As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 26
Aquele com a Grande Guarda


Notas iniciais do capítulo

Queria agradecer ao Uchiha Angel pela recomendação! Eu a adorei! X3
Neste cap, é explicada a história do não livro.
P.S. Eu mudei o nome do grupo.



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Kaito foi acordado por pesadas e impacientes batidas na porta de madeira. Olhou para a janela, ainda estava escuro. Cambaleou até a fonte do barulho e abriu a porta, ficando cara a cara com o gordo dono da estalagem.

– Obrigado – o azulado limitou-se a dizer, muito embora soubesse que o velho esperava pelo o menos uma tampa de caneta como gorjeta. Fora ele quem pedira para ser acordado naquele horário.

O dono resmungou alguma coisa, claramente irritado, e caminhou de volta para seu quarto.

Kaito calçou suas chinelas usadas e pôs seu cachecol em volta do pescoço, sem se importar em trocar o pijama por outra roupa. Saiu do pequeno hotel amarelo e foi em direção ao correio do vilarejo. Era incrível que eles ainda se preocupavam em mater um posto de correios em uma cidade tão insignificante.

Miku o esperava em um ponto próximo do velho estabelecimento, espremido entre uma padaria e uma oficina de consertos de sapatos. A esverdeada não havia sido acordada por ninguém. Parecia que havia um despertador natural dentro dela, que a fazia levantar sempre na hora que queria.

– Então... – ele começou.

– Vamos logo com isso – a mais nova sacou uma caneta velha e quase sem tinta e uma folha grossa de papel.

Ele assentiu e pôs-se a pensar nas palavras certas para escrever a carta. Sabiam que a próxima parada era o Ferro Velho, então não seria problema nenhum avisar aos guardas da Cidade da Tempestade onde deveriam armar acampamento. Mas não podiam deixar transparecer que também eram foras-da-lei que passaram tanto tempo ao lado do grupo.

– Muito bem, escreva isso... – ele ditou as palavras desejadas. Kaito sabia, sim, escrever, mas a esverdeada era dona de uma letra belíssima. Cada letrinha parecia ter sido desenhada pelo mais habilidoso artista do mundo, e não podiam perder a chance de impressionar aqueles que lhe cederiam dois feudos.

– E está feito – Miku pôs a folha em um envelope enderessado à sede da polícia da cidade. Entrou no velho correio, celou a carta e a empurrou para dentro da caixinha, onde de milhares de outras cartas que seriam enviadas ao nascer do sol eram guardadas.

– Agora só falta esperar – disse Kaito, considerando o tempo que levaria para a carta chegar nas mãos dos guardas, somado ao tempo da viagem até o Ferro Velho – Espero que eles cheguem antes de nós.

– Eles vão chegar, tenho certeza que sim.

. . .

Rin acordou cedo e levantou tarde. Na verdade não dormira muito. Seus sonhos foram conturbados e confusos. Lembrou-se de que nem havia jantado no dia anterior, mas nem sua fome foi o suficiente para fazê-la sair da cama no momento em que abriu os olhos.

Len dormia, sono pesado. Uma coisa que a menina já havia percebido há muito tempo era que ele não se mexia enquanto estava na terra dos sonhos. A única prova de que estava vivo era sua respiração barulhenta.

Ele praticamente hiberna, riu.

Passou a mão pelos cabelos e gentilmente deslizou os dedos pelos braços do louro. Parou no pulso, sentindo as cicatrizes causadas por todas as vezes que ele puxou as correntes que o prenderam. Eram altas e esbranquiçadas, e provavelmente ficariam ali pelo resto de sua vida.

Mas não era isso que Rin queria ver. Tocou as mãos dele, enormes se comparadas com as dela.

Dez dedos no total.

Soltou a respiração, sentindo-se estúpida por realmente ter contado.

– Len, acorde – chamou – Café da manhã.

Ele protestou, afundando o rosto ainda mais no travesseiro. Mas acabou se sentando, depois de várias tentativas da menina. Bocejou, coçando um dos olhos.

– Se não formos logo, não vai dar tempo de comermos alguma coisa – avisou, entrando no banheiro para se trocar. Retornou poucos minutos depois, feliz por encontrá-lo já calçando as botas, e não enrolado nos cobertores.

Foram até o quarto de Meiko e bateram na porta, mas ninguém respondeu. Ou ela estava lá em baixo comendo alguma coisa ou saíra para dar uma volta.

– Quando você vai voltar para a... – o louro coçou a cabeça, tentando lembrar-se do nome.

– Biblioteca de Vidro?

– Isso.

– Quando SeeU voltar para me chamar, o que não deve demorar muito.

O local onde os poucos hospédes tomavam café da manhã não era nada mais que uma sala cheia de mesas com uma porta que dava acesso à cozinha. A comida era servida ainda nas panelas, em uma távola no canto do cômodo.

Rin preferiu comer algo que pudesse mantê-la alimentada por bastante tempo, como pão integral e cereais.

– O que vai ficar fazendo o dia todo? – olhou para Len.

– Escrevendo – ele sorriu, orgulhoso de si mesmo – e talvez procure a Moça das Espadas.

A loura sentiu o estômago revirando-se. Será que é seguro que ele fique completamente sozinho? Depois afastou esses pensamentos, lembrando-se de que Len já havia ficado só diversas vezes.

– Rin? – ele a tirou de seus pensamentos – Vamos sentar? – propôs.

– Ah, claro – concordou rapidamente.

– Você está bem? – Len perguntou, sua cabeça pendia para a direita – Comeu alguma coisa estragada?

– Não, está tudo bem – mentiu, colocando um pedaço de laranja na boca – Quer um pouco? É bom para você.

Ele concordou, pegando um pedaço para si. Seu olhar então caiu em uma pessoa que havia acabado de entrar no pequeno restaurante.

– Moça dos Gravetos Pontudos – comentou.

– Neru? – Rin olhou por cima do ombro. Assim que sua resposta foi comprovada, chamou pelo nome da arqueira, que seguiu sua voz, parando apenas para pegar uma maçã na mesa. Seus cabelos estavam mal cuidados, e seu rosto lembrava um sem-teto – Não dormiu?

– Não consegui – admitiu com voz rouca.

– Sabe onde estão os outros?

– Meiko saiu para comer em outro lugar, mas não sei onde estão Miku e Kaito.

Rin assentiu, dando um gole em um copo de leite. O tempo que se passou antes da chegada de SeeU foi o suficiente apenas para Rin terminar o magro café da manhã. Assim que engoliu o último pedaço de pão, um gato dourado surgiu na janela.

– Parece que chegou minha hora de partir – comentou. Mesmo de longe, foi capaz de perceber os resultados da dormida de SeeU nos bosques. Seu pêlo estava sujo e grudado, e ainda havia algumas folhas presas nele.

Meio sorriu, meio suspirou. Despediu-se dos dois com um “vejo vocês logo”. Saiu da estalagem sem a menor vontade de voltar para a biblioteca tão cedo. SeeU a alcançou poucos seugundos depois, e as duas chegaram aos limites da minúscula cidade sem dizer nenhuma palavra.

– Onde você deixou suas roupas? – a menina quis saber. Como resposta, a gata correu na direção de uma árvore grossa que, de tão inclinada, parecia que iria cair com a mais leve brisa.

Em um de seus galhos, o velho vestido de SeeU balançava a sabor do vento, como uma macabra bandeira. A loura se virou, olhando para o céu. Algumas nuvens carregadas se aproximavam e ela desejou ter trazido um guarda chuva consigo, provavelmente retornaria debaixo de uma tempestade.

– Vamos? – chamou SeeU, tomando a dianteira.

– Não temos que pegar a estrada principal? – Rin a seguiu, embrenhando-se por entre as folhas.

– Descobri um atalho. Já contou a história para o primo?

– Que história? – perguntou a menor, muito embora já soubesse qual.

– A história dos da sua raça cortando as orelhas dos da raça dele – SeeU deu bastante ênfase em “sua” e “dele”.

– Não, ainda não – irritou-se – Nem sei se o farei tão cedo. E se você falar alguma coisa para ele, vou jogá-la em um canil!

– Minha nossa, não há necessidade de elevar a voz – o gato ergueu as mãos abertas na altura do peito – Não darei com a língua entre os dentes, prometo.

– Ótimo – resmungou, passando a mão pelos cabelos.

O silêncio pairou por muito pouco tempo, SeeU tornou a falar:

– Mas sabe que um dia terá que contar a ele...

– Sei disso, mas tenho que escolher as palavras certas primeiro – suspirou, acelerando o passo apenas para criar alguma distância entre ela e a outra moça, só para dar-se conta de que seria obrigada a esperá-la do mesmo jeito. Não conhecia o caminho.

– Não vai demorar para chegarmos, veja – apontou para um fio de água corrente coberto por vidro – Dez minutos de caminhada será o suficiente.

A menina assentiu e tomou cuidado para não tropessar em nenhuma raiz, pedra ou buraco coberto por folhas secas. Só parou de olhar para as próprias botas quando seus pés tocaram o chão de vidro que exibia peixes e musgos. Os mesmos golens de vidro que as receberam no passado estavam de pé do lado de fora.

Rin não perdeu tempo em checar a lista de nomes no velho livro de presença. Ainda era manhã, por isso havia menos nomes escritos na página. Não foi difícil localizar o da sábia, escritas com formas curvas e finas. Letras dos Antigos, muito diferente da escrita de Rin, grossa e reta, que os velhos chamavam de “letra da Nova Guarda”

SeeU cheirou o ar, em um movimento que lembrava bastante Len, e partiu em busca de Gumi.

– Disse que ela chegaria logo! – vangloriou-se.

A loura a seguiu enquanto ela subia por um lance de escadas atrás do outro. Chegaram, então, ao sexto andar, o local mais iluminado da biblioteca (todos os lugares eram iluminados, mas o sexto andar chegava em um ponto que era possível enxergar a menor das partículas de poeira no ar).

– Estou aqui – informou Gumi, surgindo por entre estantes de livros. Vestia uma roupa preta de lã e couro, muito embora a biblioteca funcionas se como uma verdadeira estufa, aquecida pelos raios de sol – Vamos nos sentar, sim?

Rin fez que sim, e escolheu uma mesa protegida do sol por uma das estantes. Gumi endireitou sua capa escura e tirou seu chapéu pontudo de couro, colocando-o na mesa e penteando os cabelos verdes com os dedos. Gumi deu liberdade para que SeeU fosse para onde quisesse, mas ela preferiu ficar ao lado da dona, em uma distância moderada.

– Como estão as coisas com o anel? – a menina quebrou o silêncio.

– Foram muito bem – a sábia lhe entregou o anel, mas sua pedra estava rachada e quebrada – Chega uma hora que eles quebram de tanto proteger o dono.

– Ah... – compreendeu.

Gumi limpou a garganta e olhou Rin nos olhos, como se buscasse coragem para falar.

– Você... você está com... com o não livro em mãos? – quando recebeu uma resposta afirmativa, seus olhos brilharam com terror e ao mesmo tempo alegria – Posso vê-lo? Prometo que não roubarei.

Rin se afastou um pouco, desconfiada, mas ainda assim pôs o objeto na mesa, perto do chapéu de bruxa. Gumi engoliu em seco, suas pupilas se dilataram, ainda com a luz forte.

Passou os dedos pela capa como uma mãe que toca o filho recém-nascido pela primeira vez.

– Quanto tempo... Deuses... confesso que já havia perdido as esperanças de vê-lo novamente – Gumi falava com o não livro, baixinho. Voltou-se para Rin mais uma vez – Como você achou... achou isto?

– Eu o achei em uma livraria na Cidade dos Peixes do Sul.

– E você deduziu que seguir as instruções seria divertido?! – Gumi cobriu os olhos com a mão que não tocava o não livro, uma careta se formando – Achou que ganharia um... um prêmio no fim?! Afinal, quantas vezes você já quase morreu?! Como você ainda está viva?!

– Eu não pretendia seguir todas as instrunções – defendeu-se cruzando os braços – Mas as coisas mudaram quando dois cães do inferno me perseguiram por meio-mundo para pegar seja lá o que o não livro é. Não acho que quem esteja por trás disso seja um sujeito legal. Quer dar poder à ele?

E de repente o rosto de Gumi não exibiu nenhuma emoção. Ela olhou para o nada e suspirou.

Devolver o poder dele – murmurou – Devolver é a palavra certa. Vá para casa, Rin, deixe-me cuidar disso tudo.

– SeeU disse que você me explicaria tudo! – Rin se levantou, puxando o não livro para si – Então comece a explicar!

Gumi também se levantou.

– Está me dando ordens?

– Talvez – desafiou a loura. Viu a bruxa cerrar os punhos.

– Se eu explicar, você promete me dar o não livro?

– Não prometo nada.

Apertou os punhos ainda mais, de modo que as dobras de seus dedos ficaram brancas. Rin sinceramente achou que iria levar uma surra.

– Não sabe escolher seus oponentes, não é mesmo? – sibilou.

– Não tenho medo de você – aproximou o rosto do da bruxa, deixando o pescoço à mostra. Um gesto de coragem.

– Mas deveria – um golem de vidro as encarou com seus olhos sem vida, preparado para interromper uma possível luta – Sente-se – cedeu, afastando-se.

As duas voltaram aos seus lugarem originais, mas o golem não se afastou, claramente preocupado em proteger a biblioteca. A sábia puxou ar para os pulmões.

– Você tem alguma ideia de como nosso mundo, tudo o que conhecemos, surgiu?

– Claro – a menina estranhou a pergunta, todos sabiam – Os deuses fizeram a grande reforma e começaram tudo de novo, com os destroços do Velho Mundo.

– E quem criou os deuses?

Rin piscou várias vezes, intrigada. Era o tipo de questão que nunca lhe haviam feito. A outra sorriu. O tipo de sorriso que alguém dava quando sabia mais e estava ciente disso.

– Difícil demais para sua cabecinha? – riu.

– Muito bem, desisto.

– O nome é Aquele que Traz a Luz – pronunciou o nome com cautela, como se fosse um perigo – Ele criou os deuses. Ele fez a grande reforma. Ele fez tudo.

– Aquele que Traz a Luz – entoou – ...nunca ouvi falar.

– Poucos ouviram – riu amargamente – E é por isso mesmo que toda essa bagunça aconteceu.

– Bagunça?

– Bagunça. Pense comigo, como você se sentiria se desse vida à todos no mundo, e todas as coisas, todas as pessoas e todas as criaturas respirantes, viventes e pensantes respeitassem, amassem, idolatrassem e vivessem por um grupo de inferiores que você mesma criou?

– Eu não sei... – engoliu em seco – Chateada?

– Bastante chateada, minha cara – concordou a sábia – No fim das contas, os deuses foram o pior erro que Aquele que Traz a Luz cometeu. Ele os criou para que alguém colocasse alguma ordem neste mundinho récem-nascido. Mas ninguém é perfeito, nem mesmo deuses.

– O que eles fizeram? – curiosidade ardia dentro de Rin. Nunca havia presenciado tamanha blasfêmia.

– Eles mentiram e moldaram a mente frágil de todos vocês. Ocultaram a existência Daquele que Traz a Luz

– Mas os deuses são bons – interrompeu – Pelo o menos, a maioria deles.

– Ora, nunca disse que eram maus – Gumi se defendeu – Só disse que mentiram. Mentem até hoje. E por muito tempo Aquele que Traz a Luz se contentou com o esquecimento, acreditando que a verdade se revelaria mais cedo ou mais tarde. Até que... – ela deixou a frase pairar no ar.

– Até que...

– Até que ele ficou cansado de esperar.

– O que ele fez? – Rin se aproximou, interessada.

– Não chegou a fazer. Nós não deixamos – um sorriso discreto se formou no rosto de Gumi – A Grande Guarda – Rin fez um gesto para que continuasse – Aquele que Traz a Luz planejava uma segunda grande reforma. Se ele o fez uma vez, nada o impedia de fazer de novo. E nós, a Grande Guarda, os guerreiros e feiticeiros mais poderosos de toda a Terra o prendemos no Cativeiro do Oeste, e lá ele repousa até hoje. Roubamos todo o poder que lhe pertencia.

– Quem fazia parte? Da Grande Guarda – a menina perguntou como uma criança escutando uma histórinha sobre dragões e princesas – Quer dizer, você se lembra do nome de todos eles?

– Pelos Deuses, tenho uma ótima memória! E isso foi apenas duas décadas atrás! – indignou-se – Éramos treze. Eu, Lily, o velho Leon, Ona, Alys, Yohio, Galaco, Anon, Kanon, Lui, Ring e Anri.

Rin contou a quantidade de nomes.

– Falta um – o rosto de Gumi endureceu.

– Sei disso – pigarreou – Luka.

Rin coçou a cabeça. Não, não podia ser a mesma pessoa.

– Luka era um dos membros mais notáveis do nosso pequenino time – admitiu, a contragosto – Assim que prendemos Aquele que Traz a Luz no Cativeiro do Oeste, tivemos que encontrar algum lugar onde pudéssemos manter todo esse poder, pois se um de nós viesse a morrer, os outros doze não seriam capazes de suportar tudo.

“ E assim, eu cultivei uma árvore, cuja semente foi banhada com o sangue de todos nós. Quando a planta já estava com o tronco forte e saudável, pagamos um lenhador qualquer para fazer um diário com a madeira. É irônico, um homem pobre que nem sabia ler ganhando a vida confeccionando cadernos e diários.

Mas ele fez um bom trabalho. Um excelente trabalho. Depois de tanto tempo sem limpeza alguma, o não livro está ainda livre de insetos e fungos”

Rin se recostou na cadeira, pensativa. Então era por isso que a capa dizia “Não Sou um Livro”. O não livro era um reservatório de energia e poder.

– Muito bem, você me explicou a história inteira, mas não me explicou o que está acontecendo agora – reclamou.

– Você realmente não entendeu? – rebateu – Aquele que Traz a Luz está de volta. Ele nunca parou. Desde o maldito dia em que o prendemos, ele arquiteta um modo de se libertar. Um modo de ter seu poder de volta. E se o fizer, posso lhe garantir uma coisa: ele não estará feliz.

– Mas ele está preso – estremeceu Rin – Não pode fazer nada, não é? Como é possível?

– Ele reúne aliados. Promete tesouros, promete seus maiores sonhos. E não duvido nada que seja capaz de cumprir tais promessas – seu olhar caiu para as próprias mãos – A primeira foi Luka.

Rin abriu a boca para falar alguma coisa, mas o olhar perdido e ferido de Gumi a silenciou.

– Não sabíamos – murmurou – Não conseguíamos acreditar. Luka matou a todos. Todos menos eu e Lily. Leon, Leon foi o último a morrer. Mas tanto eu quanto Lily duvidávamos de que ele realmente quisesse continuar vivendo. Lily, a pequena Lily perdeu um dos olhos naquele dia.

– Gumi – a menina se levantou – Já entendi. Por favor, deixe-me terminar o que comecei. Eu realizarei todos os pedidos do não livro. Eu serei a dona desse poder. Eu darei um jeito em tudo. Vingarei todos vocês.

– Não, sua boba, você não entendeu absolutamente nada – irritou-se – Gostaria, amaria que as coisas fossem simples assim.

Rin pediu para que continuasse.

– Acha que você, ou qualquer outra pessoa, seria capaz de suportar todo esse poder? – apoiou o rosto na mão – Ninguém consegue. O não livro leva o dono à uma bela armadilha. Seu corpo não suporta, e seu coração para.

– Então por que...?

– Foi uma decisão da maioria – cortou Gumi – Ora, não podíamos deixar o não livro parado, seria basicamente uma placa luminosa anunciando “Venha me pegar, estou aqui apenas esperando você, mestre”. Também seria perigoso mantermos o poder, como já disse. A solução? Passar a responsabilidade para um azarado desgraçado como você.

O rosto incrédulo de Rin dizia tudo, por isso a bruxa decidiu falar a verdade.

– Se achava que erámos heróis, enganou-se. Não havia nenhum santo bondoso. Mas do mesmo jeito, eu, Lily e Leon fomos contra essa ideia, por isso chamamos o não livro de “armadilha”. São treze pedidos, uma para cada membro, e nosso único reconforto era acreditar que nenhum louco seria capaz de realizar todos eles – cruzou os braços – Especialmente o meu e o de Lily. Realmente fomos cruéis na escolha, justamente para que ninguém chegasse até o final. Leon também não seria piedoso, mas antes de escolher o seu pedido, seus sonhos lhe revelaram um pouco do futuro.

– Ele podia ver o futuro? – impressionou-se.

– Ele tinha muita coisa em comum com seu companheiro de rabo de cavalo, minha cara. Sei que você já sabe de tudo. Todos os machos têm um truque ou dois na manga. Truques muito especiais. O de Leon era de sonhar, tanto com coisas passadas que ele não viveu, tanto com coisas futuras que ele nunca viveria.

– Mas Len não tem nenhum – salientou.

– Ele tem, pode ter certeza disso, apenas não o descobriu – garantiu – Acredito que Leon viu você, viu Len e viu também tudo o que aconteceu com os demais de sua raça. O nosso velho amigo abriu mão de seu dever para que o último do seus vivesse uma vida feliz. Era um coração mole, sempre foi. Exigiu que seu pedido fosse uns dos primeiros.

Rin passou a mão pelos cabelos, em um suspiro de surpresa. Que belo beco sem saída me meti. O que faço agora? Pensou em centenas de maneiras de driblar o problema, mas todas, ela sabia, acabariam em um belo fiasco.

– Rin, dê-me o não livro – Gumi esticou o braço – Não deixarei que ninguém o leve enquanto viver, prometo – Não houve resposta – Rin?

– Não – respondeu, simples.

– Como assim não?

– E daí que você o esconda? Não vai mudar nada. Tem gente aí morrendo por causa dessa coisa.

Gumi tomou a mão da menina mais nova, seu olhar era de pena e tristesa.

– Sei que é difícil de aceitar. Mas há certas coisas que não podemos consertar. O que vai fazer? Completar toda a missão e morrer no fim?

– Tem que haver algo que possamos fazer, Gumi – suplicou – Nada vai mudar se ficarmos paradas.

A de cabelos verdes desviou o olhar, soltando a mão de Rin. Engoliu em seco, imaginando se não se arrependeria depois.

algo que possamos fazer – concluiu Rin, só de olhar para o rosto da sábia.

– Lily vive – pôs a unha do polegar entre os dentes – Lily sempre foi a mais forte... Talvez, só talvez... se ela continua praticando...

– Talvez... – ajudou Rin.

– Talvez hoje ela possa suportar o poder sozinha. E assim, ela poderia levar essa maldição para o túmulo, quando sua hora chegar.

Rin sorriu, decidida.

– Acharei Lily.

– Nem sabe onde ela está.

– Mas você sabe.

– Talvez, mas minha velha amiga me fez prometer que jamais contaria para ninguém sobre seu paradeiro. Não queria que velhas lembranças a assombrassem. E pelo o visto, é exatamente isso que acontecerá – informou – Terá de achá-la sozinha. Mas tenho certeza que a reconhecerá se o fizer.

– Treze pedidos e uma guerreira para encontrar – somou – Não vai ser fácil.

– Estou confiando em você. Não me decepcione – ameaçou.

– Eu jamais faria isso, Gumi – ela se levantou – Eu jamais faria isso.

. . .

Neru desceu as escadas da estalagem lentamente. Trazia consigo sua aljiva, muito embora duvidasse que seria necessário usar as flechas. Len a esperava no andar de baixo, em suas mãos, um caderno e uma caixa de lápis. Ele lhe dissera que procuraria Meiko pelo pequeno vilarejo, e a arqueira decidiu acompanhá-lo, mais por tédio do que por qualquer outro motivo.

– Acha que Rin voltará logo? – perguntou, ao saírem do lugar.

– Não – ele admitiu – Ela sempre demora. Mas vou esperar por ela quando a tarde chegar.

– Ah... – Neru limitou-se a dizer apenas aquilo.

Os dois andaram por pouco tempo, e foi fácil achar a morena. Cidade pequena, poucas pessoas. Ela estava sentada em um banco qualquer, dando comida para corvos.

– Estou parecendo uma velha solitária, não? – brincou, jogando migalhas de pão.

Len sentou-se ao seu lado, abrindo o caderno e lhe mostrando seu trabalho.

– Tem erros, mas eu estou melhorando – disse, orgulhoso. Meiko deixou as migalhas de lado e pôs-se a ler.

Neru tomou a liberdade de ler também. Era um texto simples, com uma letra de forma grande e tremida. Era uma história simples sobre um cachorro ou gato, a arqueira não prestou muita atenção, provavelmente baseada em um livro infantil que ele havia lido.

– Está muito bom, para alguém que começou agora – disse, para não deixar o rapaz na expectativa – Continue assim.

Len sorriu, feliz, mostrando seus dentes pontudos. Neru desviou o olhar para as aves que ainda se banqueteavam no chão. O louro era alguém fácil de se gostar, simpático e alegre. Mas Neru não estava acostumada a trazer alegria às pessoas.

Suas orelhas arderam, e ela se levantou. Não sabia para onde ia, só não queria permanecer ali.

Não se esqueça a razão de você estar aqui, Neru, lembrou a si mesma, não se apegue a nenhum deles.


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Notas finais do capítulo

Se preparem para encontrar de novo o guarda da veia.



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