Olhos Estreitos escrita por ericalopes


Capítulo 15
15. Quem?


Notas iniciais do capítulo

AVISO: ESTE CAPÍTULO É ENOOOOORME!

Vou fazer um teste pra ver se vocês lêem mesmo essas notas:
Quem leu diz no comentário que cor era a flor que o Daryl deu pra Lara :) (sou retardada).

Precisei fazer este capítulo pra esclarecer a confusão mental da Lara, pq até eu tava ficando confusa ;s
A partir daqui corremos direto pro Daryl ok? Todas de braços abertos! UAHSUAHSUSAHUASHUASHUHSAUHU



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Não havia muito sol no céu quando o som violento dos estampidos das balas saindo do cano começaram a entrar em minha mente. Meu coração pareceu ter acordado primeiro e já batia descontroladamente. Peguei minha alma com muita cautela e a empunhei sobre os ombros.  Observei por um canto nu da janela o que acontecia lá fora, mas tudo parecia perfeitamente normal. Hanna e Silvya descascavam batatas, Andrea limpava sua arma.

- Que droga é isso? - eu disse descendo do trailer e desempunhando o peso dos ombros.

- Escola militar para crianças e jovens do Sr. Grimmes. – Andrea fez uma reverência militar ironizando mais ainda o que o comentário já havia feito por si próprio.

- Isso não atrai andantes? – eu questionei embora tivesse certeza de que estava correta.

- Não muitos. – respondeu Dog de cima do trailer.

- Virou uma coruja? – eu perguntei.

- Me certificando de que os passos não serão rápidos. Dos walkers sabe. Que eles não vão chegar rápido demais aonde querem. – eu era especialista em ironias e duplicidades de sentido em frases, e havia captado bem o que Douglas queria dizer com aquelas palavras.

- Passou a noite toda ai? – eu perguntei ruborizando de imediato mesmo sem a resposta.

- Quase. – ele respondeu sério.

Glenn estava na entrada da ponte me olhando com um sorriso no canto da boca.

- Eu estou com medo dele. – eu gritei para Glenn.

- É inofensivo a menos que caia em cima de você. – ele gritou de volta. Doug e ele ficaram discutindo alguma sobre peso e força enquanto eu caminhava para dentro da floresta de onde vinham os tiros.

- Você estava certo Carl, a pequena sereia mordeu a isca. – disse Shane. As  crianças viraram-se todas ao mesmo tempo e soltaram grandes sorrisos. Cada uma delas empunhava uma arma nas mãos, outras no ombro de tão grandes. Não era uma cena nada confortável, nem depois de lembrar os motivos pelos quais aquilo estava acontecendo, ainda assim não conseguia me acostumar.

- Então é isso? Você não desistiu? – eu estava cética por Rick não ter considerado a minha opinião. Não porque era minha, mas porque era real. Porque eu havia falado a verdade que ele escondia.

- Você é livre Lara. Ninguém está te obrigando a nada. Pode ser de outro jeito, é claro. Mas não conte conosco. – ditou.

- Claro. – concordei fitando seus olhos que estavam atentos ajeitando o cano da arma de Ellena. Uma espingarda que era 3 vezes maior que ela. Eu olhei para aquilo, para Rick ensinando a garota a como fazer aquilo e senti as minhas mãos travarem. Olhei para Shane que tinha no rosto uma expressão sádica misturada aquela de quem nunca podia fazer nada e sempre concordava. Não, Shane não era um inocente na história, ele só queria parecer ser. Mas era tão doente quanto Rick.

- Você sabe atirar? – perguntou Carl.

- Não, ela gosta do arco. – Lucy respondeu por mim.

Carl gesticulou para que eu o acompanhasse. Fui sem nenhuma vontade atrás das pegadas dele.

- Aqui. – Carl retirou uma Colt Magnum de uma mochila preta e a estendeu pra mim. Admirei a arma brilhante e não neguei que era extremamente bonita. Logo eu que não era nenhum pouco fã de armas de fogo me deixei encantar.

- Você levanta, entorta um pouco os olhos. – ele se fez de vesgo mostrando-me como deveria fazer. – Se você enxergar o cano, então você está mirando certo. Entendeu?

- Como eu vou enxergar alguma coisa estando vesga? – perguntei confusa.

- Tenta. – Tomei a arma das mãos de Carl e admirei-a mais um pouco. Dei um sorriso a ele e me preparei para a cena ridícula a ser feita. Assim que fiz o que Carl tinha mandado ouvi risos ao redor, mas não me desconcentrei.

- Então, eu miro, fico vesga e se enxergar a arma entre os olhos eu estou mirando certo? Certo?

- Certo.

A visão embaçada estava lá, e o cano prateado da Magnum também. Ambos apontados para uma pequena lata de conserva sobre o galho de uma árvore.

- Tá brincando que esse é o alvo? – a distância não era nenhum pouco boa para uma iniciante. O alvo, ainda pior.

- Não calcule muito, aponte, envesgue e puxe o gatilho.

Ok, ergui os braços mais uma vez, apontei, mirei, ajeitei com os olhos. 1...2... Boom! A bala passou longe de onde deveria.

- Eu fiz o que você pediu! – respondi indignada.

- Não, você ajeitou com os braços. Você têm que ajeitar com os olhos. – Carl sacou uma arma média do bolso da calça e me mostrou como era. O que tecnicamente era exatamente como eu havia feito.

- Isso não é pra mim. Lucy disse a verdade. – eu ri e olhei para o garoto armado ao meu lado. Não era um garoto, não condizia com a idade.

- Só precisa de um tempo. É questão de costume. – disse um dos gêmeos. Ambos tinham nas mãos uma Colt, mas deviam ser de 6 tiros enquanto a minha era de 4.

- Sério? Questão de tempo e costume? Vamos, pegue essa flecha e acerte naquela lata. – eu tirei minha alma das costas e entreguei a Sean, o mais loiro. Ele se aproximou alegre e ansioso, mas desistiu assim que suas mãos não aguentaram com o peso do objeto.

- Silêncio é a melhor arma. – Sean me olhou atento. Eu tirei a alma das suas mãos e sorri.

- Eu quero ser como você quando eu crescer. – Georgine agarrou minhas pernas com seus braços finos e brancos. Olhei para baixo e vi aquele sorriso enorme iluminar meu rosto.

- Não, você não quer. Você não gostaria de ser como eu sou. – a dor aguda no meu peito era a chave que abre a porta do passado girando no meu peito. Engoli seco, puxei a maçaneta de volta e ordenei que tudo que eu havia vivido ficasse lá. Sozinho no escuro e amordaçado. Ninguém precisava saber de nada.

- Você vai dar essa chance a ela Rick? De crescer? – eu queria afronta-lo. Não precisamente por odia-lo, mas para faze-lo desistir daquilo.

- Isso depende de você Lara, não de mim. – respondeu de braços cruzados.

- É o suficiente por hoje.  Me deem as armas. – Shane passou por eles recolhendo cada um dos armamentos. Ellena não conseguiu esperar sua vez e deixou a espingarda cair sobre seus pés. Lágrimas rolaram pelo seu rosto.

- É a última vez que você vai precisar fazer isso. Eu prometo. – Shane sussurrou acariciando o rosto pequeno e branco da menina. Ela me olhou com aqueles olhos grandes e cheios de lágrima, como se a promessa tivesse sido feita por mim e não por Shane. Engoli seco mais uma vez.

- E você, concorda com tudo isso? – todos já haviam se retirado e apenas eu e Carl ficamos no lugar. Ele fitou o chão e refletiu um pouco.

- Eu estou cansado. Eu só quero um lugar pra ficar. E estou tão cansado que não posso pensar em outra solução.

- Posso pensar por você? Por exemplo caminhar por ai e achar outro caminho para chegar até lá? Ou ainda mais fácil, olhar no mapa?

- Nós não temos o mapa de Etowah. Apenas o de Portland.

- Então eu posso fazer a primeira opção?

- Não podemos.

- Prefiro ouvi você dizer que não podemos do que dizer que vai ficar tudo bem.

- Se conseguíssemos contato com o CCD estaria tudo perfeito. Eles viriam nos encontrar e estaríamos salvo.

- Isso não vai acontecer então... Vamos morrer. – eu nem calculei as palavras, expulsei-as de mim totalmente ressentida e mergulhando de novo na loucura de Rick. Carl não protestou.

- Eu não odeio seu pai. Eu odeio a loucura dele, que isso fique bem claro também. Precisam de pilhas não é? Vamos achar pilhas. – eu mergulhei na floresta a passos largos e fortes. Carl me seguiu com passos menos mas não menos apressados.

- Não podemos! – ele protestou me puxando pelo braço.

- Você têm um certo problema com repetição de termos. “Não podemos! Não podemos”. – eu disse ainda caminhando. Carl apressou o passo e se colocou a minha frente.

- Não! – ele determinou corajoso me fazendo parar.

- Certo... – disse respirando fundo e olhando em seus olhos. – Você quer ir? Nós vamos. Mas pra isso temos que encontrar em contato com o CCD. Vamos buscar pilhas, voltamos em no máximo 30 minutos, claro, se você sair da minha frente assim que eu terminar de falar. Certo? Ninguém morre, todos procriam e vivem felizes para sempre sem ver o sol.

Carl não mudou de expressão, o que me fez pensar que sua decisão também não. Eu me preparava para ultrapassa-lo quando ele se deslocou e se pôs a caminhar na minha frente.

- Pega. – Carl levantou a blusa e eu peguei a Colt que usara no treinamento no bolso da sua calça.

- 30 minutos. – ele apressou.

Caminhamos a passos apressados por entre as árvores. Nossas cabeças giravam a todo momento a qualquer ruído que não viesse debaixo dos nossos pés. Chegamos a vila suados e exaustos e alguns walkers aguardavam por nós.

- Não precisamos avançar muito. Um relógio, controles de tv, qualquer coisa dessas têm pilhas. Só uma casa e vamos embora.- ele concordou e nós avançamos devagar por um pequeno trecho entre dois jardins, completamente abaixados e silenciosos.

- Droga. – Carl olhava ao redor com uma expressão raivosa. Ele gesticulou com suor na têmporas que a porta estava trancada. Barulho. Não podíamos fazer barulho, mas também não podíamos andar mais do que o necessário.

Olhei as janelas, uma delas estava coberta com uma rede contra mosquitos. Apontei para ela e Carl rasgou o tecido bruscamente. Carl era relativamente menor que eu, e para ele foi mais fácil, eu tive um pouco de trabalho mas consegui entrar.

A casa era pequena embora tivesse dois andares. Sempre achei casas pequenas o lugar ideal para se viver. Você fica próximo as pessoas, e eu gosto disso. Não havia muita bagunça quanto nas ruas, mas em compensação a poeira cobria tudo.

- Vamos voltar bem mais rápido do que eu imagin... – a frase foi cortada por um espirro abafado imediatamente por uma das minhas mãos. Carl olhou preocupado e caminhou apressado pelo pequeno cômodo levantando as coisas como se fossem penas.

- Fica vigiando.E respira pela boca pelo o amor de Deus. – Carl sumiu pelo curto corredor até o andar de cima. Eu olhei lá fora e cerca de cinco walkers caminhavam a passos lentos pelo jardim da casa do outro lado da rua. Eu tampava meu nariz com toda a força, e com a boca aspirava todo o ar que podia.

Eu ouvia os passos curtos de Carl no cômodo acima, cada passo era a certeza de que ele não havia encontrado nada ainda. Não consegui ficar parada, caminhei até a pequena estante grudada a parede e procurei primeiramente por controles remotos, depois por brinquedos, e rádios, e qualquer tipo de coisa que pudesse ou não usar pilhas. Nada. E os que haviam estavam vazios.

Atchin!

- Isso é bastante estranho, tudo que tinha pilha esta vazio. Como se alguém já tivesse passado por aqui. – eu me virei assim que ouvi os passos atrás de mim. Mas não era Carl. Um deles, vindo não sei de onde, caminhava para cima de mim com grandes olhos esbugalhados e famintos. Eu tinha uma lanterna nas mãos e fui a primeira e única arma a ser usada sobre ele. Senti uma dor forte no coração que fez meu corpo se curvar, o peso da lanterna enfiada nos olhos daquele monstro quase me levou ao chão quando ele caiu. Pisei em sua cabeça uma, duas, três vezes. Até me certificar que nenhum som saia daquela boca ou que nenhum movimento era feito.

Novos passos vindos do corredor. Me preparei rapidamente, a flecha estava pronta para atravessar algum crânio putrificado quando Carl apareceu com um dedo na boca pedindo silêncio.

- Estamos cercados. – ele sussurrou. Eu olhei pela janela e vi uma dúzia deles caminhando para a casa onde estávamos. Meu coração parou. O som começava a me arrepiar os pelos do braço. Carl fez sinal para que subíssemos para o andar de cima e eu sem titubear o acompanhei.

- Silêncio é a melhor arma, lembra? – ele me repreendeu com meu próprio argumento. Carl me guiou até um quarto. Assim que entramos ele fechou a porta. Ajudei-o a colocar uma pequena cômoda na frente. Olhei pela janela e vi aquele aglomerado de mortos e seus braços finos disputando um lugar na janela que havíamos quebrado.

- Não havia tantos quando chegamos. – multidões sempre me impressionavam, multidões de zumbis me impressionavam ainda mais. Eu podia ver apenas um lado da casa, e não fazia questão de ver o outro para me assustar por completo.

- Meus espirros não fizeram isso Carl. Não mesmo. – eram muitos para pouco tempo de barulho. – Vão conseguir entrar?

- Com certeza. – respondeu Carl.

Eu me desesperei, mas tentei manter a calma, pelo menos 1% dela.

- Conseguiu? – Carl balançou a cabeça negativamente. Eu soquei uma das mãos sobre a palma da outra. Tudo aquilo para nada. Raiva.

Os zumbis tomaram o cômodo de baixo da casa em poucos minutos. Meu coração sempre podia correr mais a cada novo desespero.

- Você primeiro. – ordenou Carl abrindo a janela. Eu olhei para baixo e fechei os olhos antes que pudesse calcular a altura e sentir medo.

- Anda logo, podia ser aquela. – disse ele apontando para a casa a nossa frente, onde o segundo andar equivalia a quase quatro andares daquele onde estávamos. Não tive tempo para valorizar o medo que brotava. Coloquei as pernas para fora e pulei antes que pudesse desistir. Seis deles ainda esperavam para entrar. Quatro foram mortos pelas flechas, os outros dois tiveram que esperar por Carl.

- Vê aquilo? – eu e Carl corríamos pela rua em direção a floresta quando ele me apontou uma cabine de segurança. Pareceu-me estranho uma cabine de segurança em uma vila rural de Etowah. Eu olhei com aquele olhar esquisito, não entendia muito bem o que Carl havia observado.

- Ele têm uma lanterna. Preciso pegar as pilhas dela. Tome. – ele me entregou sua arma. – Eu pego, você atira. – Carl saiu em disparada rumo a cabine. Só depois de algum tempo eu notei que o “ele” a quem Carl se referira era um segurança zumbificado que havia ficado preso dentro da cabine no inicio da infestação e consequentemente morrido. “Droga” foi o que eu pensei. Andantes vinham de todas as direções, lentamente, porém a quantidade era o maior perigo. Peguei minha alma pronta para fazer a proteção de Carl. Notei que só havia uma flecha. Essas coisas costumam acontecer em filmes, não em situações reais, mesmo que aquilo não parecesse real.

Ele arrancou uma placa do chão e acertou o vidro da cabine. O segurança pulou sobre ele faminto. Cada movimento daquela luta fazia meu coração pular no peito. Eu tive que usar minhas flechas em dois andantes que saiam da casa. Só sobrara a arma. Os outros também saiam. Logo o andar de cima estaria vazio e todos estariam na rua.

Carl lutava contra o tempo e contra o zumbi. Eu fiz como ele me ensinara. Apontei a arma, modifiquei o olhar e mirei. Não deu certo. Eu tremia como nunca na vida. Minhas mãos suavam e o dedo escorregava pelo gatilho.

Carl arrancou a lanterna do pescoço do andante e se preparava para correr de volta. Eu abaixei as mãos aliviada quando o vejo ser puxado de volta para a cabine pelo morto vivo. Não mirei, apenas apontei no ponto a minha frente. O corpo dele já saia de dentro da cabine pronto para devorar Carl quando o estampido rugiu no ar. “Boom”. Headshot. Meu primeiro tiro certeiro.

Carl correu desesperadamente até aonde eu estava. Olhei para a janela do segundo andar e nenhuma movimentação acontecia. Todos estavam prontos para marchar pela rua atrás de nós.

- Adrenalina funciona bem em você,. – Carl se aproximou com a Lanterna nas mãos. Corremos para dentro da floresta sem olhar para trás. Não precisávamos  confirmar que eles estavam vindo. Mas conseguimos ser mais rápidos, muito mais rápidos. Coisas que a gente só faz com muita adrenalina pulsando.

- Sabe, você parece mais com o seu pai do que eu pensava. – Carl havia herdado a veia suicida de Rick. Mas diferente de Rick, Carl era o que eu chamaria de inteligentemente suicida.

- Só falta me dizer que não têm pilhas? – Carl tentava abrir a lanterna mas parecia uma tarefa impossível para ele. Eu tomei o objeto de suas mãos e procurei qualquer relevo escrito “abra ou puxe”. Uma pequena flecha pedia para que escorregar a tampa para cima. Assim o fiz. Quatro pilhas saltaram sobre meu rosto.

- Obrigado Deus! – eu disse caindo de joelhos ofegante pela corrida.

- E o Carl nada... – reclamou o garoto.

- Muito, muito obrigada pequeno suicida. – eu me levantei e continuei a caminhar. O ponte já era visível o que causou um certo conforto. Beirava o meio dia e o sol queimava a minha cabeça.

- Pequeno? – indagou Carl a passos mais calmos.

- Não se sinta ofendido. Sua estatura não têm nada a ver com a sua idade ou maturidade. Não foi uma ofensa.

- Obviamente não, porque se fosse eu diria que a sua idade não condiz com a sua maturidade. – respondeu Carl.

- Isso foi um elogio? – eu parei e observei aquele rosto vermelho e suado.

- Você é uma criança a maioria das vezes. – Carl não pareceu temer dizer aquelas palavras.

- Porque está dizendo isso? – questionei completamente confusa.

- Você e Glenn. Uma hora se beijam, outra hora se afastam.

Eu olhei para Carl, que também me olhava. Estranhei totalmente aquela situação, aquele dialogo e aquela visão dele sobre mim. Será que todo mundo já havia percebido o quão perdida eu estava naquele jogo?

- Certo. Eu fiz um comentário sobre a sua altura e você faz um comentário sobre a minha vida pessoal.

- Um comentário sobre a minha altura não deixa de ser um comentário pessoal. – retrucou Carl.

- Você sempre têm respostas né? Temos algo em comum além de termos matado nossas mães. – era o tipo de ironia para se guardar. Carl olhou para mim totalmente sem reação.

- Desculpa. Meu humor é atípico. Nessas situações é melhor você transformar as coisas tristes em respostas irônicas do que em lágrimas de madrugada. – eu disse tentando concertar o erro.

Carl continuou calado, senti que havia liberado seu depósito de lembranças. Carl não era um menino, não era um garoto. Era um homem preso no corpo e no rosto de um rapazinho de 14 anos. Eu percebera isso desde o primeiro momento que havia o visto. Naqueles olhos azuis marinhos, que com certeza deveriam se parecer com os da mãe.

- Você não sabe, mas eu confio em você. – eu confessei a Carl.

- Não. – ele respondeu.

- Agora você sabe... admiro sua sinceridade.

- Obrigado. – respondeu timidamente.

- Preciso dela agora. – Carl caminhou ao meu lado encarando meu rosto enquanto eu olhava para frente e para o lado oposto pensando exatamente como dizer aquilo.

- Certo, imagine dois caras. Um cara é extremamente legal com a garota, o outro é totalmente estranho e recluso. O cara legal salvou a vida da garota, o cara estranho queria deixa ela morrer. Depois ele salvou a vida dela, mas ela salvou a dele primeiro. O cara legal a quer, o cara mal... eu não sei. Tipo, não sei. Talvez ela se imagine tanto com o segundo que criou esperanças que ele também a queira. A questão é que ela precisa decidir se quer lutar ou descansar, porque ela já tem uma luta ganha com o cara legal, ela diz sim e eles ficam juntos. Ou então ela escolhe o bruto e têm que lutar por aquilo, sem nenhuma base e grandes chances de ouvir um não. Qual dos dois você escolheria? E não me diga que parece muito óbvio porque não é.

- É bem óbvio para mim, porque eu não sei todas as situações que ela passou com eles. Não é só um cara mal e um cara bom. Envolve mais.

- Preciso de uma resposta mais exata. Se for pra dar voltas e fugir eu mesma faço isso. – disse um pouco exaltada.

- Se você gostasse mesmo do primeiro, não haveria um segundo. – parei de caminhar para refletir sobre o que Carl acabara de dizer. Fazia muito sentido. Me dava uma certeza ainda maior sobre quem eu realmente amava ali. Carl continou caminhando me deixando para trás a mastigar a verdade que ele dissera.

- Isso quer dizer que o segundo é a escolha certa? – perguntei ingênua.

- É o que a frase diz. – respondeu.

- E o que você diz?

- Minha vez de perguntar. O que você diz? – ele parou alguns metros a minha frente e me encarou. Eu aguardei um momento para responder.

- Não me parece a escolha certa. É bem auto destrutiva e sem nexo. Ele odeia negros. É descontrolado e minimalista. – respondi certeira. – As vezes eu o odeio, as vezes eu gosto dele. É extremamente confuso. Eu perdi todas as minhas certezas desde que o vi. Eu nem sequer sei meu nome. Lara, Lindsay, Lana?. – Carl sorriu um sorriso meigo e esperou que eu me aproximasse para continuar a caminhar.

- Você e o “primeiro”. Vocês transaram?

- Não!

- Quase transaram?

- Er, sim... – confessei minimamente envergonhada.

- É físico. - ele afirmou com uma voz calma e convicta.

- Você e o "outro".

- O que?

-Transaram?

- Não!

- Quase transaram?

- Claro que não.

- É verdadeiro.

Chegamos ao acampamento com Carl me empurrando uma dessas goela abaixo e mente acima. Se eu reclamava de incertezas, Carl havia me dado todas as respostas que eu procurei nas noites anteriores. Eu então agora só precisava de coragem. Talvez uma injeção de adrenalina funcionasse. Com ela eu fazia coisas que não conseguia fazer normalmente. Pularia eu de Bumg Jump dizendo a Glenn que não era ele e sim Daryl? Talvez, se fosse preciso. E era preciso.

Rick se aproximava de mim furioso.

- Onde vocês estavam? – retirei as pilhas do bolso e as entreguei a Rick.

- Sem suicídio coletivo por enquanto Sr. Grimmes. – ele pegou as pilhas da minha mão e foi baixando o olhar, relaxando os ombros e amolecendo a postura. Não me disse obrigado, mas seus olhos fizeram isso por mim.

- Ao Carl. – eu direcionei seu olhar grato para o garoto e sorri. Não iniciaria uma discussão ali, depois de uma manhã longa, simplesmente pela ausência de um obrigado. Estava totalmente satisfeita por tudo. Muitas conquistas para 6 horas de vida; salvei a vida de Carl, encontrei as malditas pilhas, e o mais importante, eu tinha certezas.

- Me diz uma coisa... com quem aprendeu todas essas coisas?. Porque é muito para um garoto de 14 anos, mesmo num mundo pós-apocalíptico. Sem ofensas.

Carl não se ofendera com a pergunta. Apenas me olhou e sorriu um sorriso farto.

- Gabrielle. – respondeu.

Eu sorri de volta e montei uma figura na cabeça. De como ela seria. Sorri, sorri de novo e caminhei exausta para o trailer. Apenas com o peso da alma nas costas e com o coração quilos mais leve.

- Você não vai querer saber quem eu escolheria? – eu estava na porta, pronta para entrar e me jogar na cama quando Carl me chamou novamente.

- Diga. – eu respondi a ele.

- Eu escolheria quem me pediu para te ensinar a atirar.


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