As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Capítulo 08 :D
De novo, quero agradecer a todos que acompanham a fic. Adoro vocês :3
Também queria avisar que as minhas aulas vão começar logo TT-TT, e que talvez eu não poste com tanta frequência. Mas eu ainda vou escrever!!!



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Capítulo 08

Aquele em que Rin ganha uma arma.


Os fantasmas trabalhavam em montar um altar de madeira retirada de portas, móveis ou molduras de retratos da princesa. Seria uma cerimônia memorável.

Nenhum deles ainda tinha esperanças que alguma alma viva entraria na cidade, e até que elas foram sábias no começo, nem caíram nas armadilhas na cidade (a cesta de comida ou diamânte). Quem diria que entrariam justamente no castelo, como ratinhos que vão diretamente para a ratoeira.

E eram bem bonitas, ainda por cima. Apesar de ser um tanto magra e baixa, a mais nova, inegavelmente, tinha seus atrativos. Não seria difícil encontrar homens que as seguiriam para onde quisessem, especialmente a morena.

Os pedaços de madeira flutuavam até o local desejado. Montavam o palco circular onde tudo ocorreria no coração do castelo, uma área retangular que um dia fora um jardim interno, com vista para o céu. Os espíritos trabalhavam apressadamente.

Seus passos não ecoavam no chão, pois não havia passos para ecoar. Nenhum deles lembrava como era a sensação de estar vivo.

Mas lembravam-se da maldição. Como lembravam. Tudo culpa da maldita bruxa e da maldita princesa! Eles morreram magros e desnutridos, sem sentir fome alguma. E tornaram-se espíritos ainda mais magros e ainda mais desnutridos.

Esses espíritos, porém, estavam famintos. E nunca mais sentiriam fome de novo.


. . .


 Meiko olhava para o teto de marmore com pinturas de anjos em seu quarto. Ela estava cansada, tentou de todos os jeitos achar uma maneira de escapar, mas aquelas aberrações transparentes pensaram em tudo.

Tentava culpar Rin por tudo o que estava acontecendo, mas não conseguia ficar com raiva dela. Afinal, a menina deveria estar se sentindo tão mal quanto ela própria.

As portas de seu quarto (ou deveria dizer cela?) foram abertas, e alguns segundos depois Meiko se viu com uma lança pressionando de leve sua garganta. Uma armadura sem cavaleiro vestindo-a empunhava a arma.

Vamos logo, levante-se! Foi um fantasma que falou. Não me obrigue a te machucar!

Meiko sabia que não ia ser morta, um fantasma lhe explicou tudo o que iria acontecer, meia hora depois de ela acordar. Precisavam dela viva. Mas, mesmo assim, preferia não dar-lhes um motivo para a ferirem desnecessáriamente, por isso obedeceu.

Ela imaginava como se sentiria depois da tal “limpeza de mente”. Será que apagaria e teria a sensação de estar morta? Ou conseguiria ver o que estava fazendo, sem ter controle do próprio corpo?

Ela pessoalmente preferia a primeira opção.

O fantasma caminhava na frente, guiando-a, enquanto a armadura flutuante ia atrás, cutucando-lhe as costas com a lança de vez em quando. Passaram por vários corredores e portas, até que se encontraram com outro grupo. Entre outro fantasma e cavaleiro sem corpo, ela pôde ver um laço preto conhecido.

Rin!

Meiko nunca teve tanta dúvida se deveria abraçar ou estrangular alguém.

Antes que ela pudesse fazer qualquer um dos dois, a armadura que escoltava Rin a empurrou indelicadamente com o escudo na direção de Meiko. A loura desequilibrou-se, mas não caiu, e logo eles estavam andando de novo. O destino continuava desconhecido para elas.

Com o canto dos olhos, podia ver Rin andando ao seu lado. Ela parecia estranhamente calma, e a morena imaginou se ela não havia sido drogada ou algo do tipo. Mas não conseguia pensar em nenhum motivo para os fantasmas o terem feito. Rin não parecia potencialmente perigosa.

Elas desceram uma infinidade de escadas, atravessaram uma infinidade de portas e foram cutucadas com lanças uma infinidade de vezes. Quando Meiko estava a ponto de perguntar para o espírito quanto tempo levaria para chegarem sabe-se lá onde, eles dobraram um corredor e abriram uma porta dupla gigantesca, que dava para uma área descoberta do castelo.

As armaduras ocas as empurraram com os escudos. O som fez vários fantasmas se virarem para olhar diretamente para elas. Eles se aproximaram e formaram uma roda ao seu redor. Tentavam tocar seus cabelos ou seus rostos como se elas fossem suas deusas, mas as mãos as atravessavam, e só o que sentiam era um pouco de frio na pele.

Dessa vez, Rin parecia tão incomodada quanto Meiko. Então ela não estava drogada.

Eles só pararam de tentar tocar-lhes o rosto quando uma fantasma os fez abrir caminho. Pelo jeito que eles a obedeciam, ela só podia ser a chefe.

Saudações, humanas. Sua voz era tão sem emoção quanto a dos outros. Fico muito feliz em vê-las. Percebo que já aceitaram seu destino, e que não tentam mais fugir. Bom, apenas gastariam suas energias.

Lá ao longe, elas avistaram um palco de madeira com pelo o menos um metro e meio de altura.

É lá que será realizada a limpeza da mente. A chefe explicou, seguindo seu olhar. É madeira nobre, vinda dos móveis e portas do castelo. Sintam-se honradas, fizemos tudo isso para vocês.

Para a surpresa de Meiko, Rin ajoelhou-se em reverência.

– Sim, estamos lisonjeadas – definitivamente, Rin havia sido drogada -, porém, tenho um último pedido.

Levante-se. A menina obedeceu. Que último pedido?

Ela limpou a garganta.

Creio que nunca ouviram falar de mim – fez uma pausa dramática – Meu nome é Rin Casaco Marrom. Sou bastante famosa no ramo de entretenimento. E, como último pedido, quero apresentar-lhes meu mais famoso número. É uma bola de fogo voadora, parece com fogos de artifício.

O que são fogos de artifício? Um dos fantasmas indagou, e os outros concordaram, com a mesma dúvida.

Rin mordeu a parte de dentro da bochecha, pensando na melhor maneira de explicar.

– São bolinhas de fogo que se desdobram nos céus, formando vários mantinhos flamejantes – ela mentiu, e a morena percebeu isso. Rin tinha um plano – Porém, a que eu farei, é muito maior.

A fantasma chefe não disse nada, parecia em dúvida.

– Não terão uma chance como esta de novo – Rin insistiu – Eu me apresento para as mais ricas cortes. Todos eles ficam admirados com minhas habilidades.

Tudo bem, tudo bem. A líder tomou sua decisão. Pode fazer seu showzinho uma última vez. Um pouco de diversão não faz mal.

As armaduras forçaram Rin a subir no altar, Meiko foi levada à base do palco. Sua expressão era de pura confusão. A menina não a culpava, também ficaria extremamente intrigada com a situação se seus papéis se invertessem.

Sua platéia transparente já estava organizada perto do palco redondo, parecia que todos os fantasmas estavam lá, tanto os da cidade quanto os do castelo. Ela coçou a cabeça e começou a explicar.

– Escutem, este, sem dúvida, é meu número mais famoso. Entretanto, é muito curto e rápido. Peço toda a atenção de vocês, só o farei uma vez e apenas um–

Vamos logo, temos pressa e fome. Um dos fantasma a cortou, sua voz desinteressada nunca se alterando.

– Tudo bem, então – Rin tirou do casaco um bolo de tecido cinza. Aliás, foi um alívio tirá-lo de perto das roupas, estava molhado e a fazia sentir frio.

Com as mãos, fez com que o amassado de pano ficasse com mais ou menos o formato de uma bola. Tirou de um dos bolsos um isqueiro e o aproximou do pano molhado. Apertou o botão, primeiro a faísca e depois a chama.

Como ela faz fogo com a mão? Um dos espíritos perguntou.

Magia. Foi a única explicação que o outro encontrou.

Tisc. Eles nem conhecem um isqueiro, Rin riu na própria mente, Deveriam ver o que Meiko consegue fazer.

Deixou o fogo tocar um fiapo que caía para fora da bola. A chama se espalhou com facilidade, e a menina lançou a bola de fogo para cima, o mais forte que podia. A bola, muito antes de atingir a altura máxima, já estava ardendo em chamas e, quando chegou em seu apogeu, desdobrou-se em um manto amarelo, laranja, vermelho e um pouquinho azul.

Os fantasmas não tiravam os olhos da explosão de cores no céu, seguindo o conselho de Rin. Se você prestasse bastante atenção, poderia ver a forma de um vestido pegando fogo, mas eles não perceberam isso.

No entanto, as labaredas não apagaram-se antes de cair novamente no altar de madeira e, como você já deve saber, o fogo é uma coisinha insaciável, que sempre procurará um novo alimento.

Não demorou muito para o palco inteiro arder em chamas. E para o horror dos espíritos, não havia sinal de suas escravas.


. . .


Rin e Meiko corriam o mais depressa e silenciosamente possível no escuro. A menina havia entregado tufos de algodão à aliada, para que, caso os fantasmas tentassem mais uma vez as fazer dormir, não haveria problemas. Contudo, tornada difícil saber quanto barulho estavam fazendo ou se alguma coisa estava se aproximando.

Não sabiam para onde estavam indo, só queriam ficar longe da multidão de fantasmas. Sua situação era desanimadora; agora tinham que achar a coroa e suas coisas. Abriam portas sempre que possível, numa tentativa de recuperar seus pertences.

E, quando dobraram um corredor que Rin achava que já tinham passado antes, foram recebidas por uma armadura oca com uma tocha na mão, armada com uma espada. Rin olhou por cima do ombro, apenas para ver um fantasma sorridente, olhos sem pupílas brilhando à luz da tocha. Maldição, as encontraram.

Rin escutou um grito de alerta abafado de Meiko e, quando voltou a olhar para frente, uma lâmina vinha em sua direção, na diagonal. Tentou desviar pulando para trás, mas a espada abriu um corte considerável na área acima de sua cintura.

Não sabia se havia gritado muito alto, ou se sequer havia gritado, devido aos tampões improvisados. Ela percebeu, porém, que a armadura se movia muito lentamente. Quer dizer, pelo o menos nos padrões de um espadacim, e que ainda estava se preparando para dar o segundo golpe. Isso deu tempo de sobra para que Rin e Meiko dessem a volta nele e voltassem a correr.

O vestido de Rin estava ficando empapado com sangue, ela pressionava o corte com uma das mãos. Esperava que não perdesse a conciência em um momento como aquele.

Com a mão livre, tirou um dos tampões do ouvido, e escutou os passos metálicos de várias armaduras, seguindo-as. Xingou baixinho, recolocando o algodão, tinham que achar um lugar para se esconder.

E então, elas não perceberam a curva que o corredor fazia, mas, quando colidiram com a parede de marmore, ao invéz de serem jogadas para trás, parecia que haviam entrado em uma sala, como quando você vai de encontro a uma porta e ela se abre com o impacto.

Cairam de joelhos, as palmas das mãos impedindo que a testa fosse de encontro ao chão. Meiko foi aprimeira a virar-se e a tatear o ar. De fato, a parede era na verdade um porta escondida, que ela tratou de fechar de novo quando viu as luzes trêmulas das tochas dos fantasmas se aproximando.

Talvez aqui eles não nos achem, pensou.

Ela sentiu alguém colocar uma coisa em sua mão, e logo percebeu que era apenas Rin, lhe entregando o isqueiro. Tirou os tampões de ouvido.

– ...enda o isqueiro – a menina pediu.

Meiko o fez, e a câmara na qual estavam se escondendo foi iluminada por uma luzinha fraca. Olharam ao redor, surpresas. Não era uma sala tão pequena quanto achavam que fosse. Estava cheia de prateleira, estas entupidas com todo tipo de coisas valiosas, velhas e empoeiradas. Era uma sala de tesouros.

Então o olhar de Rin pousou em objetos que não estavam cobertos por teia de aranha.

– Nossas coisas! – exclamou. Sua mala, a mala de Meiko e, o mais importante, as espadas dela, estavam no chão, pois não cabia mais nada nas prateleiras.

– Pelo o vistos, esses fantasmas são uns bobos – Meiko trouxe os objetos mais para perto – Se tivessem um pingo de inteligência, teriam escondido nossas coisas bem longe uma da outra.

– Acho que eles nem achavam que nós escaparíamos, então pra quê se preocupar? – Rin abriu a mala da morena e de lá tirou uma garrafa com um líquido tranparente e um rolo de ataduras.

– Por falar em escapar, como você fez aquilo? – ela acendeu uma vela (a última que tinham) tirada da mala, e levou o fogo para perto do corte da loura.

– Aquilo o quê? – Rin colocou o lenço vermelho, antes amarrado no pescoço, na boca, para mordê-lo enquanto derramava um pouco do líquido no ferimento.

– Aquela bola de fogo – Meiko esclareceu – Como as chamas não se apagaram no ar?

– Ah – ela enrolava gaze no machucado – Eu consegui o vestido no guarda roupa. E, provavelmente, a dona do quarto gostava de beber. Eu encontrei um armário escondido cheio de uísque. Fiquei bastante feliz quando descobri que o altar era de madeira.

Ela levantou-se, o corte ainda doía, mas não sangrava mais.

– Tem que haver alguma coisa aqui que nos ajude – as espadas de Meiko, por mais que pudessem defendê-las dos ataques das armaduras ocas, de nada serviriam para deter um fantasma, e o sal também servia apenas para proteção.

– Quais são as fraquezas de um fantasma – a outra começou a listar – Não podem sair na luz do dia, não podem nos machucar com as próprias mãos...

– Luz! – Rin desenterrou de uma pilha de coisas feitas de ouro e prata um objeto redondo, mais ou menos do tamanho de um punho fechado.

– O que é is... – ela nem terminou de falar – É um amuleto da deusa da luz!

Rin concordou com a cabeça, maravilhada. Era difícil um deus conceder tamanha honra a um humano. A família real, em seus dias de glória, deve ter feito algo que agradou bastante a deusa.

A bola não era de diamânte, metal ou madeira. Parecia ser simplismente feita de luz, com ela, não seria necessário ter uma vela ou uma lanterna acessa. Era leve, mas não era oca. Letras que nenhuma das duas conheciam marcavam toda a extensão da esfera. Só conheciam o brasão da deusa, nada mais. Por mais que a luz fosse forte, não incomodava os olhos.

– Qual é o seu plano? – Meiko questionou – Já me convenci de que você é esperta como uma raposa. A responsabilidade de nos tirar daqui é toda sua.

– Meu plano é este – Rin depositou a esfera dentro de um cálice de metal ornamentado que encontrou no chão, e começou a esquentá-la com a vela.

Pelo palácio, por que está fazendo isso?! – a morena deu um pulo para trás, as mãos na cabeça, olhos arregalados – Você quer que os deuses em pessoa desçam até a Terra e esmaguem sua cabeça com um martelo?!

Rin observou o amuleto derreter lentamente, pelo o menos não era resistente ao calor.

– Asneiras – disse – Você conhece as regras divinas. “Blasfermar local ou objeto sagrado levará o culpado ser submetido à treze chicotadas de espinhos em chamas, amarrado à um poste coberto de formigas vermelhas; a menos que o tal o tenha feito por acidente, falta de conhecimento, por estar sendo ameaçado, ou para legítima defesa”.

A morena ainda não havia entendido.

– Legítima defesa – a menina repetiu.

– E como nós vamos nos defender com uma bola derretida? – Meiko estava ficando impaciente.

– Você vai ver – Rin examinou as prateleiras com os olhos – Pode pegar aquela lança para mim?

Meiko lhe entregou a única arma que havia lá. Era bem bonita, o cabo era de um preto fosco, que não refletia a luz, e a ponta, cerrilhada, com espinhos onde o cabo e ela se juntavam. Caso aquela coisa penetrasse na pele de alguém, a pessoa teria um belo trabalho para retirá-la.

– Espero que dê certo – murmurou Rin. Agora o cálice estava cheio de um liquido brilhante.

Ela mergulhou a ponta da arma dentro do líquido, e o despejou na parte que não ficou submersa. Logo a parte afiada da lança estava coberta de luz. Depois de esperar alguns minutos, Rin pressionou o dedo de leve na ponta, abrindo um buraquinho nele.

Pôs o dedo machucado na boca, satisfeita com seu trabalho. O líquido já havia endurecido, então pôs o copo de lado.

– Se isso não destruir fantasmas – foi em direção à porta -, eu não sei o que vai.

Meiko sorriu, impressionada.

– Eu subestimei sua inteligência, Casaco Marrom – elas estavam prontas para continuar a busca pela coroa – Agora começo a duvidar de que você realmente precise de minha ajuda.


. . .


Rin e Meiko escondiam-se atrás de um pilar de mármore. Esperaram um espírito passar por elas antes de voltar a andar. A lança provou seu valor, perfurava e derrotava fantasmas, devido ao amuleto da deusa da luz, mas seria cansativo e inútil lutar com todos os que aparecessem. Por isso deciriam apenas enfrentar os que realmente as trouxessem problemas.

Logo elas formaram uma estratégia; Meiko mantinha as armaduras ocupadas (os fantasmas também tinham mania de jogar facas ou outros matériais cortantes nas pessoas, e a morena também estava encarregada disso) e Rin cravava a lança na cabeça do espírito, fazendo-o desaparecer para sempre. E, consequentemente, a armadura se despedaçava, sem ninguém para controlá-la.

Mas elas ainda não faziam ideia de como chegar ao porão, se é que o túmulo ainda estava lá.

Ambas estavam exaustas e frustradas, e quando foram obrigadas a exterminar o vigésimo ou trigésimo fantasma (esse gostava de lançar móveis nas pessoas), Meiko desabafou:

– Isso é loucura, nunca vamos encontrar essa coroa. É como procurar agulha no palheiro. É melhor nós irmos embora, antes que desmaiemos de cansaço. E dessa vez, esses paspalhos transparentes não cairão nos seus truques.

– Como você pode dizer uma coisa dessas? Chegamos muito longe para desistir aqui e...

Ela continuaria a falar se o quadro da princesa Tei Espírito Nobre não tivesse começado a ondular, como se fosse feito de água. Apertou o cabo da lança até que suas mãos doeram. Do quadro, saiu mais um deles.

E esse, tanto Rin quanto Meiko reconheceram.

– Tei Espírito Nobre – murmurou.

Ela sorriu em resposta, mas não era um sorriso macabro. Era um sorriso triste. Usava um vestido típico de realeza, cheio de babados e enfeites. Em seu pesoço porém, marcas escuras e buraquinhos podiam ser vistos.

A loura deu um pulinho para trás quando a moça morta apontou para ela. Mas depois apontou para a própria testa.

– Ãh? – Rin não entendeu, e Tei repetiu a ação, dessa vez apontando para a lança – Você quer que eu te mate? – não conseguiu encontrar maneira melhor de perguntar, mesmo que a moça já estivesse morta.

Ela afirmou com a cabeça. Por que não falava como os outros?

– Por que? – perguntou.

– Talvez ela não queira mais ser fantasma – Meiko especulou – Ou será que é uma armadilha?

A princesa negou fervosamente com a cabeça, com as duas mãos abertas na frente do corpo, para mostrar que não estava cruzando os dedos. Ela queria mesmo que Rin a fizesse sumir. Então a menina teve uma ideia.

– Está bem, eu vou te libertar – se fosse possível, o rosto de Tei estaria iluminado agora – Mas, antes você tem que nos levar até sua coroa.

A fantasma já estava concordando com a cabeça antes mesmo de saber o que lhe seria pedido. Ela virou-se de costas e foi se afastando, as duas não sabiam se deveriam segui-la ou não, mas acabaram o fazendo.

Tei aparentemente conhecia cada centímetro do castelo, o que era ótimo. Toda a vez que via outro fantasma, rapidamente mudava de rota, a fim de evitar uma luta desnecessária.

Rin pensava que a princesa as levaria para os porões, mas elas passaram por uma porta dupla na cozinha do palácio e se viram rodeadas de árvores mortas; um jardim.

– Espere, seu túmulo não está no porão? – Rin perguntou.

Tei negou, nunca diminuindo o passo.

A menina olhou para Meiko, que simplismente deu de ombros. A fantasma não tinha cruzado os dedos. E, de fato, alguns minutos de caminhada as levou até um antigo mausoléu de mármore. Ele fora construído em um grande e plano quadrado de pedra, pois é difícil uma construção se manter de pé na terra nua.

Rin e Meiko subiram os batentes e foram em direção ao mausoléu, mas perceberam que Tei não as acompanhava. Rin olhou para a fantasma por cima do ombro. Como não tinha pupílas, não dava para dizer em que direção olhava. Talvez ela estivesse relutante em entrar, pois deveria ser estranho se ver cara a cara com o próprio esqueleto.

– Nós pegamos a coroa, saímos, e realizamos seu desejo – a loura garantiu, recebendo um sorriso em resposta.

Meiko chutou a porta de leve, mas foi o bastante para abri-la. O lugar trazia mais calafrios a Rin do que o castelo, e ela decidiu que não gostava disso. Ele era escuro (como todo o bom mausoléu), mas não tão apertado quanto ela achou que fosse. As paredes eram enfeitadas com tapedes de fios de ouro e pedras preciosas que ela não reconheceu devido à escuridão. O teto abobadado exibia uma pintura de uma família nobre em um almoço em um campo aberto, com riachos ao fundo.

Mas não importava o quão bonitos fossem os enfeites do lugar, o que realmente chamava atenção eram os caixões, alinhados na horizontal. Rin usou a ponta da lança para iluminar as placas que indicavam quem jazia em cada caixa enfeitada, enquanto Meiko usava suas espadas.

– Aqui, achei! – a moça exclamou, e a menina foi até o caixão indicado.

– Meiko, é melhor fazermos um circulo de sal ao nosso redor, não acha? – perguntou enquanto passava os dedos pela a tampa – Quero dizer, não estou com medo de Tei. Estou com medo dos outros fantasmas.

Meiko concordou em abrir o caixão (o que era um trabalho duro, ele estava trancado com os melhores cadeados que ela já viu na vida, provavelmente para proteger de ladrões de túmulos) enquanto Rin fazia o circulo.

A morena golpeava os cadeados com a espada sem parar, e a menina envolveu si mesma, a companheira e ao caixão em um círculo grosso e branco de sal. A duas terminaram o trabalho mais ou menos ao mesmo tempo.

Elas hesitaram por alguns segundos, era a primeira vez que veriam um esqueleto de verdade. Até que Meiko impacientou-se e empurrou a tampa cravejada com diamântes do caixão branco. E lá estava ele, o esqueleto de Tei Espírito Nobre, olhando para o teto com os buracos sem olhos de seu crânio, enfeitado com uma coroa de ouro branco fino.

– Os ossos não são brancos – Rin observou (ela as vezes fazia comentários bobos para espantar o medo).

– É... – Meiko concordou distraída – Quem vai pegar a coroa?

Rin sabia que Meiko havia feito o comentário apenas para que ela lembrasse que aquele era seu trabalho. Sabia era justo, afinal, era dona do não livro, mas isso não tornava as coisas medos medonhas.

Esticou o braço na direção do esqueleto. Tei trajava um vestido de seda e joias quando foi enterrada, e ao seu redor, seus mais valiosos pertences. Mas isso não tornava o esqueleto nem um pouco mais bonito. A mão da menina se aproximava lentamente da coroa.

– E se ele me morder? – perguntou.

– Você agradece por ele não ter feito coisa pior – a morena olhava em volta. Pensou ter ouvido algo.

Rin finalmente tocou o objeto, e começou a retirá-lo do crânio amarronzado.

– Com licença – pediu, e tomou a coroa nas mãos.

– Ótimo, agora vamos realizar o desejo de Tei e sair dessa cidade.

Antes que elas pudessem fazer qualquer outra coisa, o mausoléu pareceu se mexer. As paredes rengeram e tremeram. Rin prendeu a respiração e, numa velocidade assustadora, a casinha foi desmontada e tudo que a constituía, erguida no ar. Diamântes, piso, pedra, marmore, telhas, madeira, tudo, flutuava ao redor delas. Só o que não foi arrancado do chão foram as coisas dentro do círculo.

Todos os fantasmas estavam rodeando o mausoléu, reunindo suas forças. Os malditos sorrisos ainda estavam lá.

Manipularam o marmore pesado, e o fizeram de munição, atirando em Rin e Meiko. O círculo de sal as protegeu dos tiros, então os espirítos repetiram a ação, agora usando tudo que tinham.

O círculo estava resistindo bem, mas Rin não sabia até quando. Para qualquer direção que olhasse, só o que via eram fantasmas, mas, lá ao longe, escondido no jardim de árvores mortas, um rosto conhecido lhe chamava a atenção. Tei continuava apontando para a propría testa.

Como ela espera que eu faça isso agora!? Pensou.

Então ela olhou para baixo, fora do círculo, na terra agora exposta, letras se formavam lentamente.

“Q... U... E... B... R... E... A... M... A... L... D... I ... Ç... Ã... O”

Seus olhos fitaram a princesa mais uma vez. Ela continuava apontando para a cabeça. Rin respirou fundo, entendendo a mensagem. Entregou a coroa para Meiko, que a recebeu confusa. Decidiu, depois, entregar o não livro também.

– Me deseje sorte – Rin queria que a tampa do caixão fosse mais leve, para servir-lhe de escudo. Precisaria de um.

– Sorte para quê? – a moça nem mesmo recebeu uma resposta, Rin se pôs a correr na direção de uma multidão de fantamas (não que houvesse um lugar que não estivesse repleto deles), lança na mão.

Assim que Rin deixou a proteção do circulo, sentiu milhares de olhos pousarem nela. O vento foi cortado por um milhão de tiros. Avistou pedaços de madeira especialmente pontudos, pedaços de pedras que poderiam esmagar sua cabeça, e, para seu horror, até facas e espadas vindo em sua direção.

Correu em zigue zague, mas mesmo assim, pedaços de pedra e madeira atingiam seu rosto e braços. Sangue escorreu do nariz e do lábio superior quando uma pedra os atingiu.

Os matériais lançados começavam a ficar maiores, colidindo em suas pernas e braços. Ela sentiu dores que só podiam vir de objetos cortantes, mas caiu apenas quando um pedaço de marmore gigante lhe acertou no estômago.

Caiu de joelhos, enconstando a testa no chão frio. Tentava puxar ar para os pulmões, mas parecia uma tarefa impossível. Sentia dores nas costas, pois os fantasmas não pararam de atirar.

Mas, em algum lugar dentro dela, ainda havia força. Muita força. Levantou-se com dificuldade e recomeçou sua corrida, agora prestando bastante atenção no som do vento sendo cortado, visando desviar melhor dos ataques. Empalava fantasmas que surgiam na sua frente com a lança sempre que possível.

Estava quase lá, Tei estava bem ali. E os fantasmas perceberam isso, pois abandonaram a tática do ataque e passaram a flutuar em direção a princesa, a fim de montar uma barreira em sua frente.

Mas era tarde demais, Rin saltou, lança à postos. Sentiu a arma penetrar bem no meio da testa de Tei, e ela sorria, um sorriso feliz, alíviado.

Então os outros fantasmas começaram a rachar. Seus pedacinhos caíam no chão, como se fossem vidro. As rachaduras ficaram maiores até que não sobrou nada deles.

Tinha alguma coisa errada com o céu, também. Assim como os espíritos, seus pedacinhos azuis escuros caíam, para dar lugar ao manto azul-claro da manhã. E a lua deu lugar ao sol.

Só o que sobrava de anormal agora era Tei. Ela também estava quebrando, porém parecia que ela demoraria mais para sumir. Meiko aproximou-se de Rin, que ainda segurava a lança cravada na cabeça da princesa, temendo que, se a largasse, os fantasmas voltariam.

Tei, com movimentos duros, iguais as de um robô enferrujado, colocou seus braços quebradiços em volta da menina.

– Obrigada, Rin Casaco Marrom – e quebrou. Só deu tempo de Rin lhe dar um pequeno abraço antes de ela sumir para sempre.

A loura jogou-se no chão exausta, a arma caiu ao seu lado. Seus olhos doíam, ainda não acostumados com a luz do sol.

– De nada, Tei Espírito Nobre.

Minutos depois, Meiko lhe deu um tapa na cabeça já machucada.

– O que você fez foi perigoso – concluiu – Mas, você salvou minha vida. Obrigada.

Rin sorriu, só para depois ser informada de que ainda tinha que salvar a vida de Meiko mais uma vez para elas ficarem de igual para igual.

– Ei, vamos ver o novo pedido – Rin levantou-se, apoiada na lança.

Elas abriram o não livro na página certa.

– Como nós vamos colocar uma coroa dentro del... oh – Meiko nem terminou a frase, só de aproximar o objeto da folha, ele foi engolido, como se fosse jogado em um rio.

A morena sentiu Rin apoiar seu peso nela, mas não reclamou, estava bastante ferida, o rosto ainda mais pálido que o normal, olheiras maiores do que antes. O pequeno ritual das páginas se repetiu, e ela teve dificuldades em impedir que o não livro caísse no chão.

E a nova mensagem surgiu.




“Olha, quem diria,

Que mais um pedido

Se realizaria.



Uma nova busca, fique contente.

Você gostou, Rin?

Da brincadeira que fiz com sua mente?




Fera sem nome,

Aprisionada pelos homens.

Como quarto pedido,

Quero o sangue da fera,

Perdida nesse mundo tristonho,

E achada em um sonho”


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Notas finais do capítulo

O momento que todo mundo esperava, elas vão ter que procurar o Len :3