Concordo mexendo minha cabeça em sinal de aprovação.

Começamos a subir as escadas e percebo que foi uma péssima ideia a gente ter ido pelas escadas. Ela está tão lotada quanto o elevador (talvez um pouco menos, mas continua cheia), além de minhas pernas já estarem ficando dormentes.

Chegamos ao auditório. Entramos. Percebo que há fileiras e fileiras de pessoas sentadas esperando serem chamadas. Devo dizer que hoje ocorre em dez prédios espalhados pelas Nações Elementares do Sul a mesma coisa que está ocorrendo neste.

Sento em uma cadeira ao lado de Christina. Reparo que seus cabelos cacheados estão hoje lisos e associo na hora que ela deve ter feito escova ou chapinha. Presto atenção no palco só quando Effie sobe até o microfone e tosse duas vezes, sinal de que deseja silêncio. Todos se calam.

— Bom dia formandos. — Diz ela com a mesma voz irritante de sempre. — Espero que todos vocês estejam preparados para o teste que ocorrerá em vinte e cinco salas com elementares dominantes de fogo. É contra as Leis Elementarias que o mesmo tipo de elementar aplique o Veridícontest nos formandos, assim, o tipo contrário, Fogo no nosso caso, que deverá aplicar. — Ela tosse duas vezes novamente quando algumas pessoas começam a falar, reclamando. – Bem, este teste é feito para descobrirmos a aptidão de cada um. — Ela diz calmamente. — Mas, somente amanhã que o formando dirá qual que é a nova família dele. — Ela sorri. — Devo completar que, caso, por exemplo, o formando seja selecionado para o Fogo, ele pode sim repudiar a sua decisão corporal e escolher outra, como Água.

Há um suspiro de alívio de todas as partes. Menos da minha. Decido naquele instante que o que o teste dizer que devo ser, eu serei.

— Não se esqueçam — Continua Effie — que vocês devem fazer uma escolha sábia, afinal, você viverá nessa nova Nação para o resto de suas vidas.

Tudo que ela diz, ela diz mostrando seus dentes brancos irritantes em sorrisos.

Sinto me aliviada de não ter mais que escutar a voz nojenta de Effie quando um telão surge em frente Effie e o número “001” aparece, em seguida, “002”, até chegar ao “025”, ao lado dos números, aparecem os números da sala que a pessoa deve seguir. Minutos se passam e os números no telão vão indo sucessivamente. Minha perna treme, como todo meu corpo. Christina entrelaça sua mão na minha.

— Segurança. — Ela diz, entendo perfeitamente que ela está tão assustada quanto eu.

O número 159 aparece, e Christina levanta. É seu número.

— Boa sorte. — Digo. Ela balança a cabeça.

Quando o telão mostra o número “213” parece que o tempo para. Nunca algo demorou tanto em minha vida. Mordo meus lábios. Contraio meu corpo inteiro, estralo minhas costas, e em seguida fico sentada, tremendo, mordendo minhas bochechas, até o telão mostrar em um vermelho, parecendo mais vivido naquele momento, o número “214”. Penso em gritar, mas sei que não adiantará. Vejo que a minha sala é a número 21. Caminho então até a mesma. Tremendo. Um corredor nunca pareceu tão extenso. Observo todos os detalhes. É tudo de vidro. Consigo ver um longo céu de onde estou, já que estou no décimo sexto andar. Sinto-me nas nuvens. Tenho vontade de me jogar por algum lugar. Estou tremendo mais do que gostaria. Quando entro, percebo uma mulher jovem, com duas tatuagens saindo dos seios me encarando. Seus cabelos são ruivos vividos, sua pele branca feita à neve.

— Bom dia. — Diz ela. — Chamo-me Wanessa.

Não respondo. Não porque sou mal-educada, e sim, porque as palavras se recusam a sair de minha boca.

— Não fique com medo, não é porque sou do Fogo que queimo tudo o que vejo. — Ela diz rindo.

Não vejo graça. Permaneço séria.

— Eu sei. — Respondo quando o silêncio toma conta daquela sala. Percebo que o salão que estou não tem paredes de vidro e sim, paredes pretas em todos os lados. Penso em gritar, mas não posso.

Olho para mulher, que me encara de maneira sutil.

— Bom o que desejo que você faça, Cassie Kingsley, — Ela para um instante, mordendo os lábios quando lê meu sobrenome, penso em perguntar o porquê, mas acho que talvez seja normal. Kingsley não é um nome comum, e é um nome bem humano. Tudo bem que nós, elementares, meio que se apoderamos dos nomes humanos, mas nem tanto.

“É simples, — continua ela depois que consegue se recompor — você deve invocar todos elementos que você aprendeu na escola da maneira que eu ordenar. Assim, você mostrará qual que você tem maior aptidão”.

Sorrio. Tenho certeza que Christina foi selecionada para Água, ela era a melhor de toda a turma.

— O.K. — Respondo.

— Primeiramente, desejo que você invoque o seu elemento padrão, água.

Não quero ir bem, mas sei que irei, sou uma ótima dominadora de água. Sei disso. Estendo minhas mãos, fecho os olhos, sinto gotas gélidas caírem sobre minha mão, em seguida percebo que estou criando gotículas de água. Eu sei desenvolver água tão bem que me surpreendo quando vejo que já que criei mais de três litros d’água entre minhas mãos.

— Agora quero que você atire naqueles bonecos.

Só agora percebo que no final da sala há bonecos de plásticos. Com voracidade em minhas mãos, separo os litros de água que criei apontando para os cinco bonecos no final da sala. Miro neles de maneira, sei, eficaz. Mecho minhas mãos para frente, as gotas de águas simplesmente voam em direção aos bonecos. Elas atingem, todas, as faces dos bonecos, atingem com tanta força que as cabeças dos bonecos chegam a cair.

Sorrio.

Percebo que Wanessa me encara. Não parece que fiz algo muito diferente de todos que dominaram a água. Ela olha para o caderno que tem entre as pernas e anota algumas coisas.

Sinto um calafrio em minha espinha.

— Acredito que este tenha sido fácil. Mas, desejo agora, que você invoque terra. — Ela diz. — E que destrua os bonecos com a mesma.

Levanto minha perna para o alto, porém com os joelhos dobrados, posiciono minhas mãos à frente dos meus joelhos e bato, rapidamente e com força, meus pés no chão. Nada acontece. Lembro-me então, que estamos muito distantes do chão, sendo então eu, incapaz de conjurar a terra por eu ser de um nível fraco em conjuração desse elemento.

— Desculpe-me. — Respondo. — Estamos a metros da terra, e só consigo invocá-la se estivéssemos mais perto.

Ela ri. E anota em seu caderno.

Sinto-me envergonhada. E sei que terra, eu já não vou.

— Ar. — Ela ordena.

Mecho minhas mãos abeis meio que as girando, tentando fazer um furacão. Crio, então, um de quarenta e sete centímetros. Lanço contra os bonecos, mas nada ocorre. Sei que fui péssima. Estou envergonhada.

— O.K. — Ela diz anotando em seu caderno. — Fogo. — Ela sorri.

Encaro os bonecos. Percebo como me fez falta frequentar as aulas de Fogo Básico, Fogo Intermediário e Fogo Avançado. Cabulei todas. Envergonho-me. Estendo minhas mãos em tentativa de criar fogo. Não sinto nada. Wanessa me encara. Olho em teus olhos verdes. Sinto dentro deles uma chama. Vejo-a, acima de tudo. Olho novamente para os bonecos. Encaro-os trêmula. Fecho os olhos. Penso em um jeito simples de colocar fogo neles. Não deve ser difícil.

Vamos lá, Cassie.

Digo a mim mesma. Mas nada ocorre.

Sinto ódio de mim mesma. Encaro-os bonecos novamente. De repente, vejo o homem dos meus pesadelos. Grito e estendo minhas mãos ao mesmo tempo, como se sentisse que cacos voarem sobre meu corpo, mesmo não estando em uma sala de vidros. Os bonecos começam a pegar fogo de uma forma natural. Tapo meus olhos.

— Apague, Cassie! — Ordena Wanessa.

Abro os olhos. O terror some. Encaro o fogo, sinto-me liberta. É algo magnífico. Sem calafrios. Sem medo. Sinto-me poderosa. Eu o fiz. Eu criei aquilo.

— Apague.

Naquele mesmo instante, percebo estar conectada ao fogo como nunca estive em nada. Apago-o apenas com o pensamento.

Wanessa olha para mim.

— Você já conjurou o fogo — Ela engasga. — Alguma vez?

Não sei se respondo que não ou que sim, por isso fico quieta.

— Responda-me. — Ela ordena.

— Não. — Digo gaguejando.

Ela me encara.

— Nem mesmo os elementares nascidos em Elo conseguem conjurar tão bem o fogo no dia do Veridícontest como você conjurou. — Ela diz. — Acho que não precisamos terminar esse teste. Seu resultado é sem dúvidas, Fogo.

Fico quieta.

— Bem-vinda ao Reino do Fogo. — Ela diz empolgada.

Sinto nela, algo que jamais senti com os elementares da água. Empolgação. Vida. Desvio meu olhar e encaro os bonecos, eles não estão queimados, é como mágica, eles estão do jeito que deveriam estar.

— Pronto. — Ela me entrega um papel. Vejo então que ela me entregou o símbolo do fogo.

Uma chama vermelha, seu núcleo tem um dragão dourado quase imperceptível. Percebo também que a chama está dentro de um circulo. Entendo-o como uma prisão para chama e o dragão como uma liberdade.

Quando estou preste a sair, ouço algo em meus ouvidos:

“Mostre a ela sua conjuração espectral”.

Não sei da onde veio essa voz. Não há ninguém na sala a não ser eu e Wanessa. Tento ignorar a voz, mas sou incapaz.

Mesmo não querendo, meu corpo deseja. É como se eu estivesse com ânsia e precisa-se vomitar. Viro-me e encaro Wanessa. Ela começa a abrir a boca, mas fecha a no mesmo instante.

Olho para ela. Encaro-a. Sei que algo ocorre comigo. Meus olhos de repente veem mais do que posso. Vejo tudo escuro, com um tipo estranho de seres brancos distorcidos. Sou incapaz de dizer o que eles são. Minhas mãos giram mesmo que eu não tenha comandado-as a fazer isso. Ataco alguma coisa que não consigo discernir o que é. Não com essa visão precária da qual me encontro. Sinto-me mais forte do que nunca quando minha visão volta ao normal. Vejo Wanessa boquiaberta. Ela me encara de maneira... Estranha.

— Seu resultado... – Ela tenta dizer. — É... Impossível de ser calculado.

Olho assustada.

— Quer dizer... Você executou tanto força espectral quanto a força do fogo bem... Perfeitamente, na verdade. Nunca vi ninguém executar como você executou. E pelo que me lembre. — Ela se cala. — Só há uma pessoa que teve dois resultados como você, pelo menos que eu conheci, e ela morreu.


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Notas finais do capítulo

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