Queimando escrita por Nina F


Capítulo 14
Capítulo Treze


Notas iniciais do capítulo

Desculpem postar no dia errado novamente, mas é que minha vida está uma bagunça e não vou poder postar amanhã :/ Espero que gostem e até as notas finais.



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Faço uma careta e não me atrevo a abrir os olhos, sentindo o calor da luz do sol em meu rosto. Demora um pouco até meus olhos se acostumarem. Sinto um peso conhecido sobre mim, mas desta vez as circunstâncias são bem diferentes. Abaixo os olhos e tudo que posso ver é o cabelo negro de Violet, seu braço largado displicentemente em meu tórax. Fito o quarto, roupas espalhadas, alguns travesseiros estão do outro lado do cômodo. Os cobertores estão no chão, excetuando o fino lençol branco que nos cobre, bem, apenas parcialmente.

Sem querer me mexo um pouco, o que incomoda Violet e ela então rola para o lado, deitando-se de bruços sobre o travesseiro que sobrou, suas costas totalmente nuas. Meu movimento também resulta numa leve ardência nas minhas costas e sei que elas estão arranhadas apenas de checar meus braços, também um pouco machucados. E pensar que Violet tinha vergonha de mim... Eu é quem tinha razão quando disse que ela era muito mais do que eu merecia.

Sorrio enquanto a observo respirar lentamente ao meu lado. Hoje temos treinamento, mas, pelo menos agora, quero que esses Jogos se danem. Agora somos só eu e ela. A minha Violet. Ela dá um longo suspiro e então rola novamente, mas dessa vez seus olhos âmbar me fitam bem abertos.

– Oi.

– Oi... – ela me responde sorrindo levemente.

Violet demora um pouco para raciocinar e então rapidamente puxa os lençóis para se cobrir, eu rio enquanto ela fica vermelha.

– Não tem graça... – diz com uma falsa raiva enquanto nos sentamos lado a lado na cama. Seu olhar está na desordem do quarto.

Nós ficamos em silencio, não sei o que Violet pensa, mas eu me lembro apenas do que fizemos. Foi diferente, totalmente diferente. Mesmo enfrentando tudo isso, mesmo em meio a uma guerra, eu me sinto de certa forma aliviado, completo. A quem eu estou querendo enganar, ontem a noite foi a primeira vez que em me senti homem de verdade. Não pelo que fizemos, mas porque foi com ela. Só ela conseguiu me completar.

– Nós temos treinamento. – ela suspira.

– Ainda deve ser cedo, Megara nem nos chamou.

Violet encolhe os ombros e se levanta, se enrolando no lençol.

– Ei! – exclamo em protesto quando ela me deixa totalmente descoberto.

Mas Violet apenas ri debochadamente e desaparece no banheiro. Eu escorrego na cama e me espreguiço, colocando os braços atrás da cabeça.

– Você pensou sobre aquilo? – a voz de Violet diz do banheiro.

– Sobre aquilo o que?

– A coisa toda... A proposta.

Eu bufo indignado.

– É claro que não! Eu tava ocupado com outras coisas, não foi? Nós, - dou ênfase. – estávamos.

– Não! Não naquela hora, depois, antes, sei lá...

– Não... – começo a dizer, mas algo me chama atenção.

Em meio à branquidão dos lençóis uma pequena mancha, num vermelho bem escuro. Eu franzo as sobrancelhas praquilo e quando raciocino rapidamente me desespero, me levanto com um pulo e corro para o banheiro.

– Violet! – encontro-a em frente ao espelho.

– Que foi? – me pergunta assustada.

– Eu te machuquei? – pego seu rosto com as mãos, realmente preocupado. – Fala a verdade, eu te machuquei ontem à noite?

Ela franze o cenho e me olha confusa, segurando minhas mãos.

– Não, você não me machucou...

Ela vai até a porta arrumando o lençol no corpo, espia para fora e se vira de novo sorrindo.

– Não foi nada.

– Não foi nada? Violet, tem sangue na cama...

Ela me puxa para ela. Passo meus braços pela sua cintura.

– É normal...

– Normal?

– É só até me acostumar com você. – ela diz corando.

Eu sei que tenho uma expressão confusa pelo rosto dela. Com o rosto limpo, sem as toneladas de maquiagem de ontem, Violet voltou a ter a aparência de uma menina. E ela era, de certa forma, até ontem a noite...

– Tem certeza que não te machuquei? – pergunto inseguro.

Ela sorri, o primeiro sorriso realmente verdadeiro que ela dá em meses.

– Tenho. Bom, - ela me solta e vai até o espelho novamente. – tirando isso aqui, sim.

Violet joga o cabelo pra trás e estica o pescoço, lá três manchas feiamente arroxeadas. Eu coço a cabeça enquanto ela me olha com uma sobrancelha erguida.

– Culpado. – digo rindo. – Mas também não estou inteiro.

Me viro de costas e ela exclama quando vê os arranhões.

– Pelo menos agora estamos quites... – ela dá de ombros.

Quando Violet passa por mim novamente em direção ao quarto, puxo o lençol com força o que faz com que seu corpo se junte ao meu. Ela fica envergonhada por estarmos sem nenhuma roupa.

– Já te vi sem nada antes... – sussurro antes de arremessar o tecido para o quarto e estou a ponto de beijá-la quando ela solta sem pestanejar.

– Eu não fui a primeira, não é?

Eu sou pego desprevenido pela pergunta dela, mas não posso mentir. Violet Beauregard, objetiva e desconcertante como uma criança.

– Não, não foi.

De fato já houveram algumas antes dela, mas minha resposta não parece irritá-la. Ela relaxa, deixando nossos corpos se roçarem, e beija a curva do meu ombro, mordendo-a levemente depois, o que me faz arfar. Violet sorri com o efeito e se afasta, me apressando para nos arrumarmos, nossos mentores e Megara podem acordar a qualquer momento.

– Cato, - ela me chama. – não tava brincando quando perguntei se pensou naquilo...

Eu me largo na cama novamente o que faz Violet revirar os olhos rindo. Ela para a minha frente. Perfeita, é isso o que ela é.

– Na verdade, - hesito. – vou aceitar, por mais maluca que a coisa seja.

Violet cruza os braços e morde o lábio inferior.

– Eu também vou. – ela revela olhando longe. – É o certo. Agora temos de dizer isso pra Enobaria e Mark...

Nós dois paramos e encaramos a porta, ouvimos a voz de Megara gritando algo que não conseguimos entender, mas não nos damos conta de que ela está perto demais antes que a maçaneta gire, a porta seja escancarada e Enobaria, Mark e Megara entrem por ela. Droga, me esqueci de trancar a maldita da porta.

Violet solta um gritinho fino enquanto puxa do chão o lençol e se cobre, eu me levanto correndo e sem outra alternativa tapo o que realmente interessa com um travesseiro. A expressão assustada de Megara graduadamente se transforma numa expressão absolutamente furiosa enquanto ela observa todo o quarto, juntando as evidências e descobrindo o que houve.

– O QUE VOCÊS DOIS PENSAM QUE ESTÃO FAZENDO?! – ela grita histérica. – VOCÊS... VOCÊS FIZERAM O QUE ACHO QUE FIZERAM?!

Enquanto vemos o rosto de Megara ficar totalmente vermelho, Mark e Enobaria olham para nós com uma incredulidade que aos poucos vai dando lugar ao riso.

– RESOLVI ACORDÁ-LOS MAIS CEDO, PARA UMA CONVERSA DE INCENTIVO, - berra Megara profundamente ultrajada. – CHAMEI VOCÊS DOIS, MAS NADA! ESPERAMOS POR DEZ MINUTOS À MESA! FOMOS ATÉ O SEU QUARTO – ela aponta Violet. – E ESTAVA VAZIO, A CAMA NEM FOI DESFEITA! FICAMOS MALUCOS, NÃO TINHAMOS IDEIA DE ONDE VOCÊ HAVIA IDO PARAR E QUANDO CHEGAMOS AQUI ENCONTRAMOS ISSO?!

Mark gargalha enquanto Enobaria tenta a todo custo conter o riso, o que faz com que eu e Violet queiramos rir também, mas não é uma possibilidade com uma Megara descontrolada à nossa frente. Sua peruca dourada balançando precariamente enquanto ela berra.

– Desculpa, Meg... – Violet diz contendo o próprio riso.

– DES... – Megara suspira e se acalma. – Desculpa? Violet... Vocês dois transaram?

A pergunta sobressalta tanto a mim quanto a Violet e nós nos entreolhamos.

– Megara, ta na cara o que eles fizeram... – Mark vem em nosso socorro conseguindo enfim respirar.

Megara respira fundo um par de vezes.

– Ainda bem que resolvi acordá-los mais cedo, vocês ainda têm tempo de tomar café antes de descer. Poderiam ter, ao menos, trancado a porta.

E então ela sai do quarto a passos largos, murmurando algo como “hormônios adolescentes”. Uma fera domada, hora de enfrentar nossos mentores, mas eles não estão nem de longe furiosos. Pelo contrário parece que o flagra que deram em mim e em Violet foi um bom tônico para o humor deles.

– Acho melhor ir pro seu quarto se arrumar... – sugere Enobaria à Violet.

Ela sai do quarto, envolta no lençol, mas não antes de me lançar um olhar cúmplice.

– Pelo menos foi bom, não é? – Mark ri apontando meus braços. Eu jogo o travesseiro, mas ele é rápido o suficiente para fechar a porta antes de ser atingido.

Enquanto tomo banho ouço o barulho dos avoxes arrumando a bagunça do quarto e me sinto realmente constrangido por eles verem tudo. Visto rapidamente a roupa do treinamento com o nosso número dois e sigo para a sala de jantar. Apenas Mark e uma Megara com a cara amarrada estão lá, já comendo. Pego apenas frutas e me sento à mesa, Violet e Enobaria chegam depois. Violet também vestida em seu uniforme de treinamento, seu cabelo preso.

– As marcas? – sussurro quando ela se senta ao meu lado, seu pescoço intacto novamente.

– Maquiagem. – ela murmura de volta olhando com cautela para Megara.

Após um período de silencio, Megara parece finalmente nos perdoar pelo ocorrido.

– Não imaginam o quanto meu coração está apertado. – ela diz baixo, ainda um pouco ressentida. – Vocês têm que descer em dez minutos, eu não vou levá-los. São os mais novos hoje, têm de parecer autossuficientes...

Nessa hora Megara desanda a ter um ataque de choro e se retira da mesa. Ela parece estar sofrendo mais que nós dois, já conformados com tudo. Violet me olha e nós tomamos coragem, aproveitando a ausência dela.

– Nós aceitamos. – Violet anuncia.

Enobaria e Mark erguem os olhos de seus pratos.

– Podem avisar a Haymitch que nós aceitamos ser os tordos, pergunte a ele o que precisamos fazer agora.

Enobaria sorri para ela com orgulho.

– O procurarei quando vocês descerem.


Dentro do elevador Violet permanece agarrada à minha mão, claramente nervosa. Eu a acalmo e digo que ela não tem com o que se preocupar, metade dos que estarão lá embaixo são aliados. Pelo menos foi o que Haymitch nos disse. Quando saímos Enobaria gritou para que fizéssemos alguns amigos, para nos sentirmos melhor, mas acho que isso não será possível. Antes mesmo da colheita eu e Violet decidimos que seriamos apenas nós dois agora, sem alianças, e mesmo com toda a história do resgate não pretendo me juntar a Finnick Odair, ou a um Beetee, mesmo sabendo que eles querem me manter vivos. Não estou de modo algum os desmerecendo, não depois de saber de seu objetivo, mas tenho experiências ruins demais com alianças.

– Megara e seu desespero com horários... – bufo quando chegamos ao nível inferior.

Somos os primeiros.

Eu e Violet aproveitamos o tempo livre para observarmos as estações e ficarmos especulando sobre o novo “brinquedo”, que agora está disposto bem onde da última vez ficava o grande circuito que garantiu uma nota doze a ela. Se parece com uma espécie de túnel totalmente preto, no teto há algumas luminárias e apenas isso. Noto que há algumas armas perto dele, mas não consigo adivinhar o que seja.

– Acha que aquilo vai dar certo? – Violet me pergunta ansiosa.

– Pode ser que sim, por mais lunático que pareça, acho que eles estão falando sério.

– Vamos acabar mor... – ela começa, mas para no meio da frase, seu olhar em algo atrás de mim.

Me viro e Katniss e Peeta estão saindo do elevador de mãos dadas.

– Como vai, Cato? – cumprimenta Peeta quando nos vê.

– Bem, Katniss...

É a primeira vez que a vejo de perto. Fomos adversários, tentei matá-la, ela tentou me matar, mas no final foi sua flecha de misericórdia que me fez sobreviver. Se saí da arena na primeira vez, devo isso a ela, por mais que não queira admitir. Ela me cumprimenta com um aceno de cabeça.

– Violet.

– Como vai, Peeta?

– Bem. – ele responde com um sorriso contido. Está tentando apenas ser educado.

E ninguém fala. Nós quatro ficamos num silêncio incomodo, eu e Violet não podemos falar sobre a proposta para sermos os tordos na frente deles porque Haymitch disse que eles não poderiam saber até tudo estar feito.

Às dez, quando Atala, a supervisora do treinamento, aparece para as informações apenas metade de nós está presente, mas ela não se incomoda. Quando lê a lista de estações nós ficamos sabendo sobre o túnel no fundo do ginásio. É um equipamento novo, para um treinamento mais interativo, segundo ela. As luminárias no teto na verdade são projetores, que projetarão alvos realistas de humanos, eles correrão, se esquivarão e também nos atacarão. O objetivo da coisa? Escolher uma arma, entrar lá dentro e acabar com todos os “adversários-projeções”. Vejo os olhos de Violet brilharem para o novo “brinquedo”, ela é louca por essas coisas malucas.

– Vai encarar essa coisa? – pergunto a ela quando somos liberados.

– Não, não agora. Victor e Mars disseram que precisávamos mostrar para eles que nós somos os melhores, vou fazer isso na hora certa. Agora, - ela acrescenta. – sério, vamos tentar conhecer alguém como Enobaria disse. Não quero me sentir deslocada.

– Mas nós dissemos...

– Não estou dizendo para fazermos alianças. Apenas... – ela para pensativa. – Vamos socializar.

E eu saio rindo de sua última frase enquanto seguimos para a estação de lanças. Chaff, que perdeu uma de suas mãos nos Jogos, está lá quando chegamos e Violet é rápida em nos enturmar com ele. Ela é do tipo que conquista os outros, que os faz gostarem dela.

– Esse tiro foi muito bom! – ele exclama quando lanço, acertando em cheio o alvo.

– Obrigado. – digo sorrindo.

– Treinou muito tempo, Cato?

– A minha vida inteira. – respondo dando espaço para Violet lançar.

– Se importam se eu treinar com vocês? – Peeta aparece ao nosso lado.

Eu hesito, mas respondo tranquilamente.

– Claro que não.

Realmente gosto de treinar com Chaff e Peeta, Chaff é um cara tranquilo e eu não me esqueço de que ele está na lista de Haymitch. Quanto a Peeta, ele parece ter apagado nossos Jogos e nosso ódio recíproco de sua mente, de modo que tento fazer o mesmo. Quando terminamos eu e Violet decidimos nos separar, ela vai para a estação de luta e eu para a estação de tiro com arco. Finnick e a idosa de seu distrito estão lá, eu tento esquecer os suspiros de Violet para ele e tento me aproximar.

– Cato! – ele exclama quando me vê, estendendo sua mão. – Finnick Odair...

– É claro, a lenda viva dos Jogos.

Ele ri.

– Não, você e sua namorada – ele aponta Violet. – são as lendas agora.

Começo a mudar minha opinião ciumenta a cerca de Finnick. Ele me trata como se fossemos velhos conhecidos, sem nenhuma hostilidade ou tentativa de parecer superior como Cashmere e Gloss, nada mal para um carreirista. Ele me apresenta Mags, a idosa de oitenta anos mais ágil e esperta que já vi, embora aparentemente tenha sofrido um AVC. Sinceramente, me surpreendi ao vê-la atirar com o arco, errando o alvo por milímetros, algo louvável para sua idade.

Vez ou outra dou uma olhada em Violet e dá última vez que vi ela estava rindo de algo que Johanna Mason estava fazendo na luta.

– Ela ta pelada?! – exclamo para Finnick.

– É o que parece, não é? – ele ri. – Não liga, Johanna é absolutamente maluca.

E eu confirmo isso mais tarde, quando encontro com ela na seção de facas. É um pouco ácida, mas sem mais problemas, assim como Finnick.

– Na verdade Violet é quem lança facas, eu nunca consigo. – comento, errando muito feio um alvo.

– Ela é incrível, sério, vi os Jogos de vocês. – ela abaixa o tom de voz. – Vi o que fizeram com as duas crianças do meu distrito também.

Olho para Johanna e a pego olhando para mim com expectativa e um ar meio maluco com seu cabelo espetado, pintado com mexas vermelhas.

– Desculpa se te incomodar, mas já chegou a checar quanto a Violet vale? Me falaram que estavam cobrando milhões por ela... Ela chegou a ser chamada antes de vir?

É minha vez de encará-la enquanto ela joga meia dúzia de facas.

– Como é que é? De que é que você ta falando?

Johanna se vira para mim com uma expressão de alguém que acabou de dar uma mancada.

– Ah... Você não sabe... – ela geme. – Eles não te explicaram, Cato?

Nessa hora o almoço é anunciado e Johanna me olha com um pingo de aflição.

– Vai ser uma pena corromper essa alma tão pura. – ela diz com ironia, mas se torna séria novamente. – Vem comigo depois do almoço, vou ter a compaixão de lhe explicar algumas coisas que ninguém teve a capacidade.

Ela dá tapinhas no meu ombro e me acompanha. Os outros estão juntando as mesas de forma a fazer uma outra grande para nos sentarmos todos juntos. Quando Violet vem até nós dois Johanna acena para ela um tanto indiscretamente.

– A maquiagem ta saindo e... Isso é o que eu penso que é?

Ela ergue as sobrancelhas para nós dois, fazendo Violet corar violentamente.

– Fica quieta. – ela murmura.

– Ah, qual é! Eu não tenho ninguém pra amar, mas se tivesse, como você, não esconderia!

Violet ri na hora, mas ainda sim tira toda a maquiagem que esconde as manchas roxas que deixei em sua pele e tenta escondê-las com o cabelo, no final acaba sendo em vão.

– Ah, olha, Pancada e Faísca. – comenta Johanna se sentando ao lado de Violet na mesa.

– Quem?

– Os do três, Wiress e Beetee, é o apelido deles. Pancada e Faísca.

Eu e Violet viramos o pescoço e fitamos os dois do distrito três. Realmente parecem um tantinho estranhos, mas de qualquer forma vou tentar falar com eles. Ser sociável pode ajudar aqui.

Durante todo o almoço fico com a cabeça na conversa estranha de Johanna e assim que acabamos com a comida, Violet me avisa que vai “circular” e eu rapidamente a intercepto.

– Agora dá pra me explicar que história absurda é aquela?

Ele suspira.

– É o seguinte, pode ser meio chocante, mas sinceramente se você não sabe é bom saber. – ela hesita. – Com a vitória na arena, vem a fama. Com a fama, a admiração e o desejo das pessoas aqui. E com essa adoração, vem a venda.

Eu a encaro completamente aturdido.

– Venda?

– É o presente do Snow para os vitoriosos famosos. Nós somos vendidos. Prostituição, Cato!

Lentamente meu queixo cai enquanto Johanna observa minha reação. O presidente Snow vende vitoriosos? Então esse é o motivo da conversa esquisita de Cecília Vane, a mulher que foi quase assassinada por Violet. Era sobre isso que ela falava.

– Espera, nós somos vendidos?

– Nós viramos garotas e garotos de programa. – ela explica visivelmente enojada. – Os caras aqui pedem, ele pega a primeira parcela e então somos “chamados até a Capital”, é como costumam dizer. No final nós também acabamos recebendo, mas...

– É só nos recusarmos não?

Johanna ri.

– É claro que não. Eu tentei e então... Meus pais, meus irmãos. Todos mortos. Você não tem escolha.

Ela espera pacientemente enquanto assimilo a revelação. Prostituição? Droga, é isso que acontece quando somos famosos? Somos obrigados a nos prostituir? É muita sujeira para uma pessoa só, é muito sujeira até para Snow.

– Você já foi? – pergunto sentindo náuseas violentas.

Johanna maneia a cabeça.

– E não foi só uma vez. - ela se vira para os outros, agora treinando. Com a cabeça ela indica Finnick – Aquele ali, eu sinceramente tenho pena do Finnick. Ele sofreu muito por isso. Uma vez me disse que no inicio chegava a passar duas semanas seguidas aqui, atendendo seus... Clientes. É horrível. É asqueroso. Homens, mulheres, os apetites sexuais mais estranhos e assustadores que você é capaz de imaginar...

Johanna me olha novamente, sua voz se torna pesada.

– Em parte vocês devem agradecer por estar aqui, porque da última vez que fui chamada os magnatas estavam tirando livremente do bolso milhões pra pagar pelos corpos de vocês dois. Agradeça por não ter de receber Violet em casa, machucada, violada... Agradeça por não ver a dor dela, agradeça por não ter tido tempo de sofrer isso também.

Pouquíssimo abalada, Johanna diz que vai procurar algo para treinar e me deixa fitando Violet, agora rondando o novo equipamento de treino. Inevitavelmente imagino realmente como seria se ela chegasse até mim, após ser tocada por outro, machucada, em choque, como Johanna disse. Eu não suportaria, eu mataria quem tocasse nela, homem ou mulher, eu mataria quem fizesse mal a Violet. Milhões, o corpo dela, os nossos corpos estavam valendo milhões aqui. Como é possível alguém ter em mente que pode comprar uma pessoa...

Me sinto meio tonto, mas ainda sim preciso treinar. Consigo com algum esforço deixar a história da prostituição de lado e vou para a estação de luta, Chaff me encontra e me apresenta Seeder. Seeder é assim como Chaff, ela só não faz piadas a toda hora. Treinamos luta e então nos separamos novamente. Uma olhadela em Violet e ela está na estação de reconhecimento de plantas com Cecelia do distrito oito, a mulher que deixou três filhos em casa.

Quero ir para a estação de combate com espada, mas está lotada. Não lotada, mas Peeta, Gloss e Cashmere estão lá e não quero contato com aqueles dois tão cedo. Sendo assim me contento em tentar os machados. O instrutor me passa uma série de movimentos e a medida que os realizo ele aumenta o grau de dificuldade até que a coisa se torna impossível.

– Sofrendo ai? – a voz de Violet me assusta.

– Um pouco. – arfo me virando pra ela.

Ela sorri e pega a arma das minhas mãos.

– Se preocupe com as outras coisas, deixa que do machado cuido eu.

E assim eu faço. Enquanto o instrutor recebe Violet elogiando seu desempenho nos Jogos passados eu sigo para a estação de lanças novamente. Quando já estou na segunda rodada escuto o ginásio se silenciar lentamente e me viro com curiosidade, todos os olhos se viraram para um ponto fixo. A estação de arco e flecha, Katniss está atirando. De uma única vez ela consegue acertar cinco aves falsas jogadas no ar pelo instrutor e só então parece perceber que todos os olhos existentes aqui estão pregados nela. Realmente Katniss atira muito bem, mas não é espetacular ou não teria me deixado vivo. Ou talvez por isso ela seja espetacular?...

Quando dá nossa hora eu e Violet subimos com Finnick e Mags no elevador. Megara mais uma vez não está presente e nós encontramos Enobaria e Mark discutindo algo na sala.

– Ah, olha eles aí. – anuncia Mark. – Como foram hoje?

Eu e Violet nos jogamos no sofá, um ao lado do outro.

– Cansativo, mas bem melhor do que eu imaginava. – digo.

– Podemos dizer que para um treinamento para os Jogos Vorazes foi até agradável. – completa Violet.

– Fizeram o que mandei? – indaga Enobaria.

Nós assentimos.

– Conhecemos alguns hoje.

E então eu e Violet fazemos uma lista dos vitoriosos com quem conversamos. Temos no currículo Chaff, Cecelia, Seeder, Finnick, Mags, Johanna e Woof. Violet me surpreende dizendo que fez algumas armadilhas com Wiress e Beetee também.

– Mas eles são meio... Sabe como é. Beetee é um cara pra lá de inteligente, Wiress também, mas ele é bom da cabeça, ela não.

Mark nos olha.

– Só esses hoje?

– Bom, é... O cara do distrito cinco estava numa ressaca de dar dó, qualquer um que chegasse perto era melhor estar prevenido porque ele sujou as coisas de vinho umas quatro vezes. Os dois do seis parecem ser piores que a Wiress... – digo.

– E Cashmere e Gloss?

Violet bufa ao meu lado.

– Eles nos odeiam e é recíproco, antes que me pergunte. Ontem mesmo, depois do desfile, eles nos atacaram com uma hostilidade impressionante. – ela conta.

Olho para Violet e ela para mim.

– E, se estiver pensando que eles seriam bons para uma aliança, é melhor saber que seremos apenas nós dois agora. – digo.

Mark e Enobaria se entreolham e se viram para nós dois novamente.

– Não querem alianças esse ano? – Mark se alarma.

– Não. – confirma Violet.

Enobaria olha para a porta e então abaixa a voz.

– Pois então vão ter que mudar de idéia. Falamos com Haymitch essa tarde.

Me empertigo no sofá e me inclino para Enobaria.

– Ficamos sabendo dos detalhes do resgate, das condições para vocês serem tordos e tudo o mais. A começar pelas pessoas dentro da arena que estarão apoiando vocês. Distritos um, cinco, nove e dez estão definitivamente fora da coisa, então, eles serão inimigos. Apenas eles, todos os outros lá estarão tentando proteger vocês então não façam besteira.

– E o que isso tem a ver com termos de fazer alianças? – Violet murmura.

– Porque de início as coisas estão arranjadas da seguinte maneira: vocês terão de estar todos no lugar certo e na hora certa e Katniss e Peeta não sabem de nada. Finnick, Mags e Johanna são, como diz Haymitch, os de linha de frente.

Olho para Enobaria com a confusão estampada no rosto e ela rapidamente entende.

– Eles formarão uma aliança com Katniss e Peeta. Na verdade serão apenas Finnick e Mags no inicio, Johanna se juntará a eles mais tarde pra não dar na muito na cara. Nem do Snow, nem da Katniss, que é a principal preocupação dos que estão comandando a ação.

– Então eles vão bancar as babás? – rio com deboche.

– Mais ou menos, vocês de certa forma também irão.

Eu e Violet ficamos em silêncio.

– Vocês têm de estar na aliança. – Mark prossegue. – Para ficarem a salvo dos outros e para, como Enobaria disse, estarem onde têm de estar quando acontecer.

Violet nega com a cabeça.

– Não, não vai dar certo... Alianças não dão muito certo. E além do mais...

– Aí sim vai dar na cara. – completo o pensamento de Violet e ela assente para mim.

– Katniss e Peeta são nossos adversários naturais naquela arena, estão todos prevendo o confronto entre os namorados assassinos e os amantes desafortunados. Se fizermos uma aliança, além de decepcionar o pessoal daqui, que está doido para verem nós quatro nos matando, Snow vai perceber que tem algo errado. Eles tentaram matar o Cato, uma aliança assim tão natural entre nós é inadmissível.

Enobaria e Mark ponderam sobre a coisa alguns momentos.

– Têm razão, não tínhamos pensado assim. – diz Enobaria olhando para Mark. - Mas, ainda que os distritos seis, oito e onze ficarão rondando a arena para reforçar a segurança de vocês, vai ser muito perigoso deixá-los sozinhos lá.

– Perigoso? Enobaria, somos os melhores e mais fortes lá. – diz Violet. – Se cruzarmos com alguém não vai nos acontecer nada.

– E quem me garantirá isso? – ela rebate.

– Fazemos assim então... – intervenho quando vejo Violet se preparar para revidar. - Nós ficaremos rondando a arena também, assim como os outros. Simples.

– Mas não entenderam que têm de estar junto com Katniss e os outros quando executarem o plano?! – diz Mark contrariado.

Nós ficamos em silêncio ao que parecem ser vários minutos, tentando encontrar uma solução para o que é essa loucura em que nos metemos.

– Já sei! – exclama Violet. – Disseram que apenas Mags e Finnick farão uma aliança com Katniss e Peeta a princípio e que Johanna, Wiress e Beetee entrarão mais tarde. Eu e Cato faremos a mesma coisa, entraremos na aliança depois...

– E como acharão os outros na arena, esperta?

– Damos um jeito, Mark. – ela diz. – Não sei, marcamos algum ponto de emergência. A Cornucópia por exemplo, tentamos nos manter próximos dela, para nos acharmos mais facilmente. Os outros só têm de ser avisados.

Enobaria assente.

– É uma boa solução, mas teremos que falar de novo com Haymitch a respeito disso. Ele disse que já acertaram o código para marcarem o dia para a explosão do campo de força. Sabem reconhecer pães de distritos diferentes?

Violet e eu assentimos.

– Eles mandarão pães pra vocês. O número do distrito do qual o pão é proveniente indicará o dia, o numero de pães, a hora.

– Mas ainda tem um último detalhe, Haymitch disse que estão pretendendo deixar alguns pequenos sinais sutis para Katniss. – continua Enobaria.

– Mas não era pra ela não saber? – me irrito.

– Ela não vai saber do plano, mas ela precisa se dar conta de que vocês são aliados. Digamos que é uma forma de ela não os matar durante a noite por conta de sua desconfiança, afinal, vocês estarão nos Jogos Vorazes.

– Ta, então o que temos que fazer? Que sinais são esses que querem deixar pra ela?

– Haymitch disse que todos que estão dentro terão de ter algum tordo. – diz Mark.

Violet faz uma careta e eu coço a cabeça agoniado.

– Então agora vamos ter que usar os broches dela também? – digo exasperado.

– Não, não o broche, qualquer coisa. – explica Enobaria. – O tordo é um símbolo, teremos de arranjar algo pra vocês levarem que tenha o bicho.

Eu paro e penso em alguma solução. Uma imagem do pessoal estranho da Capital me vem à cabeça, eles devem ter centenas de coisas diferentes com o tordo. Se brincar o têm até desenhado em seus corpos.

– É isso. – sussurro para mim mesmo. – Vamos desenhar o tordo.

Violet, Mark e Enobaria me olham confusos, mas eu sei do que estou falando. Esse pessoal daqui vive se pintando, tintas que saem da pele com o tempo. É um modo prático de sinalizarmos de que lado estaremos na arena.

– Vamos tatuar o tordo, Violet.

Ela me olha com o cenho franzido.

– Tatuar?

– Com alguma tinta temporária, eles devem ter isso aqui.

– É uma boa idéia, ótima na verdade. – Mark vem em meu apoio.

– Concordo. – diz Enobaria.

Violet fica em silêncio e pensa.

– É, pode ser. Mas onde e como vamos fazer isso?

– Nossas equipes de preparação. – encolho os ombros para ela. – No dia da entrevista, é só pedirmos para tatuarem a coisa em nós, damos alguma desculpa.

Violet acaba concordando.

– É só isso? – pergunta para Mark e Enobaria. Eles sorriem.

– É, é só isso. Agora podemos dizer que vocês são, oficialmente, os tordos da rebelião.


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Notas finais do capítulo

E então, o capítulo ficou bom? Ruim? Querem me matar? De qualquer modo tenho novidades hoje. Já há algum tempo tive uma ideia pra fic, mas não sabia se todos aprovariam. Isso não aconteceu em A Última Gota, mas agora haverá algumas cenas que serão, digamos, importantes, mas o Cato, que narra tudo pelo seu POV, não estará presente nelas. Apenas a Violet estará nessas situações e então, inspirada em uma outra trilogia que eu amo, decidi fazer alguns capítulos extras, uma espécie de bônus. Eles serão sobre essas cenas e serão narrados pela Violet, o primeiro já está quase pronto mas só será postado depois do capítulo dezenove. E... é isso, se tiverem ideia pra alguns desses capítulos extras, algum pedido, é só falar. Reviews por favor? Beijos!



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