Ecos Caleidoscópicos escrita por DannyMandT


Capítulo 7
Capítulo 7 - Flamejante


Notas iniciais do capítulo

“As lembranças dele vêm
Em flashbacks e ecos
Digo a mim mesma
É hora de seguir em frente
Mas deixar para traz é impossível
Quando ainda vejo tudo em minha mente
Em vermelho flamejante”

(Red – Taylor Swift)



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–Ela está chegando perto. Precisamos dar um jeito, afastá-la, sei lá! Antes que fique mais perigoso. – Brandt era persistente, seu tom de voz aumentava gradualmente.

– A entrada é muito escondida. – Trudy argumentou. – Devemos ficar quietos e ela não vai encontrar. É só dar tempo e ela vai embora assim como os outros.

– Ela não vai desistir. Precisamos acabar com ela antes que ela acabe conosco! – Aaron insistiu.

Havíamos passado a noite em vigília, atormentados pelo silêncio depois da grande movimentação de helicópteros e carros. Quando tudo parecia ter acabado, o som de um único motor rugiu acima de nós. Andy e Brandt foram até o lado de fora e descobriram que a buscadora montava acampamento nas proximidades, ela estava chegando perto. De verdade.

Ficamos atentos, cada um com seus pensamentos até o dia raiar, quando apenas alguns deles voltaram. Com mais cautela, durante a luz do dia, os rapazes saíram novamente e camuflaram um posto de observação. Aparentemente, os outros buscadores haviam desistido por definitivo da caçada e tentavam convencê-la do mesmo. No entanto, ela parecia irretratável. Continuou sozinha, corria pelo deserto e até mesmo subia algumas das montanhas.

A situação nas cavernas estava realmente tensa. Não havíamos feito as refeições, porque não podíamos cozinhar e os estoques de suprimentos estavam escassos. Jared, Ian, Kyle e Peg haviam saído em uma incursão já fazia dias. O trabalho no campo ficou impossibilitado, o que não ajudava a acalmar os ânimos. Então nos reunimos na sala de jogos para discutir o que poderíamos fazer. Wes e eu estávamos sentados mais ao canto observando enquanto todos exaltavam suas opiniões sobre como deveríamos lidar com a buscadora. A buscadora de Peregrina.

– Jeb, nós não podemos arriscar os que estão lá fora. Se ela não for detida, quando eles voltarem, podem acabar se confrontando com ela. Ela tem uma arma, eles não. – Andy salientou. Como se a situação não fosse difícil o bastante ele ainda adicionou aquele lembrete.

– Ou podem não perceber a presença dela e denunciar nosso esconderijo. – Paige acrescentou num sussurro.

Todos os rostos se voltaram para Jeb que estivera extremamente silencioso durante toda a discussão. Ele tencionou os ombros e respirou profundamente. Então ficou de pé, recomposto.

– Acho que não temos outra escolha. Vamos esperar que anoiteça e ela volte para o acampamento. Então a cercamos e... Bem, faremos o que for preciso. Quem está dentro?

Aaron e Brandt levantaram-se ao mesmo tempo. Andy fez o mesmo apesar de Paige tentar segurá-lo. Senti Wes mexer-se a meu lado, mas não percebi que ele ficava de pé até que fosse tarde demais.

– Não! – Eu assobiei, puxando seu braço e ele segurou minha mão apertando meus dedos sem, ao menos, me encarar. Ele continuou de pé. Mais algumas pessoas se voluntariaram, e então, eu me levantei também. Wes encarou-me pálido.

– O quê...?

– Jamie, sente-se. – Jeb suspirou e nos voltamos para o menino que fez um bico emburrado enquanto Trudy o arrastava para baixo novamente. – Vamos nos preparar então...

As pessoas começaram a sair. Eu mantive a postura imparcial, apesar de sentir que Wes me encarava confuso com seus próprios pensamentos. Quando iniciei minha retirada atrás dos outros ele segurou meu braço e me puxou para um canto.

– O que você está fazendo, Lily? Você não pode ir.

– Eu não vou, se você não for. – Declarei simplesmente. Ele me encarou e a inconformação queimava em seus olhos negros.

– Lily... – Ele soltou um suspiro angustiado, segurando meu rosto em uma das mãos. Ele não podia dizer que não iria. Então, ele não poderia me deter.

– Eu... Parece bobagem, mas não tenho um bom pressentimento... Quanto a esses planos. Por favor, Wes, não quero que vá. – Minha voz soava embargada.

– Não, Lily. Não vá você... Vai dar tudo certo. – Mas eu não tinha muita certeza disso, e a voz dele indicava que ele também não. Ele me puxou para si, abraçando-me com força, tentando esconder uma ansiedade que eu podia sentir na sua respiração.

– Sabe que não importa o que você diga, se você estiver lá, eu estarei? – Disse aconchegando meu rosto em seu peito para aspirar seu cheiro. Ele expirou lamentoso.

– Sim. – E deu um beijo junto a meu ouvido com um suave estalido.

Passamos o resto do tempo antes do anoitecer reunindo nossas “armas” mais variadas. Algumas pessoas tentavam manter o humor leve pelas galerias, mas a situação não permitia muitas mudanças. Geofrey e Heidi ofereceram-se para vigiar a buscadora, esperando até que ela assentasse no acampamento.

– Vamos cercar a tenda. – Jeb nos explicava a estratégia. – Aaron e Brandt, vocês vêm comigo, e os outros montam guarda do lado de fora. Vamos desarmá-la, desacordá-la com clorofórmio e acertar as coisas. Vai ser fácil.

“Fácil. Tá bom.”

Tentei afastar aquela sensação e pensar com otimismo. Não estava tendo muito sucesso.

Algum tempo depois os sentinelas voltaram. A buscadora havia acampado, e parecia bem cansada. Acendeu uma fogueira, comeu e ficou sentada do lado de fora, atenta, por algum tempo. Então ela se recolheu.

– Esperamos mais um pouco para ter certeza de que ela estava dormindo. – Concluiu Geofrey.

– A arma? – Aaron quis saber.

– Está com ela na tenda. – Heidi respondeu e um calafrio percorreu minha espinha.

– Vamos lá. Não podemos perder tempo. – Jeb murmurou finalmente. Fomos pela saída sul, não pela entrada principal. Demos a volta pelo lado oeste, silenciosamente, alguns metros abaixo avistamos os últimos resquícios da fogueira e o abrigo. – Cerquem a tenda. Espalhem-se com cautela. – Jeb ordenou calmamente. Fizemos o que nos foi dito, sempre com as armas a postos. Aaron e Brandt seguiram Jeb e eles entraram sorrateiramente.

O sossego perpetuou no deserto.

Deveria ter sido fácil.

Um disparo feriu o silêncio, depois outro e mais outro. Aquilo me deu certa angustia, então olhei para Wes e ele me sorriu. Estava acabado, voltaríamos para casa em segurança. De repente, um grunhido de raiva, mais um disparo e um grito dilacerado estilhaçou essa minha certeza. O pânico pressionou minha cabeça de tal forma que levei um tempo para imaginar o que estava acontecendo.

–Brandt! – Aaron gritou. Todos nos aproximamos assustados da tenda com armas a postos e ouvimos corpos se debatendo. Foi quando ela saiu desesperada pela fenda, meio grogue. Cambaleou a diante, até perceber que estava cercada. Aquilo a deixou, claramente, aflita.

Ela levantou o revolver e atirou na escuridão, nos abaixamos por instinto e Andy atirou o porrete de madeira que carregava, acertando-a abaixo do joelho. A buscadora vacilou e ainda deu mais dois tiros antes de cair no chão e perder a posse da arma.

Aquilo estava me apavorando. A penumbra da luz pálida e fraca de uma lua minguante deixava tudo mais arriscado. Wes sumiu do meu lado e eu fiquei ainda mais aflita rodopiando a sua procura. Vi Aaron sair da cabana arrastando Brandt que tinha uma mancha escura enorme no ombro da camisa.

– Wes! – Eu soltei num grito surdo. “Onde está Jeb?”

Apertei os olhos, tentando apurar mais a vista. Foi então que vi Wes correr na direção do revolver, ao mesmo tempo em que a buscadora levantava-se com o mesmo intuito. Fiquei a beira da insanidade. Tentei meio que correr e rastejar até ele, escorregando no terreno arenoso.

– Wes...

Alguém jogou uma faca na direção da buscadora errando por uns bons 10 centímetros. Não dava pra contar com pontaria naquela escuridão. Vi uma silhueta mais próxima da buscadora avançar sobre ela, que rodou o corpo atingindo a figura em cheio com a perna curta. Andy soltou um gemido e escorregou nos pedregulhos deixando-a escapar.

Ela alcançou o revolver antes de Wes e ele atirou a pá nas pernas da buscadora, para distraí-la. Com agilidade o corpo pequeno deu um salto livrando-se do impacto. Wes havia se abaixado nas sombras; ela girou o revolver naquela direção e eu não consegui gritar, tamanho foi o meu desespero, enquanto eu escorregava pateticamente para vencer a distância entre mim e ele.

Foi nesse momento que Jeb saiu cambaleando da tenda, empunhando a velha espingarda. Isso chamou a atenção da buscadora que girou levemente a pontaria para aquela direção. Wes agarrou um punhado de areia e o atirou no campo de visão da buscadora.

O resto aconteceu num flash barulhento, caótico, destruidor.

– WES!!! – Eu esbravejei, uma tempestade de incredulidade e aflição irrompendo do meu peito. Mal sei como acabei de chegar até ele. Caído, os seus olhos negros assustados fitando o infinito acima. – Wes... Wes, Wes...

Minha mão tremula acariciava seu rosto. Ele me focalizou brevemente, ergueu a mão num último esforço e pôs sobre a minha, seus lábios mexeram sem formar palavras e seu olhar ficou vazio. Seu toque escorregou e o líquido quente que jorrava do buraco no alto de sua testa banhou meus dedos.

– NÃO! Não... Wes, não! – Beijei sua face que perdia a expressão, beijei seus lábios que perdiam a cor. Estavam cobertos de areia já. Torrentes de lágrimas e gemidos irromperam de mim enquanto eu me agarrava ao corpo dele. – Wes... Wes, Wes...

Escutei um clique e ergui, relutante, o olhar. Ela estava acima de mim, não muito distante. A arma me tinha na mira. Ela apertou o gatilho. Eu clamei pra que também fosse levada, mas nada aconteceu. Andy envolvera o pescoço dela numa gravata, tirando-me da mira. Também não havia mais munição. “Muito conveniente.” E tudo o que me restou foi lamentar, infinitamente, algo que me dilacerava por dentro, com a intensidade de um choque entre galáxias.

Ela gritava, esbravejava, se debatia presa por alguém, durante minutos infindáveis! Então ela se calou. Alguém a havia silenciado. Talvez a tivessem anestesiado, talvez a tivessem matado. Violentamente, eu desejei que fosse a última opção.

– Wes... Wes... Wes... – Eu gemia mais e mais, debruçada sobre ele. Minhas mãos acariciando as suas, tentado aquecê-las inutilmente. – Wes.... Wes, por favor... Por favor... Wes...

Não sei quanto tempo permaneci ali, gemendo o nome dele. Segurando suas mãos, tentando trazê-lo de volta. Mal ouvia os murmúrios ao redor. “Precisamos levar o Brandt para o Doc...”, “Está quase amanhecendo, temos que entrar...”, “Vamos prendê-la no armazém? Como fizemos com Peg?” Eu tremia. Não queria abandoná-lo. Não podia ficar sem ele. No entanto, a cada fração de tempo que eu tinha seu corpo inanimado junto ao meu, eu sentia meu mundo tornar-se frangalhos enquanto a verdade me golpeava.

– Lily? – Alguém sussurrou em meu ouvido. Heidi. – Lily, vamos. Temos que entrar.

Não muito longe os outros discutiam. “Enterramos Wes agora? Ou esperamos até que anoiteça?”, “O sol sairá em breve, convém arriscar?”, “E se alguém estiver esperando a buscadora entrar em contato?”. Heidi retirou meus dedos dos de Wes cuidadosamente, puxando-me para longe dele.

Não resisti. Não havia mais forças para lutas em mim.

“Wes...”

Era tudo em meus pensamentos, não havia mais palavras. Eu não sabia o que os outros haviam decidido. Eu... Não me importava.

– - - ### - - -

Foram tão breves os segundos que me tornaram leve e sem rumo como os grãos de areia que submetem-se ao vento e ao sol lá fora, no deserto. Sou fragmentos que buscam uma razão para refazerem-se. Sim. Sinto que devo buscar um novo sentido para essa história incongruente que vivo, cheia de fins e recomeços. Prosseguir é tudo o que me resta, afinal qual seria o propósito para eu sempre ficar?

Acho que, de certa forma, eu sempre tive alguma vontade. Algum dia o fim haverá de chegar para mim. Talvez, nesse dia, eu nem saiba reconhecê-lo; talvez essa minha expectativa, e até relutância, foi o que sempre o afugentou. Hum... Talvez ele só esteja aperfeiçoando a prática da surpresa.

Não vou conseguir calar essas lembranças, mas posso fortificar-me nelas.

Fito a escuridão da fonte por um tempo. Levanto enxugando o rosto, já com a respiração controlada. Prossigo pelo corredor, de volta aos meus amigos e à minha vida que não é mais a mesma, que é incompleta, mas clama por ser vivida. Vou para a sala de banhos e tomo um tempo para revigorar a vontade e me certificar que a mente continuará calma por algum tempo. Parece que as lembranças também se cansam.


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Notas finais do capítulo

Okay, gente... é assim que penso ter sito tão fatídico dia. Não foi fácil imaginar, menos ainda escrever... espero que tenha ficado (penadamente) satisfatório.



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