Queimando escrita por Nina F


Capítulo 16
Capítulo Quinze


Notas iniciais do capítulo

Érr... Oi. Espero que gostem!



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Último dia de treinamento, avaliação com os idealizadores daqui a alguns minutos, mas nenhum de nós está realmente nervoso. Pelo contrário, no almoço há muita piada sobre isso.

- Talvez eu cante. – Finnick ri com a boca cheia de risoto.

- Eu vou tirar a roupa. – Johanna rebate do outro lado da mesa e nós gargalhamos mais ainda.

- Algumas piadas também é uma ideia. – sugere Chaff.

Mags também resolve se juntar ao círculo de idéias absurdas e diz que irá tirar uma soneca. Essa é, sem dúvidas, a melhor opção até agora. Eu realmente não sei o que vou fazer, mas não será algo engraçado ou displicente. Eu e Violet tivemos uma conversa e ambos temos o mesmo desejo: mostrar aos idealizadores, àquele bando de filhos da mãe, que não seremos seus assassinos este ano. Que não somos suas estrelas.

Eu só não sei como fazer isso.

Nós todos continuamos sentados quando começam a nos chamar para as apresentações. Primeiro Cashmere e minutos depois Gloss. Nenhum deles se mostrou muito hoje, nem falaram no almoço para minha alegria. Quando Violet é chamada ela me dá um beijo rápido e sorri para Finnick, que faz um sinal positivo a ela. Tenho até medo do que ela vá fazer lá dentro.

Ao contrário da última vez, Violet é rápida e então eu sou chamado. São alguns segundos para que eu chegue até a porta de metal, mas segundos preciosos para mim. Não tenho idéia do que fazer, mas então eu inconvenientemente me lembro do plano de resgate e isso acaba por me ajudar. O plano vai acabar com a submissão dos distritos e vai acabar com os Jogos. É isso. Quero e vou mostrar meu ódio aos Jogos Vorazes, isso com certeza vai deixá-los saber que não estou aqui para ser uma de suas peças. Isso vai mostrar que só estou aqui hoje porque a sorte nunca está a meu favor.

Quando entro há um burburinho infernal no pódio dos idealizadores, Violet realmente os deixou irritados e isso me deixa orgulhoso e ao mesmo tempo preocupado. Taças parecem ter se quebrado de assombro porque avoxes passam para lá e para cá limpando o chão. Plutarch Heavensbee, o mais novo Idealizador Chefe, está sentado de cenho franzido na poltrona central. Não me dou o trabalho de me apresentar, eles sabem quem eu sou, apenas lanço um olhar de desprezo e me viro para o que tenho atrás de mim. Raciocino rapidamente, pego diversos bonecos de espuma e finjo dar uma bela demonstração com a espada. Realizo golpes ferozes e os deixo em cacos no chão. Me viro para os idealizadores e posso até ouvi-los suspirando um pouco mais tranquilos. Tranquilidade essa que se vai quando corro até a estação de camuflagem e pego um pode de tinta qualquer. Analiso a altura deles com relação aos pedaços de espuma no chão e então despejo o liquido colorido em minha mão.

O burburinho recomeça, mais alto ainda. Eu lanço a lata para o outro lado do ginásio e vou embora sem ao menos olhar para trás deixando-os com a imagem no chão. Um bando de destroços de “pessoas” com tinta por cima, escrevendo nitidamente duas palavras, o nome de um inferno: “JOGOS VORAZES”.

Meu andar está vazio e silencioso quando chego então eu rumo para o quarto. Jogo as roupas um pouco sujas pela tinta feita de frutas no chão do banheiro e entro debaixo do chuveiro. Eu não respiro por alguns segundos enquanto deixo que a água escorra e penso no que acabei de fazer. Eu com certeza irritei os idealizadores e agora pagarei por isso, não sei como mas sei que eles não irão deixar barato. Uma nota um talvez seja o preço pelo que fiz, mas eu não ligo. Saio do banho, visto uma roupa qualquer e saio para a sala. Apenas Violet e Mark estão lá, e ele não parece estar muito satisfeito. Ambos estão em pé no centro do cômodo, esbravejando um com o outro.

- ... não foi nada inteligente. Isso terá efeitos, Violet! Já pensou no que eles podem fazer?!

- Que se dane! – ela grita no mesmo tom. – Eu vou arcar com as consequências sozinha! Seja lá o que vier...

Violet percebe que estou observando e para. O cabelo ainda está úmido em suas costas. Mark acompanha seu olhar e me vê, mas sua expressão descontente não se ameniza.

- Seja lá o que vier, vou poder contornar. – Violet termina voltando seu olhar para ele.

Ela se joga no sofá e Mark me olha. Finalmente tomo a iniciativa e entro na sala.

- Me diga que pelo menos você fez algo racional naquela droga de apresentação, porque – ele aponta Violet. – esta aqui acaba de se enforcar.

Eu olho severamente para Violet, me lembrando da confusão que estava quando cheguei até os idealizadores.

- Que foi que aprontou lá dentro?

Ela ri com sarcasmo.

- Eu disse que iria fazê-los quebrar a cara, e cumpri isso. Peguei uma porção daqueles bonecos-alvo, os manchei com vermelho e amontoei-os no chão. Escrevi uma frase ao lado.

- O que eram os bonecos e o que escreveu?

Violet respira fundo.

- Pensei nas centenas de crianças que já foram mortas nos Jogos. Sobretudo naqueles dois do sete e na menininha do onze, que se aliou à Katniss, Rue. Os bonecos eram as crianças, o vermelho neles o sangue. Escrevi ao lado deles, no chão, “Apenas crianças de uma má revolução, as quais nunca tiveram a sorte a seu favor”. – ela umedece os lábios. – Eles piraram, jogaram as taças no chão, gritaram... Com certeza não esperavam aquilo de alguém como eu, carreirista, assassina, que mata sem dó. A principal peça dos seus Jogos. Daí eu sai sem dizer nada.

Violet dá de ombros para mim e Mark geme se sentando no outro sofá.

- Não fiz muito diferente. – digo também encolhendo os ombros e me sentando ao seu lado.

- Você o que?! – Mark exclama quase caindo do sofá.

- Eu fiz quase a mesma coisa. Picotei um monte de bonecos com a espada, o que os deixou aliviados, pois pensaram que eu estava fazendo algo decente. Mas daí, peguei tinta e joguei por cima dos pedaços de espuma.

- O que escreveu? – Violet me pergunta curiosa.

- “Jogos Vorazes”. Demonstrei meu ódio por essa coisa.

Acho que Mark está prestes a dar um ataque cardíaco e logo Enobaria aparece em seu socorro, mas não menos irritada.

- O que é que você fez?! – ela diz com uma voz aguda.

Mark nos faz repetir tudo para Enobaria e Megara chega e pega a coisa pela metade. À medida que contamos sobre nossa apresentação seus rostos se contorcem e mudam de cor no mínimo umas três vezes.

- Eu não sei se choro, ou se rio. – Enobaria diz com os lábios contraídos. – Não sei se fico irritada ou orgulhosa, de verdade. O que vocês fizeram foi realmente genial, mas as consequências disso podem ser terríveis.

- Mas nós é que iremos arcar com elas, e é isso que importa. Deixe que disso cuidamos nós. – digo.

- Não, não é bem assim! Isso vai acabar respingando em todos nós! Não percebem o que acabaram de fazer?! – Megara se irrita. – Quando foi que ficaram tão irresponsáveis?! Me lembro de dois tributos extremamente equilibrados, que não transgrediam as regras! Agora...

Megara está absolutamente irada e anda de um lado pro outro a nossa frente, seus saltos ecoando no chão.

- Vocês foram extremamente irresponsáveis hoje!

E dito isso ela se retira para a sala de jantar, onde a mesa já começa a ser posta. Se Megara já acha que somos irresponsáveis por afrontar os idealizadores, não quero ver sua reação quando explodirmos a arena.

O jantar transcorre normalmente embora ninguém fale muito. Quando Victor e Mars chegam no final, Megara faz questão de contar à eles sobre nossa “falta de bom senso”, mas eles não reagem tão explosivamente apesar de parecerem bem decepcionados quando ficamos ao redor da televisão. Violet se agarra a mim quando sentamos lado a lado e o programa começa. Gloss e Cashmere vêm com notas altas e então... Doze para nós dois novamente. Posso ouvir os grunhidos pela sala. Apenas mais uma nota alta para Finnick, notas normais para os outros... Doze para Katniss e Peeta. Não há comemoração dessa vez, não quando todos sabemos o que aqueles dois doze significam.

- Não disse que eles fariam algo? Meus parabéns, agora são alvo para os outros. – Mark diz sério.

Eu me irrito com a decepção sem nexo dele.

- Caso não percebeu, já éramos antes. Essa nota não mudou merda nenhuma. – digo saindo da sala.

Chego ao quarto e bato a porta, bufando enraivecido. Foram ele e Enobaria que nos colocaram nessa de rebelião, nos fizeram ser os tordos e agora, quando eu e Violet fazemos a coisa certa, eles ficam decepcionados. Nos chamam de irresponsáveis. E ainda tem Megara que está irritada e faz drama por tudo desde que pegou eu e Violet juntos. Essa frescura é demais pra mim, talvez eu esteja apenas cansado demais, mas isso me irrita profundamente.

Caio como uma pedra na cama e durmo durante toda a noite. Violet não vem até meu quarto e não sei se ela está tão irritada quanto eu.

*

- Ele disse mais alguma coisa? – pergunto a Enobaria.

- Não. Não até agora.

Esfrego o rosto com nervosismo. Violet agita as pernas ao meu lado enquanto nossos mentores nos olham com apreensão. Já terminamos o treinamento para a entrevista há algumas horas, mas só conseguimos falar sobre este tal assunto agora, já que Megara desceu para ver alguns detalhes sobre hoje à noite.

- Eu ainda não confio muito nisso, digo, têm muitas falhas. Não parece muito concreto.

- Mas é, Violet. – diz Mark. – Já dissemos mil vezes para que não se preocupem com isso. Apenas fiquem vivos e se mantenham perto da Cornucópia, se ocorrer um problema procurem Finnick e os outros. Se for preciso que façam algo, eles dirão.

Enobaria se arruma sobre as almofadas e nos olha com entendimento.

- Sei que parece algo muito vago, mas não é. Já está tudo muito bem planejado, podem confiar. Agora só vão precisar arrumar os símbolos do tordo com suas equipes de preparação.

Violet se escora mais em mim e suspira enquanto minha cabeça lateja. Há dois dias essa ideia toda de explodir a arena nos parecia algo certo, confiável, mas agora já não passa de uma ideia maluca e muito mal estruturada. Está claro que a maior parte do plano está sendo omitida de mim e de Violet e é disso que tenho medo. Nós não deveríamos nem saber disso tudo, mas, como disseram, somos como dois animais perigosos, seria muito mais arriscado se nós não soubéssemos sobre o que vai acontecer. De qualquer forma, já está feito, nós já somos os tordos, já nos aliamos aos rebeldes e agora vamos acabar com os Jogos de uma vez por todas.

Quando Enobaria e Mark saem da sala meu estômago afunda, mas não tanto quanto antes. Faltam apenas horas para que eu esteja na arena de novo, pela terceira vez e agora eu tenho duas opções bem definidas: ou morro, ou saio de lá vivo para em seguida entrar numa guerra. Ao contrário das últimas vezes não estou ansioso, querendo matar, querendo logo estar naquele banho de sangue na Cornucópia. Só quero sair de lá o mais rápido o possível. Não quero matar nem lutar, vou apenas tirar Violet de lá.

- Onde vai fazer? O símbolo? – pergunto tentando desanuviar minha mente.

- Não sei, em algum lugar que seja visível apenas quando for preciso. Não vai ser muito normal para a Capital nos ver usando os tordos na nossa pele. – Violet responde. - Nós vamos ficar bem lá, não é?

- É, nós vamos.

Minha equipe de preparação é a primeira a chegar, mas eles não fazem o estardalhaço de sempre. Beijo Violet rapidamente e vou para o quarto com eles, enquanto Lucy tenta não ter um ataque por nos ter visto abraçados no sofá.

Se no dia do desfile eles estavam desolados, hoje estão dez vezes mais. Lucy e Lucille voltaram a se distinguir apenas pelas cores das roupas e ambas usam vestidos curtos com saltos altíssimos. Hugo está num de seus ternos perfeitamente arrumados. Eles se movem silenciosamente pelo quarto, cortando meu cabelo, fazendo minha barba e outras coisas. Vez ou outra ouço uma fungada, geralmente das meninas já que Hugo é mais controlado. Tenho de convencê-los a me dar uma tatuagem com um tordo e acho uma brecha para isso quando a parte final da preparação se aproxima.

- Aqui na Capital... – começo. – Essas tatuagens que vocês têm no corpo todo, como se faz?

Hugo me olha com um pingo de desconfiança.

- É como desenhar com uma espécie de tinta temporária, saem depois de um tempo então temos de ficar retocando.

- Quanto tempo dura?

- Duas, talvez três semanas.

Suspiro pesadamente e me empertigo na cadeira, afastando as mãos de Lucille do meu cabelo.

- Vou precisar de um favor de vocês três e vou precisar que guardem segredo sobre isso e que não me perguntem o porquê. Preciso de uma tatuagem de um tordo.

Meus três preparadores me encaram aturdidos, me medindo e talvez tentando descobrir o que me levaria a pedir uma tatuagem com um tordo. Eu sei que seria mais seguro enganá-los, fingir que é tudo apenas um capricho meu, dizer que todos os vencedores terão o novo símbolo da moda nos Jogos, mas não posso fazer isso. Não consigo mentir assim para eles. Lucy, Lucille e Hugo se entreolham como que buscando uma decisão final.

- Considerem como se fosse um último pedido. – digo.

Essa frase os desmorona por completo e eles concordam sem questionar. Lucy sai e volta em alguns minutos com uma série de equipamentos e potes. Explico que quero apenas o desenho do pássaro em algum lugar que seja escondido e eles concordam que devo fazer o desenho nas costas. Sou sentado ao contrário na cadeira enquanto os três se desdobram atrás de mim para atender ao meu pedido. Chio quando sinto algo quente em algum ponto abaixo do meu ombro direito, mas levo uma bronca ao me mexer. Após algum tempo tudo é guardado novamente e Lucy, Lucille e Hugo fitam minhas costas analisando seu trabalho.

- Acho que nos saímos bem! – exclama Lucy animada.

- Bem? Isso ficou perfeito. – retruca Hugo.

- Mas foi trabalhoso... – murmura Lucille.

Incapaz de me conter me levanto e vou até o espelho. Quando me viro lá está, um tordo toma quase toda a região da minha escápula. É como se fosse apenas sua sombra, ele parece voar com o corpo bem estendido e suas asas abertas. Um formigamento estranho me atinge, uma espécie de excitação, e sei que minha equipe realmente fez um ótimo trabalho.

Agradeço a eles e sem mais perguntas minha preparação prossegue como se nada houvesse acontecido. Até a tristeza deles está de volta.

- Vamos pentear seu cabelo para trás de novo, tudo bem? – a voz de Lucille é controlada.

Eu aceno com a cabeça. Talvez uma hora se passa e Mars chega carregando uma capa que recobre minha roupa, o ruivo de seu cabelo agora mais intenso.

- Ele está pronto, Mars. – avisa Hugo formalmente.

- Muito bem, deixem-no comigo agora. – ela sorri fracamente pra mim.

E então acredito que seja o momento mais doloroso do dia. Meus três preparadores me olham com tanta dor que chegam a me despedaçar, os três que para mim sempre foram sinônimo de bizarrice, barulho e conversas fúteis. Três anos foi o tempo que ficaram comigo e inevitavelmente nós acabamos por nos apegar. Observo cada um deles, Hugo com seu ar sério e sua pele levemente dourada, Lucy com seu ar mais sonhador e cabelo agora cheio de mexas azuis, Lucille mais séria que a irmã e seu cabelo igualmente pintado com rosa. Enquanto observo-os eu mesmo me sinto terrivelmente tentado a chorar. Lucy é quem dá um passo para frente e se aproxima de mim.

- Sem despedidas, ok? – digo.

Ela sorri e se inclina, beijando minha bochecha e logo depois limpando a marca de seu batom do lugar.

- Se cuide. – ela diz.

Mas não há mais nada. Eles não dizem “até logo”, ou algo como “vamos preparar você após sua vitória”. Até eles sabem que não voltarei, sabem que não posso voltar de lá como um vitorioso. Atendendo ao meu pedido eles se vão sem despedidas, fechando a porta lentamente. Nunca mais os verei de novo. Sem saber muito bem o que fazer apenas me viro para Mars e encolho os ombros.

- Vem aqui, vamos te vestir.

Ela pendura o cabide no armário e abre a capa.

- Mas esse é... – murmuro reconhecendo o traje de cor próxima ao creme.

-... O smoking que desenhei para sua visita a Capital durante a turnê. – ela confirma. – Ligeiramente mudado, mas é o mesmo.

Quando tiro a camiseta e descubro minha mais nova tatuagem sinto Mars a mirar com curiosidade, mas ela não faz nenhuma pergunta. Em alguns minutos ela me ajuda a me vestir e logo estou pronto.

- Veja se está bom. – ela me põe em frente ao espelho e fica mais atrás.

Acho que nunca tive uma aparência tão séria. O cabelo e a roupa me deixam mais velho, mais formal, é algo parecido com o que os mais ricos daqui vestem.

- Está excelente, Mars. – sorrio para ela.

Quando saímos, meus mentores e Megara nos aguardam discutindo algo no sofá. Algo aparentemente sobre mim porque eles param assim que me vêem chegando acompanhado por Mars.

- Ah, - Megara suspira para mim. Ela parece finalmente ter se acalmado. – lindo como sempre!

- Obrigado, Meg. – sorrio de volta.

- Pelo amor de Deus, já estamos atrasados! – exclama Enobaria se levantando. – Onde está a Violet?!

Ela sai para o corredor novamente enquanto eu ocupo o lugar em que ela estava, ao lado de Mark. Mas Enobaria não chega a dar mais que três passos, e eu não chego a respirar mais que duas vezes. Onde meteram a minha Violet? A Violet que é apenas uma garota de dezessete anos? Porque o que vejo a minha frente é uma mulher deslumbrante com certeza nada parecida com a menina que vi sair por esse corredor um ano atrás, num vestido cor de rosa.

- Ai... Meu... Deus...  – balbucia Enobaria.

- Violet, você está linda. – admira-se Mark.

Sem rosa, sem leveza desta vez. Victor pôs Violet num vestido longo e justo que se abre na altura de seus joelhos, feito de um tecido pesado, da mesma cor do meu smoking, que reluz levemente. Parece uma adaptação do vestido que ela usaria na turnê. As alças são largas e o decote reto e aberto, mas a pele a mostra não tem nenhum sinal de tinta. Violet parece um tantinho insegura ao andar com a calda do vestido se arrastando em seus pés.

Todos olham para ela, mas ela olha apenas para mim, sorrindo nervosa.

- O que achou? – sua voz me acorda.

Apoio os cotovelos em meus joelhos e abro a boca para falar algo, mas sou incapaz de fazê-lo. Apenas balanço a cabeça sorrindo e volto a apoiar o queixo em minhas mãos. Violet sorri e revira os olhos ao que Megara começa a exclamar coisas do tipo “Ah, meu Deus, ele ficou sem palavras!”. Eu concordo intimamente com Megara, até meu ciúme ao ver as curvas de Violet tão bem marcadas pelo vestido desaparece, por que... Ela se parece com uma noiva. Não creio que Victor e Mars saibam, mas é assim que as mulheres no meu distrito se vestem em seus casamentos. É assim que vejo Violet agora, o que mais me deixou sem reação foi o fato de imaginá-la se casando comigo. Mas não sei se isso um dia será possível já que nosso futuro é tão incerto.

Mantenho meu braço em volta de sua cintura por todo o trajeto até térreo, observando cada detalhe dela enquanto insisto em passar os dedos pelo tecido, sentindo sua textura. Os saltos dessa vez não são tão altos então ela ainda está ligeiramente mais baixa que eu. Boa parte dos outros já está conversando atrás da armação do palco quando chegamos e mais uma vez todos nos olham, mas desta vez há mais admiração. Apenas a alguns passos de nós estão Cashmere e Gloss, nos olhando com nojo, mas dessa vez eles não podem nos provocar, não podem tentar diminuir Violet, já mostramos a eles que somos superiores.

- Eles são ridículos. – Violet chia para mim.

- Eu sei, mas eles não importam agora. – volto a olhá-la, em seus olhos não há quase nada. – Victor realmente conseguiu te deixar mais...

Hesito.

- Mais velha? – ela ri. – Ele tinha pegado leve até agora, mas eu gostei disso, já tava cansada de ser vista como a menininha e blábláblá, agora você...

Ela ergue as sobrancelhas para mim.

- Me lembre de agradecer Mars depois. – seus lábios vermelhos sorriem de lado enquanto ela espana algo do meu ombro.

Chego mais perto de Violet temendo que alguém nos ouça.

- Fez? – pergunto.

- Fiz. – ela assente. – Mas tive que esconder uma parte com maquiagem por conta do vestido.

- Onde?

- Minha clavícula esquerda, quatro deles, pequenos e voando. Minha equipe pirou, mas no final me atenderam.

Eu rio.

- A minha não pirou, mas acho que estão pensando que sou louco, afinal...

- É o símbolo que a Katniss usa. – Violet encolhe os ombros. – Aonde?

- Nas costas, abaixo do ombro direito.

- Me mostra mais tarde.

Estreito os olhos para a expressão maliciosa de Violet.

- Seu batom ainda é um impedimento, senhorita Beauregard?

- Pedi a eles para que dessem um jeito nesse pequeno problema. – Violet diz antes de me puxar para sua boca.

Tenho certeza de que os outros estão olhando, mas não me importo. Eu e Violet só nos separamos quando alguém pigarreia ao nosso lado. Nós nos viramos e vemos Finnick parado com um ar zombeteiro.

- O que é, Odair? – Violet murmura irritada.

- Nada, só vim elogiar vocês. – ele sorri. Parece que seus estilistas pensam que quanto mais dele estiver exposto melhor porque no desfile ele possuía apenas um nó cobrindo suas partes da frente e agora sua camisa está entreaberta, deixando metade de seu peito a mostra.

- E precisava atrapalhar? – retruco.

Nós matamos o resto do tempo com ele já que todos os outros estão conversando entre si. Após alguns minutos Katniss e Peeta são os últimos a chegar e... Katniss está usando um vestido de noiva? É, ela está. Um vestido de noiva branco e enorme, com adereços prateados.

Todos nós ficamos boquiabertos e aturdidos. Qual o porquê disso? Manipular a multidão? Chamar atenção? Ou quem sabe causar drama do tipo “os amantes que iriam se casar. mas foram mandados para morrer”?

- Não acredito que Cinna pôs isso em você. – exclama Finnick para ela.

- Ele não tinha escolha, foi uma ordem do Presidente Snow. – ela retruca na defensiva.

Os olhos de Katniss medem a mim e a Violet, mas não há qualquer superioridade neles. Nós nos encaramos por alguns segundos e entendo qual o propósito do vestido. É uma espécie de mortalha para Katniss, eu posso ver sua insatisfação em usá-lo.

Cashmere se aproxima em seus saltos estranhos, jogando o cabelo loiro e cospe:

- Bom, você está ridícula!

E em seguida sai, puxando Gloss para o início da fila que vai se formando.

Violet a olha se afastar com incredulidade e se vira para Katniss.

- Ela é quem está ridícula nessa roupa de vinil prateado. Você está linda.

Katniss dá mais um de seus sorrisos contidos e Violet é quem me puxa para os lugares logo atrás de Cashmere e Gloss. São nessas horas que odeio pertencer ao dois, vez ou outra eles nos olham por cima dos ombros nos avaliando.

Um assistente aparece e anuncia novas mudanças na entrada. Ele pede para que todos nós nos encaminhemos para o palco juntos, antes do inicio do programa, e assim nós fazemos. Há vinte e quatro poltronas posicionadas no fundo do palco, mais duas à frente e é realmente um sacrifício sentar ao lado do distrito um. O programa começa e Caesar entra em trajes e cabelo na cor lavanda, a multidão está gritando ensandecida para nós e os holofotes nos cegam. Ele faz o discurso de abertura e então começam as entrevistas. Cashmere é chamada a frente e tropeça levemente em seus sapatos estranhos, ela discursa sobre como não consegue parar de chorar quando pensa no sofrimento das pessoas da Capital, que em breve nos perderão.

Uma coisa me chama atenção em seu discurso e mais tarde no de Gloss, que fala sobre o carinho que ele e a irmã receberam aqui. Presto atenção ao tom de magoa e traição em sua voz e em como eles fazem com que a população lamente esses Jogos. Através de Cashmere e Gloss percebo o quanto os vitoriosos estão furiosos com tudo.

Quando Caesar anuncia Violet, a multidão vibra como nunca. Ela se levanta elegantemente ao meu lado e desliza até ela.

- Ah, não! Onde está a minha menininha?! Alguém a ache, por favor?! Violet Beauregard, Capital! – brinca Caesar maravilhado.

Vejo-a sorrindo para a multidão em alguns televisores próximos as câmeras. Caesar indica a poltrona ao seu lado e eles se sentam quando todos se acalmam.

- Você está deslumbrante, de verdade. Com todo o respeito, Cato! – ele se vira para mim e eu aceno com a cabeça, rindo. – Mas então, Violet, onde está aquela menininha que se sentou exatamente aqui há mais ou menos um ano?

- Aquela menininha se foi quando peguei o trem de volta pra cá, Caesar. – Violet rebate, sutilmente ácida, e sei que ela está seguindo a mesma linha dos outros.

Desta vez ela não é encantadora, doce ou qualquer coisa que seja, desta vez Violet é exuberante, arrebatadora e séria, com uma pitada de sarcasmo. Seus sorrisos são contidos e sua postura é imponente. Ela responde a todas as perguntas com sagacidade, está desmoronando Caesar e a Capital sem medo algum e eu aprovo isso, mas tenho medo que ela passe um pouco dos limites, uma vez que posso sentir os olhos de Snow em nós agora.

- Nós todos choramos desoladamente quando a vimos na colheita, tão desesperada para vir para cá. Porque fez aquilo? – Caesar ajusta disfarçadamente sua gravata, já temendo a resposta.

- Porque? – Violet ri com ironia. – Porque era o Cato. Era o nome dele naquela coisa, e eu o amo. Eu daria, eu estou dando a minha vida por ele.

A resposta não é puramente para cutucar o público, posso ver a dor real nos olhos de Violet e isso acaba comigo de modo que tenho que desviar meus olhos do monitor por alguns instantes. Caesar pragueja em voz baixa, adicionando mais drama à situação, enquanto as pessoas começam a chorar.

- O que acha que vai ser quando sair daqui? – Caesar pergunta, já abalado, no final dos três minutos da entrevista

A expressão de Violet se fecha e ela olha a multidão.

- O que vai ser? Não vai ser nada, Caesar. – ela diz e vejo duas dezenas de pessoas desmaiarem abaixo do palco. Violet deixa implícito que não sairá daqui, que esse é o fim da linha pra ela.

- Uma última palavra?

- Minha última palavra é meu silêncio, e meus agradecimentos a você e aos meus admiradores na Capital.

As pessoas começam a murmurar e se lamentar, posso ouvir aqui e ali muitas indagando o porquê desses Jogos e uma onda estrondosa de aplausos cobre Violet quando ela retorna graciosamente ao lugar ao meu lado. Só tenho tempo de olhá-la rapidamente antes de ser chamado sob o alvoroço da multidão.

Se todos alfinetaram Snow até agora, porque não posso fazer o mesmo?

É difícil fazer as pessoas se calarem, as garotas próximas ao palco estão chorando. Caesar parece estar se rachando com a atitude de seus tributos, seu profissionalismo está se balançando.

- Então, Cato, é sua terceira vez na arena. Quais são suas expectativas?

Eu pigarreio e tento acostumar meus olhos a luz forte do refletor em meu rosto.

- Sabe, Caesar, não tenho muitas expectativas no momento. – digo.

A multidão solta um grande “oh”. Seguindo o exemplo de Violet sou seco em todas as respostas, sempre tentando fazer com que isso respingue em Snow e seus malditos Jogos Vorazes.

- Estive com você e Violet no dia em que anunciaram o massacre. Num minuto vocês aparentavam estar bem felizes, no outro ela se voluntariou apenas para vir com você pra cá. Como se sente sobre isso?

Olho para Violet por sobre meu ombro e a vejo com os olhos em mim, respiro fundo e me viro para a multidão novamente.

- Me sinto como... Alguém morto, talvez. Vê-la se voluntariando e não poder impedir isso me aniquilou. – digo sinceramente, permitindo um pouco da dor tomar conta de mim novamente.

Pessoas desmaiam a minha frente e o lamento da platéia recomeça. As pessoas começam a fazer pequenas acusações contra os Jogos.

- Isso é terrível, Cato, realmente terrível. Sinto muito. – ele diz com pesar. – Alguma consideração final?

Uma palavra, uma pequena declaração minha pode fazer essas pessoas aqui se desfazerem e se elas desmoronarem... Snow também desmoronará. Eu disse que já que estou dentro desaa coisa, quanto mais confusão eu causar, melhor.

- Quero que fique registrado aqui, primeiramente o meu amor por Violet, e também minha gratidão pela população da Capital, que nos apoiou durante esse curto tempo. – digo e é quando a bomba é detonada. Agora as pessoas estão acusando os Jogos de destruírem nossa felicidade e coisas do tipo.

Todos os outros vitoriosos seguem nossa linha durante suas entrevistas, torturando a multidão. Finnick lê um poema que ele mesmo diz ter escrito para seu verdadeiro amor na Capital. Johanna já se levanta perguntando o que pode ser feito quanto a essa situação de amor rompido entre a Capital e nós. Seeder reflete sobre o poder de Snow no onze, e já que ele é tão poderoso, porque ele não pode mudar as coisas. Chaff alfineta dizendo que ele poderia muito bem mudar tudo, mas não o faz porque não acha que seja importante.

Quando Katniss é chamada, penso que agora sim as coisas vão esquentar. Se as pessoas já estavam desmaiando aos montes, clamando por mudanças, seu vestido de noiva causa um tumulto infernal e Caesar gasta quase metade de seu tempo tentando acalmar todos. Vendo uma brecha ele rapidamente cospe a pergunta:

- Então, Katniss, obviamente esta é uma noite muito emotiva para todos. Você gostaria de falar alguma coisa?

Ela está com uma tremenda dificuldade em se sentar corretamente, uma vez que o vestido não permite isso, e sua voz treme.

- Só que sinto muitíssimo por vocês não poderem comparecer ao meu casamento... Mas estou contente por vocês pelo menos poderem me ver no meu vestido. Ele não é a coisa mais... A coisa mais linda do mundo?

Dito isso ela se levanta lentamente e começa a dar voltas. Seu vestido começa a fumegar a partir da cauda e então chamas começam a consumi-lo. Seda negra começa a voar e as perolas do tecido se espalham pelo chão, acho que desta vez algo deu errado e Katniss está realmente sendo queimada. Mas ela continua girar aparentemente sem sentir dor alguma, então, de uma só vez as chamas se vão.

Eu quase pulo na cadeira e não evito o xingamento alto. Violet ao meu lado também não. Nós dois nos entreolhamos entre assombrados e admirados. Katniss aparentemente não sabe o que está acontecendo e quando se dá conta do que se tornou está tão espantada quanto nós dois. A seda branca de seu vestido se transformou em milhares de penas pretas e quando ela ergue os braços... Asas.

Katniss se tornou um tordo.


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Notas finais do capítulo

É isso, desculpem pelos erros e espero que esteja bom. Reviews por favor?



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