O Verdadeiro Lar - A Luz De Safira escrita por Yui


Capítulo 16
Dívida


Notas iniciais do capítulo

Olá.
Trago agora mais um capítulo no qual recebi dicas de Celestial Hime, que me ajudaram muito à bolar essa parte da história. Muito obrigada! o/
É o maior capítulo até agora, haha e to tão feliz que atualizei mais cedo do que esperava!

Boa leitura.



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Minutos antes, ainda durante a festa.

A sensação de ter sido apresentado à sociedade como noivo da imperatriz era algo estranho. Até aquele momento era tratado como florista no negócio da família, agora era noivo de Ayra e tratado como se tivesse sangue nobre.

Sacudiu a cabeça para sair desses pensamentos e aproveitar mais a festa; já desistira de falar com Ayra agora, como imperatriz, ainda recebia atenção de todos. Por sua vez, a felina branca gostaria muito de escapar daquela verdadeira avalanche atrás de si todo o tempo.

Recebia todas as atenções e nem se preocupou com dois seres em particular que circulavam pelo salão; ambos não tiravam os olhos dela. Traziam postos chapéus bem decorados cuja sombra ocultava seus rostos.

Os dois viram um casal peculiar de guerreiros se aproximar à imperatriz, mas devido à quantidade de bajuladores, ambos não ouviram o urso e a tigresa conversarem.

Po pediu licença abrindo caminho para Tigresa, afinal de contas, ela não poderia ser amassada pela multidão que rodeava Ayra e, na mente dele, isso era possível. Conforme passaram os dias, ele foi se convencendo cada vez mais da ideia que dentro de alguns meses, seria pai e seu senso paterno de proteção apareceu; Tigresa dizia que tinha sede, ele nem esperava que dissesse o que queria beber, a arrastava para não perde-la de vista e para que não lhe fizessem nada mal – para ele esse “estado” era muito frágil – e lhe servia o que via primeiro na mesa. Se dizia ter fome, acontecia o mesmo; a levava à mesa de salgados e doces e com euforia tomava as bandejas de prata de seus lugares e as oferecia à felina que se surpreendia com cada gesto exagerado, porém acabava por pegar um ou dois bolinhos ou doces que Po lhe entregava.

A única reação de Tigresa, inicialmente, era o estranhamento. “Gravidez não é doença”, dizia ela; “mas você já se arriscou demais”, respondia ele e para não discutirem, Tigresa deixava o assunto de lado. Ela apenas virava os olhos, jamais gostou de ser tratada como alguém frágil e o resultado disso é sua fama no império, porém ela tinha de admitir que ele tinha razão.

Chegando perto de Ayra, chamou a atenção dela e se curvou. Quando os outros animais perceberam sua presença e ao se darem conta de que ele era o Dragão Guerreiro, abriram espaço, ainda mais quando chegou sua esposa, a adorada Mestre Tigresa do Palácio de Jade.

– Estão gostando da celebração? – Perguntou ela com um sorriso. Agora, estava sozinha entre membros do conselho e o povo, já que Hai Li fora atender seus familiares que não sabiam bem onde ficava alguma coisa no salão lotado.

– Sim, sim, valeu. É que... – se aproximou um pouco mais, trazendo a felina alaranjada com ele – a Ti tá um pouco cansada e a gente já vai dormir...

– Não – disse Tigresa, interrompendo-o – eu vou descansar e depois ele pode voltar se quiser.

– Não, de jeito nenhum deixo você sozinha... tenho que cuidar de você e do be...

– Po!

– Ah, não se preocupem por nada – Ayra chamou a atenção, acabando com a pequena discussão – sintam-se à vontade. Amanhã acertaremos o pagamento por seus serviços. Obrigada.

– Na verdade, imperatriz, Po tem que voltar até que a senhora se retire à seu quarto. Ordens do Mestre Shifu.

– Ah, sim. Então, descanse Mestre Tigresa, espero que esteja confortável.

– Obrigada, estou sim. Boa noite, majestade – se inclinou, sendo imitada por Po e depois, em silêncio, se retiraram com Po na frente abrindo caminho novamente.

Tigresa bufou e revirou os olhos. Superproteção por todos os lados e de todos os amigos. Era isso que faltava.

Aqueles que estavam assistindo a cena à uma distância segura, viram o peculiar casal se afastar lentamente pelo corredor lateral, certamente com intenções de se retirar. Se aproximaram mais do tal corredor, onde os viram sumir. Um aguardava as instruções do outro, era questão de tempo; o momento certo chegaria, essa noite.

Em outro ponto do salão, Dishi, que ficaria hospedado no palácio já que era imperador tigre coroado, observou sua prima e seu esposo se afastarem. Tentou se aproximar, queria conversar reservadamente com ambos, porém antes que sequer pudesse dar mais um passo naquela direção, sentiu uma pata em seu ombro; ao se virar, encontrou com os olhos de Hui Nuan. Seu semblante sério e olhar frio denotavam perigo e o outro felino não entendia essa reação.

– Tio? – A voz de Dishi não era de felicidade por revê-lo.

Já tentara esquecer o passado, agora vivia uma nova vida e conseguira aquilo que sua mãe lhe garantiu como direito antes de se sacrificar para que pudesse viver: seu reino. Se sentia inatingível, além das coisas que uma vez o fizeram sofrer um dia.

– Só quero lhe dizer... não vá atrás dela, não estrague seu casamento – disse ele com uma voz fria, soltando o sobrinho.

– Por que faria isso?

– Como se você não se lembrasse. Não faz tanto tempo que pensou em um plano para separá-los.

– Isso já é passado, não vou tentar de novo, só quero minha prima como amiga.

– Ela não quer. Escute o que te digo, se fizer um mal a ela, termino o que comecei há vinte e cinco anos – disse Hui Nuan lentamente em um baixo tom de voz, entrecerrou os olhos.

– Não me assusta – respondeu Dishi levantando o queixo, uma posição altiva. Para Hui Nuan, via seu irmão nele, porém suas atitudes às vezes eram de Akame, passionais. - Matou meus pais, mas não pode me matar... sou o imperador tigre. Além disso, não quero mais brigas. Quero as coisas como deveriam ser.

– Pense o seguinte – sorriu, ironicamente, como Tigresa costumava fazer. Aquele odiado sorriso de Hui Nuan –, se as coisas devessem ser como você quer que sejam, por que o destino permitiu que tudo fosse diferente? Por que permitiu que eu interferisse na vida de tantos, inclusive na sua? Pense bem... Tigresa nunca esteve no seio de uma família até encontrar aquele panda vermelho... nunca esteve no seio da nossa família. Seria diferente de qualquer maneira, quer queira, quer não. E além de tudo, ela te odeia... pelo que tentou fazer com seu relacionamento. Aceite.

Dito isso, o tigre mais velho caminhou em direção ao Grão-Mestre do Palácio de Jade e lhe cochichou algo que Dishi não conseguiu decifrar pela leitura de lábios, até porque, além de esconder, passava muita gente entre eles obstruindo a visão dele. O imperador tigre suspirou e se deu por vencido... por hora. Foi até o outro lado do salão para que pudesse se distrair com seus guardas pessoais, que ficariam hospedados com os demais durante sua visita.

– Acha mesmo que ele quer arruinar a relação dos dois novamente? – Perguntou Shifu.

– Acredito que sim.

Shifu e o tigre mais velho falavam num baixo tom de voz para não atrair a atenção dos demais convidados. A conversa era entre eles e apenas eles, ninguém deveria escutar, pois os guardas de Dishi perambulavam espalhados pela festa; se fossem ouvidos, poderiam gerar mais um conflito indesejado.

– Hui, as pessoas mudam. Você mudou... dê uma chance a ele, como deram à você, apesar de, para o exército chinês, você estar sob guarda do Palácio de Jade. Confiamos em você, porque não faz o mesmo com seu sobrinho? Afinal, o viu crescer...

– É justamente por isso que estou preocupado. Ele é justo, mas não desiste fácil. Desconfio que mesmo depois de todo esse tempo ele não tenha desistido.

– Ah, deixe de bobagem.

Se aproximaram novamente dos demais furiosos que, em alguns momentos, dissimulavam olhares para eles. Um pensamento que pairava entre eles era o de que seu mestre escondia algo, mas como deviam obediência a ele, não poderiam exigir nenhuma resposta.

A porta do quarto foi aberta por Po e ele a fechou atrás de si. Quando voltou-se para a felina, ela estava procurando em sua bolsa, uma roupa para dormir. Prestou atenção nos trejeitos dela, os mesmos, apenas parecia mais calma... agora.

Assim que Tigresa encontrou a camisola larga, longa e de tecido grosso que buscava, ergueu-se e encarou Po. Sorriu.

– O que foi?

– Não... nada, só que ainda... n-não, acredito que serei pai. Acho que...

Tigresa estava parada ao lado esquerdo da cama com Po à sua frente a quase dois metros de distância. Ela segurava a roupa que poria para dormir e ele estava com os braços ao lado do corpo, ombros tensos.

O silêncio que, de repente, tomou conta do quarto era incômodo. Pareceu uma eternidade para que Po se calasse ao não conseguir completar a frase; boqueou incoerências que nem sequer ele mesmo entendeu e desistiu de falar. Olhou para baixo enquanto a felina buscava algo para prender sua atenção.

– Quê? – Perguntou ela com uma expressão de confusão, repassando com os olhos cada traço do rosto do panda à procura de algum sinal ruim – o que é? Se arrependeu? – Perguntou novamente, com os olhos marejando após não receber resposta. Pensara que ele estava por dizer horrores a ela.

Po saltou pelo susto que provocou a tal pergunta. O que foi isso?

Ela nunca fez isso antes... cair no diálogo de alguém dessa maneira, mesmo pensando besteiras; tentava sempre ser direta. Realmente estava um pouco mudada, sua Tigresa Interior viera à tona, aquela que o panda via em raras ocasiões: insegura, indecisa, com medo.

– O quê?! De onde tirou isso?

– Não sei... pela sua cara...

– O que tem a minha cara?

– Ah, deixa pra lá. Me desculpe – sentou-se na cama esfregando o rosto com as patas – acho que estou pensando idiotices.

Po aproximou-se dela e agachou ao lado, acariciando o braço e as costas dela.

– Acho que é normal, ter um pouco de medo disso... né? Eu tô um pouco assim... é isso que eu ia dizer.

– Hm. Ai, acho que é normal sim. Não sei como serei quando for mãe, não sei como será nosso filhote, menos ainda quando vai nascer... imprevisível. Além disso não podemos falar à ninguém até voltarmos ao vale, para que eu e o bebê não corramos riscos. Bem, vou me trocar e aproveitar pra ir ao banheiro... já venho – beijou a testa do panda ao seu lado com carinho; se levantou e caminhou até a porta.

Ela notou que Po ficou rígido no lugar, com o olhar perdido, mas que faria? Ele mesmo ainda não tinha assimilado bem a ideia.

Antes que pudesse tocar maçaneta, ele a chamou e ela se virou.

– Vou com você?

– Pra quê?

– Ué, não posso deixar você sozinha.

– Que é isso agora? Não posso dar dois passos sem você me escoltar? Eu sei andar e fazer as coisas sozinha...

– Tá, mas vai que acontece alguma coisa...

– Vira essa boca pra lá! Nem pense em uma coisa dessas... – ela estava ficando cada vez mais alterada.

– Mas você já se arriscou demais durante a viagem desafiando os bandidos, tem que me deixar cuidar de você!

– Eu sei me defender sozinha – respondeu pausadamente.

– É por isso mesmo que tô preocupado. Foi se defender e no que deu? Costela quebrada, boca cortada, cuspiu sangue... eu sei que vou ser pai e não quero que você coloque em risco sua vida ou a dele, Ti – disse um pouco mais calmo se aproximando ela.

– Eu sei disso, mas parece que você não confia em mim.

– Claro que confio, quero te ver feliz e segura.

– Eu tô segura... mas você já brigou comigo – os olhos marejados novamente.

– Ah, não Ti, não chora... – pediu, esbofeteando-se mentalmente por ser rígido demais, nos parâmetros normais ou nos para se lidar com uma fêmea grávida.

– Não quer que eu chore? Me deixa ir tomar banho em paz e me traga morangos, tô com vontade. Além do mais, no corredor dos hóspedes há, por andar, banheiros para cada gênero. Você não entraria nem se eu deixasse.

Virou-se, abriu a porta e saiu enxugando as lágrimas. Manteve a voz firme quando falou fazendo, com certeza, com que Po se sentisse culpado. Ela não queria fazer isso, mas foi natural.

– Esse panda super protetor... não sou de porcelana – resmungou ela pelo caminho.

Não estava mais de humor para aguentar as brigas com mais ninguém, já tinha recebido bronca o suficiente quando melhorou do ataque. Não queria brigar mais com ele.

No quarto, Po estava parado no mesmo lugar. Resolveu ir buscar logo os benditos morangos antes que ela voltasse. A esperaria para ver se ela realmente iria dormir e só então voltaria á vigiar a festa. Os outros estavam cientes disso.

Já no banheiro, Tigresa havia encontrado uma banheira onde bombeou água morna. Segundo as empregadas do palácio, junto à bomba de água, havia uma lareira que aquecia o líquido para os banhos. Cada banheiro era ligado a uma lareira desse tipo e Tigresa sinceramente não entendia bem como isso era possível – nem queria pensar sobre isso no momento, apenas entrou na banheira.

Ali, deitada com apenas a cabeça para fora d’água, ficou de olhos fechados por vários minutos, acariciando inconscientemente o ventre. Começou a imaginar como seria seu filhote.

Po, já de volta ao quarto, não estava muito diferente. Estava deitado na cama de casal de barriga para cima usando as próprias patas como travesseiro. Seu olhar estava perdido no teto enquanto, com um sorriso bobo, imaginava como seria o herdeiro.

Pensando bem, como isso foi possível?

Foi nesse momento que recordou o que havia lido nos livros há alguns dias. Seres de grande poder podem gerar híbridos. Seria então esse o caso dele e de Tigresa? Ele tinha o chi dos heróis, mas e ela? Não, não... bobagem pensar que eles seriam personagens daquela história sobre equilíbrio. Que ele soubesse, não tinha mais que o chi que Oogway deixou e o universo entregou quando a sábia tartaruga se foi.

Decidiu ignorar a questão e focar em seu filhote que era real, que estava chegando.

Afinal, como seria uma cria de tigre e panda? Podia imaginar um pequeno tigre tricolor: Listras negras sobre a pelagem laranja com algumas partes, como os interiores dos membros e patas, brancas e com os olhos de Tigresa, desde o formato à cor. Quem sabe também, um pequeno tigre com a pelagem em um tom bem claro de laranja, orelhinhas redondas e seus olhos. Como seria ele realmente? O mais importante antes de imaginar a aparência física do filhote... seria macho ou fêmea? Para ele não importava desde que viesse com saúde, mas sua curiosidade era imensa.

Riu sozinho.

O riso cessou quando se lembrou do que disse Tigresa sobre não contar à ninguém até voltarem ao vale. Mas ele não voltaria.

Sua expressão se tornou vazia e um arrepio correu seu corpo. Como diria isso a ela? Era Tigresa, ela iria surtar! Aliás, como a protegeria à essa distância?

– Ah, não, tô perdido!

Sentou-se rapidamente levando as patas a cada lado da cabeça, olhando para todos os lados do quarto. Não sabia o que fazer. Só parou para pensar agora e não tinha solução; o inesperado aconteceu e ele teria que dar um jeito de afastá-la de qualquer problema gerado pelos inimigos dele.

Numa tentativa de descer da cama, caiu de lado e acabou rolando para o chão, soltando um sonoro “ai” quando impactou.

Levantou-se rapidamente e começou a andar de um lado a outro.

– O que é que eu vou fazer? Meus deuses, ela vai me matar e se ela ficar chateada Shifu me mata... e-e se fizer mal ao bebê? Por que tantos problemas?

Parou de reclamar quando algo no criado mudo, do seu lado da cama, atraiu sua atenção. Eram suas figuras de ação.

Ficou estático encarando-as; segundo Shifu e todos os furiosos – inclusive sua esposa – estava velho demais para brincar com elas e há muito tempo já não o fazia, apenas nas horas vagas em Yu Qin quando ele tomava a figura de ação de Tigresa entre suas patas e a colocava nas poses de luta preferidas por ela, conversava como se conversasse com a própria e isso ajudava a aliviar a saudade. Talvez isso funcionasse agora também.

Sorriu e, para alcança-las, correu para elas, mas topou com a cama no meio do caminho e caiu nela. Levantou-se apoiando o peso nos braços e engatinhou até conseguir se sentar do outro lado, próximo a cabeceira, embora a cama não fosse tão grande assim.

Pegou as figuras de ação dela e a sua. Encarou cada uma desviando os olhos de uma a outra, concentrado. Levantou-se e andou novamente pelo quarto pensando em como começar. Ajoelhou e apoiou os cotovelos na cama, usando-a como suporte para os mini guerreiros de madeira. Limpou a garganta e fazia imitação da voz de Tigresa enquanto mexia a figura.

– “Bom dia Po, vamos voltar pro vale hoje”.

– É, eu sei.

Tigresa chegara à porta do quarto e ouviu a voz de Po, fazendo falsete. Estava com as roupas sujas em um braço e uma toalha no outro, toalha daquelas que ficavam em um armário no banheiro, para serem pegas por quem ali se banhava ou então só para enxugar as patas e o rosto; dependia do tamanho da peça de pano felpudo. O que ele estaria fazendo? Será que estava brincando com suas figuras de ação novamente? Bem, não seria a primeira vez que ela o apanharia fazendo isso, antes ou depois de casados.

Sorriu com a infantilidade agora oculta do marido; ele continuava sendo o mesmo panda bobo de sempre e essa era uma das coisas que adorava nele, isso a fazia rir, não de forma julgadora, mas de forma terna.

Decidiu escutar mais um pouco do que parecia uma pequena conversa.

– “Ai estou tão animada em voltar. Vamos poder preparar as coisas pra chegada bebê”.

– Ah, eh... é... b-bem Ti-i, eu, eu não vou não... não posso ir ainda.

Tigresa, do lado de fora do quarto, puxou o ar rapidamente devido á surpresa; sentiu algo estranho no estômago e dessa vez, não era ânsia. Era como uma angústia e seus olhos, mais uma vez, se encheram de lágrimas.

“Por que não pode voltar?” – Ela ouviu Po perguntar novamente imitando sua voz. Foi demais.

Com um grunhido digno da líder dos Cinco Furiosos, ela entrou rapidamente com o estrondo da porta chocando com a parede tamanha a força e a velocidade com que a abriu. Po se virou com o rosto assombrado.

– Tiii!

Ele imediatamente soltou as figuras na cama e caiu sentado no chão, encarando a felina quase vermelha de raiva e os olhos ambarinos cintilando pelas lágrimas.

– É Po, por que não pode voltar? – Perguntou ela com a voz entrecortada pelo nó na garganta - Sabia. Eu sabia que tinha algo errado.

– Quê?! Não... do... ah, que que você tá falando Ti? – Perguntou ele aflito se levantando e se aproximando dela, que permanecia parada na porta – se acalma, vai fazer mal pro bebê.

Com essa última sentença, algumas lágrimas conseguiram escapar, mas ela logo impediu que as demais seguissem o curso. Ele a abraçou depois de fechar a porta; a levou à cama, sentou com ela e a fez soltar a toalha e as roupas, que havia apertado naquele pequeno instante de nervosismo.

– Você tá estranho desde que eu te contei... – dizia ela com um tom de voz arrastado, quase chorando. Po quase não entendeu porque a abraçava e então, o som era um pouco abafado.

– Não Ti, é claro que não, eu adorei saber sobre o nosso filhote – respondeu enquanto a balançava para acalmar – eu só... eu só eh, tava brinca...

– Não se atreva a dizer que estava brincando – separou-se dele o suficiente para olhar nos olhos do panda, com a voz cortante, embora falha – me fale a verdade.

Po suspirou. Será que havia alguma chance de esconder um pouquinho, e que ela não encontrasse mentira em seus olhos? Por ela e seu filho valia a pena o risco, entretanto sabia que se ela descobrisse, jamais o perdoaria. Ela era leal e fiel, companheira em cada momento e ele... ele simplesmente fez tudo errado desde o início escondendo o conteúdo daquela reunião de sua esposa. Foi um pedido, melhor dizendo, uma ordem do conselho, mas ele não deveria ter aceitado.

Ele era o Dragão Guerreiro, o maior guerreiro de toda a China e de todos os tempos; deveria enfrentar tudo e todos pelo que acreditava porque, como disse Shifu uma vez, o que estava em seu coração nunca os decepcionaria.

Olhou para sua esposa. O choro diminuto continuava, fazendo-a soluçar e limpar as lágrimas de seu rosto com o dorso das patas. Parecia uma menina, uma menina muito triste.

– Ti, eu tô com medo – disse finalmente.

– Tá bom...

– Não, é-é sério Ti. Medo...

– Do quê?

– Do que possam fazer com você assim que perceberem... – não completou a frase mais uma vez, apenas abaixou a vista até mirar o ventre não mais plano de Tigresa.

Instintivamente ela levou uma das patas para lá, enquanto com a outra terminava de limpar as marcas do breve choro, mesmo que sua pelagem do rosto continuasse úmida. Já estava mais calma, ainda que os espasmos respiratórios ainda estivessem presentes.

– Não vão perceber, vamos pra casa logo e...

– Não – interrompeu ele – não vamos, você vai.

– Como assim, Po? Que história é essa?

– Você vai voltar com os outros mais cedo. E-eu preciso... preciso... ficar aqu, ahn, mais algum tempo e depois passar em Gongmen, sabe? No conselho... pra, só ah... acertar as coisas com relação ao novo líder panda e...

– Tá escondendo alguma coisa? Me fala a verdade.

– Eu não, tô não... eu, eu quero que você fique segura, e espere lá por mim. Faz isso por mim e pelo nosso bebê? Eu quero vocês em segurança e logo vou pra casa.

– Achei que iríamos voltar juntos... tudo bem.

Olhando bem nos olhos de Po, ela não conseguiu ver mentira, mas ainda desconfiava. Desviou o olhar e suspirou, se soltando do abraço dele. Levantou e recolheu a toalha e roupas sujas em silêncio, colocando-as no devido lugar para serem lavadas mais tarde. Po observava a felina se movimentando e não conseguia falar mais nada, não conseguiria falar que, já que ainda não proclamara o líder de Yu Qin, era obrigado a deixa-la até o filhote saber se defender sozinho. Ele tinha a expressão triste e sem que ela visse, abriu a boca algumas vezes, tentando continuar a conversa, sem sucesso.

Ela se reaproximou do panda e deu-lhe um ligeiro beijo na testa, depois, caminhou e se deitou do outro lado da cama.

– Boa noite Po. Feche a porta quando sair.

– Mas... – virou-se para ela, porém foi interrompido.

– Boa noite.

– Boa noite.

Po se levantou disposto à voltar ao salão. A festa ainda acontecia, estavam esperando Ayra, que fora tirar o traje cerimonial e colocar um mais simples. O panda chegou ao grande corredor e seu que mestre disse que até o momento tudo estava bem por ali, que os outros furiosos foram separadamente vistoriar as entradas e o jardim como fizeram havia meia hora, e também perguntou por Tigresa.

– Ela tá bem, eu acho...

– Como acha?

– Ela tá estranha... acho que Mi bem que podia me explicar porque ela tá tão mudada...

– A curandeira Mi ficou apenas um pouco na festa e foi se deitar. E ela já nos havia dito antes de chegarmos aqui, quando Tigresa chorou durante a viagem: a situação dela realmente mexe diretamente com o humor.

– Sério?

– É.

– E vai nascer mais ou menos quando?

– Vamos a outro lugar para conversar, ahn? Que tal o jardim? Esqueceu que ninguém pode nos ouvir?

Shifu acompanhou Po para fora, pedindo licença aos convidados com quem conversavam antes e chamando Hui Nuan para acompanha-los.

Já no jardim, o panda vermelho explicou que Mi não sabia sobre gestação de pandas gigantes já que ela e sua mestre na arte da cura não teve muito contato com pandas pelo simples fato de Shen destruir suas vidas.

“O que será que Hai Li quer comigo?”, perguntou Ayra a si mesma enquanto terminava de se trocar. A trabalhadora do palácio que lhe ajudava foi dispensada quando terminou, não deixou nem Víbora acompanha-la; recusou a proteção porque iria apenas a seu próprio quarto trocar de roupa e também queria pensar. A imperatriz queria ficar só.

Estava sentada em frente à penteadeira luxuosa pintada de vermelho e detalhes rosa. Os quatro pés do móvel terminavam numa bela espiral feita à mão. Ayra estava olhando seu reflexo no espelho; analisava cada traço seu. Lembrava sua mãe, ainda tinha as pinturas de quando conseguiram chegar ao palácio, de quando Zhu as acolheu e ajudou. Ela ainda se lembrava de seu pai, apesar de ter apenas uma pintura que a cada semana mudava de quarto; entre o dela e de Xue. Se recusaram a fazer outras pinturas, mas pela insistência de Zhu, os pintores locais fizeram um ótimo trabalho recriando aquela única cena que tinham de seu pai em tamanho maior e uma para cada uma delas; foi pedido que fizessem o mesmo com as pinturas de An que adornava as paredes e os criados mudos de cada uma delas, além do quarto e do escritório particular de Zhu.

Zhu jamais tocou em sua mãe, ele era um grande amigo a quem lhe foi dada a chance de criar duas vidas, dar-lhes o melhor e ajudar uma mãe em desespero que fizera de tudo por elas; An jamais o amou de maneira mais íntima, assim como ele a ela. Os dois foram grandes amigos e no leito de morte de An, o urso negro prometeu que cuidaria das meninas a quem considerava filhas próprias e assim fez. Ele e as duas meninas sabiam que Zhu nunca substituiria seu pai verdadeiro que Ayra se lembrava bem o que fez para que ela e suas mãe e irmã pudessem viver, mas amava Zhu tanto quanto a ele.

Ela tinha algo de seu pai, aquele tigre branco... seus olhos azuis, foram herdados dele, assim como os de Xue. Sorriu; a pintura dele e de sua mãe no casamento, que estava na penteadeira, chamou sua atenção e então passou os dedos por ela, suspirando. Seus olhos ficaram vidrosos, mas sustentava o sorriso.

Lembrava-se sobre o que seu pai dizia quando ainda era pequena “um dia você será uma grande mulher, é a nossa princesa mais velha e sua irmã que logo chegará, é nossa princesinha. Cuide sempre dela, viu?” e também o que sua mãe dizia, fingindo dar-lhe bronca para logo sorrir, quando Ayra brincava com os filhotes dos empregos do palácio e corria atrás deles “princesinhas não ficam grunhindo por aí” e depois ria.

– Vocês estão orgulhosos de mim? E de Xue, nossa princesinha? Espero que sim... – não suportou o nó em sua garganta; enquanto falava, sua voz era cortada pelo choro – farei o melhor que puder por todos. É muita responsabilidade, mas eu posso com isso. E sei que foram vocês que colocaram Hai Li no meu caminho... espero que sejamos como vocês dois.

Falando nele, lembrou-se que ele queria conversar. Havia algo errado com Hai Li, parecia com medo e ela não gostou nada disso. Seus pensamentos foram interrompidos...

Ouviu alguém à sua porta.

– Quem é?

Sem resposta. Ignorou e resolveu se levantar. Com um suspiro de cansaço pôs-se de pé e caminhou até a porta, deveria sair. Todos a estariam esperando para continuar a celebração.

Colocou a pata na maçaneta e a puxou, abrindo a porta; sentiu um arrepio ao ver quem estava a sua frente, parado nas sombras do corredor. A primeira figura fora mal iluminada pela luz das velas do quarto de Ayra.

Com surpresa, ela puxou o ar rapidamente e deu alguns passos para trás, mas a cada passo que ela dava, as outras três avançavam, até que a luz iluminou Rin atrás de alguém corpulento com um chapéu de palha e coberto com um manto roxo. A pantera negra segurava a jovem cabra que ajudara Ayra a se trocar; a pobre moça estava nervosa e tremia, chorava inclusive, em silêncio.

A figura da frente usava chapéu para que os demais não o reconhecessem, ninguém sabia que estava ali; quando o tirou, os olhos da imperatriz se abriram a não poder mais.

– Lembra-se do meu preço pelo consentimento de seu noivado? Chegou a hora de pagar.

Fora da cidade, o vento frio se tornava cada vez mais forte na noite escura e sem luar, como um aviso das trevas que estavam por vir. Uma sombra caminhava pelas ruas desertas, protegido unicamente por suas vestes e sua capa, todos surrados pelo tempo de uso; ainda que conseguiu roupas novas doadas por moradores dos vilarejos que passava.

Caminhou pelas ruas desertas e escuras sem direção. "O que tá acontecendo?", perguntou-se mentalmente. "Por que tudo tão quieto e abandonado?"

Parou e procurou um muro alto; subiu para ver onde estava o palácio imperial. Ao avistá-lo, viu também a provável razão do silêncio da cidade.

O palácio estava bem iluminado e, de onde estava, via a intensa movimentação.

– Lin... será que está mesmo, aí? - Murmurou para si.

Desceu e foi em direção à grande construção.

Chegando aos enormes portões entreabertos, os guardas se posicionaram a frente impedindo sua passagem. Todos os moradores locais haviam sido convidados ou convocados à assistir a coroação de Ayra e prestigiar a celebração que se seguiria, portanto, alguns guardas pensaram que aquele que se aproximava poderia ser uma ameaça.

– O que quer?

– Gostaria de ir ao festejo, estava viajando e soube há pouco tempo sobre a celebração.

– Escute, nós...

– Com licença, cavalheiros – interrompeu-os uma voz feminina. Os guardas olharam para trás e deram passagem a ela e mais alguém.

A seguiram com o olhar; uma pantera linda em um vestido azul escuro não era algo que se via tão de perto durante o trabalho. Quando a viram seguir pela rua central, repararam que o andarilho desaparecera, o procuraram pelos lugares próximos à entrada do palácio.

Enquanto isso, no jardim, Shifu, Po e Hui Nuan caminhavam para dentro quando ouviram um barulho vindo dos arbustos. Ficaram em silêncio e olharam ao redor como se esperassem por alguma coisa.

Hui Nuan sabia de onde viera o som e, silencioso como o tigre que era, caminhou até o local. Shifu ordenou que Po ficasse parado por não ser tão discreto e nem se dignou a olhar o panda pois sabia que receberia uma cara feia.

“Pelo jeito continuo bem rápido, mas caramba... não sabia que tinha convidados aqui no jardim também. Será que me ouviram?”, pensou o andarilho em meio ao arbusto. Não ouviu mais nada, pensou então que os convidados tivessem se retirado, mas antes que pudesse sequer dar uma olhada, uma mão o puxou pela capa, o retirando de seu esconderijo.

Ouviu um rugido ameaçador enquanto era jogado ao chão, onde caiu de bruços. Quando levantou a cabeça, sua capa rasgada até o capuz, conseguiu visualizar os atacantes com ajuda das luzes e sua visão aguçada. Seus olhos arregalaram, assim como o daquele tigre à sua frente; jamais esqueceu um amigo de tanto tempo, por mais que, durante anos em sua prisão, não recebesse, praticamente, notícia alguma do mundo lá fora.

– Yun?! – Perguntou Hui Nuan, assustado.

– Você o conhece? – Perguntou Shifu.

O coração batia a mil por hora. Se ele estava vivo, havia possibilidade de... será?

Antes que pudesse sequer responder à pergunta, ouviram um bater de asas e de repente uma ave desesperada passou voando por cima de todos.

– Mestre Shifu! Po! Venham rápido! Aconteceu alguma coisa com a imperatriz e Tigresa tá muito alterada!

– Tigresa?! – Perguntou Po, e saiu correndo assim que Garça assentiu.

Shifu foi atrás dele e Hui Nuan, mesmo ainda um pouco chocado, segurou Yun para levantá-lo e o puxou para que ele entrasse no palácio junto.

Todos naquele palácio eram alheios aos reais motivos do fato envolvendo as duas felinas, que ninguém sabia ao certo como ocorreu.

À partir de agora qualquer acontecimento era um grande risco.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? A reação da Tigresa foi muito exagerada? O que acham que aconteceu? E o que será agora dos nossos guerreiros?
Parei de fazer perguntas hahaha deixem reviews com críticas, dúvidas, palpites, etc.
Espero que tenham gostado.

Até mais. o/



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