Equinocial escrita por Babi Sorah


Capítulo 1
Caça e Caçador


Notas iniciais do capítulo

Obs¹: Esse capítulo possui cenas narradas tanto em 1ª quanto em 3ª pessoa.
Obs²: O símbolo '___ ~{}~___' indica mudança de cena.



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*Capítulo 01*

Caça e Caçador

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Eles eram vultos negros e gelados, por toda parte, talvez uma legião. Mas eu não iria esperar para contá-los de jeito nenhum. Podia senti-los me perseguindo. Não ouvia passos, mas o som de seus uivos e pressentia a aproximação.

E eu estava lá, correndo com todas as minhas forças, tanto que nem via por onde pisava. Meus pés apenas batiam contra o calçamento da rua de uma cidade antiga e assustadora, mergulhada numa noite com céu negro em que não era possível ver nem estrelas ou nuvens.

Havia casas e prédios antigos por toda parte da cidade, todos fechados e silenciosos. Poucos postes de iluminação permaneciam acesos e algo me dizia que eu era a única pessoa naquele lugar horrível.

Já estava quase sem fôlego e senti todo o meu corpo tremer quando uma das sombras passou a centímetros de mim. Desviei no ultimo instante e o vulto escuro colidiu num dos postes de luz, que tombou e teve a lâmpada estilhaçada.

Não quero nem saber como teria sido se fosse eu...

Sentindo como se meus pulmões estivessem queimando, forcei minhas pernas a irem mais rápido, rezando em silêncio para não me alcançarem. Atrás de mim, os perseguidores pareciam distanciar-se cada vez mais até desaparecerem na escuridão.

Tive um mau pressentimento.

Foi fácil demais. Alguma coisa estava errada. Minha intuição berrava avisos em minha cabeça.

Mas eles não desistiriam de você tão facilmente...

Sem diminuir minha velocidade, atravessei uma avenida agradecendo aos céus por não haver carros passando àquela hora da madrugada.

... A não ser que algo assustador esteja escondido nas sombras... Algo que com certeza não vale a pena encontrar...

Cruzei uma rua.

Bem, se eu voltar, serei capturada...

O vento frio soprava forte fazendo meus olhos lacrimejarem e minhas orelhas zumbirem.

Então não tenho outra escolha... A não ser lutar com tudo que tenho e seguir em frente...

Levantei o capuz do meu casaco, estreitei meus olhos e apurei os ouvidos. Ninguém a vista.

... Não importa o que seja. Afinal, nada pode ser pior do que eles...

Porém, eu estava tremendamente enganada.

Quando dobrei a esquina estaquei automaticamente, quase tropeçando nos meus próprios pés. Havia um homem pálido de cabelos longos e roupas negras parado bem no meio da rua e ele olhava fixamente para mim.

Mas não foi sua presença ou fato de estar sendo encarada que me fez parar de correr. Foram os seus olhos vermelhos como sangue, brilhando de maneira sinistra, como se me esperassem naquele lugar desde sempre.

Em um instinto de autodefesa virei-me e comecei a correr na direção oposta, já arrependida de não ter obedecido aquela voz irritante em minha cabeça.

Mal havia percorrido alguns metros quando surgiu outro homem com os mesmos olhos malévolos, desta vez um pouco menor e com cabelos curtos, impedindo minha fuga.

Eu estava encurralada, não podia voltar ou prosseguir.

E naquele momento, podia jurar que o ar tornou-se mais frio e a noite ainda mais escura.

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— Eu estou avisando, as coisas já estão muito complicadas para o seu lado. Se você continuar irritando todo mundo, vai acabar perdendo seu posto! Já imaginou passar o resto da vida atrás de uma escrivaninha preenchendo papeladas e formulários, relatórios e todo aquele trabalho burocrático idiota que ninguém suporta fazer? Ou pior, ser trancafiado outra vez... E sabe para quem vai sobrar? Para mim! Qual é o seu problema?! É tão difícil assim não discutir com ele?!

— ...

— Ei, Zero! Você está me ouvindo?!

— Infelizmente sim, Kaito. Aliás, se não parar de reclamar e fechar essa boca, você vai acabar denunciando a nossa localização. E se isso acontecer...

Zero apontou para fora do telhado da catedral de quase cem metros de altura onde os dois estavam. — Eu juro que te arremesso daqui de cima.

Kaito instintivamente olhou para baixo. Realmente, uma queda daquelas seria muito dolorosa. Não que ele estivesse com medo de Zero, já estava acostumado com a grosseria habitual de seu colega, e geralmente conseguia lidar bem com ele. Mas como o temperamento de Zero tem sido quase insuportável, Kaito mantinha a guarda em alta apenas por precaução.

E apesar de ainda querer dizer (e socar) umas poucas e boas na cara de seu parceiro, ele ficou quieto, pois sabia que no fundo Zero tinha razão: precisam encontrar os alvos da lista e não podem desperdiçar tempo.

Aquela caçada em especial já acarretara vários problemas aos caçadores.

Nas ultimas semanas, uma quadrilha de vampiros começou a agir em áreas específicas da Península Ibérica. De acordo com os relatórios, seus integrantes sequestram civis e os mantém em cativeiro para sempre terem sangue fresco sem a necessidade de capturar humanos com tanta frequência.

Para piorar, estes vampiros caçam em equipe, em horários aleatórios e tinham certa habilidade em encobrir os próprios rastros.

O número de vítimas já era estimado a onze mortos e quatro desaparecidos. Os corpos encontrados em bueiros, sarjetas, lixões e locais escuros eram quase irreconhecíveis e todos tiveram o sangue completamente drenado.

A polícia desconhecia a verdadeira natureza de tais crimes e investigava ás cegas, acreditando que o responsável fosse algum assassino em série ou se tratava de uma nova seita que envolvesse rituais de magia negra.

No QG da Associação dos Caçadores, o mestre Yagari repentinamente transferiu este caso para os dois. Zero protestou, alegando já estar muito ocupado caçando todos os alvos em sua própria (e lotada) lista e que não poderia deixar sua missão incompleta assim, sem mais nem menos.

A verdade era que Zero possuía uma obsessão em caçar vampiros e quando se concentrava numa missão ou algum alvo, ele simplesmente não conseguia sossegar até abatê-los. No fim das contas, o mestre estava de péssimo humor, a discussão ficou feia e Yagari berrou um monte de lugares indiscretos onde Zero deveria colocar sua antiga lista de alvos. Deu-lhes apenas uma semana para resolver o caso e capturar todos os envolvidos. Do contrário, seriam punidos até que se arrependessem de ter nascido.

E assim, ambos acabaram escondidos em plena madrugada no alto daquela catedral, aguardando os malditos sanguessugas saírem da toca.

Zero se mantinha perfeitamente parado, atento a qualquer sinal da presença de algum vampiro. Ele estava agachado e tão imóvel que na escuridão era facilmente confundido com uma gárgula. De repente, seus ombros ficaram tensos e Zero inclinou a cabeça levemente para o lado, como se ouvisse algum som muito distante.

Kaito o observava com cautela. Algumas vezes as habilidades vampíricas de seu parceiro podiam ser um tanto perturbadoras.

— Encontrou eles?

Ele assentiu com a cabeça. Sua face era fria e concentrada.

— Estão a algumas quadras daqui. Ao norte, próximos da estação de metrô.

— Quantos?

— Assim como você presumiu, cerca de cinco ou seis vampiros comuns. Provavelmente todos machos e dividiram-se em dois grupos. O grupo mais distante está a cerca de treze quadras. Julgando pela localização, os velhos túneis do metrô estão servindo de esconderijo. As últimas quatro vítimas desaparecidas talvez estejam confinadas lá.

— Então, quer dizer que eles se encontrarão para comer?

Zero respondeu sem desviar o olhar da vista noturna da cidade.

— É possível. Porém, talvez seja para definir o próximo esconderijo e reorganizarem-se.

— Sendo assim, isso significa que a maioria ou todos os desaparecidos podem estar mortos.– concluiu Kaito, com a voz variando entre a raiva e o desgosto.

— Sim. Mas espere... - Zero se deteve por alguns instantes e assumiu uma expressão intrigada. — O grupo mais distante... Parecem estar lutando entre si...

— Tem certeza? Como você sabe?

—Sinto o cheiro do sangue. Vou atrás deles. E você, siga para o metrô. O primeiro grupo vai demorar um pouco para alcançar a estação. Você terá tempo suficiente para cuidar deles e procurar pelos desaparecidos.

E num único movimento Zero se levantou e saltou da catedral, mergulhando dezenas de metros até aterrissar suavemente e quase sem fazer barulho no calçamento da rua.

— Ei, primeiro temos que chamar os... – o outro tentou dizer, mas Zero já estava fora de vista. _ Droga!

Pulando em atalhos pelas marquises, Kaito se dirigiu ao metrô com o pressentimento de que aquela noite seria muito problemática.

E ele tinha razão.

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As duas criaturas avançaram para outro ataque. O mais alto tentou golpear-me com suas unhas compridas e afiadas como navalha.

Eu apenas tive tempo de desviar o suficiente para não ser rasgada ao meio e arfei de dor, quando senti suas garras cortarem a pele de minhas costas. Girei o corpo e chutei seu peito com toda força, ouvi o estalo de suas costelas se quebrando e ele caiu para trás rugindo de dor.

Numa velocidade incrível senti um zumbido perto de meu ouvido esquerdo, e meu corpo se moveu por instinto, esquivando-se de um perigoso soco que certamente teria me nocauteado.

Tomei impulso e saltei, aplicando um chute lateral no rosto do segundo. O golpe fez a cabeça dele recuar num estranho ângulo de 90º, e de uma maneira que eu apenas poderia descrever como bizarra, o homem cambaleou tentando se manter em pé, seu nariz jorrava sangue e provavelmente foi quebrado.

Céus, eu estava sem sorte.

Aqueles homens definitivamente não eram humanos.

Eu acertava, chutava, revidava. Até cheguei a cortá-los com meu canivete, mas nada os fazia parar de atacar.

Se antes eu já me sentia sem fôlego por causa da corrida, essa luta desgastou o pouco de energia que me restava. Minhas costas queimavam enquanto o sangue escorria por meu casaco. Minhas pernas tornaram-se rígidas, meus braços estavam com cortes e pareciam pesar como barras de chumbo.

No fundo, algo me dizia que mesmo se eu lutasse a noite inteira, meus ataques não iriam detê-los. Respirava ofegando em busca de todo o oxigênio possível. Lágrimas de dor borravam minha visão e temia perder a consciência a qualquer momento.

Sem tempo para descansar, corri de volta para a avenida tentando me afastar ao máximo antes que ambos se levantassem e fossem atrás de mim novamente. O que não demorou muito a acontecer.

Ouvi um grito abafado e o som de tiros sendo disparados.

Olhei para trás e o que vi assombrou-me.

No chão, os corpos daqueles homens estavam se desintegrando até restar apenas... Pó.

Um arrepio percorreu meu corpo - e não teve a ver com o frio – quando o som de passos rápidos e confiantes veio em minha direção.

Eu esperava muitas coisas. E então, saindo das sombras e ficando sob a luz do poste finalmente surgiu não um monstro, mas um homem.

Ele parecia ser bem jovem.

Era alto e pálido. Os cabelos eram de um incomum tom de cinza prateado, usava um longo casaco negro e empunhava uma arma na mão direita. Caminhou até ficar a apenas dois passos de mim, apontou o revolver diretamente para minha cabeça e o metal frio da arma tocou minha testa.

Sabe, acho que aquela altura dos acontecimentos eu já deveria estar acostumada com coisas estranhas em minha vida.

Mas este é o problema, você nunca realmente se acostuma com as coisas, apenas se sente um pouco mais cético sobre elas. E talvez tenha sido por isso que eu fiquei lá, parada.

Claro, também não me restava mais forças para correr, estava ferida e provavelmente meus verdadeiros perseguidores esperavam-me em algum lugar não muito distante dali.

E sim, eu deveria ter sentido medo. Mas não senti.

Talvez fosse a exaustão bloqueando o meu bom senso. Era como se minha mente tivesse se tornado completamente vazia. Não conseguia sequer mover meu próprio corpo.

— Cansou de brincar de se esconder?

O som de sua voz era ainda mais frio do que gelo. Eu não ousei encarar seus olhos.

— Bem, agora a brincadeira acabou. Para você...

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Sem hesitar, ele apertou o gatilho. O tiro ecoou pela rua. A cabeça da garota pendeu para trás e o corpo dela foi lançado ao chão com um baque.

Impassível, Zero deu meia volta e olhou para o fim da avenida. Nenhuma presença anormal a vista, a não ser a figura esguia de Kaito que se aproximava depressa.

Ao avistá-lo, Zero teve um flash de memória e finalmente se lembrou que deveria ter chamado as equipes de limpeza e perícia. Essas equipes são as responsáveis por cobrir todos os vestígios que os ataques dos vampiros causavam, além de registrarem e tratarem dos corpos das vítimas antes de entregá-los a polícia e as suas determinadas famílias.

Ele começou a desejar que seu parceiro tivesse se lembrado desse detalhe e contatado o QG.

Porém, quando Kaito finalmente o alcançou, Zero notou que ele não teve uma noite de trabalho das mais agradáveis. Sua pele cor de marfim estava pálida e a expressão pesada no rosto dele denunciava cansaço.

— Encontrou algum sobrevivente?

Kaito balançou negativamente a cabeça, afastando algumas mechas de seu cabelo escuro que teimavam em cair-lhe sobre a testa.

— Não. A perícia está trabalhando agora e as buscas começaram a ser feitas, mas julgando pelo estado do lugar, eu diria que todos já devem estar mortos.

Kaito apontou com uma expressão de desagrado para os vestígios do que antes foram os corpos de dois vampiros, poças e manchas de sangue no chão, um poste destruído, pedaços rasgados de roupas e uma janela quebrada.

— Ao menos você parece ter se divertido. E fez uma bela bagunça ...

— Eu até gostaria, mas o crédito desta vez não é somente meu. Foram eles que fizeram a maior parte. - Zero desdenhou, encolhendo os ombros.

— Ainda bem que este bairro está sob a jurisdição do QG. Ah, espera aí... Você pelo menos se lembrou de ligar para uma equipe de apoio. Não é?

— ...

— Fala sério! Já é a terceira vez que você se esquece disso. Eu chamei meu time para cobrir o metrô, mas parece que irão demorar um pouco até limpar tudo. Porém, já que você não chamou ninguém para te auxiliar, os outros vão levar ainda mais tempo até chegar aqui...

Kaito interrompeu subitamente o que dizia. Seus olhos castanhos refletiram um brilho que mesclava curiosidade e desconfiança. Ele enviesou o ângulo de suas sobrancelhas, direcionando seu olhar para algum ponto atrás de Zero.

— Ei... Por que você deixou um vivo? Não tínhamos concordado que bastava de prisioneiros?

Zero encarou Kaito.

— Mas do que diabos você está falando? Eu matei todos os três.

Ele virou-se para o que Kaito olhava. Há poucos metros, jazia algo que o surpreendeu.

Não havia notado antes porque nem se dera o trabalho de olhar duas vezes para o corpo onde acertou um tiro á queima-roupa e ainda mais diretamente na cabeça. Negligência. E das grandes. Mas agora era inegável: ao contrário dos outros dois vampiros, o corpo daquela garota não se desintegrou em cinzas após receber um tiro preciso da Bloody Rose.

Entretanto, Zero tinha certeza absoluta que não errara aquele tiro. E como poderia ter errado, naquela distância?

E além disso, vampiros sempre desintegram-se em cinzas ao receberem um ataque fatal de uma arma Hunter.

Mas que diabos está havendo aqui?

Kaito examinou o corpo.

— Ah, minha nossa... Eu retiro o que disse antes. Não precisa irritar mais ninguém para se ferrar de vez. Agora você finalmente conseguiu um passe só ida até a sarjeta.

— Não estou entendendo. O que você quer dizer com isso?

Kaito respirou fundo.

— Zero, essa garota não se desintegrou com o tiro da Bloody Rose porque ela é... Humana. E eu acho que você a matou.

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