The Hardest Part escrita por mahribbs


Capítulo 6
Fugitiva




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– Julia? - minha mãe disse com uma voz irritada, e eu pude ouvir o barulho que os amigos dela estavam fazendo na sala. Miranda entrou no meu quarto que eu esqueci de trancar e, exatamente nesse momento, um soluço muito alto escapou da minha boca.

Por entre as lágrimas, vi minha mãe arregalar os olhos e se aproximar de mim quase correndo.

– O que aconteceu, meu amor? - ela disse, em uma voz nervosa, mas eu não estava em condições de responder - Aconteceu alguma coisa com você? Você está machucada?

Não sei realmente o que aconteceu comigo àquela hora. Eu simplesmente não conseguia parar de chorar. E eu nunca, nunca chorava na frente de minha mãe. Tudo o que eu queria era o meu pai, porque ele costumava me entender e Miranda não me trazia a calma que ele trazia.

Balancei a cabeça, negando, enquanto outro soluço irrompia da minha garganta.

– Julia, fala comigo, filha! - Minha mãe pediu, segurando meu rosto com as duas mãos e me fazendo encará-la - Foi o seu pai? - ela disse, ficando, se é possível, ainda mais nervosa. Sua voz tremia - Aconteceu algo com ele?

Eu até entendia o desespero dela. Eu nunca chorava daquela forma. Nunca, nunca, nunca.

Neguei novamente e tentei parar de chorar, enquanto minha mãe, vendo que não obteria respostas enquanto eu estava naquele estado, sentava ao meu lado na minha cama e me abraçava.

Muitos minutos se passaram enquanto eu ficava ali no meio do abraço de minha mãe, sentindo o cheirinho dela e me acalmando aos poucos. Ela me embalando como se eu fosse um bebê.

– É o Tom - eu disse entre um soluço e outro quando consegui falar alguma coisa que fizesse sentido, ignorando o fato de que minha mãe nem sequer tinha ouvido falar do Tom - Ele e o Lucas - outro soluço - Eles estão morrendo, mãe!


xx


Eu, provavelmente, tive mais ou menos duas horas de sono.

Meus pensamentos estavam embaralhados e a noite mal dormida não me ajudou a organizá-los.

Sentei-me na cama às cinco da manhã e tentei organizar aquela bagunça da minha cabeça. É difícil pra mim, agora, dizer tudo o que eu estava pensando naquele início de dia.

Metade de mim era raiva e a outra metade era a tristeza, mas, confesso, a tristeza estava maior.

Primeiramente, eu não conseguia não pensar no quão injusto aquilo tudo era. Porque eu finalmente, finalmente estava me sentindo bem perto de alguém. Finalmente tinha achado alguém que soubesse me fazer sorrir sem nem fazer esforço e tudo aquilo era muito injusto.

Por que Tom tinha que ter câncer? Por que ele tinha que estar morrendo só porque eu o conheci? E Lucas, então? Como aquele garotinho que nem tinha começado a vida direito poderia estar doente daquela forma?

Eu não sabia pra onde direcionar a minha raiva, porque eu estava com raiva de Tom por ter se aproximado de mim como se fosse um cara normal e depois ter tido o descaramento de me dizer aquilo. Estava com raiva do mundo e, acho que acima de tudo, estava com raiva de mim mesma. Eu não deveria estar me sentindo assim tão mal pelos dois, sendo que eu iria embora e não os veria mais. E me sentir daquele jeito significava apenas que eu tinha me apegado mais do que deveria tanto ao Tom quanto ao Lucas. E, o pior de tudo, eu não conseguia deixar de ter raiva, mesmo sabendo lá no fundo que eles não tinham culpa nenhuma por estarem doentes.

E eu estava triste. Porque eu sentia como se devesse procurar Tom, mas não sabia se ainda queria vê-lo. Não sabia como reagiria quando fosse vê-lo. Eu não sabia como lidar com doenças e ele e Luke estavam doentes.

E isso tudo, essa raiva, a tristeza, a incerteza de vê-los novamente estavam me sufocando. Confesso que muitas vezes me passou pela cabeça ligar para o meu pai e pedir que ele fosse me buscar e me levasse pra longe daquilo tudo de uma vez. Além de resolver meu problema com minha mãe, resolveria toda a questão com Tom: eu simplesmente nunca mais o veria.

Mas eu me sentia presa à uma outra realidade, e me levantar e ligar para o meu pai parecia algo impossível de tão normal.

Minha mãe bateu na porta do meu quarto às seis e meia, interrompendo meus pensamentos.

– Pensei em dar uma caminhada na praia com você hoje de manhã - ela disse, assim que viu que eu estava acordada.

Apontei para o meu rosto inchado e, assim que minha mãe acendeu a luz, entendeu o que eu estava querendo dizer.

– Ok, má ideia.

Ficou um tempo parada ali, apenas me encarando. Eu não sabia como agir com ela também, porque até onde eu me lembro, adormeci com a cabeça no colo dela, enquanto ela acariciava os meus cabelos e balbuciava "vai ficar tudo bem, meu amor", como se fosse uma canção de ninar. E essa era só mais uma das coisas com a qual eu teria de lidar aquele dia. Não era surpresa que eu não quisesse levantar.

Eu amava minha mãe. Amo. Mas nunca fomos próximas demais. Meu porto-seguro sempre foi meu pai, mas ele pediu que eu ficasse com minha mãe quando eles se separaram, queria que eu desse apoio à ela. E lá estava eu, dando mais trabalho do que apoio. Pela primeira vez me passou pela cabeça que talvez ela estivesse mesmo certa quando me disse que eu me tornara uma garota egoísta, que só se preocupa com o próprio umbigo.

– Toma um banho e vem até a sala - ela disse, por fim - Quero te mostrar uma coisa.

Assenti e me levantei mais rápido do que imaginava que faria, sentindo alguns ossos estalarem. Fiz uma careta e caminhei pesadamente até o banheiro.

Vinte minutos depois eu saía de lá, com um pijama diferente do que eu havia entrado e os cabelos molhados encharcando as costas da blusa. Não me importei de penteá-los. Eu me sentia mole. Sentia-me doente. Assim como... Tá, você sabe quem.



Fui até a sala e minha mãe estava lá, sentada no sofá com o notebook no colo, duas xícaras de café em cima da mesinha.

Sentei ao lado dela e peguei a xícara que parecia ser minha. Depois que tomei metade, sentindo minha garganta arder por conta do café quente demais, minha mãe passou o notebook para o meu colo.

Olhei para a página e vi o Google aberto em uma aba. Olhei pra minha mãe e ela deu de ombros.

– Você disse que não sabia direito o que era Osteossarcoma.

Confesso que dei um sorrisinho pra minha mãe, grata pela atenção, mesmo já sabendo o que era Osteossarcoma. Nos últimos meses os únicos sorrisos que eu e minha mãe trocávamos eram sorrisos sarcásticos e ainda era estranho sorrir pra ela, como se estivéssemos tentando recuperar uma relação há muito tempo perdida. Mas mesmo assim ela sorriu de volta e eu voltei meu olhar para o notebook.

Mais lenta que o normal, digitei: Osteossarcoma. Selecionei algumas páginas e as abri em abas diferentes, então comecei a ler vários artigos, minha mãe junto de mim, enquanto às vezes soltávamos um "Ahhh", ou um "Caramba".

Fiquei mais de meia hora lendo apenas sobre Osteossarcoma. Minha mãe não se moveu do meu lado e, em certo momento, perguntei à ela se não se atrasaria para o trabalho.

– Hoje é domingo, Julia! - minha mãe exclamou, como se não acreditasse que eu tinha me esquecido disso. E esse fato só mostrava o quão perdida eu estava.

Para resumir o Osteossarcoma, ele é um câncer nos ossos, que aparece geralmente nos ossos mais longos, como os das pernas. A maioria se desenvolvia perto do joelho ou do quadril e causavam dores absurdas. A má notícia é que, muitas vezes, eles se espalhavam para outros órgãos. A boa é que, se fosse descoberto logo no início, uma cirurgia poderia dar jeito.

Cirurgia implicava amputação do membro nos casos mais críticos, o que Tom já havia feito. Tentei me esforçar pra lembrar o que ele disse no dia anterior, puxando as palavras dele em minha mente. O câncer dele tinha se espalhado para outro lugar, ele me disse. Por isso que, enquanto vasculhava entre os sites, não me empolguei muito quando minha mãe apontou pra uma informação que eu deixei passar.

“Pacientes com Osteossarcoma, atualmente, têm cerca de 75% de chance de sobrevivência”

Eu quase chorei de novo. Era tão injusto! E tudo o que eu podia pensar era que tinha que rezar para essa porcentagem ser referente aos pacientes que tiveram Osteossarcoma, mas o câncer evoluiu. Mas até pra mim, que não entendia absolutamente nada do assunto, aquela ideia parecia infundada e errada. Uma esperança ridícula de se ter.

Senti minha mãe me abraçar de lado quando eu verbalizei meus pensamentos. Ela pegou o notebook do meu colo, talvez de saco cheio da minha lentidão matinal, e voltou ao Google.

Dessa vez pesquisamos sobre Leucemia e percebi que ela estava procurando o que quer que fosse pra me distrair da situação de Tom. Mas não deu muito certo.

Eu já sabia que Leucemia era um câncer na corrente sanguínea que, por estar no sangue, se espalhava pelo corpo rapidamente. Ler mais sobre Leucemia só estava me deixando mais pra baixo, porque as estatísticas não estavam a favor de Lucas e minha mãe, ao perceber isso, fechou o notebook e me encarou.

– Talvez você devesse dar um tempo - ela disse, me olhando nos olhos. - Nada disso vai fazer bem pra você, Julia, eu vi o modo como você ficou ontem. Talvez... Talvez morar com o seu pai seja uma boa ideia agora.

Assenti. Ela estava tentando me poupar do sofrimento de ver alguém morrendo aos poucos. E, no momento, parecia o mais certo a se fazer. Ou pelo menos soava como algo mais fácil de fazer.

– Pensa direitinho antes de fazer qualquer coisa, OK?

Assenti novamente. Na noite passada, se bem me lembro, falei muito sobre Tom e Lucas. Senti minhas bochechas esquentarem quando lembrei que, provavelmente, tinha falado sobre nosso quase-beijo e meus pseudo-sentimentos por Tom.

Eu não podia simplesmente esquecê-los. Mas eu também não sabia se aguentaria encará-los novamente, sabendo que os dois sofriam de doenças que poderiam ser terminais. Como eu poderia ver Tom mais vezes se em todas elas eu estaria morrendo de medo que ele passasse mal ou, sei lá... Passasse mal mesmo?

Conversar com minha mãe sobre aquilo tinha me deixado um pouco melhor, mas encarar Tom significaria que eu estaria pronta pra qualquer coisa que pudesse vir a acontecer com ele e eu não sabia se estava. E ainda tinha Lucas. Logo que pensei nele, seus olhos azuis e seu sorriso gigante tomaram conta de meus pensamentos, e a única coisa que eu conseguia me perguntar era: por que ele?

Agradeci minha mãe com um sorriso quando ela trouxe algo pra eu comer. Comi e, depois, minha mãe foi até à locadora e trouxe de volta alguns filmes de um ator que eu adorava.

Assistimos a dois, depois que ela me obrigou a pentear o cabelo e colocar uma roupa que não fosse um pijama, e pela primeira vez em meses estávamos fazendo um programa entre "mãe e filha".

Estava pensando nisso depois de uma cena do segundo filme quando o interfone tocou. Olhei pro relógio, estranhando que tivéssemos visita àquela hora. Já eram quase dez da noite.

– Quem é? - atendi o interfone, que ficava na cozinha.

– Julia? - ouvi uma voz que me parecia conhecida, mas que de primeiro momento não reconheci - Oi, é o Diogo. Será que eu posso falar com você?


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