Catarse escrita por RafahAmorim


Capítulo 2
Amigos de novo


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem desse capítulo tanto quanto eu gostei.



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George caminhou calmamente até o Três Vassouras. Poderia ter aparatado na porta do pub, mas preferiu seguir a pé os metros finais para apreciar a paisagem. Há quanto tempo não vinha ali? Não se dera conta do quanto sentia falta de ir a algum lugar além do seu flat, da Toca e da loja, até chegar à Hogsmeade.

O vilarejo era quase o mesmo, com exceção de alguns antigos estabelecimentos que foram reformados, e de outros novos que ocupavam o local.

Ele chegou à porta do bar e entrou. Olhou para o balcão e comprovou que Madame Rosmerta continuava a mesma assim como sua propriedade. Numa mesa distante, ele reconheceu Lee, Oliver, Alicia e Katie. Sorriu involuntariamente. Era realmente bom rever os amigos.

“George!” exclamou Lee animado assim que o viu.

O rapaz foi até eles. Houve um silêncio constrangedor no primeiro momento. George ficou sem graça e não pôde deixar de notar a compaixão instalada no rosto de todos eles. Lee levantou-se.

“George, é bom te ver!”, saudou estendendo o braço. Katie pronunciou-se em seguida.

“Quanto tempo!”

Todos o cumprimentaram e o clima ficou um pouco mais suave.

Angelina chegou minutos mais tarde. Alicia ergueu-se entusiasmada ao rever a velha colega de escola. As duas abraçaram-se.

“Pensei que tivesse se esquecido dos amigos agora que é uma grande estrela de Quidditch.”, disparou depois de voltar ao seu lugar. Apesar do comentário, seu sorriso era gigante.

Angelina revirou os olhos e sentou-se ao lado de George após cumprimentar todos os outros presentes.

“Oi.”, disse quase surrando virada para ele. George limitou-se a sorrir em resposta. Estava feliz com a sua vinda. Fizeram seus pedidos e uma conversa descontraída se iniciou. Era quase como nos velhos tempos.

Quase.

O assunto Fred era tabu. Agiam como se houvesse um acordo pré-estabelecido de não mencionar aquele nome. Obviamente, todas as histórias e travessuras que estavam relembrando tinham o ruivo no meio, no entanto tomavam o cuidado de contornar sua presença.

George não sabia se sentia incômodo ou alívio com esse comportamento. Queria que seu irmão estivesse na conversa, ao mesmo tempo em que deseja evitar mais constrangimentos. Colocou-se, pela primeira vez, no lugar de seus amigos. Lidando com uma pessoa que perdera alguém tão próximo, com certeza também optaria por evitar o assunto.

Mas que droga! Seus amigos não estavam em seu lugar! Ele tinha o direito de sentir-se aborrecido, não tinha? Ou talvez, fosse melhor assim. Ele não saberia medir sua reação caso o nome "Fred" fosse pronunciado. Nunca havia conversado sobre isso com ninguém.

George odiava aquilo. Antes, quase nada o tirava do sério, e dificilmente ele ficava confuso ou indeciso. Essa era uma das muitas coisas que mudara em si. Sua confiança e seu poder de tomar decisões estavam abalados.

Decidiu, por fim, ignorar o assunto. Não queria que notassem a batalha que travava em sua mente. Tinha que esquecer, pelo menos por um momento, a merda que sua vida era. Ele viera pra se divertir, não viera?

“Ah, nem me lembre!” exclamou Katie tirando George de seus devaneios. Levou um instante para perceber que falavam de Umbridge. “Aquela velha sapa! Por falar nisso, George, eu nunca tive oportunidade de dizer o quanto aquele pântano foi sensacional. Meus parabéns! A cara daquela mulher foi impagável.”

Lee, Alicia e Katie riram ao lembrar-se daquele lendário momento em Hogwarts. George deu um leve sorriso. Boas memórias, mas que traziam muitas dores. Olhou para o lado e percebeu que Angelina abaixara a cabeça como se estivesse procurando algo em sua bolsa. Ele reparou que ela ficara silenciosa durante toda a recordação, rindo uma vez aqui e outra ali. Perguntou-se o que a estaria incomodando.

“Ainda bem que não estive lá durante o regime daquela mulher.” Oliver pronunciou-se.

O assunto passou de atos de desobediências no período escolar para a profissão atual. Katie relatou brevemente os casos mais bizarros que ela presenciara durante o tempo em que trabalhava no setor de Vírus Mágico, em St. Mungus. Alicia, que trabalhava no Departamento de Cooperação Internacional em Magia, relatou as incríveis viagens que tinha feito e as histórias engraçadas que aconteceram durante elas. Lee falou, como se ninguém soubesse, a respeito do seu trabalho de locutor oficial dos jogos de Quidditch.

A conversa partiu para o esporte e Oliver começou a falar a respeito. Pela primeira vez, Angelina pronunciara-se. Ela e o goleiro começaram uma discussão acalorada e bem-humorada. Oliver jogava pelo Puddlemore United e era adversário dela em campo. Não havia rivalidade entre eles, ainda assim, isso não os impedia de alfinetar um ao outro por diversão.

“Você nos subestima muito, Wood.”, disse Angelina em dado momento da conversa. “Diz isso só porque não aceita o fato de que um time com somente componentes femininos possa ter ganhado a Liga.”, provocou.

“Isso não é verdade, Angie.” Oliver retrucou também sorrindo. “Eu sempre dei o devido crédito a vocês.”

“Ah, sim, com esse discurso de ‘com o charme de vocês é difícil se concentrar no jogo’, com certeza está dando crédito às nossas habilidades esportivas.”, ironizou.

As Harpies eram consideradas as jogadoras mais bonitas da Liga. Angelina e Ginny eram as musas do Quidditch. Angelina parecia não gostar do título, assim como Ginny não gostava, George sabia. Sua irmã dizia que não queria ser reconhecida por seus atributos físicos. Angelina parecia compartilhar da mesma opinião.

“Tudo bem, Angel. Vocês são sensacionais em campo. Mas, convenhamos, a aparência de vocês nos distrai. Você e Ginevra são...” de repente, como se lhe ocorresse que o irmão da apanhadora dos Harpies estava presente, Oliver parou. “Desculpe, George.”

George deu de ombros, sorrindo. “Tudo bem, só não deixe Harry ouvir isso.”

Todos riram ao ver a cara de choque do rapaz. Aparentemente, ele também havia esquecido que Ginevra era namorada do Eleito. “Não diga nada a ele.”, murmurou emburrado em meio aos risos.

Continuaram conversando, divertindo e provocando um ao outro sem notarem a hora passar. Alicia foi a primeira a se levantar para ir embora.

“Mas já?” protestou Katie.

“Acordo cedo amanhã. Tenho uma reunião com os assessores do Ministro da Polônia.”

Algum tempo depois, foi a vez de Oliver alegar que teria uma reunião com seu treinador no dia seguinte. Ficaram os quatro até que George percebeu o flerte entre Katie e Lee.

“Bem, acho que nós sobramos aqui.”, sussurrou ele para Angelina, indicando com a cabeça os amigos que pareciam ter esquecido a presença dos outros dois. O clima estranho entre George e a morena dissipara-se durante a conversa.

“Parece que sim.” Angelina sorriu. “Quer deixar os dois a sós?” Trocaram um olhar, concordando em silêncio.

“Er, Katie, Lee, nós já vamos.”, anunciou a moça enquanto pegava sua bolsa.

“Já?” Katie repetiu saindo de seu transe.

George riu ao ver seu rosto ficar vermelho.

“Sim, vocês parecem precisar de espaço.” Angelina falou segurando o riso. Ela e George colocaram sua parte da conta na mesa, assim como Alicia e Oliver haviam feito, e saíram antes que os dois pudessem protestar.

Quando chegaram à rua, Angelina finalmente gargalhou.

“Você viu a cara deles?” soltou em meio aos risos. George que, ao ouvir a risada bonita e contagiante, gargalhou também — como há muito não fazia — , concordou com um aceno de cabeça.

Foram andando até que a risada cessou. Caminharam em silêncio, aproveitando o clima agradável de final de junho.

“Hum.” Angelina pigarreou sem olhá-lo. “Você vai realmente embora ou...” Ela deixou a frase suspensa.

“Não, quer dizer, eu não pretendia.”

“Poderíamos ir ao Caldeirão Furado e beber alguma coisa.”

“Tenho uma ideia melhor.” George parou de andar e se virou para Angelina. Estendeu a mão para ela e acrescentou ao ver seu olhar interrogativo. “Venha.”

“Pra onde?”

“Você vai ver.”

Ela apertou sua mão ainda hesitante e os dois aparataram.

Estavam no Beco Diagonal. Seguiram até pararem em frente à Gemialidades Weasley. George percebeu que ainda estavam de mãos dadas. Sentiu seu rosto esquentar, mas ela não parecia ser avessa ao contato. Puxou uma chave grande e abriu a porta da loja. Entraram no estabelecimento, e ele a guiou até as escadas que levavam ao seu pequeno apartamento. Com um aceno de varinha, o ruivo acendeu a luz. A escada que conectava a loja ao apartamento dava para a cozinha.

“Desculpe a bagunça.” Disse ao ver o estado de seu apartamento. Não que ele já não soubesse, mas a desorganização lhe passou despercebida quando não havia visitas.

“Tudo bem.” George ouviu a risada dela. “Eu não esperava outra coisa para ser sincera.”

Soltaram as mãos.

“Você pode ir pra sala, enquanto...” Ela assentiu sem esperá-lo terminar. O apartamento era minúsculo e a porta para a sala ficava logo a frente, não era preciso um guia. De qualquer forma, ela já havia estado ali antes.

George acenou algumas vezes com a varinha. Um copo que estava quebrado reconstruiu-se ao mesmo tempo em que vários objetos voavam aos seus devidos lugares. Ele pegou algumas garrafas de Firewhiskey que estavam no armário em cima da pia e dirigiu-se a sala.

Angelina estava no sofá com um olhar distante.

“Angie...” George lhe entregou a bebida e sentou-se ao seu lado. Não sabia exatamente porque usara seu apelido do tempo estudantil. “Você está bem?”

Ela aceitou a garrafa.

“Estou, é só que...” ela olhou para ele surpresa, como se algo inesperado lhe ocorresse. “Eu deveria estar lhe perguntando isso!”

“Não, eu...”

“Como você está?”

“Estou bem, eu...”

“Por favor, George.” disse exasperada. “Diga a verdade.”, sussurrou olhando intensamente. George deu-se conta que, ao contrário das pessoas, Angelina não o olhava com pena e compaixão. Havia outro olhar; um olhar de entendimento, como se ela soubesse exatamente pelo o que ele passava.

“O que você acha?” bufou carrancudo, afundando-se no sofá. Angelina sentou-se também. Ele fechou os olhos. Ninguém nunca havia perguntado isso a ele. Ou melhor, ninguém pedira a verdade. Ele dizia que estava bem e as pessoas fingiam acreditar. Era assim que funcionava.

“Alguns dias são melhores que outros.” Finalmente respondeu com um fio de voz. O silêncio reinou por mais alguns instantes. Pela primeira vez, não era uma quietude desagradável e constrangedora.

“Eu também sinto falta dele.”, a moça sussurrou após longos minutos.

“Ele ainda era apaixonado por você.” George declarou ainda de olhos fechados. Sentiu-a olhando em sua direção, não precisava ver para saber que seu rosto estava em choque. Lembrava-se da última vez que eles tinham visto Angelina antes da Batalha.

Ela viera pouco antes dos gêmeos fecharem a loja. Na ocasião, George estava no balcão quando a garota apareceu. Conversaram por breves instantes e ele indicou o apartamento, dizendo-lhe que Fred estava fazendo alguns pedidos lá em cima. Meia hora depois, quando George fechara o estabelecimento para o almoço e subira para encontrá-los, os viu aos beijos no mesmo sofá que se encontravam agora.

Ele não quis atrapalhar e desceu sem ser notado. Os dois retornaram minutos depois fingindo que nada além de uma conversa causal entre amigos acontecera. George também fingiu não ver nada. Ele nunca chegou a comentar o caso com Fred, mas percebeu a mudança de comportamento do irmão depois disso. Seu gêmeo ficara mais calado, distante, pensativo. George entendeu na hora que ele nunca deixara seus sentimentos por Angelina para trás.

Começaram a sair logo após o Baile de Inverno. Namoraram durante um ano, até que Fred pediu um tempo. Fora pouco antes dele e do irmão fugirem da escola. Não reataram, mas tinham recaídas de vez em quando. Como naquela vez.

“Nós nos falamos em Hogwarts, durante a Batalha. Ele disse que... disse que nós tínhamos que conversar depois que tudo acabasse.”

George ouviu o seu choro baixinho e abriu os olhos.

“Você ainda gostava dele, não é?”

Ela não respondeu e, num impulso, George deixou sua garrafa no chão e sentou-se mais perto dela, puxando-a em sua direção. Ela aninhou-se em seu peito e ele sentiu as grossas lágrimas molhando sua camisa.

Então era por isso. Era por isso que ela sumira durante os últimos três anos. Também era doloroso demais para Angelina lidar com aquilo tudo. Provavelmente, Quidditch havia sido a sua válvula de escape assim como a bebida era a de George.

Ele não acompanhara mais o esporte, mas não podia deixar de ouvir os comentários a respeito do desempenho da garota, e de como ela desenvolvera-se ao ponto de ser considerada a melhor artilheira da Grã-Bretanha e ainda estar concorrendo ao título de melhor do mundo na Copa que ocorreria no próximo ano.

Ele também pensou no quanto ela devia ter sofrido quando os gêmeos haviam fugido da escola. Pela primeira vez, George sentiu pena de alguém além de si mesmo. Isso poderia soar um pouco egoísta, afinal, seus pais perderam um filho, e não era só ele que havia perdido um irmão. Tinha plena consciência de que seus outros irmãos também sofriam, mas sabia que não sentiam o que ele sentia.

Havia uma conexão diferente. Conexão essa compartilhada apenas entre os gêmeos. George percebeu que Angelina também possuía uma ligação forte com seu irmão. Não era a mesma, todavia o rompimento deveria ser quase ou tão doloroso quanto o dele.

George então entendeu tudo o que o seu irmão nunca teria. Uma carreira brilhante no ramo dos logro, — a loja fazia sucesso quando ele estava vivo, mas ainda não despontara — uma mulher, um casamento feliz, filhos, velhice.

Se seu irmão não poderia ter nada daquilo, ele também não teria. Uma vida de reclusão seria a opção mais justa para honrar sua memória. No entanto, por hora, se permitiria chorar junto da garota dos sonhos de seu gêmeo.


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