Queimando escrita por Nina F


Capítulo 6
Capítulo Cinco


Notas iniciais do capítulo

Vamos ao que interessa e até lá em baixo u.u



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Subo a escadas, estranhando o silêncio da casa. Deveriam haver colheres batendo contra a louça de pratos, vozes, choro ou riso de bebê, mas não. A casa de Violet está totalmente quieta. O térreo está vazio, assim como o corredor de cima. Todas as portas abertas, menos uma. A porta do quarto de Breeze. Me aproximo e escuto uma única voz, cantando baixo, uma única voz que nunca havia escutado.

Mantenho-me pregado contra a madeira, ouvindo a melodia, algo sobre um lugar seguro, um pedido para que alguém fuja. Eu afasto a porta e deslumbrado vejo Violet, com a pequena Breeze nos braços, embalando-a em frente à janela de cortinas entreabertas. Assim como eu, ela já está em seu uniforme do Centro de Treinamento, o cabelo solto ondula até o meio das costas, uma mecha presa em uma das mãozinhas de Breeze. Agora os versos da música são claros.


Run, run, run and hide



Somewhere no one else can find



Tall trees bend their limb pointing where to go



Where you will still be all alone




Ela não me vê e eu tampouco tenho coragem de atrapalhá-la. Nunca havia ouvido Violet sequer cantarolar. Sua voz é bonita, tranquilizadora, reconforta e eu fico ali, escorado ao portal, ouvindo-a.


Don’t you fret my dear



It’ll all be over soon



I’ll be waiting here



For you...



For you...



For you...




Violet repete o ultimo verso, à medida que abaixa a voz. Breeze parece ter adormecido e ela se vira e a põe no berço, só me vendo quando ruma para a porta. Sua expressão me faz sorrir, ainda mais, porque comecei a sorrir inconscientemente vendo-a cantar para a irmã mais nova. Ela me fita enquanto um pequeno e envergonhado sorriso surge.

– Há quanto tempo ta ai? – ela sussurra.

– Tempo o suficiente. – digo.

Eu observo Violet atentamente enquanto ela pega um lençol na cômoda e cobre Breeze, agora dormindo no berço. Ela fecha totalmente as cortinas e então vem em direção à porta. Eu me afasto para que ela possa sair e ela a fecha a porta atrás de si, posso ver suas poucas sardas destacadas nas bochechas e no nariz já que ela corou violentamente.

– Porque não avisou quando chegou?

– Porque queria te ouvir cantar... Porque nunca cantou pra mim?

– Porque eu não sei cantar! – ela sibila.

Nós nos olhamos por um tempo até que eu pego seu rosto entre minhas mãos e a beijo. Não me preocupo que alguém possa ver porque estamos sozinhos aqui. Inconscientemente a empurro contra a parede.

O ar falta, mas continuamos parados no mesmo lugar, suas mãos sobre as minhas ainda em seu rosto, as testas quase coladas.

– Vai cantar assim para os nossos filhos? – pergunto baixo.

Violet sorri e vejo seus olhos brilharem com mais intensidade.

– Se nós os tivermos... – ela diz, sua boca roçando na minha.

Ela me abraça e não sei por quanto tempo ficamos lá, mas somos acordados pelo barulho da porta e em alguns instantes a babá que Violet pediu para vir da Capital para cuidar de Breeze no período da tarde já está no topo das escadas. Ela é uma avox então não fala nada, apenas faz uma pequena reverência. Violet diz que Breeze está dormindo no quarto e logo a mulher sai. Nós temos dez minutos para estarmos no Edifício da Justiça para o sorteio dos mentores de modo que saímos apressados pelas ruas.

A ventania fria arde os pulmões e nós já estamos ofegantes quando chegamos ao centro. Adentramos o hall e perguntamos a uma mulher onde está acontecendo o sorteio, ela nos indica o segundo andar, a sala de reuniões e então pegamos o elevador rapidamente. Quando batemos à porta podemos ouvir a conversa inquieta e então quem aparece é Brutus.

– Onde diabos vocês estavam? – ele range.

– Desculpe, mas eu tenho uma irmã de um ano. A babá se atrasou. – diz Violet ao que eu entro e a puxo junto.

– Tudo bem, tudo bem! – exclama o prefeito Lawrence se levantando e tentando sobrepor-se à algazarra. Para um idoso, ele é até enérgico e a voz é forte.

A sala é até ampla e mesmo assim está cheia de gente. É claro, não estão presentes todos os vitoriosos do dois, alguns já morreram e outros estão velhos demais para serem mentores. Entre os que aqui estão eu consigo reconhecer praticamente todos, muitos conhecidos do Centro de Treinamento.

– Vamos começar aqui então. – todos se calam ele dá uma olhada geral no pessoal. – Estão todos presentes. - diz com convicção.

– Onde estão Peter, Evra e Claire? – pergunta uma voz feminina.

– Eles... Foram chamados à Capital.

Chamados à Capital? Como assim chamados à Capital? Para nós, dos distritos, só nos é permitido ir até a Capital no período dos Jogos, caso nos tornemos tributos ou mentores, ou caso trabalhemos em construções, transporte e coisas do gênero. Vitoriosos não trabalham em coisas assim. Estranho. O clima na sala parece ficar tenso, mas o prefeito prossegue.

– Faltam apenas alguns poucos meses para a septuagésima sexta edição dos Jogos Vorazes e como nosso distrito foi o vencedor da ultima edição, com Cato e Violet, hoje será realizado um novo sorteio para definirmos quem assumirá a liderança dos nossos tributos de agora até que o distrito dois seja campeão novamente.

Todos acompanham com os olhos os movimentos do prefeito. Há dois grandes globos de vidro sobre a mesa comprida, bem parecidos com os usados na colheita. Cada um deles possui vários papéis dobrados.

– Irei começar pelo mentor masculino.

Ele afunda o braço no globo da direita e pega um papel, alisa-o e lê o nome.

– Cato Stoll.

Como tenho sorte em sorteios, não? Todos se viram para mim e começam a me dar os parabéns e eu sorrio de um jeito convincente, mas sinto meu estomago afundar. Ótimo, agora serei um mentor, as crianças do meu distrito ficarão dependentes de mim nos Jogos, e eu irei vê-las morrer naquilo. Perfeito.

– Meus parabéns, Cato. – diz o prefeito. – Agora, vamos escolher nossa mentora feminina.

Ele mete o braço agora no globo da esquerda e do fundo dele puxa outro papel.

– Alicia Stark.

Todos parabenizam à Alicia, mas ela olha diretamente para Violet.

– Bem, sinceramente? Acho que não devo ser mentora esse ano novamente.

Todos se calam e olham para ela.

– Nós bem vimos o que Cato e Violet juntos são capazes de fazer então imaginem seu potencial como mentores. Acho que Violet está mais apta a tomar meu lugar e formar uma dupla com ele, juntos eles trarão mais vitoriosos ainda para o nosso distrito.

Todos na sala murmuram em concordância e Alicia sorri encorajadora à Violet. Abaixo os olhos e a vejo forçar um sorriso que esconde o mesmo remorso que estou sentindo agora.

– Tudo bem, se todos concordarem eu me tornarei mentora.

Os presentes assobiam e exclamam em concordância de modo que para Violet só resta agradecer os parabéns que lhe são dados.

O prefeito nos olha com os olhos estreitados e um discreto sorriso.

– Então, parabéns a Cato e Violet, novos mentores dos futuros tributos do distrito dois. Agora, o sorteio está encerrado, já podemos voltar à nossas atividades normais.

A enxurrada de gente lota o elevador e vários - sobretudo nós que temos de correr para o Centro de Treinamento agora – descem correndo as escadas. Na rua alguns rumam para a Aldeia dos Vitoriosos, outros para cantos aleatórios.

– Que bom não é? – Violet diz ao meu lado, com ironia. – Seremos mentores, tudo que eu queria!

– Veremos nossas crianças morrerem, perderemos pelo menos um deles todo o ano. – completo.

– Nosso sonho se realizou, Cato.

Ainda consigo perceber a tensão de Violet quando nos despedimos no Centro e seguimos caminhos opostos. Eu não estou nem um pouco diferente e permaneço assim pelo resto do dia. Enquanto ando entre as fileiras de adolescentes praticando arremesso de facas olho para cada um deles, imaginando qual estará em minhas mãos.

Será Bryan, o que, de todos aqui, parece ser o mais forte, o mais apto a ser um vitorioso? Ou será a ruiva Melanie? Talvez Christina, uma garota de pele oliva e olhos cinzentos. Pode ser qualquer um deles.

Quando dispenso todos eles ao final da tarde, sinto minha cabeça latejar. Me sento ao pé de um alvo e encaro o chão. Escuto a porta sendo aberta, mas não os passos contra o chão. Violet, ela nunca faz barulho quando anda. Eu não ergo a cabeça enquanto ela fica parada à minha frente, até que também se senta no chão, à minha frente, com as pernas cruzadas. Ninguém fala, e o único barulho é das unhas de Violet à medida que ela as arrasta pelo chão. Sua mão dança na minha frente até que a cubro com a minha.

– Eu vou matar a Alicia. – ela diz, me fazendo rir.

– Eu acho que iam nos colocar nisso de qualquer jeito, me fala um tributo até hoje que ganhou e não foi mentor...

Violet encolhe os ombros.

– De qualquer maneira, já não adianta chorar pelo leite derramado. Vamos ter de fazer o possível pra trazer os nossos de volta agora, pelo menos um deles...

Eu me impulsiono para cima e a puxo.

– Vamo’ pra casa.


*


Clove. Na verdade os olhos dela, na cara monstruosa de um bestante. E ela tenta me pegar, mas estou alto demais. Olho em volta e o que vejo são as arvores altas e o por do sol. Estou na arena novamente e estou em cima da Cornucópia. E não estou sozinho. Estão todos aqui, me olhando, os olhos tão vazios, mas ao mesmo tempo tão cheios de raiva. Eu olho cada um deles, os que matei em meus Jogos Vorazes. Eles não falam, não realmente, pois suas bocas não se mexem, mas a vozes ecoam em minha cabeça. “Não temos culpa” é o que dizem, mas no geral o que ouço é uma bagunça de vozes, todas falando ao mesmo tempo. Eu quero gritar para que parem, quero dizer que sei que eles não têm culpa de terem vindo parar aqui, que eles não têm culpa de uma rebelião ter sido iniciada uma vez, mas minha voz sumiu.

Então eu pulo da Cornucópia, mas de repente ela ficou tão alta que mais parece um abismo, o fundo nem mesmo é visível. Eu caio, mas as vozes continuam, agora gritando, à medida que afundo na escuridão e então eu finalmente atinjo o chão, ao mesmo tempo em que encaro o teto.

Minha respiração é pesada e meu braço esquerdo lateja de dor, eu devo tê-lo batido em alguma coisa. Eu me sento na cama com certa dificuldade, esse já o terceiro pesadelo só essa noite, olho o céu escuro através da janela e então jogo os lençóis longe. Isso só melhora quando ela está por perto. Abro a porta com cuidado e saio lentamente pelo corredor, desço as escadas e saio com cuidado para não fazer barulho. Uma vez fora de casa ignoro o frio extremo do inverno que se aproxima e a primeira coisa que faço e pegar três pedras no chão, pulo a cerca da casa ao lado e corro até sua lateral. A janela de Violet é a segunda da esquerda para a direita. Uma a uma eu jogo as pequenas pedras na janela e então vejo a luz pálida do abajur atrás do vidro. Dou a volta na casa novamente e subo as escadas da varanda.

Fico parado em frente à porta enquanto espero, sentindo o vento gelado bater contra meu rosto ainda frio de suor. Não demora muito e ouço os cliques metálicos das fechaduras. A porta se abre e lá está ela, o rosto preocupado. Não precisamos falar, eu apenas passo meus braços por sua cintura, enterrando o rosto entre seu cabelo, enquanto uma de suas mãos está no meu e a outra em minhas costas.

– Vem, - ela sussurra. – o aquecedor do quarto está ligado.

Violet fecha a porta silenciosamente e me guia escada à cima, a porta de seu quarto está encostada, as demais fechadas, excetuando a do quarto de Breeze, que tem apenas uma grade baixa atravessando o portal. Ela afasta sua porta e o calor morno do quarto nos recebe. Assim que entramos ela fecha e dessa vez tranca a porta, não seria nada bom que seu pai nos pegasse dormindo juntos.

– O que foi dessa vez? – ela me pergunta, se referindo ao meu pesadelo, enquanto ajusta o aquecedor.

– Primeiro eu fui assassinado por um Snow que mais parecia um monstro, depois vi você morrer nas mãos de Ryan e então eu voltei pra arena, Clove estava lá em forma de bestante, e todos que matei também. Eles me olhavam, e falavam coisas... – eu solto um grunhido.

Vou até a cama e me jogo sobre ela, Violet não demora muito para se sentar ao meu lado.

– Eles vão passar, eu sei que vão.

Não digo nada enquanto nos arrumamos sobre o colchão. Violet desliga o abajur, deixando o quarto na penumbra, e se deita como sempre. Eu ainda me pergunto como ela não tem dores dormindo desse jeito. Eu me deito de lado, nossos rostos estão bem juntos, e a ultima coisa que vejo é o sorriso fraco e encorajador de Violet, antes que ela adormeça e, logo depois, eu também.


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Notas finais do capítulo

Primeiro, pra quem quiser saber, a música que a Violet canta é Kingdom Come, da própria trilha sonora de THG. Segundo, me desculpem pelo capítulo pequeno, mas acabei de escrever os capítulos doze e treze e eles vão suprir isso mais tarde. Eu prometo o.o E eu revisei o capítulo gente! Mentira, minha amiga revisou pra mim, ela tem a média de português mais baixa que a minha mas também manja das coisas. Se tiver algum erro desculpem porque pode ter sido o Word 2003 que sempre corrigi tudo errado kk Beijos!



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