Prostituta Do Governo escrita por Peregrino das Palavras


Capítulo 18
Capítulo 18 - Diário de Rose


Notas iniciais do capítulo

Diário de Rose
23 de setembro



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(...)
Arnold e eu já estávamos esperando por esse dia há meses. Não sei o que queríamos, que um dia iriamos acordar e tudo estaria resolvido? Que voltaríamos, os três de carro, para casa sorrindo e cantando as músicas que ouvíamos quando íamos para o sítio? Claro que isso não aconteceria, demoramos muito para tratar o câncer que vai matando minha filha aos poucos.
Hoje é o dia que eu queria que não chegasse, que fosse algum evento na agenda que poderíamos apenas apagar e marcar para outro dia, ou só pula-lo. Mas não poderia fazer isso, tenho de aceitar o que o destino nos traz.
Ah diário, quantas lágrimas derramarei hoje? Será que algum dia irei suportar a dor da perda de minha pequena Luz?
Passei a chamar Carol assim depois que Valentina apareceu nas nossas vidas. Ela realmente foi um furacão, que passou destruindo tudo. Não destruindo, apenas mudando tudo. Não sei se pra melhor ou pra pior. Sim, ela fez um grande bem pra Carol, mas sempre que ela sai da porta do quarto de visitas, Carol fecha a boca como se dentro dela houvesse um segredo, guardado em um baú. Ela ainda não fala com a gente, nem fala de suas dores. Isso me preocupa, como mãe, tenho de cuidar de minha filha, de minha pequena. Sou mãe, e mães sabem como é ser uma. Ter de se lembrar de dar beijo de boa noite se não a consciência pesa, não na hora, mas depois de alguns dias, meses ou anos, é como se fosse se acumulando, os beijos perdidos, os "eu te amos" inaudíveis, os abraços frouxos, os esquecimentos de coisas simples, como o pentear de cabelo, cobrir a filha em um dia frio, fazer o prato favorito dela em um dia de inverno - ou apenas uma xícara de chocolate quente - e que depois caísse tudo sobre nós em uma madrugada, fria, que fosse o dia anterior do pior dia de nossa vida.

É com angústia e lágrimas nos olhos que lhe escrevo isso diário. Agora estou no restaurante do hospital central. Acabei de comer um croissant com uma pequena xícara de café amargo - muito pequena para o preço - e esse tem sido meu café da manhã nos últimos meses. Toda minha rotina tem sido diferente. E devo dizer que sinto saudade da floricultura em que trabalhava, sinto falta do cheiro das rosas, das margaridas, dos fregueses, como Thiago que comprava flores para a namorada toda quinta, Dona Filomina levava sete lírios toda semana para colocar em seu vaso. E tinha muitos outros. Sinto saudade de ficar em casa também, com Carol e Arnold, de assistir filmes, de cozinhar para eles, de brigar com ela quando faz algo errado. Sinto falto do carinho que dava, mas terei de me acostumar, diário. Essa vai ser minha rotina daqui algumas horas.

(...)

Acabei de brigar com Arnold. Estamos brigando muito ultimamente. Na verdade já discutimos sobre divórcio. Mas falo, como defesa, que é só um período, e com período quero dizer com o aparecimento do câncer de Carol, estamos ambos cientes que tudo se tornou, digamos, difícil com isso. Não quero parecer egoísta nem sem coração. Mas isso realmente aconteceu. Passamos a vir ao hospital todos os dias, fomos demitidos do trabalho - Arnold foi, só me afastei, Carlos ainda toma conta de tudo lá. - perdemos jantares e encontros importantes Nos dedicamos ao máximo para resolver esse problema, viajamos para muitos estados para ver se alguém "tinha a cura", dizendo de uma forma mais simples. Mas a única coisa que conseguimos foi adiar o dia de hoje com alguns exames e cirurgias. Ah diário, não queria acordar hoje, não queria levantar. Queria ficar deitada na minha cama o dia inteiro, olhar o sol nascendo e se pondo através das frestas da janela de meu pequeno quarto. Mas tenho de enfrentar isso, tenho de levantar todos os dias, vir para o hospital, comer croissant duro e tomar café amargo, para cuidar do meu anjo. Carol sempre foi meu anjo. Meu anjo que será levado de mim.

(...)

Ah diário, vejo através do vidro da sala de espera, Carol dormindo. Talvez esteja sonhando, antigamente ela me falava de seus sonhos, falava sobre êxtase e vertigem. Mas o que ela sabia sobre isso? Era uma criancinha, êxtase e vertigem são para adultos, não?

(...)

Diário, paro por aqui, mais tarde, novamente, estarei aqui para lhe contar minhas lágrimas em forma de palavras. Os parentes estão chegando, vejo Suze vindo no corredor desesperada, e com seu sorriso de "vai ficar tudo bem" quando na verdade não ficará. 
Algo veio em minha mente. Valentina, aonde ela está? Já devia ter chegado, se ela não vier Carol ficará muito triste, e eu muito brava, ela prometeu. Bem, onde quer que ela esteja, é melhor eu ouvir o barulho dos passos de suas sapatilhas simples que agrada tanto minha filhinha. Agora é me preparar para o pior.

(...) 


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Notas finais do capítulo

Onde está Valentina?



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