Red escrita por A Menina que Roubava Palavras


Capítulo 17
Estranhos


Notas iniciais do capítulo

hehehehe
eu gosto deste capítulo em particular



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Já era quase meia noite quando Justin acordou. Ele levantou assustado, olhando freneticamente de um lado para o outro. Como estava escuro, teve que esperar um pouco para seus olhos se acostumarem, então ele viu Luce deitada na cama ao lado. Sentiu seu coração pular do peito, pois todas as lembranças tinham vindo à tona. Ele engoliu em seco e procurou com o olhar alguma explicação para o que estava acontecendo. Estava com medo de sair da cama e, ao pisar no chão, tudo explodir. Um medo imbecil, mas plausível depois de tudo o que ele enfrentou. Ouviu ao seu lado o gemido de sua irmã, e se acalmou ao perceber que estava apenas dormindo e tendo um pesadelo provavelmente.

Reunindo forças e coragem, Justin levantou da cama. O piso era feito de madeira e as camas tinham uma aparência diferente do que estava acostumado. O restante do quarto era preenchido por um guarda-roupa de uma madeira estranha e umas almofadas espalhadas no centro com um tapete no chão. Pelo visto, não tinha banheiro. A cama, na verdade, era um colchão com o forro de seda. Nas paredes, havia pinturas de dragões e de pessoas cultivando arroz. Um barulho rouco e abafado vinha do lado de fora do cômodo. Passos agitados mostravam que o lugar era frequentado, mas que lugar? Justin não sabia onde estava e não sabia se deveria sair para investigar. Se ele fizesse isso, deixaria Luce sozinha. Ela quase tinha morrido hoje. Pelo menos, ele achava que ainda era vinte e três de setembro. E se já tivesse passado horas, dias, meses?!

Justin andou até a porta e a abriu. Um homem vestido com uma calça jeans azul e uma blusa preta estava parado, o encarando. Seus olhos azuis diziam que se Justin desse um passo em direção ao corredor, ele iria se arrepender de ter feito isso. O garoto petrificou no lugar onde estava.

– Volte para dentro do quarto. – disse o homem, ríspido.

Justin não precisou de uma segunda ordem. Para sua surpresa, o cara o seguiu.

– Vá acordar sua irmã. – ordenou. Ele assentiu.

Quando estava prestes a fazer o que tinha sido imposto a ele, parou. Como aquele desconhecido sabia que eles eram irmãos?

– Luce! – Justin, agachado, a sacudiu delicadamente – Luce!

Ela abriu os olhos, assustada.

– Justin! – exclamou baixinho.

– Calma, fique quieta. – pediu.

Nesse mesmo momento, uma pessoa entrou no quarto e acendeu a luz, fazendo doer os olhos dos presentes. Era uma mulher, e ela estava trazendo consigo um saco aparentemente feito de papel, de uma cor que se assemelhava a um marrom desbotado e sujo.

– Eu trouxe comida. – anunciou para todos – Quem está com fome?

O homem foi o único a se pronunciar.

– Quem são vocês? – Luce perguntou, levantando-se da cama.

– Nesse momento, somos quem estão te oferecendo comida. – respondeu o cara.

Isso irritou Luce.

– O que vocês querem da gente? – Justin indagou.

– Nesse momento, queremos que vocês comam. – respondeu novamente.

Luce ficou mais irritada ainda. Seu irmão olhou para ela e viu suas bochechas corarem de indignação. Não era a melhor hora para isso, mas ele achou a situação engraçada.

– Por que devemos obedecer vocês?

– Porque estamos te oferecendo comida e, se eu me lembro bem, faz muito tempo que vocês não colocam nada na boca. – ao dizer isso, ambos os irmãos sentiram seus estômagos roncarem. Sim, eles estavam morrendo de fome.

A mulher já tinha se sentado em uma das almofadas e estava comendo o que parecia ser macarrão com hashis num potinho de madeira. Ela vestia uma leg jeans preta com uma bata com mangas longas feita de lã cinza e calçava uma bota de couro preta. Parecia tranquila e tratava a situação de Justin e Luce com desdém. A garota não pôde deixar de sentir raiva disso também.

Foi então que várias lembranças invadiram a cabeça de Luce. Ela cambaleou para trás, mas Justin a segurou. Não sabia se sua tontura repentina tinha sido por causa de recobrar os fatos de uma hora para outra ou se foi causada pela desnutrição.

– Está tudo bem? – Ian perguntou com uma das sobrancelhas levemente levantada em forma de arco.

– Eu só estou um pouco tonta. – explicou ela.

– Se você comer, garanto que essa tontura vai passar.

Ainda hesitante, Justin parou para refletir um pouco. O casal não tinha cara de maníacos ou de assassinos. Tirando a ignorância da mulher e as frases um tanto sarcásticas do homem, eles até poderiam ser amistosos. Sem aguentar mais a fome, ele resolveu ceder.

Luce ainda continuou na defensiva. Seu irmão, mesmo tendo acabado de passar por uma situação de vida ou morte, era materialista o suficiente para ir confiando em qualquer um que oferecesse conforto a ele. Já Luce não seria tão tola assim. Ela analisou uma pouco mais o quarto. Juntando os fatos: o guarda-roupa feito de bambu, a comida típica, o colchão no chão, o tecido, teve quase certeza de onde estavam.

– Como viemos parar na China?! – exclamou ela.

Justin, que estava se preparando para colocar o primeiro bolo de macarrão bagunçado e enrolado nos palitinhos, ficou assustado com suas palavras. Então, ele olhou ao redor e percebeu que fazia sentido.

– Até que enfim uma pergunta inteligente! – a mulher comemorou. Ela se virou para encara-los – O seu sequestrador gostava da cultura oriental.

– O que ela quer dizer é que – Ian sentiu pena da cara confusa dos meninos – o sequestrador decidiu trazer vocês para cá, porque ele achava que assim não deixaria rastros fácies de onde estava.

Justin se arriscou a fazer uma pergunta que vinha o incomodando desde que trocara a primeira palavra com o homem.

– Como você sabe que somos irmãos?

O casal adulto se entreolhou.

Há algumas semanas, Megan e Ian receberam ordens do seu chefe, Eric Stark, para irem atrás dos seus filhos, pois descobriu que o restante da sua família não tinha embarcado para a Suíça. Através da descoberta de Paul, Ian chegou a conclusão de que, se Luce não estava com sua mãe adotiva na Suíça, havia grande probabilidade de ela estar com o membro mais desagradável da sua família biológica: o pai, e seu irmão, Justin, provavelmente estaria com ela. É claro que Ian e Paul tiveram o bom senso de não contar nada a Megan, pois sabiam que mais cedo ou mais tarde ela iria descobrir. O problema era que ficaria chateado com o fato de seu namorado não ter contado nada a ela, mas perceberia que ele estava apenas seguindo o seu desejo.

A segunda parte foi a mais fácil, Ian seguiu os passos de Edward e vieram parar na China. Ele não fazia a mínima ideia de que Luce estivera cara a cara com a morte e que, nessa situação em particular, o pai da menina tinha sido o herói numa história na qual ele era sempre o vilão.

Eles desembarcaram em Pequim e depois pegaram outro voo para uma cidade distante chamada Lhasa. Edward seguiu viagem, cada vez mais distante do centro e mais perto das regiões montanhosas do oeste. Ele parou num vilarejo quase inóspito e sem graça, com apenas algumas casas de madeira bem rústicas e com camponeses que vivam do cultivo próprio. Esses conjuntos de gestos inconvenientes despertaram a curiosidade do agente, já que Megan acreditava que era outra pessoa que estavam seguindo, que só fazia seguir o criminoso. No final da tarde do dia de ontem, eles encontraram Justin e Luce desacordados perto de um rio, a alguns quilômetros de distância de uma caverna desmoronada.

O silêncio que se instalou depois da pergunta de Justin deixou Luce ainda mais agoniada, mesmo parecendo impossível.

– Como vocês sabem? – ele repetiu a pergunta, dessa vez com um tom mais sério.

– Acho que chega de perguntas por hoje. – disse Megan por fim.

– Então, vocês acham que simplesmente vamos obedecer vocês dois sem saber quem são? – Luce perguntou irônica.

– Sim. – respondeu Ian terminando de comer e se levantando.

Ela lançou um olhar para Justin esperando que ele a ajudasse, mas, ao invés disso, ele apenas deu de ombros, como o esperado. Estava concentrado demais saboreando o macarrão que o casal tinha lhe oferecido. Irritada, ela esbravejou:

– Pois eu espero que você se engasgue com sua comida! – depois disso, ela saiu do quarto e bateu a porta.

O que a esperava lá fora não era nem um pouco agradável.

Quando terminou de percorrer o corredor não parecia ter fim – o que lhe lembrou sua casa -, Luce se deparou com uma senhora corcunda de cabelos grisalhos e pele enrugada. Ela vestia basicamente panos e mais panos. Falou alguma coisa incompreensível para Luce, que apenas tentou sair dali. Parou no que parecia ser a recepção da hospedaria.

O lugar era a mais pura simplicidade. Tudo basicamente feito a base de madeira. Alguns quadros parecidos com o do seu quarto preenchiam as paredes, provavelmente, pintados por pessoas da região. Os móveis eram feitos de barro e argila e poucos, de vidro. Mas, por mais simples que fosse, o lugar era aconchegante e acolhedor. Uma lareira no fundo da recepção proporcionava uma temperatura deliciosa e o cheiro de carvalho queimado era melhor ainda. Poucas pessoas circulavam pelo lugar e, até onde Luce sabia, não conseguiria tirar nenhuma informação delas.

Foi nessa hora que a situação ficou mais desagradável. O vilarejo onde estavam hospedados não passava de matagal pelo ponto de vista de Luce. Estava de noite, e isso dificultava o reconhecimento do local. As ruas eram de terras, iluminadas por postes de madeira com um candeeiro à base de óleo. As casas eram de apenas um andar, feitas da mesma madeira. Ao lado delas, alguns metros quadrados de terra serviam como uma horta, em que cada família produzia o que ia comer. Luce se sentia perdida e com medo. Deu alguns passos e parou na varanda da frente da casa. Uma rajada do vento frio de montanha levantou seus cabelos para trás e a fez se arrepiar. Ela se abraçou, tentando ficar aquecida. Por um momento, sua visão ficou turva, então as lágrimas quentes começaram a fazer uma trilha pelo seu rosto.

– Está tudo bem?

Ela se virou, assustada. Não tinha notado os passos de Ian, que a acompanharam.

– Eu... eu só preciso de um tempo sozinha.

Ele assentiu, com um sorriso triste.

– Caso fique com mais fome, sobrou macarrão. Está lá no quarto.

– Obrigada. – disse com sinceridade.

Ian já ia se virar para deixa-la sozinha, mas hesitou por um momento. Queria fazer algo a mais pela garota, mas sabia que isto não estava ao seu alcance. Então, apenas seguiu seu caminho de volta para o quarto e permitiu que Luce pudesse processar o que estava acontecendo.

Eram muitas coisas a considerar. Primeiro: a aparição repentina do seu pai. Não que ela não tivesse gostado, até porque, isso salvou a vida dela e de seu irmão. Mas, se ele sabia que ela estava viva, por que nunca a procurou? Por que, para início de conversa, a tinha abandonado no orfanato? Mais tarde, Luce entenderia as respostas. Edward era um bandido, criminoso, fora da lei. Se ele a mantivesse por perto, ela estaria confinada a ter o mesmo tipo de vida dele. Phillip tinha deixado isso muito claro quando jurou vingança ao seu chefe. Com certeza, ele não era uma boa pessoa. E, pela primeira vez, ficaria feliz por seu pai ter-lhe dado a chance de ser uma pessoa diferente. Segundo: quem era aquele casal que trouxe ela e Justin para cá? O que eles queriam com os dois? Isso, com o tempo, Luce iria descobrir. No momento, entretanto, eles não mostravam ser uma ameaça.


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Notas finais do capítulo

Ameaça?? SÉRIO?!
às vezes eu acho Luce tão ingênua, claro que Megan não é nem um pouco ameaçadora... aquela doce mulher...
agora Ian é quem me dá arrepios, sinceramente
— nível de ironia --> 0%



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