As Aventuras de Rin Casaco Marrom escrita por Sem Nome


Capítulo 24
Aquele com fogo e gelo.


Notas iniciais do capítulo

Ok, eu sei que eu demorei, mas a culpa é da minha escola!
Desulpa, mesmo!



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Ah, pelo palácio, Rin. Se eu soubesse de todos os problemas que teria de enfrentar por sua causa, a teria expulso da minha casa assim que você acordasse de manhã, pensou Meiko, quase quebrando o pescoço de tanto olhar para a copa das árvores.

– Alguma ideia? – Kaito perguntou.

– Não – respondeu vagamente – Ainda não.

Ao contrário dos outros, a morena não estava tão pessimista a ponto de achar que não se saíriam bem na missão.

– Você tem muita experiência, baixinha – reconheceu, se afastando de Kaito – Mas não é a única. Se sobrevivi a minha mãe, posso muito bem sobreviver a um exército de gigantes.

Estremeceu, os pelos nos braços se eriçando. Mais cedo ou mais tarde terei que resolver as coisas entre nós duas. Ainda assim, prefiro que seja mais tarde.

Ouviu passos a seguirem, e deu de cara com Kaito, que olhava para os dois lados com nervosismo. Meiko segurou a risada. Ele estava com medo desde que vira a cena terrível de um inseto sugar quase todo o sangue de Rin. O azulado engoliu em seco e tentou pentear os cabelos que caíam na testa, já mais longos do que o usual.

– Você precisa cortar o cabelo – informou – e fazer a barba também.

– Talvez eu queira me parecer com um homem das cavernas – retrucou, brincando – Já pensou nisso?

– Quer saber? Apoio sua ideia. Vai ficar mais bonito assim – antes que ele pudesse responder, o olhar da morena caiu sobre Neru, sentada em uma pedra qualquer.

Caminhou até ela, afastando várias vezes a gata que teimava em enroscar-se em suas pernas. Nunca fora muito chegada a gatos. Um bom cachorro lhe agradava muito mais.

– E você, Cachinhos Dourados, o que faz aí sozinha?

A arqueira levantou a sobrancelhas, o sol iluminando seus olhos castanhos, fazendo-os parecer quase durados.

– Flechas – mostrou um galho que lentamente tomava a forma de um cilindro fino, com uma ponta afiada. Os dedos da loura estavam cheios de farpas, e a faca que usava para moldar, ficando cega. Ao seu lado, jazia uma pilha de flechas de madeira, provavelmente vindas de galhos mortos, assim como aquela que ainda estava sendo feita.

– Me dê isso – Meiko tomou a faca em mãos e tirou da sacola uma pedra cinza que usava para afiar lâminas – Esta é a mesma faca que usa para matar pequenos inimigos?

– Sim, exatamente – confirmou.

– Devia ter trazido outra para esse tipo de serviço. É perigoso ter uma faca de batalha cega.

– Eu não sabia que seria obrigada a fazer mais flechas.

A mais velha deu de ombros ainda que quisesse informar que deveriam estar preparados para tudo, e o som da pedra deslizando sobre a lâmina ocupou o lugar de suas vozes. Só finalizou o trabalho quando estava realmente satisfeita com o corte. Neru agradeceu, e hesitou um pouco antes de voltar a moldar a flecha, imaginando se Meiko ficaria ofendida caso fizesse.

– Essas flechas que você está fazendo funcionam mesmo?

– Sim, o único problema é que são mais difíceis de usar, mas nada impossível.

– Entendo – ela esticou as pernas doloridas – Tem alguma ideia de como vamos passar por aqueles gigantes?

– Quando estivermos lá talvez eu saiba o que fazer – deu de ombros – Funciono melhor sob pressão.

Meiko fez que sim com a cabeça, para indicar que entendia. Examinou um pedacinho de céu que podia ser visto por um buraco no teto verde. Nuvens escuras e pesadas pairavam preguiçosamente pelo ar.

– Vai chover – levantou-se, preocupada, mas não surpresa. Chuvas eram bastantes comuns naquela área – Isso é um problema.

Um sorriso discreto surgiu no rosto de Neru, e sumiu com a mesma velocidade.

– Se as coisas não fossem difíceis, elas não seriam nada divertidas, não é verdade?

. . .

Rin gemeu baixinho, mais por querer saber se ainda conseguia falar do que por dor. Ela já havia parado de tentar resistir à dor havia muito tempo, agora apenas a deixava envolvê-la, embalá-la, afogá-la.

Abriu um pouco os olhos, mas não foi capaz de mantê-los abertos por mais de alguns segundos. Ainda estava no colo de Len, em uma tentativa de aquecer-se. As ataduras já estavam encharcadas na área do ferimento, mas isso tinha seu lado bom, pois, assim como uma esponja que absorve muita água e chega uma hora que ela não pode absorver nada mais, a gaze não deixava mais sangue escapar.

Escutava o roncar que o rapaz fazia sempre que recebia carinho ou quando ela estava triste. Mas naquele exato momento, aquele roncar era como uma âncora que a prendia naquele mundo. Enquanto escutasse aquele ronronar, significava que ela estava viva, mesmo que todos os outros sons e imagem estivessem turvos e distorcidos.

Len apertou um pouco suas mãos e parou com o ronronar. Ela iria protestar, mas então ele pôs-se a falar antes que tivesse chance.

– Rin – a menina abriu os olhos por uns segundos, para mostrá-lo que estava ouvindo – Estou com medo.

A loura suspirou e apertou a mão dele com todas as forças que lhe restavam. Também estou com medo. Se aninhou mais ainda nele. Estava cansada. Estava com sono. Seria tão fácil simplesmente dormir e... escapar daquela dor.

Len comprimiu os lábios e a abraçou. Estava ensopado de suor e morrendo de calor, mas ainda assim Rin tremia como se estivesse em um rio congelado. Sentiu cheiro de chuva e agradeceu a si mesmo por ter escolhido um lugar coberto para ficar.

– Vai chover... – ele tirou um pouco de cabelo do rosto dela, querendo puxar assunto apenas para que a loura continuasse acordada.

– É... e tudo isso... vai alagar... se tornar um verdadeiro... oceano... até as árvores... vão morrer... – riu, despreocupada. Era difícil falar. Era difícil pensar – E eu que... pensei que nunca mais... nunca mais teria problemas com o mar.

Len fungou e sua cabeça pendeu para o lado, arrependendo-se imediatamente. Não devia tê-la feito falar, a menina já estava gastando toda sua energia para manter-se viva. Sua boca se movia, mas sua mente estava desligada havia muito tempo.

– Mas... não vai ser mar... não vai ser mar sem sal – franziu o cenho e abrindo os olhos um pouco, por um momento, recuperando seu brilho – Água e sal...

Len a segurou quando ela apoiou-se com os cotovelos e tentou se levantar.

Rin! – exclamou, segurando suas mãos para que ela não arrancasse as ataduras.

– Água e sal – choramingou, sentindo as consequencias de tentar novamente lutar contra a dor – Água e sal!

Se contorceu fracamente para sair do aperto de Len. Ele a segurava, cuidando para não machucá-la. Queria gritar com ela e dizer que estava abrindo ainda mais o corte, que havia perdido o juízo. Mas ao invéz disso...

... deixou que ela fizesse o que queria.

Porque um louco não lutava daquele jeito naquelas condições.

Mas alguém que recuperara a esperança de viver, sim.

. . .

Um clarão, e logo depois, um trovão. Já começava a chover em uma área da floresta, e não demoraria para que a tempestade alcançasse o grupo. E isso era ruim, os gigantes buscariam abrigo debaixo da grande árvore.

– Bem, pelo o menos a chuva vai mascarar nosso cheiro – Meiko passou a mão pelos cabelos – Espero que Len não tenha escolhido mais um buraco no chão como esconderijo.

Sentiu o estômago se revirar ao pensar no rapaz e em Rin. Será que ela já estava morta? Uma vez lhe disseram que as chances de sobrevivência depois de uma picada daquelas era de mais ou menos 35%. Mas a morena desconfiava que na verdade era de 20, ou até mesmo 15%.

– Eu a avisei que este era um lugar malígno – Neru pareceu ter lido sua mente

– Rin se recupera de ferimentos muito rápido – Meiko ressaltou, em uma tentativa de alimentar alguma esperança – Nada mata aquela menina.

– Se recuperar rápido ou não, isso não faz diferença – respondeu friamente – A saliva daquela coisa dificulta, e muito, a cicatrização.

– Só estou dizendo que ela tem mais chances do que uma pessoa normal – a morena balançou a cabeça e foi em direção aos irmãos, que já estavam na frente.

Estavam a poucos metros da árvore central. Essa árvore muito provavelmente deu origem a todas as outras ao seu redor. As frutas que pendia por entre suas folhas eram avermelhadas, mas não era raro encontrar uma ou outra com tons de azul.

Os gigantes também pareciam estar cientes da tempestade, pois se amontoavam ao redor da grande árvore, com a intenção de permanecerem secos e saudáveis. Os mais velhos e os jovens, porém, não estavam com tanta sorte, sendo chutados e esmurrados pelos mais fortes sempre que tentavam se abrigar.

– Não são do tipo altruístas – comentou Miku. Um trovão resoou em algum lugar muito próximo, e como se aquilo fosse o sinal de aviso, a chuva desabou.

– É tão estranho – riu Kaito – Uma floresta enorme, mas a chuva continua do mesmo tamanho – era verdade, as gotas, apesar de estarem grossas, eram do mesmo tamanho das que caíam em qualquer outro lugar. Mas as nuvens eram grandes e estavam carregadas, e a floresta ficou encharcada.

Neru não estava prestando atenção, estava pensativa. Era imprudente lutar com todos ao mesmo tempo. O melhor era evitar um combate corpo a corpo. Do que aquelas coisas tinham medo?

– Deve haver um modo de assustá-los – mais um relâmpago. Mais um trovão.

– Acho difícil, veja o tamanho deles – Kaito salientou.

– O que é maior que um gigante? – Miku se animou.

Neru mordiscou a unha do polegar, encarando o grupo de gigantes, e vendo como os menores foram obrigados a procurar outro abrigo.

– Outro gigante... – murmurou.

– O que?

– “O que é maior que um gigante?” Outro gigante – a arqueira cruzou os braços – Só não sei o que faremos para jogar um contra o outro.

Meiko arqueou as sobrancelhas.

– Não se preocupem, eu sei causar caos.

. . .

Sal e água, como não pensara naquilo antes. Com as mãos trêmulas tirou o saquinho de sal e a garrafa de água do casaco que usava como cobertor. Não tinha muita água, mas o que importava de verdade era o tempero branco.

Talvez fosse pela adrenalina, ou pela falta de sangue, mas não foi capaz de tirar a rolha da boca da garrafa nem desatar o nó no saquinho. Len teve que fazer isso por ela. Os flocos de sal não tardaram a se dissover no líquido, e o louro agitou bem, para que nenhum grão ficasse de fora da mistura.

Ele tirou o casaco de cima dela, revelando as ataduras. Tomou cuidado para não rasgá-las enquando descobria o machucado, pretendia usá-las novamente depois. A primeira coisa coisa que fez foi embeber a gaze com o remédio improvisado, e depois aproximou o gargalo do buraco avermelhado.

Rin fez uma careta ao encarar o ferimento. Era exatamente como imaginava, vermelho, profundo e sangrando. Len a encarou como se perguntasse se poderia aplicar o líquido, e ela pôs o lenço vermelho na boca.

Ah, pelo palácio, pare de ser covarde. Provavelmente já sentiu mais dor que isso...

E o rapaz despejou a água e o sal no ferimento aberto.

. . .

Meiko observou orgulhosa as diversas pedrinhas vermelhas que brilhavam na palma de sua mão. Não podiam ser consideradas pedras de fogo, porque foram feitas a partir dos fragmentos daquela que Rin lhe trouxera havia algum tempo.

Não foi preciso tanta habilidade e esforço para criá-las, já que a pedra comum já havia sido convertida à uma pedra de fogo, e aquilo era a parte mais complicada. Só o que ela fez foi deixá-las ativas novamente, e as moldou para que voltassem a ser bolinhas vermelhas. Cada bolinha surgiu de um fragmento da pedra mãe.

Não tinham tanta potência quanto uma completa, mas isso não importava agora, porque muito fogo não era o que ela queria. As pedras de fogo foram inventadas porque era muito mais difícil atear fogo à uma área específica de um corpo do que fazê-lo no corpo inteiro. E era isso de que precisava.

Se aproximou do grupo de gigantes sem se preocupar em fazer pouco barulho, era pequena demais para fazer qualquer som relevante para eles, e a chuva ainda abafava seus passos. No entanto, tinha que cuidar para que não sentissem seu cheiro.

Estavam quase todos adormecidos, mas não queria arriscar, por isso se escondeu debaixo de uma folha seca e avançou de cinco em cinco minutos. Um dos que estavam desacordado cheirou o ar e se contorceu levemente. A morena parou de andar e se afastou um pouco, prendendo a respiração.

Olhou para cima, seria tão mais fácil se uma folha caísse da copa da árvore... Observou o gigante que sentira seu cheiro, era um dos maiores que hávia ali. Olhou mais uma vez para as pedrinhas e preparou-se para lançar a primeira. Poderia ter usado as flechas de Neru, mas as pedras eram mais viáveis, pois o homem não faria a menor ideia de qual era a causa do desconforto. Uma flecha deixa rastros.

Deixar um gigante zangado era simples. Bastava o mais sutil incomodo para que ele ficasse com um péssimo humor, e aquele certamente atacaria outro por ter seu sono interrompido. E o outro atacaria de volta, ou escolheria outro alvo. E esse outro alvo faria a mesma coisa. Era um efeito dominó, e eles ou se distraíriam, ou saíriam de perto da árvore.

Jogou a primeira no pescoço dele. A pedrinha rachou, e pequenas faíscas puderam ser vistas, mas chamas não foram criadas. O gigante abriu os olhos e levou a mão à área atingida, visívelmente confuso. Meiko soltou uma risadinha, e jogou mais uma pedra, dessa vez no rosto dele.

O gigante bufou, e mais uma pedra foi lançada. Ele gritou alguma coisa, se eram palavras incoerentes ou algum insulto na língua dos gigantes (se é que existia), a morena não sabia. Os outros acordaram com os gritos, enfezados. Seria fácil demais.

Mais algumas pedras e todos no grupo já rodeavam o causador do tumulto, e ele ficava ainda mais bravo pela atenção. E quando Meiko acertou seu olho, o homem perdeu a paciência. Levantou-se em um pulo e examinou a área. Seus punhos estalaram quando ele os fechou. Meiko se escondeu e esperou o espetáculo começar.

. . .

Len chacoalhou a menina desmaiada mais uma vez, novamente sem obter resposta. De início achou que ela havia morrido, mas percebeu que ainda respirava. Isso não foi o suficiente para aplacar seu desespero.

– Rin, Rin, Rin... – chamou.

Suspirou e lambeu as marcas de unhas em sua mão esquerda. Depois de aplicar a mistura, Rin apertou tantou sua mão que abriu pequenos cortes. Passou um bom tempo se contorcendo e se concentrando em inspirar e expirar. O pano se mostrou inútil, por não oferecer volume o suficiente para morder com força.

Ele tentou distraí-la com alguma conversa, porém estava claro que ela estava ouvindo, mas não escutando. Não conseguia se concentrar. Rin não gritou, talvez para não chamar a atenção de nenhum predador lá fora. Ao invéz disso, choramingou como um filotinho que perdera a mãe e que estava aos poucos morrendo de fome.

E Len desejou que ela tivesse gritado.

E depois disso, ela perdeu o sentidos.

Ele cheirou seus cabelos. Conseguia sentir seu cheiro cítrico normal por entre o forte cheiro de suor. A embalava como um bebê, para frente e para trás, para frente e para trás. Talvez tivesse desmaiado de dor, e quando seu corpo achasse que era seguro, acordaria de novo. Ele esperava que sim.

Tocou a gaze suja de sangue, pensando se deveria ver como estavam as coisas. Estava com medo, medo de que nada tivesse mudado. Não estava preparado, não suportaria dizer adeus, não para Rin. Estaria para qualquer outra pessoa. Não para Rin.

Afastou a mão, derrotado. A cobriu com o casaco mais uma vez e a abraçou, beijando seu rosto do mesmo jeito que ela fazia com ele. Covarde, pensou, não tem coragem de encarar a verdade.

Covarde...

. . .

Meiko examinou a área ao redor. Não havia mais perigos debaixo da árvore, mas seus inimigos poderiam retornar a qualquer momento. Todos estavam preparados para subir, e o gato havia sumido, mas a morena estava certa de que acabaria reaparecendo mais cedo ou mais tarde.

– Vamos, temos pressa – para sua sorte, o ganho de árvore mais baixo não estava tão distante, e não seriam necessários vários dias para chegar até ele – Usem as rugas da árvore como apoio, e tentem não morrer.

Miku e Kaito foram na frente, saltando sem dificuldades, tomando liderança. Neru só estava um pouco mais na frente da morena, se ela quisesse esticar o braço e puxar a perna da arqueira, poderia fazê-lo.

As gotas de chuva não chegavam até a área onde estavam, mas a umidade de anos chuvosos deu vida à fungos e liquens, tornando a subida escorregadia e perigosa. Meiko engoliu em seco quando se deu conta de que, se caísse, não sobreviveria ao impacto.

Os dois irmãos não pareciam incomodados com a altura. Provavelmente já estavam habituados àquelas situações extremas.

– Deveria ter entregue o não livro para eles... – logo depois se corrigiu – Não, não deveria.

A arqueira olhou para baixo, feliz pelo fato de a morena poder segurá-la caso desse um passo em falso. Voltou a se concentrar no caminho, já conhecendo as vantagens de não ser a última da fila.

– Chegamos! – anunciou o azulado, já no local de destino.

– Nos esperem, então! – respondeu secamente.

Chegaram vários minutos depois. Kaito ofereceu ajuda a Meiko, com seu clássico e largo sorriso.

– Pelos deuses, como você é lenta – riu.

– Tem razão, Kaito, sou lenta – começou – Mas, diga-me, quer ajuda para chegar lá em baixo antes de mim também? A ameaça só o fez rir mais. Já estava acostumado com o humor ácido de Meiko.

Neru enxugou o suor da testa e sacou a faca. Tomou cuidado enquanto se equilibrava nos galhos mais finos. Escolheu a folha a melhor folha que viu, nem muito velha, nem muito nova.

– Por que querem tanto uma folha, afinal? – resmungou, mas ninguém ouviu. Tentou separar o tão desejado objeto do resto da árvore com um golpe só de lâmina, entretanto, era mais resistente que o previsto. Repetiu a ação várias vezes, até que a folha se soltou por completo.

Deu meia volta, pronta para retornar. Uma formiga com coloração preta agitou as antenas quando a loura passou por ela, e se afastou sem demora.

Pelo o visto, tudo correrá bem.

E ela escutou galhos sendo quebrados lá em baixo. Seu sangue gelou, prendeu a respiração. Olhou por cima do ombro, só para dar de cara com os olhos escuros e selvagens de um gigante. O mesmo que fora acordado por Meiko. Mais um raio, mais um trovão.

Maldição.

. . .

Talvez aquela fosse a sensação de voltar do mundo dos mortos. Rin primeiramente moveu os dedos, depois os braços, depois as pernas, e só então abriu os olhos. Se enrolou mais no casaco, ainda com frio. A dor continuava, muito mais fraca e suportável, mas continuava.

A chuva caía, e a fez lembrar dos dias de inverno nos quais passava em frente a uma lareira, escutando histórias com as outras crianças, enquanto o jantar era preparado na cozinha. Como aquilo era reconfortante em uma situação daquelas.

Len a ajudou a sentar-se quando deu sinais de não estar mais grogue. Não sangrava mais. Com seus dedinhos trêmulos e um tanto dormentes, retirou as ataduras para descobrir o corte. Agora, para seu mais completo alívio, estava seco e pronto para a cicatrização. Suspirou, rindo.

Len riu com ela, deixando-se cair para trás, de modo que a menina se encontrou completamente deitada em seu peito.

– Este mundo não vai... se livrar de mim tão cedo – riu mais ainda, pela primeira vez iniciando o beijo. Se separou antes mesmo que ele pudesse corresponder direito e examinou seu rosto. Parecia cansado e abatido, e a culpa tomou conta dela. Ele também havia sofrido. Talvez mais que ela – Durma, Len, por favor.

O olhar dele caiu na entrada do abrigo, e negou energeticamente com a cabeça.

– Você me protegeu enquanto eu dormia – beijou seu pescoço, sentindo seu cheiro. Como amava aquele cheiro amadeirado. Como amava tudo nele –, então farei o mesmo por você.

– Tudo bem, então... – cedeu, espreguiçando-se e pondo um braço na frente dos olhos, bloqueando a luz.

Rin afundou a cabeça em seu peito, vigiando a passagem. Obrigada não livro. Obrigada por me levar até ele. Pensou, ainda que gostasse de imaginar que, mesmo se não tivesse encontrado o não livro, teria, por algum motivo, viajado até a Cidade da Tempestade. Teria também irritado os guardas, como sempre fazia. Teria sido sentenciada à morte. Teria feito tudo igualzinho ao que fizera. Estaria ao lado de Len, de um jeito ou de outro.

Sem sucesso em seu trabalho de vigia, acabou caindo no sono ao som da chuva.

. . .

– Ah, não. De novo não – Neru dobrou a folha, esperando não tê-la danificado muito, e a escondeu debaixo das roupas.

A mão do gigante envolveu o galho no qual se encontravam, agitando-o violentamente. A arqueira praticamente saltou para perto dos outros, onde a confusão era menor. O homem provavelmente parou de agitar apenas o galho, passando para a árvore inteira. Se manter equilibrado era um desafio.

– Precisamos ir para o topo! – gritou a arqueira – E rápido!

Kaito teve que se segurar para não escorregar e cair. O plano de Neru era bom, mas seria praticamente impossível para que ela e Meiko subissem até o final. Apenas ele e Miku seriam capazes de tal proesa...

– Miku – chamou – Acha que consegue sustentar pelo o menos parte do peso de Neru?

– Eu... – a esverdeada franziu o cenho, calculando – Eu posso tentar.

– Muito bem – acentiu – Meiko, suba nas minhas costas.

– Perdão? – ela ergueu uma sobrancelha.

– Você vai cair se não o fizer – ele se agaixou, sabendo que a morena não recusaria a oferta, por mais orgulhosa que fosse – Confie em mim, não vou soltar.

Meiko travou a mandíbula e estreitou os olhos. Neru era mais baixa e mais leve, sendo a única que Miku seria capaz de suportar. Soltou um suspiro exasperado, sabendo que não tinha escolha.

– Pelo palácio, como você pesa – brincou, quando a moça subiu em suas costas.

– Pelo palácio, como seu pescoço é frágil – retrucou.

– Pelo palácio, vamos todos morrer! – exclamou Miku, já recomeçando a escalada. Sua velocidade fora cruelmente afetada pelo novo peso, mas a adrenalina lhe dava força.

Neru esticou o pescoço. O gigante continuava a golpear e chacoalhar a árvore. Imaginou se ele não planejava derrubá-la ou algo do gênero, mas lhe pareceu improvável que o homem, mesmo daquele tamanho, fosse capaz de levar a planta a baixo.

Miku apoiou o pé no lugar errado, e elas deslizaram até que a esverdeada encontrasse outro apoio. A ladra xingou e voltou a subir. Era fácil perceber que estava ficando exausta, e que precisaria parar para descansar logo. Foi exatamente isso que fez, assim que alcançou o galho mais próximo. Pelo o menos estavam fora do alcance do gigante.

– Como vocês... – não conseguiu terminar a frase sem puxar mais ar – Como vocês mataram o primeiro gigante?

– Rin fez com que um animal maior o atacasse – respondeu, segurando-se em um galho – mas não há nada que possa nos ajudar aqui.

– Tem que haver alguma coisa. Tem que haver.

A chuva já havia encharcado tudo na floresta. O gigante também estava completamente molhado. Aquilo lhe despertou uma ideia. Assim que viu o tufo de cabelo azul surgir por entre as folhas, explicou a ideia de congelar o inimigo.

– Não posso fazer uma coisa dessas! – protestou – Sou um novato nessas coisas!

– Mas ele já está coberto de água – salientou – Será mais fácil.

A arqueira se afastou do azulado assim que ele negou mais uma vez, mordendo os lábios. Se realmente não tinha habilidade o suficiente para congelar todo o gigante, talvez ele pudesse fazê-lo em uma área mais reduzida.

– Os olhos e o nariz... – cruzou os braços, incerta. Kaito escutou e coçou o queixo.

– Os olhos e o nariz?

– Acha que consegue?

– Talvez. E depois, o que acontece?

– Improviso.

O azulado suspirou, esticou os braços e girou as costas até escutar um estalo. Tentou achar um local onde pudesse se segurar e se concentrar. Congelar os olhos seria mais simples do que congelar o nariz porque eram mais hidratados, por isso decidiu que começaria com eles.

– Estão bem distantes, não é mesmo? – riu sem humor. Expeliu o ar e sentiu sua energia sendo drenada aos poucos, ao passo que a árvore aos poucos foi deixando de ser golpeada.

O gigante piscou diversas vezes, sabendo que algo estava errado, mas sem saber ao certo o quê. Poucos segundos depois, entretanto, guinchou e levou as mão ao rosto, esfregando os olhos com violência.

– Está dando certo! – anunciou Miku.

Kaito não respondeu estava concentrado demais para sequer entender o que era dito ao redor. Não queria apenas causar desconforto no inimigo, queria inutilizar seus olhos. Pelo o menos por tempo o suficiente para que fugissem. O problema era que já estava mais na metade de suas forças.

Se pelo o menos estivesse mais perto!

Sem explicações, uma mão segurou a sua com força. De início pensou que fosse Miku, mas, quando se deu conta, estava quase sendo afogado em um verdadeiro oceâno de energia, de força, de poder.

Puxou ar para os pulmões e seu olhar caiu na fonte de toda aquela energia. Meiko. Estava tão transtornado que só conseguiu abrir e fechar a boca, sem que palavras saíssem.

– Pode usar quanto quiser. Sem me matar, é claro – apertou a mão suada dele com mais força ainda.

Kaito sorriu de canto, o rosto vermelho de cansaço e esforço. Não sabia que era possível alguém lhe passar energia daquele modo. Com a ajuda extra, conseguiu acelerar o processo de modo assustador, finalizando o trabalho nos olhos e passando para o nariz. Resolveu também congelar as orelhas.

– Está feito – Neru entregou um punhado de flechas para Meiko – ainda tem energia para atear fogo na ponta dessas flechas?

– Tenho, é claro.

– Uma de cada vez – avisou – coloquei álcool na ponta.

Ela preparou a flecha, cuja ponta ardeu em chamas assim que estava preparada. Neru mirou no peito do gigante e atirou. Passou para a próxima, e para próxima e para próxima, até que estivesse satisfeita. O homem gigante, sem ter a menor noção do que estava acontecendo, com o rosto completamente congelado, não teve a mínima noção do que ocorria, até que fosse tarde demais e já estivesse ardendo em chamas.

Ele urrou, as chamas se espalhando. O fogo criado por Meiko, como de costume, não apagou-se com a chuva. Foi irônico como ele chegou até seu rosto, derretendo o gelo do qual ele tanto queria se livrar. É isso que o fogo faz. Derrete o gelo, até que não sobre nada.

O gigante, aflito, e já sabendo qual seria seu destino, tentou usar terra para apaziguar as chamas. Rolou na lama e se cobriu com a mesma, mas isso apenas irritou as queimaduras. Vendo que nenhum método funcionava, o gigante correu, enchendo a noite com seus gritos e lamentos, deixando para trás seu rastro de luz creptante.

– Todos correm quando pegam fogo – comentou Meiko, já habituada à visão. Voltou-se para Neru – Você já tinha planejado isso?

– Bem, mais ou menos – ela colocou as flechas que sobraram de volta na aljava – Sabia que ele ficaria desorientado com gelo cobrindo o nariz e os olhos, e que se tornaria menos sensível a dor por causa disso. Então pensei que matá-lo queimado seria o melhor jeito.

– E por que não pediu para que eu mesma fizesse isso? – a morena estava realmente curiosa.

– Sabia que seu fogo resistiria à água, mas ele seria muito superficial, começaria pela pele, principalemente com um alvo tão grande. Seria fácil de apagar – apoiou-se nas rugas da velha árvore, iniciando a longa descida – Com as flechas, as chamas começaram pela carne interna, e ainda se intensificaram pela gordura.

Neru sumiu de vista rapidamente, sem querer responder mais perguntas. E Meiko não tentou arrancar mais nenhuma. Ao invéz disso se aproximou de Kaito, segurou sua mão mais uma vez e lhe cedeu mais energia, só para ele aguentar o caminho até um novo acampamento.

– Obrigado – disse, desapontado por não achar nada melhor para agradecer. Ela assentiu, e seguiu Neru sem mais nenhuma palavra.

Miku deu umas batidinhas em suas costas e murmurou um baixo “precisamos conversar” antes de também desaparecer por entre as folhas. Kaito esperou alguns minutos antes de também iniciar sua volta para o chão.

– É isso que o fogo faz, não é mesmo? – falou consigo mesmo – Derrete o gelo até que não sobre mais nada.


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Notas finais do capítulo

Alguém se lembra do livro que a Gumi passou para a Rin? Pois é, ta na hora de descobrir o que o Len é.



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