Lábios Rachados escrita por Lábios Rachados


Capítulo 2
A proposta


Notas iniciais do capítulo

Os eventos no conto não tem nenhum compromisso com a realidade. Boa leitura!



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Após passarmos a manhã toda conversando e desabafando, pego meu iPod, já em 5% de bateria e olho que horas são. Preciso ir embora.

– Chris, muito obrigado por esta manhã maravilhosa! Mas esta é a hora em que eu estaria indo para casa. Tenho que ir.

– Tudo bem, Jason. Eu que agradeço pela ótima companhia! Já estou amando essa cidade. Não só pelo lugar agradável, mas pelas pessoas que vivem aqui... – ele dá um sorriso e se levanta do sofá, onde sentamos logo após eu tomar o delicioso café-da-manhã preparado por ele. – Ah, e lembre-se: Se precisar de qualquer coisa, pode vir aqui. Não importa a hora. Pode ser por ovos com bacon, atenção ou, até mesmo, um abraço – dou um sorriso e vamos andando até a porta. Estendo o braço para cumprimentá-lo, mas Chris me surpreende com um abraço apertado.

– Tchau, Chris! Até mais. – digo, ainda tímido por conta do abraço.

– Vejo você em breve, Jason!

Esta manhã foi uma das melhores de toda minha vida. Sabe, não é comum ver gays em Burchintown, e conversando com ele, me senti tão... Normal! Saí da casa de Chris num horário estrategicamente escolhido para meus pais pensarem que fui à escola, como de costume. Não adiantou. Assim que cheguei em casa, eles estavam sentados no sofá. Evitei olhar em seus olhos, continuei andando em direção às escadas que levam ao meu quarto, mas o que eu temia acontecer, aconteceu. Minha mãe me chamou:

– Jason!

– Sim? – ainda estou de costas, com a perna esquerda apoiada no primeiro degrau.

– Queremos conversar com você. – diz meu pai, com uma voz calma.

Viro-me frente aos dois e, com um sorriso irônico, digo:

– Conversar sobre o quê? Já acharam uma cura para a minha doença? – dou de ombros.

– Por favor, não seja infantil! – minha mãe diz, colocando sua mão sobre meu ombro direito. – Viu como essa história de cura soa de modo tosco?

– Fale direito comigo, mocinho! Olhe, querendo ou não, vamos à igreja hoje à tarde. Falei com o padre, lá tem um grupo de apoio para jovens que estão no mundo dos pecados. Aqueles que se envolvem com drogas, crime, e até pessoas como... Você! – ela dá um sorriso, como se estivesse realmente animada com a ideia. – Você vai gostar!

– E quando penso que não podia ficar pior, sou comparado a bandidos e drogados! Mãe, você tem que entender que eu não pedi para ser gay!

– ENTÃO NÃO SEJA! – sou interrompido.

– Mamãe querida, diga-me – faço uma voz fina, para provocá-la –, se você pode gostar de homens, por que eu não posso? Oras!

– Tenho nojo de você! – assim que diz a última palavra, dá um tapa em meu rosto.

– Aceitem-me do jeito que sou ou nunca mais me verão!

– Eu não vou ter um filho gay, já disse e repito.

– Então, adeus!

– Adeus nada! – meu pai adverte, se levanta e vem em minha direção. – Você não vai a lugar algum! – ele segura meu braço esquerdo e o aperta com demasiada força.

– Me solte!

– Sabe, Jason, você é um mal agradecido! Você irá pro seu quarto agora e não sairá de lá até que eu diga o contrário. – meu braço está latejando de tanta dor.

– Me solte agora ou eu chamo a polícia!

A cada tentativa de me soltar dele, ele me jogava contra uma parede até chegar ao meu quarto.

– Seu veado imprestável! – sou jogado contra o espelho do meu quarto com toda a força, fazendo-o rachar.

Assim que consigo retomar minha respiração – ainda ofegante –, percebo que há um corte enorme no meu braço esquerdo. Deve ter uns quinze centímetros de comprimento, dois de largura e um de profundidade. Mas mesmo assim não sinto dor, meu ódio é tão grande que impede que eu sinta qualquer outra coisa.

– Você é maluco! – grito.

– Eu sou maluco?! Não... Não sou eu o maluco aqui. Você vai virar homem, nem que seja na marra! – enquanto diz a frase pausadamente, tira o cinto da calça.

– Você pode me bater, me fazer sangrar até morrer, nada vai mudar quem eu sou! – grito o mais alto que posso.

Ainda calado, ele pega o cinto e começa a chicotear. A dor é insuportável, mas faço questão de não chorar na sua frente.

– Você não sai mais do quarto hoje! – ele fala pegando a chave e trancando minha porta por fora.

Assim que não pude mais ouvir o som de seus passos, caio no choro. É triste saber que não tenho ninguém que possa me confortar. Alguém que me dê um abraço. E o que mais preciso agora é de um abraço... Um abraço? É! Um abraço! Penso no que Chris disse hoje de manhã:

"Ah, e lembre-se: Se precisar de qualquer coisa, pode vir aqui. Não importa a hora. Pode ser por ovos com bacon, atenção ou, até mesmo, um abraço".

Espero anoitecer e, mais ou menos às 23h – hora em que meus pais costumam deitar-se –, decido ir visitar meu mais novo amigo.

Cautelosamente, fui até a janela e saí. Eu tinha uma técnica de descer para o primeiro andar desde que tenho uns oito anos.

Por um momento, me senti perdido nas ruas, sem ter para onde ir. Pra minha sorte, a rua estava vazia – o que era de se esperar, afinal, aqui em Burchintown as pessoas costumam dormir bem cedo.

Fui até sua casa e, apreensivo, toquei a campainha e esperei dois minutos até ele abrir a porta com sua cueca boxe.

– Jason?! O que faz aqui há essa hora? – diz ele, como se estivesse me repreendendo.

– Eu... – me falta voz, apenas começo a chorar e ele me abraça cuidadosamente.

– Jason, você tá todo machucado! O que houve? – perguntou ele, preocupadamente.

– Meu pai... – sussurro.

– Ele fez isso com você?! – perguntou ele, boquiaberto.

– Sim... – mais uma vez o choro me impede de falar qualquer coisa. Então simplesmente o abraço. Ele começa a mexer nos meus cabelos, e isso acaba me acalmando.

– Entre, vou preparar um chocolate quente e colocar uma roupa. – Chris diz, subindo as escadas mancando.

Alguns minutos depois, ele desce as escadas com um roupão azul e pantufas pretas. Assim que passa pela sala – onde estou –, ele faz um sinal com as duas mãos, como se quisesse dizer para esperá-lo.

– Bom, o que houve? – ele pergunta enquanto vem da cozinha com duas canecas – uma azul e outra vermelha –, e um prato com biscoitos numa bandeja. Chris senta-se ao meu lado.

– Tive uma briga com meus pais... Meu pai se descontrolou e... Acabou fazendo isso... – mostro meu corte.

– Nossa... – Chris abaixa a cabeça. – Nem sei o que dizer... Vou fazer um curativo! – diz ele, determinado.

Ele vai ao banheiro – que fica entre a sala e a cozinha –, e volta em poucos segundos, com um kit de primeiros socorros.

Assim que abre a caixa, olha nos meus olhos e, em seguida, para os itens da caixa. Rapidamente, pega um frasco de remédio e coloca no bolso do roupão, como se quisesse escondê-lo.

– O seu pai foi sempre assim? – pergunta, enquanto pega a gaze.

– Não, sempre fomos muito próximos... – disse, chateado pelo acontecido. – Ainda não consigo acreditar no que aconteceu! Não consigo acreditar no que meus próprios pais foram capazes de fazer!

– Você não pode continuar nessa casa, Jason! E se ele tentar fazer isso com você de novo? – diz ele, preocupadamente. Nesta altura do campeonato já não me lembro mais quantas vezes Chris demonstrou preocupação comigo.

– Não tenho aonde ir. – digo, desesperançado.

– Bom... Podemos ver isso amanhã. Durma aqui, hoje! Não será incômodo nenhum.

– Sério?! – perguntei, surpreso pelo convite. Posso mesmo?

– Sim... Mas tem um problema! – alertou. – Acabo de me mudar e só tem uma cama. Ainda não tive a oportunidade de colocar uma no quarto de hóspedes.

– Não tem problema. Durmo aqui mesmo, no sofá!

– Quer mesmo ficar aqui sozinho? – ele olha fixamente em meus olhos.

Me perco em seu olhar por alguns segundos.

– S-Sim. – gaguejo. – Sem problemas!

– Ok! Vou trazer uns travesseiros e um edredom, então. Ah, e que tal um pijama? – Chris sorri gentilmente.

– Pode ser! – retribuo o sorriso.

Dou boa noite ao Chris e me deito. Fico de barriga para cima. É a posição mais confortável que consegui encontrar, por conta dos machucados e do sofá duro. Fico algumas horas acordado. Não quero ficar sozinho, então subo as escadas e vou abrindo porta por porta, até achar o quarto ocupado por Chris. Entro na ponta dos pés para não acordá-lo e deito ao seu lado. Sinto-me bem ao saber que tem alguém ao meu lado, principalmente esse alguém sendo o Chris.

Acordo e vejo que Chris não está na cama. Ouço o som de um violão e Chris cantando uma música que nunca ouvira antes.

Desço as escadas lentamente, e assim que Chris percebe minha presença, para de tocar e diz:

– Bom dia! Sente-se melhor? – ele gesticula com as mãos, indicando que eu o acompanhe até a cozinha.

– É... Acho que sim. – sento-me à mesa com ele.

– Seus pais não vão perceber sua ausência? – ele parece preocupado.

– Não. Hoje eles vão à igreja. Dão aulas de catequese às quartas de manhã.

– Ah, sim. Jason... Eu andei pensando em uma proposta.

– Sim?! – perguntei, curioso.

– Vamos nos casar?

– O QUÊ? – levo um susto tão grande que me engasgo com minha própria saliva.

– Calma, não é isso que você está pensando. Bom, pense comigo: sou maior de idade e, se nos casarmos, serei seu responsável legal. E então, quando você for maior de idade, pedimos o divórcio e pronto! Você estará livre. O que acha?

– Chris, eu te conheço há pouco mais de dois dias. Por que diabos você faria isso por mim?

– Não gostou da ideia?

– Não é isso... Achei a idéia genial, mas qual é a razão de fazer isso por alguém que mal conhece?

– Sabe... – ele abaixa a cabeça – Nunca fui um garoto bom. Meus pais eram executivos, eu conseguia vê-los uma só vez por semana, e isso acabou me deixando rebelde. Envolvi-me com drogas, más companhias, e, quando eu tinha sua idade – Chris começa a chorar –, eu estava numa festa – continua, enquanto limpa as lágrimas –, cheia de drogas e bebidas. Usei muitas substancias, peguei o carro de um amigo e comecei a dirigir pelas ruas da minha cidade... Eu estava com alguns amigos no carro, não estava prestando atenção na estrada e, então, quando olhei pra frente, lá estava uma linda garotinha. Olhei em seus olhos por uma fração de segundo e então vi seu corpo rolar sobre o carro. Ela tinha só sete anos! Pobrezinha... Chamava-se Sophia, e eu a matei. – sem saber o que dizer, sento-me ao seu lado e o abraço, na tentativa de consolá-lo. – Por sorte, meus pais tinham ótimos advogados que cuidaram do caso e pagaram uma fiança de mais ou menos 400 mil dólares. Eu fiquei arrasado. Eu queria ter sido levado no lugar de Sophia, ou até mesmo cumprido a pena. Não consegui aceitar o fato de que 400 mil dólares compraram uma vida. E passei a visitar o seu túmulo desde então, sempre que podia. E então, quis recomeçar minha vida em outro lugar. Decidi vir pra cá e prometi a mim mesmo que iria fazer algo bom para alguém. Fazer algo certo pelo menos uma vez na vida. E não acho que exista alguém que precise mais de minha ajuda do que você, não acha?

– Então está fazendo isso por você?

– Estou fazendo isso por nós. Bom, cabe a você decidir.

– Eu Não sei...

– Jason Montgomery, aceita se casar comigo? – sou interrompido pelo Chris, que se ajoelha na minha frente, segurando um anel invisível.

– A-aceito – digo, sorrindo.

– Mas há só uma regra: não se apaixone por mim.


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Notas finais do capítulo

No próximo capitulo:
Os preparativos para o casamento estão sendo feitos.



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