Nicest Thing escrita por Nina Spim


Capítulo 18
Chapter Eighteen


Notas iniciais do capítulo

Sim, eu voltei, HAHA. Os meus recentes afazeres me fizeram ter um lapso de memória, por isso esqueci de vir aqui e atualizar Nicest Thing. ME PERDOEM!!! Não vai mais acontecer, PROMETO! Obrigada pelos comentários, aliás! E obrigada às congratulações pelo meu estágio! :DDD Boa leitura a todos! Aproveitem o chapter *-*



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Fico satisfeita por ser uma noite calma e por eu estar sozinha. Isso poderia ser encarado como algo bastante melancólico para a maioria das pessoas, mas não para mim. Aprendi a gostar de ficar sozinha; especialmente se tenho um bom motivo para desejar estar só.

Sozinha, posso aumentar o volume das canções que não costumo escutar, mas que agora fazem parte de mim mais do que nunca. Porque as bandas em questão quase me fazem ter a sensação de que Lucy – ou seria a Quinn? – está de volta. Quase posso imaginá-la dançando e cantando ao meu redor todas estas canções. The Raconteurs, The Vaccines, The Vaselines, The Wooden Birds, The Vivian Girls.

E… Bem, tem aquilo. Que eu ainda não mostrei a Kurt e Blaine. Claro que eu deveria mostrar – acho que é isso que quer dizer “vou guardar todos os seus segredos” dentro de uma amizade –, mas não sei ao certo como, em especial Kurt, pode interpretar e reagir. Tenho a noção de que ele dirá para eu não confiar no que vejo, pois são provas plantadas com o objetivo de me amolecer. E devo confessar que elas estão me amolecendo? Quer dizer, é realmente difícil ficar encarando tudo isso sem notar que meu coração se aperta cada vez mais.

E, apesar de tudo, fico realmente grata à Santana por ter aparecido naquele dia. Ela não agiu, exatamente, como eu previra. Tudo bem, ela gritou comigo e disse coisas dolorosas, mas, no fim, não agiu como se não se importasse comigo. Na verdade, percebi que ela se importa – e muito. E com sua segunda melhor amiga, a dita Quinn. E foi justamente por isso que Santana sugeriu que eu devesse procurar a Quinn. Pedir explicações para minhas dúvidas diretamente a ela.

Ela estava quase se retirando do loft, naquela tarde, respeitando o meu estado emocional repentinamente fragilizado por ter escutado sobre aquela parte que eu nunca soube sobre o passado da minha melhor amiga Lucy – sobre ela ser renegada. E eu realmente a teria deixado ir, se não tivesse dito:

“Aqui. Achei que você gostaria de ficar com isso. Recuperei para você, porque ela está se desfazendo de tudo”.

Pisquei para ela, com meus olhos tão molhados que mal a conseguia enxergar.

– O quê?

Santana não disse nada, apenas estendeu um scrapbook cor de rosa em minha direção. Havia recortes meus e de Lucy por toda a extensão da capa, decorada com canetas coloridas, que exibiam desenhos aleatórios como flores, coroas, corações, notas musicais e microfones.

Essa é a coisa que não consigo dividir com os meninos. Porque, intimamente, olho para todos esses recortes, todas essas Rachels e Lucys, e penso que elas são apenas minhas. Que não quero compartilhá-las com ninguém. Que apenas eu conheço quem elas realmente são – muito embora tenha ciência de que não sei quase nada sobre a Lucy. Mas, talvez, se eu der uma chance, saberei bastante sobre a Quinn.

Por que não?

Todas as vezes que olho para o scrapbook, que caio para dentro dele e revivo todos esses momentos que Lucy fez questão de registrar, penso sobre isso. Por que não? Fico repassando todos os prós e contras que minha mente já avaliou desde a visita de Santana, há mais de uma semana. E ainda que eu esteja movida à curiosidade, não tenho coragem de fazer nada. De ligar para Lucy. De pedir uma carona para Kurt até o apartamento. De mandar uma mensagem.

Permaneço paralisada, escutando as mesmas canções que me remetem a ela e sentindo meus olhos tentarem expelir as emoções represadas no meu âmago.

Mas essa é a questão: não tenho coragem necessária para encarar toda essa situação; estou apavorada, limitada, atordoada. Não consigo encontrar uma escolha que seja mais banal. O que quer que eu pense fazer parece ser estúpido e sem sentido. E daí, finjo que é melhor ignorar. Que vou melhorar, que vou ficar bem, que vou superar.

Mas será que posso confiar nisso?

Levou meses para que isso se concretizasse quando fui largada por Finn. Por que seria diferente desta vez? Apenas porque ela é uma menina, ou porque é minha melhor amiga? Como vou explicar às pessoas que, indiferentemente do que eu faça, sem ela por perto arrastando seus pés em suas meias, ou preparando bolos de caneca, ou rindo das coisas mais bobas que digo... Não tem graça. Nada sem ela tem a devida graça de antes.

Percebo que a cada vida estou apenas sobrevivendo. Parei de viver. Estou uma desordem, não tenho mais nenhum controle diante nada, não sei qual passo tomar.

O que Kurt vai dizer se eu lhe confidenciar que não suporto mais sobreviver assim? Assim, sem nenhuma Lucy na minha vida. Sem a sua risada suave. Sem seus abraços fora de hora os quais aprendi a me acostumar. Sem suas danças malucas. Sem sua voz acompanhando suas músicas preferidas.

Será que é isso que dizem sobre pessoas diagnosticadas com depressão? Que elas não conseguem mais pensar em nada além da circunstância que as levou a se sucumbir à doença? Porque tudo o que penso é em Lucy. Em todos os erros que nos levaram a estar separadas e, principalmente, nas pessoas que as rejeitaram quando ela mais precisou delas. Quem seriam? Seus pais? Será que isso explica suas atitudes esquisitas sempre que aquelas pessoas ligavam para seu telefone e que a fizeram desistir da tal viagem à Aspen para nos acompanhar a Lima?

Agito-me diante destes pensamentos. Quero fazer alguma coisa. Quero saber com clareza o que aconteceu e quem é essa garota.

Deus, sou tão idiota! Santana tem razão: sou infantil demais. Fico aqui adiando tudo, apenas porque estou morrendo de medo. Mas o que pode acontecer de pior? Saber sobre a verdade. E isso não é tão ruim; é o que quero descobrir de fato. Então o que está me prendendo a minha cama, além do evidente medo? Não pode ser medo da verdade sobre seu passado. Ou pode?

Ouço um barulho proveniente do corredor do prédio. Kurt e Blaine estão chegando. Vejo que isso me deixa aliviada, pois não sei se necessito mais ficar sozinha. De repente, estar sozinha com este scrapbook está me deixando ainda mais angustiada. Com rapidez, escondo o livro debaixo de meu travesseiro e seco minhas lágrimas. Sei que meu rosto ainda deve denunciar que andei chorando, mas com a distração perfeita eles nem notarão isso.

– Hey, gente.

– Sorvete de novo, Rachel? – Kurt me olha com repreensão.

– Você não quer que eu engorde? – forjo um tom de brincadeira, apenas para ter o que retrucar.

– Você está lidando com essa bobagem como se fosse um término de namoro, está sabendo? – Kurt revida, retirando o pote quase vazio de Häagen-Dasz de macadâmia das minhas mãos – Essa garota não significa mais nada para você, lembre-se disso.

– Kurt, será que dá para você dar um tempo? – Blaine enfim perde a paciência. Ele a está perdendo, pelo menos, uma vez por dia, sempre que Kurt é rude e frio sobre o assunto “Lucy/Quinn” – Será que você não percebe que está piorando tudo?

– Eu estou tentando ajudar – Kurt revida com um pouco de raiva – Você, ao contrário, só fica estimulando toda essa reação ridícula! – ele se vira para mim com energia – Vamos lá, você superou o Finn. E ele era, tipo, o amor da sua vida. Superar essa garota vai ser fichinha.

– “Essa garota” também era sua amiga, esqueceu-se? – pergunto com a voz ferina.

– Sim, fiz questão de esquecer, Rachel. Virei a página. Você, evidentemente, não é capaz de fazer isso. Apenas não consigo entender por que é tão difícil abandoná-la. Percebeu que ela já a abandonou? Ou ela apareceu aqui alguma vez? – ele está sendo sarcástico, e isso está me dando nos nervos.

Estou lutando no meu íntimo. Quero sair andando impaciente pelo loft e sair pela porta. Quero estar sozinha de novo. Desapareça, Kurt. Vai ser melhor para todos.

– Se você vai fazer questão de falar sempre sobre isso, é claro que não vou conseguir superar – digo, tentando manter minha voz o mais calma possível. Não quero me descontrolar para que ele não perceba que estou surtando com tudo isso.

– Como se a culpa fosse minha! – Kurt exclama – Até parece que você não desliga seu cérebro nunca dela. Eu vejo que não!

– Então agora o quê? Eu tenho que ficar me policiando o tempo todo? – perco a paciência de imediato – O que mais não posso permitir que minha mente pense? – desafio-o na mesma hora.

– Hey, vamos nos acalmar, fazendo o favor? – Blaine interfere. Vira para Kurt, primeiro – Quantas vezes nós três já brigamos e quantas vezes nós nos tornamos ainda mais amigos? Vai relevar este fato, apenas porque Lucy não tentou fazer contato conosco? Talvez ela esteja com receio da nossa reação, exatamente como esteve durante todos os meses que morou aqui. E quem somos nós para culpá-la? – e, depois, olha para mim – Você tem que fazer alguma coisa. Ficar se lamentando não vai consertar nada. O que vai fazer, então?

– Odeio quando você tem razão – Kurt enfim diz com muita raiva e se retira para o banheiro, para, talvez, se acalmar cheirando alguns sabonetes líquidos florais.

Blaine não para de me encarar. Está persuasivo. Está aguardando meu pronunciamento. O que vou fazer? O que devo fazer?

– Você acha que a Party City está aberta?

– Estamos em NY. NY nunca dorme. O que tem em mente? – ele suspense uma sobrancelha grossa, agora parecendo bastante satisfeito por eu não ter dito nada do tipo “Nada, apenas vou ficar aqui assistindo reprises de House e comendo sorvete”.

– Preciso ir até lá. Ela ainda deve ser subgerente, certo? E subgerentes ficam até tarde, não é assim?

– Acho que sim – ele afirma, mas com ceticismo. Anda até a porta do banheiro e diz – Estamos saindo. Volto logo.

Já estamos quase alcançando as escadas, quando a porta de entrada do loft se abre de supetão e Kurt inquire:

– Aonde vocês vão? Rachel, o que você vai fazer? Esperem aí, eu vou junto!

Então ele sai correndo para junto de nós.

Leva algum tempo para nos localizarmos e para encontrarmos a loja sem as orientações de Lucy. As luzes estão acesas e as cores que batem nas paredes externas do prédio parecem formar um arco-íris desconexo diante de nossos olhos.

Estou hiperventilando quando estacionamos no meio-fio. Minha garganta parece obstruída e meu coração está descontrolado. Estou com tanto medo! Medo de não encontrá-la. Medo de ela rejeitar a minha chance. Medo de não saber o que dizer.

– Quer que nós a acompanhamos? – Kurt pergunta. Ele está ansioso.

– Não, acho que... – recupero um pouco do meu fôlego para impedir que eu desmaie por falta de oxigenação dentro do carro – Acho que preciso fazer isso sozinha. Esperem-me, ok?

– Ok – eles respondem ao mesmo tempo.

Preciso de mais um minuto. Mais alguns minutos, na verdade.

– Rachel? É preciso que você saia do carro para ir falar com ela – Blaine me diz, gentilmente.

– É, eu sei – engulo com força.

– Então...? – ele me incita.

– C-certo. Estou indo, estou indo – digo, e enfim abro a porta.

Paro na calçada, olhando o prédio. Há gente lá dentro. Caminho com passos quase imprecisos até a entrada. Quando abro a porta, um sininho anuncia a minha chegada. Nada modifica no ambiente e eu estou aflita. Onde está Lucy? Será que é o dia de folga dela? Será que não é mais subgerente? Será que pediu demissão?

Finjo estar interessada numa arara cheia de roupas coloridas; não estou realmente notando seus detalhes, estou apenas ali, tentando ser notada por alguma atendente. Por Lucy, na verdade.

– Aniversário infantil, ou Halloween? – uma menina que parece jovem demais para trabalhar e que está vestida como se tivesse acabado de sair de um filme antigo me pergunta com uma animação exultante.

– Estou procurando... Uma amiga. Quinn – então lembro que ninguém verdadeiramente a conhece com este nome. O rosto da atendente se franze, preocupada. – Lucy. O nome dela é Lucy.

– Não conheço nenhuma Quinn – a garota diz –, mas a Lucy está conferindo o estoque. É lá embaixo. Quer que eu a chame, ou prefere voltar outra hora?

– Será que eu poderia ir até lá?

– No porão? – ela está me encarando com incredulidade – Não acho que você tenha permissão.

– Por favor, não vou me demorar. Só preciso perguntar algo a ela. É coisa de cinco minutos – me pego mentindo mais rápido que pretendo.

– Preciso falar com a Anna, espere um pouco.

Ela desaparece por entre as outras atendentes, os clientes e as roupas e os objetos de festas. E eu vou em direção à porta que me levará ao porão; sou rápida e, então, já estão descendo as escadas. A luz está acesa e o local está apinhado de coisas.

– Cassie, é você? – Lucy pergunta perto de um dos cantos. Ela está retirando um material das caixas; são copos e talheres coloridos – Você sabe onde estão as folhagens de mesa? Acho que recebemos a última leva do Peter Pan na semana passada, mas não a encontro. Onde você a... Ah!

Ela exclama baixo, quando enfim constata que sou eu, e não Cassie, que desceu as escadas. Sua expressão parece lívida de susto. Está trajada como uma marinheira – se marinheiras usassem vestidos justos, tomara que caia, e muito curtos – e noto que sua peruca cor de rosa esconde seu verdadeiro cabelo.

– Oi – é tudo que pronuncio.

~*~

Paraliso-me. Ela está bem na minha frente séria, mas parecendo extremamente desconfortável e deslocada. Parece que está se recuperando de uma corrida intensa e seus olhos recaem nas caixas, evitando me olhar.

Não digo nada por dois ou três segundos, apenas fico ali estudando seu semblante e sua postura. Tudo indica que ela está se obrigando a fazer o que quer que a tenha trazido até a Party City.

– Precisa de alguma ajuda? – finalmente pergunto. A verdade é que eu gostaria de sair correndo, mas essa atitude não seria nada elegante, além do mais eu a afugentaria; não quero repeli-la de mim, uma vez que teve coragem de me encontrar pessoalmente.

– Preciso – apesar de seu rosto não sinalizar, sua voz é firme. Ela junta os lábios, nervosa, e dá prosseguimento ao seu raciocínio – Preciso que você me ajude a entendê-la. A saber quem é você.

– Uau – digo, tentando manter o meu tom calmo –, isso é uma mudança. Da última vez em que a vi, você estava gritando coisas que nem deve se lembrar. Você lembra?

Eu ainda lembro, quero adicionar. Mas acabo não o fazendo.

Rachel sacode a cabeça de um lado para o outro, olhando para mim. Ela está assustada, percebo.

– Não vim aqui para gritar com você – ela diz; há um quê de promessa em sua voz, e isso me deixa esperançosa – Eu quero que você conte quem é a Quinn. Conheci um pouco da Lucy, mas não sei nada sobre a Quinn – seu tom está hesitante e baixo, e isso proporciona uma impaciência em mim. Apesar de saber que essa Rachel assustada é muito mais agradável.

Deixo os copos verdes empilhados em cima da mesa e devolvo para a caixa os talheres. Assinto, concordando em manter uma conversa civilizada com ela. Sigo para a escada de madeira. Ela me segue com os olhos, e quando eu me sento em um dos degraus, Rachel entende que é para se juntar a mim. Ela, vagarosa, se acomoda ao meu lado, mas deixa uma distância entre nós.

– O que quer saber? – pergunto.

– Sobre você. Sobre tudo – Rachel, noto, não está olhando para mim; seu rosto está direcionado para o espaço a nossa frente. Sua voz ainda está baixa, mas não mais hesitante. Isso é bom. Gosto dela assim.

– Belleville – suspiro – Você se lembra do que eu disse sobre ter me mudado para lá ainda criança e crescido até os dezesseis anos?

– Sim. Então, depois, você voltou para Lima – Rachel diz. Ela olha para mim, um olhar sem muita expressão – Puck disse que a conheceu em Belleville. A sua família fazia parte do programa de intercâmbio, e ele foi o estudante sorteado para se hospedar na sua casa, algo assim, certo?

– Sim – confirmo e posso sentir meu estômago se revirar, como sempre acontece quando tenho de reviver mentalmente este episódio – Tínhamos 14 anos. Achei que ele fosse, você sabe, se apaixonar pela minha irmã mais velha, a Francine. Todos os garotos eram loucos por ela. Fran sempre provocava os garotos, usava roupas inapropriadas e tirava meus pais do sério toda hora.

– Mas? – ela pergunta.

– Mas não foi por ela que Puck se apaixonou. Na verdade, não acho que ele tenha se apaixonado, exatamente. Ele apenas... – dei de ombros. Tento, até hoje, explicar a mim mesma o sentimento que ele nutriu por mim. Nunca chego a uma conclusão clara – Achou que podia me conquistar.

– E conseguiu.

Não é uma pergunta. Rachel tem certeza do que está dizendo. Sua expressão está séria novamente, impenetrável. Seus olhos escuros resplandecem um brilho que não consigo decifrar. Assinto e prossigo:

– Ele sempre arrumava um jeito de se adentrar no meu quarto nos horas menos propícias e sempre me elogiava por qualquer coisa.

– Somos são idiotas por acreditar nessas coisas – Rachel diz com certo pesar. Sei que sua mente está formando o rosto de Finn em suas lembranças. Dói em mim, um pouco. Não quero que ela sempre tenha de voltar ao passado, ao Finn.

– Eles sabem exatamente o que dizer, não?

– Acho que deve ter algum tópico sobre isso no Manual Sobre Como Ser Um Garoto. Mas então? E depois?

– Puck começou a ser... Insistente demais, entende? Começou a me cercar de um jeito que me fez ficar com medo, porque eu era tão jovem e não estava acostumada a ser assediada por nenhum garoto desse jeito. Claro que na escola alguns colegas me convidavam para tomar sorvete e ir ao cinema, mas nenhum deles pretendia nada além disso. Mas Puck... Ele queria bem mais do que isso.

– Você... – ela troca um olhar comigo, bastante significativo. Um olhar que somente mulheres são capazes de compreender.

– Eu achava que também estava apaixonada, acabei cedendo às investidas dele.

– E foi muito ruim? – há curiosidade no olhar dela, e me pego pensando que senti falta disso.

– Para uma garota de 14 anos inexperiente e superprotegida pelos pais... É, foi bastante ruim. Ele se distanciou um pouco depois. Não foi muito, mas o suficiente para eu saber que não havia mais amor, se é que ele tenha existido. E como se eu já não me sentisse um pouco rejeitada por ele, aconteceu que... Eu fiquei grávida.

Rachel está chocada o suficiente para não se importar com o fato de que seu rosto parece engraçado agora, com essa expressão esquisita. Fico surpresa por notar que gosto de estar impressionando-a. Não quero que ela sinta pena de mim, por isso a surpresa dela é bastante bem-vinda.

– Francine, a princípio, me deu cobertura, inventava desculpas para meu estado um pouco debilitado, as ânsias, o cansaço. Mas então teve o Baile de Despedida e claro que minha mãe descobriu. Ela fingiu que não percebeu, mas eu sabia que ela sabia. Minha irmã foi obrigada a contar aos meus pais na noite do Baile, porque eu desmaiei por falta de hidratação no ginásio.

– Ah, meu Deus! – Rachel leva as mãos à boca, ainda mais chocada – Você... Você perdeu o bebê? – há um misto de hesitação e choro em sua voz.

– Não – trato de tranquilizá-la rapidamente – Fiquei em observação por algumas horas recebendo soro, mas fui liberada. Meu pai surtou totalmente. Colocou a culpa na minha mãe, disse que ela sempre estava me mimando por eu ser a caçula, que me deixava andar com meninos demais e que não controlava os meus horários. Eu não tinha contado a ninguém sobre Puck. Não queria que ninguém soubesse, na verdade. Eu me sentia tão envergonhada por ter concordado com aquilo tudo. Achava que poderia ter evitado me relacionar com ele. Mas foi necessário revelar sobre quem era o pai, além do mais, eu não queria ser a única a ser tachada de irresponsável. Eu sei que poderia ter resistido a ele, mas... Ele me conquistou de um jeito! Não consegui retroceder, entende? Não conseguia parar de pensar que gostava da atenção dele e dos elogios...

– Você só tinha 14 anos – Rachel coloca uma das mãos no meu ombro desnudo num gesto solidário; gosto do modo como sua voz está calma e consoladora –, você não sabia muito sobre a vida. Ninguém sabe sobre nada nessa idade.

– É, mas... – preciso retrucar, preciso que ela entenda que não me deve compreensão. Fico satisfeita por não estar chorando, nem nada assim. Tudo bem, meu tom está denunciando um pouco de fraqueza, mas não estou derramando lágrimas e mais lágrimas – Eu quero dizer, é claro que a culpa é toda minha. Eu deveria ter parado, ter dito que aquilo era errado. E era errado, nós tínhamos 14 anos! Quem é que vai para cama com alguém aos 14 anos?

– Britânicos – Rachel tem a resposta na ponta da língua – Eles são bastante precoces, neste ponto. Mas, olha, você estava apaixonada. Pessoas apaixonadas não pensam muito bem. Lembro-me da época que eu era apaixonada pelo Finn. Eu era uma idiota, sinceramente...

Não sei porquê, mas esse seu comentário me faz sorrir. Ela sorri também, cética.

– Mas você não engravidou dele.

– Você sabe, minha necessidade de ter tudo no controle impediu completamente uma gravidez indesejada – ela meio que diz isso rindo, talvez com o intuito de desfazer o clima lamentoso demais – Então, Puck assumiu a criança?

– Não. Ele voltou para casa no dia seguinte.

– Mas...

– Claro que os pais dele foram notificados do incidente e até mesmo falaram muitas vezes com os meus pais, mas eles não queriam nunca mais ter notícias dos Puckermen. Acho que se eles pudessem também me despachariam para longe e se esqueceriam de que me conheceram, especialmente meu pai. Ele sempre ditou tudo lá em casa, minha mãe sempre foi a lacaia dele, uma mera empregada que sustentava seu sobrenome para as amigas, para ostentar todo o dinheiro da família – não posso evitar transparecer a minha raiva crescente. Falar sobre minha família não é como relatar sobre uma viagem à Disney. Rachel assente, deixando claro que está acompanhando tudo – Depois disso, tornei-me uma inútil, uma parasita para eles. Minha irmã agora era a filha-modelo; aparentemente, meus pais deixaram para trás todas as vezes que Francine os deixaram loucos de raiva, porque, agora, quem os deixava assim era eu. Eles nunca vão me perdoar por isso.

– Você discutiu com eles naquele dia que disse que viajaria conosco para Lima, não?

– Judy, minha mãe. Não sei de quem tenho mais raiva, dela ou do meu pai.

– Mas Lucy... Ahn, Quinn – Rachel conserta sua fala no mesmo instante, parecendo um pouco perturbada, balançando precariamente a cabeça – E o bebê?

– Minha mãe incutiu em mim e na minha irmã uma rigorosa educação cristã. E, você sabe, o cristianismo abomina métodos contraceptivos e o aborto. Meu pai, no começo, quis que eu abortasse – Rachel engole muito ar, chocada demais; seus olhos se arregalam, incapazes de se conter – Mas minha mãe vetou a decisão na mesma hora, e decidiram, então, que eu prosseguiria com a gravidez e daria à luz. Enquanto os meses passavam, meus pais tentavam encontrar pais dispostos a adotar meu bebê. Eles não queriam que eu ficasse com ele.

– Você queria? – ela sussurra.

– Não – sinto-me horrível ao confessar isso a ela e, de repente, minha garganta está pinicando demais. Sei que estou muito perto de chorar. Não quero que ela me veja chorando, não quero ser fraca diante dela. Começo a entrar em pânico e afasto meus olhos dos dela – Mas isso nunca entrou em pauta. Mesmo se eu o quisesse, meus pais me fariam entregar a criança. Eu a tive e, depois de algumas horas na maternidade, uma mulher solteira a quem meus pais já tinham prometido o bebê a buscou. Era uma menina. Nunca mais a vi, porque logo depois fomos obrigados a retornar para Lima, por decisão de meu pai. Ele achava que nossas raízes poderiam nos repaginar, fazer esquecer tudo aquilo.

– Você nunca mais viu Puck, mesmo em Lima?

– Nunca mais nos falamos ou nos encontramos e, apesar de saber sobre os concursos de corais e de ter sabido sobre você devido a eles, nunca soube que ele também fazia parte do Glee Club. E depois do Ensino Médio, meus pais acharam que seria “uma boa experiência” se eu tentasse a minha vida aqui. Estudei por um ano, virando-me completamente sozinha, e entrei na NYU.

– Seus pais não a ajudaram nem mesmo no começo? – há incredulidade em sua voz.

– Eles me deram um prazo de três meses para me estabelecer financeiramente e retiraram minha mesada, basicamente. E tem sido assim desde então.

– Você podia ter...

– Não podia – interpelo-a, sabendo o que vai alegar – Nunca consegui compartilhar isso com mais ninguém. Tenho tanta...

– Não precisa ter – ela me corta; sua expressão está singela e solidária – Todo mundo já enfrentou situações das quais quer esquecer. Eu também tenho problemas para confiar nas pessoas, isso é normal. Mas você, realmente, poderia ter me dito. Eu lhe disse sobre Finn, lembra? Foi doloroso contar sobre ele, eu também estava muito envergonhada, mas você me ajudou a superar. E, se você tivesse me permitido, eu a teria ajudado a superar seu passado – Rachel dá um apertãozinho gentil na minha mão e me oferece um sorriso fraco.

Está tudo tão diferente... Ela está diferente. Não existe nada do que entrevi naquela manhã em Lima nos seus olhos ou em seu rosto. Ela está calma e cheia de compaixão. Parece-se muito com a Rachel que aprendi a admirar e a adorar.

Ela ter citado Finn pela segunda vez me faz ter a ânsia de explicar o que ocorreu entre mim e ele. Talvez se eu deixasse tudo bastante claro, se eu aniquilasse todas as suas dúvidas... Talvez, ela não ficará mais com tanto ódio de mim. Ainda que, neste momento, não consiga distinguir nem um grama de ódio nela. Seus olhos estão límpidos e sinceros. Não escondem nada de ruim.

– Sobre o Finn...

– Não estou nem aí para o Finn, Lucy. Quinn – ela franze as sobrancelhas e diz meu nome como se estivesse anotando-o mentalmente – Quinn – ela o repete – Desculpe-me, preciso me acostumar – ela sorri acanhada e desvia os olhos de mim – Eu sei que você não estava apaixonada por ele. Você disse que não iria se apaixonar por ninguém mais.

Isso pesa em mim como uma baleia azul. E então me sinto sufocada.

– Estou com o seu scrapbook, Santana me deu – ela diz.

– Oh – digo, respirando pesadamente. Preciso tirar isso da minha mente. Preciso parar de guardar segredos; é isso que Rachel quer, então por que não? – É, eu o fiz porque... Porque... – ela olha para mim, na expectativa – Rachel, eu acho que...

Rachel está me encarando com intensidade, curiosa.

– Eu preciso voltar para o trabalho.

Ela concorda com um aceno de cabeça. Seus lábios exibem um sorriso que esmorece conforme os segundos passam.

– Não quero que você seja despedida, então...

– É, acho que...

– Ok, vemo-nos depois.

– Claro.

Rachel sobe as escadas; não diz nada sobre eu voltar para o loft, mas sei que as coisas estão ajeitadas. Tudo está no lugar. Menos aquela coisa.


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Notas finais do capítulo

Sei que vou deixá-los roendo as unhas e com o desejo de me matarem mentalmente por este final de capítulo tão desesperador, HAHAHA. MAS COMO EU AMO FAZER OS LEITORES SOFREREM! :) Até o próximo fim de semana, galera! Obrigada a todos, mais uma vez! Beijos!



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