Sinto cheiro da terra molhada que consegue atravessar o vidro da janela fechada. Levanto lentamente e vou até ela e abro. A rua toda estava coberta pela neblina. Olho para baixo e vejo duas crianças brincando com o para-brisa do carro. Mal sabem elas que um dia terão seus dias de adultos.

Olho para o lado e vejo outra criança correndo atrás do animalzinho. Era um vira-lata. Meio parecido com o meu cão, o Amarelo.

Fechei a janela, pois o frio já invadia meu quarto. Tratei de arrumar minha cama e quando levantei o travesseiro, achei um colar com a metade do meu coração.

Quase chorei ao apertá-lo na mão. Eu sabia o quanto aquilo significava pra mim, eu sabia o motivo de estar com os olhos lacrimejando. Mas eu não queria ter que lembrar.

Prometi a mim mesma que jogaria aquele colar fora, iria enterrá-lo se fosse preciso. Ele me trazia lembranças, lembranças das quais me faziam chorar, me deixavam deprimente, me matava por dentro.

[...]

Eu estava me arrumando para ir a escola, como todos os dias quando Marina me ligou.

—Bom dia, flor do dia! -Ela disse enquanto eu colocava o celular no viva-voz.

—Bom dia. -Disse ofegante.

—O que está fazendo? Está transando? Isso são horas Carla?

—Não, garota! Estou me arrumando, estou Super atrasada.

—Ah tá. Achei que tivesse dormido na casa do André.

—Não. Eu terminei com ele.

—E por quê? O André é um... Gostoso!

—Eu sei que ele é gostoso. Mas eu não aguento mais ele. -Eu vestia a camisa o mais rápido que podia.

—Olha, percebo que você está muito ocupada. Quando você chegar aqui nós conversamos.

—Okay. Beijos.

Conheci Marina ano passado e já a considero minha melhor amiga. Ela me entende e é legal, e todas essas coisas de melhor amiga. Estamos na mesma classe novamente e cursando o 2° ano do Ensino Médio, ela não para nunca de me aturar.

Peguei a mochila e sai no portão, tive que correr para pegar o ônibus que já estava indo embora. Eram 30 minutos de casa para a escola.

Cheguei e fui correndo, tive que gritar para que não fechassem o portão. Subi e entrei na sala, dei um sorrisinho para Marina agradecendo por ela ter guardado meu lugar.

—Demorou hein. -Ela sussurrou.

—Desculpe, mas meu celular não despertou. -Bati a poeira da saia. —Cada dia que passa sua saia diminui. -Ri com meu comentário.

—Você é quem usa essa saia até o joelho. -Bufou.

—Eu não uso saia até o joelho.

—Que seja. Mas me conta. Por que terminou com o André?

—Pelo mesmo motivo que terminei com o Luciano. Ele me traiu.

—E como você soube?

—A garota ligou pra ele e eu atendi.

—Que merda hein. Poxa, logo aquele gostoso. Ele não soube dar valor a mulher que tinha. -Ela deu uns tapinhas de leve no meu ombro.

—Mas que se foda ele e todos os outros garotos! Agora vou pensar em estudos.

Encarei o quadro branco por alguns segundos até a professora entrar na sala. Quatro matérias antes do intervalo, em contar que teria teste de filosofia.

Ouço o sinal tocar e fico um pouco aliviada. Largo lápis e borracha na mesa. Levanto e entrego meu teste. Volto e tento dar uma cola para Marina que logo termina em seguida. Saímos de sala e vamos até o pátio da escola. Não era lá a melhor coisa, mas era o melhor lugar aqui dentro.

Sento-me em um dos bancos e coloco uma garrafa de suco na mesa. Marina põe uma bacia com alguns pedaços de tortas que sua mãe preparou em casa.

—Sabe, eu acho muito bonito o relacionamento da Sara com a Lucy. -Disse Marina antes de beber o suco.

—Acha é? -Perguntei suspeita.

—Sim. Ás vezes eu sempre penso que as mulheres devem dar mais valor ao relacionamento do que os homens.

­—É. Deve ser. Por que não fica com uma pra saber?

—Porque eu gosto de homem. Infelizmente.

—Gostar de homem é bom. Você só não achou o cara certo.

—Eu já tenho dezessete anos. Com que idade acha que vou achar o cara certo? Sessenta e nove?

—Calma Marina. Eu te arrumo um dos amigos do André. Amigas é pra isso.

—Eu não quero os amigos do André. Devem ser tudo como ele. Uns cafajestes.

Droga! Não queria ficar triste ao lembrar-me do que ele me fez.

—Ihh, desculpa. Esqueci que vocês terminaram. -Ela disse terminando seu lanche.

O intervalo terminou e tivemos que voltar pra sala. Toda a turma estava agitada e por isso decidi não entrar.

—Vou ao banheiro. -Disse.

Caminhei até o banheiro, estava muito pensativa sobre o término do meu namoro com André. Iríamos completar um mês daqui a duas semanas e o cachorro já me traiu. Após ficar quase meia hora encarando o espelho, iria voltar quando vejo Marina entrando no banheiro.

—Achei que tivesse entalad na privada.

—Desculpe.

—Estava pensando no safado do André?

—Sim.

—Esquece ele cara.

—Como? Eu ainda o amo.

—Eu vou te ajudar a esquecê-lo! Eu prometo. -Ela me abraçou e foi aonde eu chorei.