Nunca havia me sentido tão insano quanto estou. É como se eu ouvisse a voz de Troian batendo em minha cabeça, martelando para que eu ouça a verdade. Não passo de uma figura nua sentado no banheira enquanto agarro minhas pernas e encaro o nada. Eu tenho a aparência de um louco, um maníaco, um psicopata. Meus olhos estão mais vermelhos do quê já estiveram em toda minha vida. Eu não tenho mais controle sobre meus pensamentos. Desconfio de todos e de tudo, temo até mesmo minha sombra. Meus cabelos estão grandes, minha aparência reflete uma alma abandonando um corpo sujo. Sujo. Sujo. É isso, exatamente assim que me sinto. Completamente sujo. Como um sonar de uma poesia mal feita. Não que eu esteja fedendo, pois banho ainda é a única coisa que eu continuo como rotina. Mas eu me sinto sujo por dentro. Repugnando todos os toques que os nomes no diário me deram.

  Não há água que tiraria esse pensamento de minha mente. Sou um cadáver imundo por mentiras e segredos que me seguiram em cada passo que dei desde que entrei pela placa da cidade. Maldita hora aquela.

  Abaixo a cabeça para descansar o peso que sinto dentro dela e sinto o chocalhar de pingos caindo sobre minha pele. Tantos nomes, tantas histórias, tanto lixo em um só relato. O que mais eu poderia esperar do que Troian diria? O quanto eu devia me preocupar com o que acontece comigo?

-Me deixe em paz Troian. –Peço.

-Não posso, querido. –Ouço ela dizendo em minha cabeça.

  Choro por horas incontáveis enquanto aguardo o sono chegar.

  Quando acordo já é tarde. A água da banheira não me afogou pois por sorte o tampão estava aberto. Desligo o chuveiro e me enrolo em uma toalha. Ponho uma cueca, um short e uma camiseta. Deito na cama acendo a luz do abajur e começo a ler os relatos de Troian Fields.

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30, Maio.

  Eu estava tentando reler algumas coisas que aqui foram ditas, e cheguei a uma conclusão muito certa... Ingenuidade é um conceito muito prevalecido quando se trata de Troian Fields. Metade das coisas que sofri não teriam acontecido se eu não acreditasse demais nas pessoas, ok, talvez eu esteja sendo ingênua mais uma vez. Oitenta por cento das coisas aqui feitas não teriam acontecido! E é baseado no termo de ingenuidade que vamos para o próximo fim de posso.

  Peter. Como eu já temia, você só chegou pra me jogar aos crocodilos. Eu havia ficado só em casa já que meus pais e meu irmão haviam ido á missa, era pra dar tudo certo mas como sempre eu fui burra e idiota pra confiar em alguém que nunca me deu razões para confiar.

  Ok, minto. Ele foi ótimo enquanto estava comigo, e durante todo o tempo que esteve... Me fez sentir como se fosse mágica ou como se eu realmente tivesse uma chance de ser feliz no final de toda essa história, mas é ai que Peter me fez sentir como todos fizeram. E eu realmente espero que você se envergonhe muito depois do que aconteceu hoje na escola.

  Tudo começa ontem, onde um garoto e uma menina estão arrodeados por velas na sala da minha casa. Foi tão lindo, ele trouxe uma cesta com morangos e chocolate, a gente comeu e depois as coisas esquentaram. Eu realmente estava feliz, me sentindo única, me sentindo amada e mesmo que aquilo tudo parecesse rápido demais, eu sabia que Peter merecia ser meu. E eu poderia esquecer o eu Toddy fez, e simplesmente pensar que Peter era o primeiro cara, mas ele não era, ele jamais será, pois ambos são da mesma raça, ambos foram cruéis comigo ainda que Peter tenha sido mais!

  Nós trocamos beijos e toques, e quando vimos já estava acontecendo, ali mesmo no chão da sala, ele vinha por cima de mim e parecia uma fera, era tão bom, o sabor de luxuria, nosso cheiro, seu beijo. Tudo era tão quente e excitante, naquele breve momento eu podia sentir meu mundo inteiro em meus braços. Eu podia sentir o que era paz. Arranhei o chão diversas vezes e aqueles arranhões estarão ali todos os dias pra me lembrar o fim drástico que a história tomou.

  Foi mágico, lírico, perfeito. E então você foi embora. Era pra ser só uma saída pra sua casa, mas você foi embora pra sempre.

  Eu jamais posso voltar a ler isso, eu nunca vou ler meus relatos mais uma vez, eu não teria força, tudo aqui pesa em minha costa como se eu carregasse a história de todos vocês, mas eu continuo presa a escrever tudo aqui, na espera de que alguém simplesmente leia e me salve.

  E ai nós fomos para a escola, e mais uma vez, todo mundo no corredor estava me olhando, rindo, apontando para mim, fazendo brincadeiras que eu não entendia, porque elas não tem graça quando você é a piada! Lyla passou por mim sorrindo e sussurrou algo como ‘nossa, você é uma safada selvagem’. E foi ai que eu percebi o objeto em comum em meio á todas as risadas.

  Corri até um grupo de meninas que riam e tomei o celular de suas mãos. E lá estávamos nós, Peter e eu transando no chão de minha casa, circulando nos celulares de toda a escola como uma fita pornô. Como uma vadia que gravava sua cena de amor pra circular de mão em mão. Eu era uma puta aos olhos de todos e Peter era o capeta aos meus.

  E é neste ponto que eu surto.

-O QUE VOCÊ FEZ? –Perguntei ao bando de garotos no fim do corredor.

  Ainda de costas, todos eles param. Toddy vira de frente para mim e sorri, logo ele puxa Peter para seu lado e bate em seus ombros.

-PORQUE EU? –Perguntei.

-Você nunca passou de uma aposta. –Toddy diz.

  Peter olha pra baixo e não tem coragem de me encarar nos olhos. Ele destruiu meu coração. Ele me deixou em cacos e naquele momento não conseguia nem encarar o reflexo do que ele me transformou.

-PORQUE PETER? POR QUÊ? ME OLHA SEU LIXO. –Eu gritei.

  Então ele levanta a cara ainda que relutante, eu ando mais perto, e um monte de alunos começam a apontar câmeras em nossa direção.

-Não é disso que você gosta? Câmeras. –Eu dou um sorriso sarcástico. –Espero que a gente pare no youtube agora, não é isso que você quer? Popularidade...

  Ele continua em silencio.

-Como você não tem coragem pra me encarar? –Começo a chorar e quero matar ele ali mesmo. –COMO SEU IDIOTA? PORQUE?

-Valeu apena pagar vinte dólares pra te ver assim, você teve a chance de me ter, mas decidiu se arriscar, tá vendo o quanto era fácil ficar ao meu lado? Você não precisava passar por isso tudo. –Toddy diz e logo em seguida eu lhe empurro e ele cai distante, perto dos armários.

-CALA A BOCA SEU VIADINHO. –Grito. Em seguida tampo minha boca, arregalo os olhos e encaro Mason.

  Ninguém nota que aquilo é verdade, todos pensam que só foi um método de xinga-lo em meio á toda aquela raiva.

-Eu espero que você realmente esteja contente e gaste os vinte dólares da melhor forma possível. Esse é meu preço não é? Vinte dólares. –Eu abro um sorriso por baixo do rio de lágrimas.

-Me desculpe. –Diz ele.

  Não consegui me segurar e voei para cima de Peter, comecei a lhe socar e lhe derrubei no chão enquanto todos incentivavam ao redor dando gritos de apoio. Rasguei seu rosto pouco acima da sobrancelha e lhe machuquei o máximo que podia. Extravasei minha dor em seu corpo e por nenhum segundo ele tentou me agredir.

  Fui puxada por dois alunos e peguei minha bolsa.

-Espero que você saiba que seu pinto é pequeno. –Todos riram e eu voltei chorando pra casa. Eu não queria ir pra escola, nunca mais.

  Cheguei aqui, sentei na janela, e... –Obrigada Francia- usei o presentinho que nossa drogada favorita me deu. E eu agora entendo o motivo dos usuários de drogas... Eles só querem fugir do mundo por alguns segundos, eles só querem ter paz. Ou melhor, nós.

Troian Fields.

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  Levanto da cama, sinto as lágrimas descerem meu rosto e meu coração pulsar lentamente. Eu consigo sentir a dor de Troian, como as pessoas puderam ser tão cruéis com ela? Eu queria ter chegado antes para lhe ajudar. Eu queria estar aqui Troian, eu poderia ser o seu amigo, eu poderia ter tomado o lugar de Peter. Eu estou me apaixonando por alguém que já morreu. Eu simplesmente odeio o sentimento que pulsa em mim, odeio você Troian, odeio você por ter deixado as pessoas chegar perto, odeio você por ter me feito achar o diário. Odeio estes relatos. Odeio a mim mesmo por ter começado a ler.

  Guardo o caderno em minha bolsa e vou até a janela para fechar a persiana de bambu, olho pelo vidro escuro, e lá, no meio da floresta, há alguém por baixo de um capuz preto, e noto que estou sendo vigiado desde que cheguei aqui. Por fantasmas, por amigos, por pessoas que jamais conheceria se não fosse por Troian.

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01, Junho.

  Eu não voltei na escola, chequei o youtube e exclui todas minhas contas em redes sociais, quero me exilar, quero me libertar da maldição que me cerca nesta cidade. Quero me distanciar de tudo e de todos. A viagem de barco das férias que os jogadores de futebol ganham, esta chegando, eu iria se ainda estivesse com Peter, mas agora eu não aguentaria nem mesmo ver sua face.

  Meu irmão está mais insano que todos os dias que já esteve antes, alguém deveria tratar esse menino. Ele fala sobre apocalipse, o demônio e sobre a influência do capeta em nossa casa. É estranho como Deus deveria ser uma fuga e acaba se tornando um problema, eu nem sei se ainda acredito Nele, afinal, como alguém tão misericordioso como dizem, deixaria alguém que nunca fez mal a outro alguém sofrer tanto? Eu não vejo logica nisso.

  Estou exausta, exausta de tudo que me cerca, quero ficar só, me privar de viver. Me privar de qualquer coisa que tenha que se relacionar a outras pessoas. A maconha, ela é realmente boa, pelo menos isso me faz sorrir. Não entendo porque juguei Francia antes. Ela me forneceu segundos de paz, afinal, em dois dias eu já estou acabando. Tenho que voltar na escola pra pegar mais.

Troian Fields.

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  Caminho até a sala de jantar, afasto o tapete do chão, e lá estão. Quatro riscos finos e longos deixados em uma noite de amor não muito meses distantes dali.

  Caminho para a escola e coloco musica alta nos fones, quero algo que desligue meus pensamentos. Preciso disso. Desta vez eu preciso que você se cale Troian, preciso que você vá embora para que eu persista em sua história. Nem tudo deve ser pré-determinado.

  Porque você simplesmente não fugiu?

  Os corredores sempre são os mesmos. Pessoas que não te enxergam, algumas até te veem, mas ninguém te enxerga de verdade. Ninguém sabe o que você está pensando, e se soubessem, o que pensariam em retorno? Seria isso algo bom? O que eles veem? Um garoto abandonado por si mesmo que continua se afastando de qualquer nome que surja no caderno de Troian?

  Quem quer ir embora desse inferno sou eu.

  A aula se arrasta por um século, eu nem ouço o que a professora fala, estou só desenhando uma árvore, uma pedra em forma de elefante, um garoto no meio da mata com uma chave de fenda e uma garota chorando enquanto é obrigada a enterrar sua melhor amiga.

  Saio da aula e novamente evito contato com todo mundo, faixas de fim de ano estão sendo estendidas por todo o colégio e em menos de um mês as aulas terão sido encerradas, eu já tenho nota pra passar em todas as matérias, e mesmo que eu continua decaindo como estou desde que me aprofundei mais no livro de Troian, ainda posso cursar o ano seguinte. Por quantos mais anos eu aguentarei aqui? Eu vou resistir vendo o rosto de todos estes jovens sabendo o que eles fizeram ou o quanto contribuíram para a morte dela? Eu quero simplesmente ir pra casa, me arrastar até um arbusto e ficar lá. Meus olhos pesam. Minha alma grita, e eu desmaio no meio do corredor antes que saia pelo portão.

  Há uma garota dançando na beira de um lago, em uma clareira rodeada por rosas, alguns patos soam ao leste, ele veste uma camiseta e calça jeans, ambos estão sorrindo, dançando uma cantiga que ninguém mais ouve. Ele sou eu. Ela é Troian. Ambos em uma casinha branca. Do meio do vale de rosas, um teor de vagalumes voam iluminando o céu escuro.

-O que aconteceu com você? –Pergunto.

-O mesmo que está acontecendo com você. –Ela diz parando de dançar.

  Se afasta e segura na barra da casinha branca na beira do lago.

-O que você fez a si mesma?

-Eu e você sabemos que eu jamais teria coragem de ir em frente. –Ela diz olhando para baixo.

-Eu não sei, você não entendia Francia e alguns dias depois estava se drogando como ela. Você tentou causar um aborto espontâneo, e nunca esteve gravida, você estava se matando aos poucos.

-Eu só precisava que alguém me desse um motivo para ir mais a fundo, mas assim como nunca apareceu alguém pra me dar um motivo pra viver, não apareceu alguém pra me dar um pra morrer.

-Você está viva? –Pergunto.

-Vivos não lhes assombram. Certo? –Ela sorri novamente.

  Eu dou um pequeno sorriso.

-Então você morreu. –Digo.

-Eu pareço morta pra você?

-Para Troian, serio, isso é tão confuso, desde que eu cheguei aqui tudo que recebo são quebra-cabeça a serem montados, mas eu nunca tenho todas as peças. Eu estou louco? Meu Deus, eu estou não é? Eu estou falando com uma garota que não está mais aqui.

-Você não está louco, você só está vendo a verdade. Procurando por ela.

-Eu não sei se aguento por mais muito tempo, é um peso muito grande para que eu carregue sozinho. –Digo.

-Eu estou com você desde que pisou naquela casa, lembra? Desde a primeira noite nós estamos juntos nessa. E afinal, o fim está próximo.

  Me aproximo dela, ponho as duas mãos em seu rosto e lhe beijo lentamente. Abrimos os olhos.

-Não se apaixone por alguém que já partiu. –Ela sussurra.

  Vejo o horror em seus olhos, ela começa a chorar e se afastar, põe as duas mãos como em defesa.

-NÃO. POR FAVOR NÃO. –Ela grita.

  De dentro de mim, como se eu fosse um fantasma, alguém sai encapuzado de preto com uma pá na mão e acerta sua cabeça. Ela cai no chão e eu não consigo me mover. Sem ver seu rosto, vejo ele continuando a bater na cabeça da garota no chão. Ela está morta. Então ele joga seu corpo no lago e ela afunda sumindo para sempre.

  Vai virando aos poucos de frente para mim e eu vejo seu rosto.

-Toddy. –Digo.

  Pisco.

  É Megan. É MEGAN! Pisco mais uma vez. Francia, Sheldon, Peter, Jhon, Lyla e quando pisco pela ultima vez... Eu sou o garoto embaixo do capuz.

  Eu matei Troian Fields.