Was Angel escrita por Gabbi Levesque


Capítulo 1
Capítulo I — O Pesadelo




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Era uma grande floresta. Ela não sabia onde estava, como chegara lá ou como voltar, só sabia que estava e não fazia ideia de onde ir.

Estava escuro e fazia muito frio. Angel abraçou a si mesma e deu uma olhada nas roupas que vestia. Não era nada que pudesse aquecê-la, apenas uma túnica branca feita de algum material fino como seda e os pés estavam descalços contra a escuridão avassaladora da floresta.

Ela deu um passo à frente, sentindo as pedras e os cascalhos do chão da floresta perfurar-lhe levemente a sola dos pés. O vento balançou as cortinas de cabelos muito negros que caíam sobre os ombros para trás e ela parou em frente a uma árvore grande. Tocou seu tronco marrom, sentindo sua textura áspera e pontilhada nas pontas dos dedos muito pálidos. Ela própria estava muito pálida.

Angel virou a cabeça para ambos os lados, com os olhos arregalados para enxergar na escuridão. Ela ouvira alguma coisa, alguém falara. Era uma voz esquisita, falava algum tipo de língua diferente, contudo a floresta estava vazia.

Embora ela tivesse certeza que tudo estava seco, o cheiro peculiar e entorpecente de terra molhada invadia seus pulmões. Angel respirou fundo, absorvendo o aroma. Em seguida o cheiro veio mais forte e em segundos lhe impregnou a pele, envolveu-lhe a mente, tomou conta dos sentidos e mexeu com seus olhos.

Angel sentiu-se repentinamente tonta. O chão sobre ela pareceu se inclinar quando se agarrou à árvore, mas isso não a impediu de cair estrondosamente. Não foi uma queda dolorosa, por mais que ela desejasse que fosse, foi mais suave que aparentava. As pedras acariciavam-lhe a pele ao mesmo tempo em que a furavam, e ela fechou as mãos em torno de algumas folhas marrons que coalhavam o chão.

Não tentou levantar. Sabia que se tentasse, provavelmente caíria novamente. E até que estava confortável ali...

O farfalhar de uma capa sobre folhas secas invadiu os ouvidos de Angel. Passos apressados e ritmados estavam cada vez mais próximos. Quem quer que fosse, falou novamente, mas Angel não conseguiu entendê-lo.

Ela fechou os olhos. Um frio cortante a envolveu quando o som de passos cessou, mas ela sabia que não estava sozinha ali. Angel começou a tremer descontroladamente. Mãos frias e ásperas a envolveram pelos braços nus. Ela abriu seus olhos para ver quem a estava levantando e...

Em algum lugar muito perto e muito longe da floresta, Angel Skandar acordava assustada.


O sonho fora muito real, ela pensou enquanto tirava os cobertores de cima de suas pernas. A sua primeira visão foi a da cortina branca do quarto que tremeluzia fantasmagoricamente e dava a impressão de ser tecida com o mesmo material usado na túnica do sonho. Pura seda.


Ela balançou a cabeça. Talvez sua mente escura estivesse muito abarrotada de coisas para que pudesse ter sonhos tranquilos. Ou quem sabe fosse algum efeito colateral desconhecido da sua nova medicação.

Angel ficou aliviada ao constatar que ainda usava a camisa antiga e surrada do AC/DC que vestira na noite anterior quando se instalara no quarto para compor algumas músicas e caíra no sono de repente.

Ela sentiu sua garganta seca. Talvez tivesse gritado demais durante o sono mais uma vez. Angel passou a mão pelo rosto molhado pelo suor frio e jogou as pernas para o lado, levantando-se da cama.

Ainda eram três e meia da manhã, segundo o relógio laranja que descansava na parede do corredor. Que tipo de pessoa acorda às três e meia da manhã? Nem mesmo Angel faria isso propositalmente.

Chegou á cozinha com os pés frios e descalços tocando o assoalho gelado, abrindo a geladeira e enchendo um copo de vidro com água gelada. Encostou-se à bancada, admirando a visão da bela noite pela janela.

A luz da lua cheia lá fora entrava sorrateiramente pelas cortinas bordadas da cozinha, iluminando seu rosto.

Angel Skandar tinha apenas dezessete anos, mas os maus tratos dos anos lhe conferiram alguns dois anos a mais no rosto. Exceto pelos seus olhos, claro. Banhados pela luz lunar, seus olhos pareciam um par de pedras puras e lustradas de lápis-lazúli. Um azul profundo e intenso rabiscado por linhas douradas. E naquele momento, sua boca era uma linha fina cortando o rosto, as olheiras estavam começando a aparecer.

Angel suspirou, depositando o copo de vidro vazio na bancada de mármore.

Quem a visse caminhando por aí, diria que era apenas mais uma das adolescentes revoltadas que existiam em Nova York, com a grande camada de maquiagem escura nos olhos e aquelas camisetas de bandas de rock, mas eles não sabiam nem da metade da história.

O corpo impuro. O sangue derramado, a inocência corrompida e a mente violada e consumida completamente pela dor profunda e pelo horror da vida.

O horror da vida era claro. Ela não tivera uma vida nada fácil, pobre Angel...

Um sorriso brincava em seus lábios todas as vezes que via a expressão facial de alguém que pensava algo do tipo. Talvez Angel tivesse tido mesmo uma vida ruim, mas ela sabia lidar com isso. Apenas o brilho de uma faca girando entre os dedos e o escarlate do sangue pingando no chão para desligar-se daquilo tudo. Quando ela tinha o poder na palma das mãos.

Havia um quarto em sua casa cuja porta estava sempre peculiarmente trancada e a chave não se encontrava no chaveiro. Contudo, a chave que encaixava perfeitamente na sua fechadura, Angel levava em um colar de prata por dentro da blusa.

Não que alguém pudesse algum dia abri-la, mas Angel sentia-se mais segura se a carregasse consigo. Mesmo tendo aquele pedaço de metal tão próximo a si, forçava-se a nunca abrir aquela sala. A menos que fosse estritamente necessário. Naquela madrugada, faria uma semana que não abria a porta de madeira velha. Angel sentiu-se orgulhosa. E vazia.

Aquela sala era o seu pequeno pedacinho do céu. Ou do inferno. O seu inferno pessoal. Angel era capaz de ver a beleza e o terror até mesmo naquelas coisas penduradas na parede desgastada.

Ela sentiu um impulso tomar conta dos seus membros quando levou a mão direita até dentro da blusa. A chave estava lá, fria contra seu peito. Tão fria quanto ela própria. Talvez pudesse dar só uma olhadinha...

Não, repreendeu-se a si mesma, não outra vez.

Você sabe que quer, Angel.

O lábio inferior de Angel tremeu. Ela sabia que não podia deixá-la falar.

Não.

Ela suspirou, balançando a cabeça. Mesmo a brisa gelada de Nova York sendo extremamente relaxante, Angel forçou-se a fechar a janelinha da cozinha e arrastar a cortina, ocultando a luz da lua, deixando o cômodo imerso em escuridão.

Mesmo tendo perdido o sono quando acordara repentinamente, Angel voltou para a cama de lençóis azuis. Eram quatro e meia de um domingo frio. E ela tinha psiquiatra pela manhã...

Não que fosse algo importante.


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Notas finais do capítulo

Se gostaram ou não, digam nos comentários, não se esqueçam de dar uma olhada no tumblr e é isso. Até o próximo capítulo ou nas asks ♥