Nunca tive uma boa experiência com sonhos. Já fiquei noites acordada com medo do que viria me perturbar, caso eu dormisse. Mas desmaios são casos à parte.

Estava em um vale extenso e nebuloso; ouvia sibilos vindos de algum canto, aquele mesmo som que me traumatizara para sempre: o som da equidna. 

Era um lugar tão sinistro que parecia ter sido criado para representar meus piores medos, e não parecia haver ninguém num raio de dez quilômetros. Mas eu estava errada. Olhei para trás e vi uma mulher sentada em cima de uma pedra, atirando à sua frente dois dados, como se não tivesse nada melhor para fazer. Seus cabelos negros caíam por seus ombros e deslizavam de maneira suave por suas costas, e ela vestia um vestido branco e sem estampas que chegava até os seus pés.

Ao seu redor, árvores secas e flores murchas, fazendo parecer que tudo ali exalava terror, tristeza, sofrimento.

A equidna deslizou até a beira da pedra e sibilou. A mulher desviou sua atenção. Seus olhos eram de um castanho penetrante e, assim como tudo ao seu redor, era como se guardassem muita mágoa e sofrimento. Ela jogou seus dados no chão e olhou com desdém para a equidna.

- Fracasso, novamente.... - ela disse com desânimo. 

- Sinto muito senhora. - falou a equidna.

A mulher de cabelos pretos levantou rapidamente.

- Não sinta! - ela gritou. As árvores ao seu redor sacudiam.- Você acha mesmo que eu vou aceitar um não como resposta? Conseguirei a minha vingança! Eu terei a garota!

A equidna se encolheu. A mulher demonstrava autoridade sob ela, o que me deixava inquieta. Se aquele réptil já me dava nos nervos...

- M-mas senhora... Ela já deve estar a caminho do acampamento... Não podemos entrar lá.

A mulher olhou para seus dados no chão e soltou uma risada vitoriosa.

- Ah, minha querida...

Nós Não iremos até ela... - as árvores sacudiam ainda mais- ELA virá até nós!

O vale estremeceu e eu acordei em sobressalto. 

***

Minha cabeça doía muito. Minhas costas imploravam por uma cama, porém, eu estava sentada, em um lugar que não reconheci. A única coisa familiar era Fred, que também estava sentado, à minha esquerda, observando a paisagem pela janela. Ele vestia calças novamente, e eu tinha uma vaga lembrança... Não, impossível.

- Fred, isto aqui é... Um ônibus? Pra onde estamos...? Eu poderia jurar que você tinha...

- SHH! - Fred se virou e cobriu a minha boca com a mão. - É melhor não falar sobre isso aqui. Mas, respondendo à sua pergunta, é um ônibus que nos levará até Long Island.

- LONG ISLAND? - Grito o mais alto que posso, o que não é muito, pois minha cabeça ainda dói demais e estou quase sem forças. - Por que raios eu estou indo para Long Island? 

Fred sacudia a perna, nervoso.

- É-é difícil explicar... - ele gaguejou. - Mas vai ser melhor para você.

- Melhor para mim?! - protestei. - Está tudo muito... Confuso. Aquilo aconteceu mesmo? A Irmã Ieda é... 

- Equidna. Sim.

Eu balançava a cabeça, NADA se encaixava. Que diabos é uma equidna? 

- E como eu... Você sabe... Transformei ela em pó?

- Tenho muitas hipóteses. Mas, o que você precisa saber, é que você não é...

O ônibus balançou. Parecia ter passado por cima de algo muito grande. 

- O que foi isso?! - Perguntei. Fred engoliu em seco; parecia, em vão, tentar esconder o nervosismo.

- Estávamos tão perto! Vamos, não podemos continuar aqui dentro. Iremos correr.

- Correr? Mas... Fred, eu ainda estou confusa! Não é outro animal daqueles, não é?

- Eu adoraria dizer que não. Mas agora, eles estão em vantagem. Precisaremos correr até um lugar onde eles não poderão nos alcançar.

Andamos por entre uma fila de pessoas distraídas.

- Quando eu saltar, corra na direção Norte, sem olhar para trás. Está bem? Eu estarei bem atrás de você.

- Mas... Ah... Tá bem.

- E não tente destruir esta criatura da mesma maneira que a Equidna, ou poderá morrer incinerada. Está pronta, Jade?!

- Sim.

Fred golpeou a porta com um de seus tênis, que se abriu imediatamente. Saltei para fora e corri, corri sem olhar para trás. Algumas coisas se misturavam em minha cabeça; meu próprio batimento cardíaco, o som de inúmeros cascos de bode trotando atrás de mim, sons parecidos com os que saíam da boca de um leão, e a voz da mulher de vestido branco repetindo na minha mente, "ELA virá até nós!" 

Estava subindo uma colina grande com um pinheiro no topo quando Fred me pediu para parar. Me senti muito idiota por ter olhado para trás.

O monstro  possuía uma grande cabeça de leão além de um corpo e cascos de bode. Sua cauda me aterrorizava tanto quanto a equidna: uma cascavel de três metros de comprimento. Como se já não bastasse, ele também soltava fogo.

Fred corria com dificuldade; suas pernas de bode estavam machucadas. Eu não estava louca. Eram mesmo pernas de bode. 

Simplesmente esqueci tudo o que ele havia me dito antes, e corri para ajudá-lo.

O monstro mudou totalmente o seu foco: correu para mim soltando fogo. "Não tente destruir essa criatura da mesma maneira da Equidna, ou poderá morrer incinerada" - dissera Fred.

Desviei-me e corri para ajudá-lo.

- Corra! - gritei, o puxando. Teríamos que despistar aquela criatura.

Fred começou a ficar ainda mais em pânico, o que o fez disparar a minha frente. Quanta consideração.

Senti uma pancada forte na cabeça, e caí no chão. O monstro estava em cima de mim pronto para me incinerar completamente, e eu, como já estava tonta, não poderia fazer nada.

A última imagem que vi foi ele sendo atingido por algo afiado, uma flecha, talvez. Depois tudo apagou.