Contos do Escritor Anônimo escrita por Queen Vee


Capítulo 3
Biscoito no Ipê. /3#


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo ficou grandinho, mas não vai ser sempre assim, ok?
Pff, preciso postar nas outras fics senão me degolam!
Aproveitem e até as notas finais ~



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De volta à minha sala bagunçada, sentei-me ao sofá para descansar um pouco. Meus horários de descanso eram totalmente alterados, graças ao meu terrível cargo de escritor de merda na sociedade.

Mas, como sempre, alguma coisa me impediu. A campainha tocou, já me dando arrepios. As pessoas só batiam na minha porta para reclamar ou entregar cobranças. Quando crianças batiam, era para rir de mim ou vender docinhos que eu nunca comprava.

Levantei meio zumbificadamente e abri a porta, tentando não assustar quem estava do outro lado. Era um garoto baixinho, vestido com um colete de escoteiro cheio de pequenos emblemas.

- Boa tarde! Estou vendendo biscoitos para meu chalé dos escoteiros, o senhor quer comprar alguma caixa?

Fiquei com a boca entre-aberta sem saber se olhava para ele ou para os biscoitos, que pareciam extremamente deliciosos na bandeja. Os olhos azulados brilhavam tão intensamente que fariam qualquer um querer comprar.

Mas não sou “qualquer um”.

- Desculpe, garoto. Não estou podendo investir nisso. - Ele fez um biquinho e assentiu, tristonho. Fiquei esperando ele ir embora, mas o garoto disse:

- Então pegue um biscoito por minha conta! - Entregou-me um e saiu antes que pudesse agradecer. Dei de ombros e mordi o biscoito, fechando a porta de casa.

Bom, era chocolate.

E como você já esperava, agora é a hora que me lembro de “uma certa vez” de “algo que me aconteceu”. Desta vez a própria imagem daquele garotinho me lembrara uma garota conhecida.

Nessa época, tinha quinze anos e estava no ginásio. Era um dia de aula de educação física, e alguns garotos conversavam na sala onde guardamos os materiais. Como sou sortudo desde jovem, o professor me mandou guardar as bolas lá.

Me lembro vagamente do nome dos presentes, mas me lembro o nome dela. Kyle Stevens, uma menina de tranças negras e franja caindo no olho que pouco conversava com as pessoas, muito menos aquelas pessoas.

Admirou-me muito ela estar naquela rodinha ridícula de “Verdade ou Desafio”.

Porém, ouvindo um pouco mais da conversa, percebi que não era daquele jeito. Estavam falando muitas coisas duras para ela e ameaçando bater em Kyle. Chamaram-na de fingida e também conseguiram bater um pouco enquanto não a ajudei.

É, eu entrei lá e puxei-a, largando as bolas em cima de quem estava dentro, para depois trancar todos no armário.

Corri para o fundo da quadra segurando a mão dela. Quando senti que estávamos seguros, soltei-a e apoei-me sobre meus joelhos, ofegante. A garota estava sentada no chão, encostada em um canto da parede.

O cabelo bagunçado, as mangas do súeter maior que ela cobrindo sua boca e um certo desespero nos olhos. Tentei me aproximar, mas ela tremeu e fechou os olhos intantaneamente, sem me dar uma trégua.

Fiquei sentado umas três fileiras atrás, esperando que ela disesse algo.

Por que me ajudou?”, depois de quize minutos lá dentro, sua voz soou pausadamente. Mesmo estando longe um do outro, o lugar estava bem silencioso, então não precisávamos falar alto.

Porque precisou de ajuda.”, Kyle se virou para trás, chorosa. Sempre foi muito melodramática, chorona, mas eu à entedo.

Passamos à conversar mais depois desse dia. Sempre a defendia de quem à perturbava, mesmo sem saber o motivo. Ela era linda, muito esperta e ótima em esportes, fora meiga e simpática.

Nós nos encontrávamos todos os dias, debaixo de um Ipê que ficava nos fundos do colégio, muitas vezes grudando suas folhas em nossas roupas. Ela cozinhava muito bem e trazia lanches para mim. Foi uma época muito boa da minha vida, cujo sinto muito a falta.

Mas um dia ela ficou doente, assim faltando no colégio.

No fim do dia, depois das aulas, fui visitá-la. Levei até uns jogos para levantar seu astral, já sabendo como era seu temperamento. Quando cheguei no apartamento, a porta estava encostada e tinha barulho lá.

Entrei rápido, porém silencioso. No fim do corredor, no quarto principal, um garoto soluçava enquantos umas quatro pessoas batiam nele. Aquele suéter azul-marinho era de Kyle. Aqueles fios negros eram dela.

Você é um viadinho, Kyle. Só um viadinho promiscuo.”, cuspiram em seu rosto e tratei de me esconder quando eles passaram. Eram as mesmas pessoas que estavam no depósito do ginásio antes, e uma delas segurava as tranças de Kyle nas mãos.

Apliques, é.

Corri para dentro do quarto e abracei com força a figura que tremia lá. Escondia o rosto no suéter, como de costume, e se balançava. Aquela cena realmente apertou meu coração.

Kyle...o que aconteceu?”, segurei seu rosto perto do meu. Os traços eram realmente de uma garota, mas...

Ela riu. Riu com altas gargalhadas. Gargalhadas falsas que não eram de seu feitio como chorona. Fiquei mais triste ainda vendo-a daquele jeito deplorável.

Ah...Kyle é um nome masculino, sabia? É de origem gaélica. Eu sou um garoto, sabia, meu anjo? Odeio isso.”, até tentei abraçá-lo, mas ele (não foi fácil me acostumar à esse pronome) se levantou.

Isso não importa, Kyle!”, tentei segurá-lo comigo, mas se soltou, mesmo sendo tão fraco e magro.

Eu te iludi. Sou um monstro. Me desculpe.”, ele se levantou e foi andando pelo corredor. Queria poder fazer algo, mas não conseguiria. Nem me movi. Tudo que fiz foi gritar por seu nome uma última vez.

Kyle! Ainda somos amigos! Você precisou de mim e estive lá. Por favor, não esqueça disso. Nunca.”, e seu corpo pequeno e frágil saiu pela porta.

Nunca mais vi Kyle, ainda que sinta muito sua falta. É inevitável não rir ao lembrar das coisas boas que fazíamos, e sinceramente, não dou a mínima importância se ele é ela ou ela é ele. Éramos amigos de verdade.

Sentado novamente em meu sofá, mastigo o último pedaço do biscoito de chocolate e enfio a mão no bolso da calça, tirando minha carteira e vendo uma foto minha e dele, quando era “ela”. Vejo uma nota de dez, e é tudo que tenho.

Mas sim, os biscoitos de chocolate estavam muito gostosos. O gosto era quase tão bom quanto o da comida de uma amiga que tive. Embaixo de um Ipê, comíamos todas as tardes.

E isso tornava o gosto melhor.


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Notas finais do capítulo

Kyle...Nham :c
Até mais, galero ~



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