Wesen Para Matar escrita por GhostOne


Capítulo 1
A traição dos Traidores


Notas iniciais do capítulo

Uma introdução aos personagens, à raça e a, basicamente, toda a história. Espero que gostem!
O título é uma alusão ao nome da Verrat, que significa traição em alemão.
Boa leitura, Grimms, Wesens, whatever! (Ou hibridinhos)



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Fogo!

Era o que eu queria dizer, embora minhas energias estivessem concentradas em tentar não desmaiar e me entregar ao desespero. Era como fogo, ácido sulfúrico, algo semelhante, mas pior, que injetavam no meu braço. Tentei gritar, xingar (dizem que diminui a dor), mas alguém tapou minha boca com a mão mesmo, e tão forte que minha cabeça foi paralisada. Minha nuca doeu com a força, a parte de trás da minha cabeça parecia rachar com o peso, e o resto do meu corpo era pura dor.

Eternidade deve ter sido um pequeno espaço de tempo diante do que passei. Demorava demais, e eu já estava achando que tinha ido pro inferno, quando... Parou.

Eu morri?

Parecia o inferno. Eu ouvia vozes e gritos longe de mim, e imaginei que eles estavam sentindo o mesmo que eu. E, impressionantemente, tinha gente que falava calmamente, como se não houvesse pessoas (se matando para não serem mortas por aquele sofrimento, devo acrescentar) ao lado.

A névoa se dissipou, muito rápido pra quem estava se sentindo morta. Eu escutava perfeitamente. O cheiro do sangue e das diferentes pessoas ao meu redor ficou perfeitamente distinto, e eu conseguia até sentir o gosto do lugar ao redor. Parecia que meus sentidos tinham se aguçado, ao ponto de eu sentir gostos das coisas que eu cheirava.

Se bem que já era assim antes...

Meus olhos se abriram, e eu me assustei com a escuridão do lugar e o fato de minha visão estar tão boa. Quer dizer, eu podia jurar que estava vendo além do canto de meus olhos. Sério. Eu podia ver os espasmos das pessoas ao longe, e vi claramente os que estavam mais perto de mim, fofocando sobre algo que parecia bem interessante.

Eu me sentia forte. Rápida. Não sei o porquê. Olha, se toda a tortura por qual passei fosse me fazer bem, eu aguentava. Nem sabia a dimensão do “bem” que me faria.

Me debati contra as correntes, como um pequeno teste. Elas sacudiram e pareceram quase ceder. Olhei para os fulanos, beltranos e sicranos alojados ali no cantinho. Pareciam satisfeitos, como se uma experiência científica tivesse dado certo. Puxei os punhos com mais força, e as algemas se chocaram com o metal da maca ruidosamente. Ouvi o barulho com uma precisão assustadora.

Um deles, mediano, riu e disse:

− Eu falei que a Grimmzinha daria certo! Olha que beleza de garota!

Maldito! Ele falava de mim como se eu fosse a escolhida correta para uma luta ou alguma competição. Ah, como eu odiava quando falavam de mim daquele jeito.

Como se eu não estivesse lá!

− O que fizeram comigo? – Perguntei, e me assustei com o som rouco e fraco da minha voz.

− Ah, gracinha, só demos uma melhorada em você. Agora está linda e perfeitinha.

Puta merda, que abusado!

− Onde está minha mãe?

− Onde você a deixou. – Outro carinha sorriu de onde estava.

O ódio veio à cabeça. Cacete. Eu nunca deixei minha mãe, eu fui sequestrada.

Uma dor leve deslizou por meu rosto, meus braços, meu tronco, minhas pernas. Como se eu fosse varrida por uma dor que trazia poder, eu me debati contra as correntes, ouvindo um tilintar mais sinistro, mais... Brutal. Quando falei, minha voz estava distorcida, cruel e misturada com rugidos.

Me tirem daqui, seus desgraçados! – A onda de força, poder e dor foi embora tão rápido quanto veio. Eu estava ofegante e “pê” da vida.

− Calma, lindinha! – Mas ah, se esse outro carinha ousar me chamar assim de novo, eu faço da cara dele uma sopa de sangue! – Vamos tirar você daí rapidinho. Só relaxe e prometa que não vai fazer nada. – O rosto dele se deformou, e percebi que ele era um Coyotl.

− Eu não prometo merda nenhuma.

Espera. Mas eu não podia ver ainda. Eu ainda era inativa; minha mãe não tinha morrido nem estava perto de seu leito de morte (eu esperava). E como eu podia ver agora?

Hã...

Não.

− Tirem a Mehinstinkte daí. – A voz grossa de um homem imponente me chamou a atenção. E quando olhei pra ele, assim, de frente...

Caramba! Ele só podia ter o tamanho de um guarda-roupa. Ok, nem tanto, mas faltava pouco pra ser. Seus cabelos eram grisalhos, mas mantinham o tom de castanho que um dia pareciam ter ostentado. Seu rosto era cheio de cicatrizes e rugas que o faziam parecer ser bem velho (uns setenta anos), e seus olhos eram castanhos.

− Mas ela é Grimm... Mehinsgrima não daria mais certo pra ela? – Ouvi alguém comentar de canto.

− Que seja. – Outro disse.

Mehinstinkte? Mehinsgrima? Que diabos eles estavam dizendo?

Fui desacorrentada, e antes que eu pudesse pular pra fora daquela maca e sair daquele antro de sofrimento, dois forçudos me seguraram.

− Calma aí, garota – O primeiro falou – Não vai fugir daqui tão cedo!

− É isso aí – O segundo confirmou – Você é arisca, mas vai ficar por aqui.

Eles me arrastaram até que eu ficasse de frente praquele velhote. Os olhos dele mudaram de cor, um ficou vermelho, o outro amarelo. Mas seu rosto...

Eu não sabia distinguir. Minha mãe desenhava pra mim os tantos Wesens que já vira, e eu passava tardes e noites aprendendo seus nomes, seus costumes, seus rostos. Porém, o que estava à minha frente parecia uma mistura de tudo aquilo, e de outros que eu nunca vi nem ouvi falar. Era assustador e... Escroto.

Ele voltou ao normal e esticou a mão para tocar meu rosto. Me afastei o máximo que pude, mas mesmo assim ele acariciou meu maxilar, descendo pelo pescoço e pegando minha mão direita em um gesto rápido, observando um desenho que me deixou apavorada.

Espadas cruzadas formando três losangos. Dois grandes, um formado pelo encontro dos outros dois.

Verrat.

− Bem-vinda aos nossos, docinho.

Oh, meus modos estão horríveis!

Olá, Alicia Burkhardt ao seu dispor.

*

Acabou que não era uma tortura tão grande quanto eu pensava.

Ok, isso foi uma ironia. Das grandes.

Eu me tornara um monstro. A dor que eu sentira era a puta modificação genética que eu sofrera para me tornar uma híbrida de Wesens – a tal raça chamada Mehinstinkte. Porém, como eu era uma Grimm (inativa, mas isso é detalhe), eles decidiram me chamar de Mehinsgrima.

Eu estava não só com os sentidos hiperaguçados, mas também mais forte e rápida, e tinha adquirido as habilidades individuais de cada espécie de Wesen.

E se isso parece maneiro, volte. Agora meu cérebro pesava mais que o normal por causa de um monte de vermes infiltrados nele, eu tinha garras ácidas que cortavam humanos como faca quente na manteiga, meu faro era invejável, eu enxergava mais do que precisava – e isso pode ser ruim, porque tem gente bem tarada aqui −, ouvia mais do que devia, pulava que nem um cabrito montanhês, só que com bem mais alcanço, e outras coisitas. Sem falar que eu ficava feia pra diabo quando em Woge.

Eu conheci duas garotas que fizeram amizade comigo bem rápido – porque elas também odiavam as Sete Famílias pelo o que fizeram com a gente – e que eram, e ainda são, ótimas pessoas. Emily Cooper e Bárbara Christine. Emily tinha cabelos negros e longos, junto com olhos verdes, que a faziam parecer um anjo e me deixavam super sem jeito perto dela. Ela era esguia, e beeem bonita. Bárbara não ficava pra trás. Ela tinha os cabelos pretos lisíssimos, como se fizesse chapinha, escova e tudo o que se tem direito, mas era natural. (Se bem que de vez em quando eles cacheavam um pouco nas pontas...) Ela era um pouco baixa, tinha uma franja reta caindo na testa, e tinha um estilo meio oriental. Seus olhos eram um pouquinho puxados, mas ela era uma graça de pessoa. Eu adorava passar o tempo conversando com elas quando não estávamos treinando para sermos assassinas profissionais – emprego que desprezávamos.

Era impressionante ver que praticamente todas as minhas coisas da minha vida antiga estavam ali. Meus livros, meu celular (que bom que eles trouxeram), meu notebook (roubado, infelizmente, já que não tinha outro jeito de conseguirmos), minhas roupas chiquérrimas (essas já eram compradas)... Mas o que eu sentia falta mesmo que eles não trouxeram eram as fotos.

Eu tinha meia dúzia de fotos que eram minhas e de minha mãe. Fotos que ela me dera de presente. Havia, entre elas, uma foto muito especial pra mim. Ela, minha mãe, minha tia, meu pai e um garotinho, que ela dizia ser meu irmão. Mamãe gostava e não gostava daquela foto. Ela gostava porque ela via um pedaço do passado dela que nós duas gostaríamos de reviver. E ela não gostava porque aquilo nunca ia acontecer.

Eu amava aquelas fotos e eles não a trouxeram.

VIADOS!

O bom é que até o caderno que eu entupia de rabiscos tinha ido, ou seja, os desenhos e esboços que eu fizera deles, de como os imaginava, estavam comigo. Eu tinha o suficiente da minha vida antiga, antes de tudo virar de cabeça pra baixo e eu conseguir ficar de pé no teto. (De pé não, mas consigo me rastejar.)

Mas falando da ilha agora. Sabe o estranho?

Aquela merda de asilo ficava em uma ilha e tinha WIFI!

Como pegava sinal lá? Eu não sei, mas até que era bem rápido. Uma das únicas coisas legais lá era que nós tínhamos tevê, internet, e até aulas. (Minha sorte é que minha mãe me dava umas aulinhas provisórias, então não fiquei pra trás.) Era estranho pensar em uma raça de Wesens assassinos instruídos, espertos e com intelecto suficiente pra entrar na faculdade, porque sempre que eu e as garotas pensávamos naquilo, imaginávamos eles em plena Woge tendo aulas na faculdade, e nós dávamos risada.

E olha que nós éramos dessa raça!

Nenhuma de nós entendia porquê tinha tanto bagulho legal naquele asilo, jogos, tevê, internet, se eles faziam a gente passar por aquele treinamento de exército todo dia (sendo o dia santo ou não). Minha hipótese era que eles tentavam fazer a gente se sentir normal, aí ninguém iria querer ir embora dali. Bárbara achava que era porque eles gostavam de esbanjar dinheiro e davam umas brincadeirinhas pra gente poder se divertir. Emily simplesmente dizia que não queria pensar, só aproveitar. (Não era uma filosofia de todo errada.) E mesmo com tudo aquilo ali, nós tínhamos um plano.

Não seria um bando de idiotas ricaços que nos impediria.

*

Eu juro, quem nos impedir, eu vou descer o pau em cima.

Foi o meu primeiro pensamento ao acordar às três e pouco da manhã, depois das minhas amigas organizarem tudo.

O plano era simples: Bárbara arrumaria algum barco (e por mais estranho que pareça, eram uns barquinhos simples, não botes, e que tinham motor. Aparentemente, eles usavam aquilo pra reabastecer a cozinha) e o prepararia para que pudéssemos sair dali. Emily, como boa batedora de carteiras, bolsas, cozinhas e o que fosse que era, pegaria algumas comidas e água para nós. As duas arrumariam o bote e ficariam de olho enquanto eu durmia.

Por que a bitch aqui ficaria dormindo?

Por que era mais da metade da chance de pegarem a gente, e se pegassem, eu lutaria com eles para deixá-las fugirem. Recompensa.

Só que eu não dormi. Fiquei acordada até uma e doze da manhã, cochilei um pouco e acordei de novo às duas e quarenta e três, e dei mais uma cochiladinha até às três em ponto. Foi quando levantei e comecei a perambular pelo quarto, parando e ouvindo a movimentação inexistente no corredor.

Três e três. Eu estava pronta. Peguei a mochila abarrotada com minhas coisas e saí.

Corredores vazios, como eu escutara. Ótimo. Agarrei as pedras salientes e desajeitadas das paredes e fui me arrastando por elas, indo para o teto, segurando com força e tentando não fazer barulho.

Rastejava com um pouco de dificuldade, pois estava um tanto nervosa e por isso tinha medo de escorregar. Minha felicidade era que os corredores não eram tããão longos e deu pra sair relativamente rápido.

Dali pro cais foi dois tempos. Correr e não fazer barulho ao mesmo tempo é comigo, claro. Maaas, na metade do caminho...

Ouvi barulhos. Portas se abrindo, passos acelerados, rugidos. Tirei minha mochila e pulei (essa é a parte boa de ser Fuchstenfelwild) algumas vezes até elas, entregando-a a Emily.

− Já volto. – Disse.

− Mas...

− Foi esse o trato. – Falei caminhando em direção a massa gigante que não corria tão rápido para Mehinstinktes. É, amontoado dá nisso! Mas enfim, eu tinha em mãos apenas duas facas contra uma multidão. – Vão que depois eu as alcanço!

E avancei contra eles.

Escapava, desviava, apunhalava, jogava-os contra os outros... Fácil, até porque eles se atrapalhavam entre si, de tão desesperados que estavam para me pegar. E além do mais, eles estavam brigando entre si para tentar me pegar também. Recuei na multidão, indo em direção ao cais novamente, já ouvindo o motor ligado. (E ser relativamente pequena ajudou.)

Eles foram em minha direção, mas eu fui mais rápida. Tossi fortemente, evaporando minha gordura junto com a tosse, até que o ar ao redor deles se impregnasse com aquilo, ou até eles não poderem respirar bem. Minha garganta arranhava um pouco, por isso parei, puxei o ar e expeli o fogo em direção aos híbridos.

Labaredas altas iluminaram o local de uma maneira estranha, encantadora e má. Mas alguns de nós tínhamos alguma resistência ao fogo, por isso foram correndo em minha direção, prontos para me rasgarem e fritarem no lanche das cinco.

Mas eu tinha uma última carta na manga. Inspirei o máximo de ar que pude e senti o amontoado azedo dos bichinhos nojentos em minha boca. Soprei as Xaliyaa Fingoo (os vermes bichos-do-olho que os Jinnamuru Xuntee expelem) nos olhos deles, fazendo com que perdessem a direção. Antes que se guiassem pela audição, corri e pulei na água.

Ritmo. Foco. Ritmo. Foco. Pareceu demorar uma eternidade até chegar perto do barco.

Bárbara, aquela querida, estendeu a mão para mim e me puxou assim que segurou meu pulso. O barco balançou um pouco, mas estabilizou rapidamente.

− Ainda estão atrás de nós – Disse Bárbara. – Consegue ouvir?

Emily fez menção de parar o barco, mas levantei a mão, impedindo-a. Eu podia ouvir; eram batidas descompassadas em comparação às do barco. Alguns deles tinham mergulhado na água, e nadavam atrás de nós. Como eram só vinte e seis que se puseram a postos e saíram dos quartos para nos pegar (sim, só, porque tinha mais de mil no asilo, e só eles que faziam ronda àquela altura da noite) e eu tinha dado jeito em uns dezesseis (provavelmente), o resto pulara na água e estava lá, batendo pernas e braços até o barco.

− Tome – Emily me deu uma calibre e passou outra a Bárbara, procurando mais uma na mochila. – Vamos meter bala neles e mostrar quem são os traidores.

Engatilhamos e atiramos. Como a água era escura, fiquei apreensiva com aquilo, mas ao ver os corpos aparecendo e o vermelho que tingia o negro intenso, fiquei feliz.

Depois de alguns tiros contra a água e algumas pausas para recarregar, não ouvíamos mais as batidas descompassadas.

Podíamos descansar, finalmente...


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Notas finais do capítulo

Gostaram delas? O que acharam? Muito ridículo?

Beijos da Miha!