Histórias De Um Garoto escrita por Milla


Capítulo 5
Sunset


Notas iniciais do capítulo

Finalmente, aleluia, consegui. Que orgulho, palmas para mim. Ta, já chega, me matei pesquisando pra essa história, e escrevi um monte, então espero que tenha ficado boa. Como sempre, não tenho nenhuma desculpa pela demora, é só que não é uma continuação.
e alguém ainda ler isso, depois do abandono total que eu dei, beijos, e obrigada.



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O sol estava alto e forte, mas a brisa marinha refrescava o ar, o mar se estendia à minha frente, um mundo azul, límpido e revolto. Ele estava parado na beira da água, com a espuma das ondas batendo nos pés descalços, observando a água, e esperando. Depois de alguns segundos de espera ansiosa, ela apareceu entre as ondas, estava de costas, os cabelos negros e compridos pingavam, emoldurando o corpo moreno, então ele se virou...

Triiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...

Era o despertador, mais uma vez eu acordara antes de ver seu rosto. Desliguei o despertador, virei para o lado e fechei os olhos, na esperança de que se dormisse o sonho continuaria, mas antes mesmo de dormir de novo, Sarah entrou no quarto.

─ Sean - chamou ela com sua vozinha melosa - mamãe falou que para você acordar, estamos atrasados e eu já estou pronta.

Abri os olhos para ver minha irmã com os cabelos louros presos com o que parecia meia centena de presilhas coloridas e desorganizadas. Sorrindo e puxando minhas cobertas para fora da cama.

─ Uau, quem é essa gatinha que veio me acordar? - ela sorriu ainda mais, obviamente feliz com o elogio - Eu vou ficar em casa, estou doente.

─ Não está não, levanta, hoje eu tenho aula de desenho - Sarah saiu do meu quarto, pulando e cantarolando, e deixou a luz acesa.

Que saudades de quando eu tinha 7 anos e estudar era a coisa mais divertida do mundo, levantei e me arrumei apressado, colocando tantas camadas de roupa quanto eu conseguia, fiquei parecendo meu avô, apesar de não ter nem metade do tamanho dele. Minha mãe já estava no carro, esperando com Sarah, peguei um último casaco e sai correndo pela entrada de carros, amaldiçoando mentalmente a água acumulada que quase me fez cair. Normalmente eu ia para a escola com meu pai, mas ele já havia saido há meia hora.

A aula já tinha começado, então entrei na sala e corri para meu lugar ao lado de Mary. Ela olhou pra mim, fingindo estar brava, e arrumou meu cabelo, tentei não fazer muiti barulho, mas é claro que minha mochila caiu aberta, com papéis e canetas se espalhando pela sala. O Sr.Collin me lançou um olhar severo, que me fez recolher tudo rapidinho.

─ Ele estava fazendo um discurso sobre como temos que ser hospitaleiros com os intercambistas e ajudá-los a se adaptarem aqui. E também que devemos protegê-los do nosso povo "gentil", que não fará nada de mal a eles, deste de que não saiam muito sozinhos por aí.

Revirei os olhos, como se ninguém soubesse , nossa escola recebe intercambistas desde sempre, eles ficam aqui por meio ano, cursando a High School, e se hospedam em casas de famílias dos alunos . A parte do povo "gentil" era porque algumas vezes acontecia de estrangeiros serem atacados por irlandeses, mas só acontecia nos bairros mais pobres e era tão raro que ninguém lembrava. Esse ano seriam quatro, dois meninos e duas meninas, todos de países diferentes, e uma delas ia se hospedar na casa de Mary, ela seria 'babá' por meio ano, como gostávamos de dizer, e estava bem empolgada com a ideia.

─ Tomara que ela saiba falar inglês direito.

─ E seja bonita.

─ Definitivamente, eu me sinto muito assediada aqui - revirei os olhos, Mary era linda, mas não era a única - você não deveria estar pensando nessas coisas, Kate não vai gostar.

─ Nós não temos nada.

─ Ainda não - tivemos que ficar quietos, pois o Sr. Collin tinha parado o discurso e olhava diretamente para nós.

Mary iria buscar a tal garota no aeroporto, e depois que elas jantassem, iriam encontrar o resto da turma na nossa lanchonete habitual, pra gente poder conhecer ela, já que vamos ser ''amigos'' por 6 meses. Depois do treino, fui direto para lá com Charlie, Liam e Kevin já estavam no lugar de sempre, com Kate. Não sei porque todo mundo insistia para que ficássemos juntos, ela é bonita, com cabelos louros escuros e lisos, e olhos de um verde brilhante que me deixavam tonto, mas não rolava química entre a gente, simples assim.

─ Mary não veio com você?

─ Ela esta trazendo a criança, acabou de me mandar uma mensagem, vão chegar em 10 minutos.

Eu estava de costas para a porta da lanchonete, e só percebi que elas haviam chegado porque de repente todo mundo ficou em silêncio, sorrindo como idiotas. Quando me virei, entendi bem porque eles estavam assim. Mary vinha na frente, puxando pela mão uma garota que parecia estar deslocada sob aquelas camadas de roupas cinzentas e olhares que a fitavam. Ela tinha a pele morena, de um tom diferente de tudo que eu já tinha visto, amendoado e natural, que com os cabelos escuros e cacheados, formava um par perfeito, estava com um cachecol vermelho, e não parecia a fim de tirá-lo, apesar dos aquecedores. Não achei nada que pudesse se comparar a ela, seu rosto tinha uma expressão suave, como se ela estivesse não estivesse realmente ali e sim observando tudo de longe.

Quando chegou mais perto e Mary a apresentou, demorei um pouco para reagir:

─ Este é Sean, ele estuda comigo e é meu melhor amigo. Sean, esta é Ana.

─ Olá - ela ofereceu a mão para me cumprimentar, exibindo um sorriso tímido e me olhando nos olhos. Eles eram calorosos, em um tom castanho claro, com nuances de um verde brilhante. Depois de conseguir fechar a boca, a cumprimentei.

─ Oi, muito prazer - eu provavelmente parecia um idiota, mas Mary veio em minha salvação, apresentando Ana aos outros.

Ela se sentou conosco, e foi obrigada a responder um interrogatório interminável. Ana era brasileira, de uma cidade chamada Natal, a beira mar . Eu fiquei pensando como alguém que viveu a vida toda na praia, com o sol alto e água de côco, iria querer vir para Dublin, no Hemisfério oposto, com nossa garoa constante, frio e neve. Sempre sonhei em poder sair daqui, pelo menos por um tempo, pegar um pouco de sol, nadar ao ar livre, e ela que tinha tudo isso, vinha para cá. Eu não falei muito, o que Mary logo notou.

─ Bonitinha ela não? - cochichou.

─ Bonitinha? Ela é uma gata, mas não se preocupe, vou deixar pra você.

─ Ah, não. Eu não faço o tipo dela.

─ Como você pode saber?

─ Eu perguntei.

─ O que? - não pude evitar um riso. Mary nunca conseguiu ser muito recatada.

Depois que ela já havia falado infinitamente sobre si mesma, começou a pedir sobre nós.

─ Então, vocês são o que se chamaria de populares.

─ Hum, não sei... - disse Kevin.

─ Claro. Kate é a presidente estudantil, Liam o secretário, você é músico, Sean é capitão do time de críquete, Charlie também joga, e Mary, bem... ela é Mary - caímos todos na gargalhada, ela tinha razão, minha amiga não precisava de nenhum título para que todos gostassem dela.

Como no outro dia era o primeiro dia de Ana na escola, elas acabaram indo embora cedo, e como eu era o motorista oficial de Mary, já que ela não era muito confiável no volante, tive que levá-las. Apesar de ainda ser outono, o ar estava gelado, e a garoa não ajudou muito. Ana estava com ainda mais casacos do que eu, como se isso fosse possível, e não falou a viagem toda. Só ficou cantarolando quando tocava alguma música internacional no rádio.

Conheci os outros intercambistas também, mas eles não eram muito sociáveis. Uma garota baixinha da Nova Zelândia, um indiano e um sul africano. O sul africano, Dylan, entrou para nosso time, ele era bom, mas incrivelmente irritante. Todos eles tinham alguma aula comigo, Ana eu fazíamos Álgebra 2 e Estudos Sociais, com Mary. Quando o professor pediu para que ela fosse na frente da sala falar um pouco sobre o Brasil, ela saiu com essa:

─ Bom, vocês já devem ter ouvido várias coisas sobre o meu país, e eu só queria deixar algumas coisas claras. Apesar de termos muitas praias e muita mata, nosso território é bem grande, o que significa que não é SÓ mata e praia. E, apesar da maioria de nós adorar futebol, samba e carnaval, não vivemos em função disto, e temos outros interesses também. É, acho que é isso.

─ Uhmm, muito esclarecedor, Srta. Moraes - o Sr.Collin quase a enxotou de lá, enquanto os alunos riam. É, até que ela era bem interessante, além da aparência.

Ela passava a maior parte do tempo conosco, e era bastante amiga de Kate e Liam, costumava ajudá-los a organizar os eventos da escola, junto com Mary. As duas não se desgrudavam nunca, o que significa que eu também estava sempre com ela. Um sábado, o céu limpou completamente, e por sorte eu não tinha nenhum jogo. Era provavelmente um dos últimos finais de semana antes do inverno começar, e decidimos aproveitar o sol.

Fomos ao parque nacional Wicklow Montains, a uns 50 minutos de Dublin. As montanhas verdes, eram cheias de flores selvagens, assim como os castelos medievais espalhados pelo parque, Ana insistiu para que fizéssemos uma caminhada, mas Mary não estava a fim e decidiu esperar em um deles, que havia sido transformado em um café. Nós dois seguimos por mais alguns quilômetros, até o lago Lough Bray Upper.

Ana e eu nos sentamos na beirada, olhando para a água cinzenta. Ela estava enrolada em um cobertor, apesar de nem fazer tanto frio, concentrada na paisagem, e eu nela, os cabelos revirando com o vento:

─ Aqui é táo lindo, pena ser tão frio, senão eu poderia nadar.

─ Você gosta?

─ Muito, mas ao ar livre. O que é meio impossível por aqui - ela riu.

─ A menos que você queira uma hipotermia. As vezes eu me canso daqui, todo esse frio, chuva e escuridão o tempo todo.

─ Mas com certeza frio é melhor que calor, duvido que você sobreviveria a um verão no Brasil, é infernal.

─ Talvez, mas por aqui é mais como um purgatório.

─ Nunca me pareceu que você tivesse esse tipo de problema com a Irlanda.

─ Ah não, é só as vezes mesmo - eu ri - gosto daqui, apesar de não ter conseguido me acostumar com o frio como a maioria das pessoas, acho que não viveria em outro lugar. Além do mais, não podemos esquecer os nossos pubs, são os melhores.

─ Absolutamente.

Ficamos mais um tempo sentados la, mas logo o sol começou a baixar, e tivemos que voltar para buscar Mary, ela provavelmente estava furiosa aquela hora.

─ Sean, você já sabe quem vai levar ao baile? - levei um susto, o baile de final de temporada, era dali três, semanas, e eu estava pensando em convidá-la.

─ Na verdade, eu estava pensando nisso.

─ É que eu acho que você deveria levar a Kate.

─ Quantas vezes vou precisar repetir que não temos nada a ver? - droga - E ela sempre vai com o Liam, como amigos.

─ Eu sei, mas ele me convidou, na verdade - porque eu sou tão lerdo? Nunca me preocupei muito com pares para bailes, sempre tinha quem quisesse ir comigo, mas Ana não era dessas - aí eu estava pensando, ela podia ir com você, a menos que já tenha alguém em mente.

─ Não, eu não tinha convidado ninguém ainda - mas eu ia convidar você, não como amiga, quem diria que Liam tinha os mesmos pensamentos.

Quando o maldito baile chegou, eu estava ainda mais irritado comigo mesmo, se não fosse por Kate, nem teria ido. Passei pegá-la as 7, estava muito bonita, com um vestido azul, talvez não fosse má ideia ir ao baile com ela, nós sempre nos demos tão bem. Seus pais não se convenceram de que não éramos namorados , mas no resto foi tudo bem. Estávamos todos no baile, os meninos tinham convidado outras garotas da escola, e Mary foi sozinha, porque segundo ela um par só iria atrapalhar a dança. Mas infelizmente a diretoria fez com que acabasse a 1hr, então fomos todos na casa de Mary, já que os pais dela estavam viajando.

Em um certo momento, fiquei sozinho com Kate. Os meninos tinham se enfurnado com seus pares em algum lugar, e Ana, Liam e Mary tinham ido buscar bebida. Ela era mesmo bonita, pensei, aquela hora eu já havia desistido de Ana, e comecei a me aproximar dela, quando coloquei a mão em seu cabelo, ela se virou para mim:

─ O que você ta fazendo?

─ Eu - tirei a mão, rapidamente - nada.

─ Sean, você não gosta de mim - não era uma pergunta, ela pegou minha mão, sorrindo - nós dois sabemos disso, e também sabemos de quem você gosta.

─ Acho que é a primeira vez que não sei como agir com uma garota - abaixei os olhos - e agora ela está com o Liam.

─ O que? - de repente, ela soltou uma gargalhada, me assustando - Ela não está com ele, Sean.

─ Mas eles foram ao baile juntos, e como ele sempre vai com você, eu pensei...

─ Não seja idiota, Sean, você tem que se abrir mais, sabia? O Liam não sabe que ─ vocÊ gosta dela, ele só a convidou como amiga.

─ Mas porquê?

─ Você bem sabe como Ana é linda, e ela não tinha desculpa para negar os convites que vinha recebendo, então eles decidiram ir juntos, só isso - ela riu de novo.

─ Ah - suspirei de alívio - talvez faça sentido.

Agora eu sabia que Ana estava livre, mas não como chegar nela, eu tremia só de pensar em rejeição. Os convidados estavam indo embora, e a certo momento, ficamos apenas eu e Kate lá, além de Mary e Ana, claro.

─Vamos, já são 4 horas - chamei Kate, sabendo que eu disse aos pais dela que estaríamos em casa até as 2 hrs.

─ Ai, só mais um pouquinho - ela me olhou, fazendo beicinho. De repente, pegou na mão de Mary, e as duas subiram as escadas, rindo.

Eu demorei um pouco para processar a cena que tinha acabado de ver. Tudo bem, as duas eram amigas, mas elas nunca foram muito chegadas a demonstrações de afeto. Devo ter ficado parado olhando por um bom tempo, quando percebi Ana rindo do meu lado.

─ O que foi isso que acabou de acontecer? - eu estava estupefado.

─ Isso mesmo que você viu, parece que Kate finalmente saiu do armário - ela gargalhou - não ia demorar muito para acontecer, elas só precisaram de um empurraozinho. - sair do armário?

─ Mas, como isso nunca passou pela minha cabeça?

─ Vocês, garotos, só olham para o próprio nariz - ela fez um sina negativo com a cabeça, fingindo indignação.

─ Uau, é inacreditável.

Ficamos em silêncio por um instante, absorvendo a informação:

─ É, acho que eu vou embora sozinho então.

─ Na verdade, será que você não podia me levar?

─ Mas você mora aqui!

─ Eu sei, mas elas não me pareceram a fim de companhia - Ana sorriu, como quem pedisse desculpas.

─ E ande você vai? - a compreensão só chegou um pouco mais tarde - Ah, ta... Claro, eh, vamos.

Tudo bem, não era nada. Ana iria dormir em minha casa, mas só porque não podia ficar na casa de Mary. Era só uma noite, e ela ficaria no quarto de hóspedes, a uma parde de distância. Eu soltei o ar pela boca, tentando relaxar, que ridículo, até parecia que eu tinha 12 anos.

Chegamos na minha casa, e todos já estavam dormindo. Levei Ana até o quarto de hóspedes, ele não era usado a algum tempo, mas minha mãe guardava umas cobertas no closet. Porém, quando fui ligar o aquecedor, ele não funcionou:

─ Droga, faz tempo que não ligamos, não sei o que aconteceu.

─ Ahn, acho que eu posso ficar sem, tem bastante coberta.

─ Tem certeza? - a noite estava especialmente fria, e Ana se abraçava para aquecer.

─ Uhumm.

A deixei lá, com o máximo de cobertores que consegui achar, estava quase deitando quando ouvi batidas na porta de meu quarto.

─ Sean - ela chamou baixinho, abri a porta e vi ela parada no vão, enrolada em cobertores.

─ Está muito frio, será que eu posso ficar aqui?

─ Claro que sim - consegui disfarçar meu entusiasmo, mas não meu desapontamento quando vi que ela jogava as cobertas no chão e ajeitava um lugar para dormir.

─ Não, nem pensar, você não vai dormir no chão - ela ergueu a cabeça das cobertas que arrumava, olhando para mim desconfiada - Eu durmo.

Me deitei no chão, tentando ajeitar as cobertas da forma mais confortável possível, mas eu não consegui. Acabei desistindo, soltando um forte suspiro. Pensei que Ana já estivesse dormindo, mas ouvi quando ela se virou para o meu lado.

─ Pensando bem, acho que não tem problema você dormir aqui.

─ Sério?

─ Vem logo, antes que eu mude de ideia.

─ Você quem manda - disse, rindo.

Me deitei do seu lado, com nossas pernas se encostando, ela se afastou, sem dizer nada, e logo sua respiração ficou regular. O tempo passou e eu não conseguia dormir, meu coração palpitava, fui me aproximando dela aos poucos, e coloquei me braço sob sua cabeça. Quase pule quando ela se virou, mas jogou um dos braços por cima de mim e encostou a cabeça em meu ombro, dormindo. Fiquei observando ela dormir, sua cabeça se mexendo conforme eu respirava, e depois de um tempo peguei no sono também.

Eu estava lá novamente, na beira da praia. A água fresca batia em meus pés, cansados pela corrida. Vi ela saindo de dentro da água, logo depois da arrebentação, cabelos negros e molhados sobre a pele morena. Ela estava ali, eu finalmente a tinha encontrado. Chamei por seu nome, de alguma forma eu sabia qual era, sempre soube. Ela se virou, sorrindo para mim, os olhos castanho-esverdeados brilhando ao refletir os raios de sol, Ana.

─ Mano, já ta na hora do almoço, mamãe está brava com você - Sarah paralizou quando viu Ana abraçada comigo, ela deu um gritinho e voltou correndo pela porta.

─ Mãeeee - ela desceu correndo as escadas até a cozinha - o Sean tem uma namorada.

Eu me encolhi, constrangido, enquanto Ana se afastava de perto de mim, olhei para ela, pedindo desculpas, mas ela estava dando risadinhas abafadas no travesseiro, revirei os olhos e comecei a rir também. As risadas se transformaram em gargalhadas, eu nem sabia porque estava rindo, mas a situação era tão ridícula que não dava para evitar.

Conseguimos sair de fininho para comer alguma coisa, eu sabia que não iria convencer minha mãe de que Ana era só uma amiga, e não estava a fim de ter ela no meu pé. O que Sarah disse sobre estar na hora do almoço não era brincadeira, depois que terminamos de comer, Ana e eu fomos dar uma volta na cidade. Já eram 4 horas, e o Sol começava a se por.

─ Meu Deus, eu nunca consigo me acostumar com isso - ela disse - Acabei de acordar, e o Sol já está se pondo.

─ Bom, mas esse pôr do Sol vale a pena por alguma coisa.

─ Claro, mais festas - ela disse, irônica

─ Isso também, mas não era o que eu ia dizer. Você já viu o por do sol da ponte do Riffley?

─ Não, o que tem ele?

─ Vem comigo que você vai ver, a gente ta atrasado.

No caminho, compramos um café e alguns donuts. Nos sentamos no guarda corpo, conversando, ainda tínhamos alguns minutos.

─ Eu estava com medo, sabe, antes de vir para cá. Não sabia se vocês iriam gostar de mim, e eu meio que fui pressionada a não vir.

─ Ta de brincadeira, você sempre pareceu tão confiante.

─ E oque eu poderia fazer? - ela deu de ombros.

─ Quem faria uma coisa dessas com você?

─ Shhhh - ela se virou, concentrada no pôr do Sol, seu rosto iluminado pelo brilho alaranjado. Qualquer sensação nostálgica desapareceu de seu rosto e ela abriu um sorriso, lentamente, enquanto observava o sol sumir por trás dos prédios seculares, seu reflexo se desfazendo na água. Ela só voltou a olhar para mim quando estava completamente escuro - é perfeito.

De alguma forma, eu havia me aproximado dela, e segurava sua mão. Quando ela se virou, ficou com o rosto a centímetros do meu. Eu a desejava mais que tudo, peguei seu rosto com uma mão, enquanto colocava a outra atrás de sua nuca, beijei-a cautelosamente, e depois com mais força quando ela retribuiu.

Quando me afastei, foi a vez dela de me beijar, agarrando minha jaqueta. Então ela se afastou de olhos fechados:

─ Obrigada - ela falou,

Então abriu os olhos, os desviando de mim, e desceu do guarda-corpo, atravessando a ponte. Fiquei completamente confuso, e corri atrás dela, agarrando seu pulso:

─ O que você tá fazendo?

─ Me desculpa Sean, não podemos fazer isso.

─ Fazer o que?

─ Eu não sou idiota - ela finalmente olhou nos meus olhos - eu percebi como você olha pra mim, faz tempo.

─ Eu ia te contar antes, eu só não sabia como.

Ela balançou a cabeça:

─ Estou indo embora daqui dois meses. 0 ela estava séria, eu, assustado com essa atitude repentina = não faz essa cara, por favor. Eu sei que pareço uma maluca, falando isso, sendo que nós só nos beijamos, mas eu gosto de você, Sean e isso não é bom.

─ Acho que mereço uma explicação melhor.

─ Desculpa.

─ Ann - sussurrei - enquanto ela se virava. Aquilo não fazia sentido, ela havia acabado de me agarrar, e agora estava indo embora

Eu passei meses me torturando, pensando que ela não estava interessada em mim, e agora que descubro que ela estava, ela simplesmente dizia que não podia? Nada fazia sentido para mim.

Liguei para ela, mas ninguém atendeu. Depois tentei Mary:

─ Depois eu falo com você sobre isso, te prometo, só não insiste, OK?

Não aguentei esperar, e fui até a casa de Mary. Ela atendeu a porta.

─ Não falei pra não insistir? Eu sou sua melhor amiga, Sean, só estou tentando ajudar.

─ Eu preciso entender o que aconteceu.

─ Ele tem razão, Mary - Ana tinha aparecido atrás dela, colocando um casaco. Ela passou por Mary, me empurrando porta afora - Vou explicar.

Estava frio e escuro, mas Ana não se aproximou de mim. Tive que correr para acompanhá-la, enquanto ela se afastava pela calçada. Depois de alguns minutos andando em silêncio, ela parou bruscamente, se virando para mim. Abri a boca para perguntar alguma coisa, mas ela colocou a mão em minha boca:

─ Não fala nada, por favor. Eu vou explicar. - ela respirou fundo, fechando os olhos - Lá no Brasil, eu tinha um namorado...

─ Você ainda gosta dele?

─ Eu disse pra ficar quieto - ela soltou o ar - Não, não é essa a questão. É que eu gostava dele, de verdade. E aí quando eu decidi vir prá cá, ele não quis. Eu já te contei que só estou aqui por causa de uma bolsa, para pessoas como eu, esse tipo de oportunidade só aparece uma vez na vida. Então, eu tinha que decidir, entre ficar com ele ou vir. Agora que tomei minha decisão, isso parece ridículo - ela riu, nervosa - Mas não foi. Você percebe, como quase larguei tudo para ficar lá? Nós até tentamos nos falar depois que eu estava aqui, mas ele era impossível. Aí, quando conheci você, ru gostei de você, mas já vi que nunca iria dar certo. Não quero te fazer sofrer quando eu tiver que ir embora, mas, acima de tudo, da forma mais egoísta possível, eu não quero sofrer. Eu sei que não temos nada, mas você é incrível, Sean, seria só uma questão de tempo para nos apaixonarmos.

─ Eu já estou apaixonado.

─ Cala a boca, por favor.

─ Olha pra mim, só um instante.

─ Sean, não faz isso comigo. Eu já tomei minha decisão.

Quando ela disse isso, estremeceu e percebi que ela estava repetindo a cena que teve meses antes, com o ex-namorado. Peguei suas mãos, a obrigando a olhar pra mim.

─ Eu não sou ele, vou fazer dar certo, te prometo.

─ Mas mesmo assim, vão ser só dois meses.

─ Serão os dois melhores meses da minha vida.

─ Não faz isso comigo, por favor.

─ Por favor...

─ Não dá pra conversar com você, não é mesmo? - ela passou esbarrando por mim, irritada, voltando por onde tinha vindo. Tive que deixá-la. Fiquei parado no meio da calçada um tempo, sem saber o que fazer, mas acabei indo embora.

Na segunda, tentei ao máximo não me aproximar dela, e tive que ficar o dia todo com os meninos, já que Mary estava curtindo a lua de mel. Eu tentava não ficar irritado com ela, com todas elas, mas parecia que estavam todas contra mim. Uma me rejeita, a outra me abandona, as duas pessoas que eu mais gostava além de minha irmã. Pelo menos Sarah nunca faria uma coisa dessas comigo, mas não estava ajudando muito ela ficar me perguntando sobre a garota que estava deitada comigo na manhã anterior. A situação tinha passado de nada para fracasso total em menos de vinte e quatro horas. Eu não consegui me concentrar muito no treino, e briguei com um colega, por puro estresse. Acabei sendo mandado mais cedo para o vestiário.

Na terça foi quase a mesma coisa, e o treinador veio falar comigo, falando que era melhor nem aparacer por lá na quarta se não resolvesse meus problemas pessoais. Ele tinha razão, aquilo podia estar resolvido para Ana, mas não para mim. Quando Mary abriu a porta, suspirou e sorriu:

─ Você não vai desistir não é? Acho que nunca te vi tão determinado por uma garota em toda a minha vida, você gosta mesmo dela.

─ Ta tão na cara assim? - eu ri.

─ Ela não tá, mas se quiser alguém pra conversar, pode entrar.

Não, só preciso saber uma coisa. Existe alguma chance?

Eu não devia estar te dizendo isso, estou quebrando um protocolo de amizade muito sério. Ma sim, ela te adora cara.

Onde ela está?

Eu não sei, ela saiu faz uma meia hora, ela disse alguma coisa sobre voltar só depois do Sol se pôr.

Obrigada - sorri, triunfante, sabia exatamente onde ela tinha ido, saí correndo, sem conseguir conter a ansiedade. Eu tinha uma chance, dissera Mary, e não iria desperdiçar.

Fui correndo á ponte, sem a calma suficiente para pegar um ônibus, não era tão longe assim, e cheguei em 15 minutos. Mas ela não estava lá, fiquei nervoso, tinha certeza de que ela estaria. Fui exatamente ao mesmo local que nos sentamos dois dias antes, e vi um cachecol vermelho balançando ao vento, abandonado. Foi com um aperto no coração que percebi, era mesmo cachecol que ela estava usando no dia em que a conheci, ela adorava aquele cachecol, nunca o deixaria lá.

Alguma coisa de muito errado estava acontecendo, eu sabia. Peguei o celular e disquei seu número, ele tocou várias vezes, até cair na caixa. Tentei de novo, mas estava fora de área, foi quando olhei mais adiante, e vi um copo de café caído no chão, derramado. Eu sabia que ela não precisava passar por lá para ir embora, e um medo aterrador passou por mim. Sai correndo naquela direção, sem saber muito bem o que fazer, provavelmente não era nada, mas a única coisa que me passava na cabeça era uma notícia que eu havia escutado na semana anterior.

Alguns rapazes da periferia haviam atacado um estrangeiro. Não era a primeira vez que isso acontecia, volta e meia eu ouvia noticias deste tipo, os moradores da periferia de Dublin costumavam associar sua falta de sucesso aos não nativos, que vinham roubar suas vagas nas empresas e faculdades. Mas nunca imaginei que algo assim pudesse acontecer ali, no centro de Dublin.

Eu corria o máximo que meus pés conseguiam, mas não sabia aonde ir. Quando cheguei ao fim da ponte, peguei o caminho o mais escuro em direção á periferia da cidade, se alguém estivesse mesmo com ela, nunca passaria pela avenida. Eu não sabia o que ia fazer se a encontrasse, mas o pavor de não a encontrar seria maior ainda. Eu nunca me perdoaria se acontecesse alguma coisa á Ana, era minha culpa ela estar sozinha lá.

Dobrei uma esquina, e me vi em um beco sem saída, voltei correndo, e segui mais um pouco adiante:

─ ANN - gritei, angustiado, aquela altura eu não tinha dúvidas de que havia acontecido alguma coisa.

Corri, sem direção, minha cabeça rodava, eu não sabia o que fazer. Parei por um instante, e olhei em volte, eu não fazia ideia de onde estava:

─ ANN.

Desta vez, para minha surpresa , ouvi um grito em resposta, fui atrás do som, que parecia vir de uma rua diagonal, atrás de um prédio alto de escritórios. Estava a uma quadra da rua quando vi Ana sair de lá correndo, olhando para mim, ela tinha conseguido fugir. Mas a sensação de alívio imediatamente passou quando um cara saiu de trás do prédio também, agarrando e levando para a sombra. Minhas pernas estavam pesadas e eu não conseguia alcança-la, parecia um pesadelo.

─ SEan - seu grito foi abafado, mas eu finalmente consegui acordar, acelerando o passo. Cheguei a esquina e consegui ve-la, lutando com o cara. Ele normal, ninguém se sentiria ameaçado se o visse na rua. Mas sob o luar, seus olhos tinhas uma luz assassina.

Ele parecia não ter se dado conta da minha presença, possuído. Pulei para cima dele, levando Ana junto, e com isso ela conseguiu se soltar. Estávamos rolando no chão lutando, em um momento, eu estava por cima dele, o socando, no momento seguinte, ele estava por cima de mim. Eu só conseguia me defender, sabia que, se eu perdesse, ele teria Ana só para ele, indefesa. Me virei para ela:

─ Corre, agora.

Aproveitando minha distração, ele me deu um soco no queixo que me deixou tonto, mas eu vi que ela não iria embora. De repente, a nossão de que ela estaria perdida assim que eu desmaiasse me deu forças para vencer a luta. Consegui colocá-lo no chão, e em um movimento ele estava de barriga para baixo, a cabeça no concreto, o prendi com os joelhos, mas ele ainda resistia. Então Ana chutou-o com força, fazendo sua cabeça girar para trás em um ângulo arrepiante, e ele desmaiou. Sangue escorria de seu nariz, e de um corte acima da sombrancelha, ele estremecia, involuntariamente.

Levantei, e rapidamente a puxei pela mão para fora daquele lugar, nós corremos sem dizer nada, até chegarmos a uma rua movimentada, algumas pessoas repararam no nosso estado, assustadas, mas ninguém parou, consegui chamar um táxi. O motorista ergueu as sobrancelhas quando viu o nosso estado, dois adolescentes com as roupas rasgadas e cabelos desgranhados, eu coberto de sangue, ela chorando compulsivamente, agarrada ao meu peito. Lhe dei meu endereço, e ele seguiu em frente.

─ Ela te fez alguma coisa? Ann, me responde, por favor.

─ Por favor - entendi que ela não queria que eu falasse nada, não agora, apesar de angustiado, apenas a abracei, lágrimas rolando por meu rosto. Eu não queria imaginar o que podia ter acontecido se eu não tivesse chegado lá, eu estava me sentindo horrível.

Quando o táxi parou, paguei e desci carregando Ana no colo, seu rosto enterrado em meu peito. Meus pais e Sarah não estavam em casa, então não teríamos que dar nenhuma explicação. A coloquei no sofá, enquanto pegava um copo de água, ela bebeu tudo com as mãos tremendo, depois olhou para mim:

─ Obrigada - Ana me abraçou, mas a afastei, olhando em seus olhos.

─ Ele te machucou? - perguntei

─ Não, você chegou bem a tempo Sean - ela consegui dar um sorriso triste, e soube que estava dizendo a verdade - Obrigada. Meu Deus, eu nunca ia me desculpar se alguma coisa acontecesse com você, é tudo culpa minha.

─ Ana, quem nunca iria se perdoar era eu. Eu te amo tanto.

Lágrimas escorriam de meus olhos, assim como dos dela. Limpei seu rosto com o polegar, ela se aproximou, beijando meus olhos, depois decendo até os lábios, em um beijo emergente. Se afastou, e eu tive medo de que ela não quisesse, de novo, que se afastasse, mas então me abraçou e beijou com mais força, primeiro rapidamente, depois se demorando mais em cada beijo. Então ela parou, olhando para mim, e depois sorriu.

─ Eu tamném te amo. Me desculpa por ser tão idiota. Eu tenho tanto medo de te perder.

─ Não importa o que vai acontecer,nós estamos aqui agora, estamos bem.

─ Sim, nós estamos.

Ela deitou a cabeça em meu colo, e acariciei seus cabelos negros com as mãos cobertas de sangue. Depois, nos deitamos no sofá, abraçados em silêncio, até pegarmos no sono.


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Notas finais do capítulo

Lindo né? *-*
As férias estão chegando, e acho que vou começar uma fic de verdade, já está na hora!



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